Lima - entrevista - Rui Vitória disse-me que tinha pena de me ver partir

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Está a chegar o jogo que promete parar o país. As duas equipas que têm repartido o domínio do futebol português nos últimos anos enfretam-se este domingo no Estádio do Dragão. O FC Porto-Benfica ameaça começar a desvendar um pouco da história do campeonato.

Ocasião perfeita, portanto, para falar com o homem que decidiu o jogo da temporada passada, dando ao Benfica uma vitória que escapava desde 2005. Lima, que agora está no Al-Ahly, do Dubai, decidiu o duelo do Dragão e antevê o deste ano, acreditando que o Benfica pode repetir a façanha.

O avançado faz, ainda, uma retrospetiva dos anos de águia ao peito, comenta a saída de Jorge Jesus para o Sporting («Nunca imaginei») e aborda temas como a possibilidade de jogar pela seleção portuguesa e a nova vida nas Arábias. 



Com que impressão ficou de Rui Vitória no tempo em que trabalhou com ele?

É um treinador super motivado pelo desafio que tinha pela frente. Ele sabe o que é o Benfica, já lá esteve, não é? Também me pareceu muito exigente e tem de ser assim, porque num clube como o Benfica já sabe que, quando não corre bem, a cobrança vai aparecer. Ele tem personalidade para gerir a cobrança dos adeptos. Acho que o seu maior trunfo é a mentalidade de benfiquista. Tem que ter para levar o Benfica ao sucesso. Estou a torcer por ele. No tempo que trabalhei com ele, foi impecável comigo. Educado, compreensivo. Quando soube que eu ia sair, veio falar comigo, disse-me que tinha pena de me ver partir.
 

 

Ficou surpreendido com a saída do Jorge Jesus do Benfica para o Sporting?

Um pouco. Imaginava que ele ia sair de Portugal. Quer dizer, primeiro imaginava que ele nunca ia sair do Benfica. Já estava lá há seis anos, controlava tudo. Era ele que resolvia tudo. Fazia tudo do jeito dele. Havia quem não gostasse, havia quem gostasse, mas, no fim de contas, o que interessa são os resultados. E depois, sem desprimor, mas muito menos pensava que ele ia para o Sporting. Não imaginava. Mas compreendo, o futebol é mesmo assim.
 

 

Acha que os adeptos do Benfica têm motivos para se sentirem traídos?

É complicado. Quando se fala de adeptos fala-se de emoções, sentimentos, de viver a aura benfiquista. Para um adepto, mudar para um rival não é normal, não é aceitável. É compreensível aquela raiva, aquela ira. Não critico os adeptos claro, mas têm que entender que faz parte do futebol. Mas, pronto, para mim não foi a melhor decisão que ele tomou, não é… (risos)
 

 

Na última época sentiu sempre Jorge Jesus focado até ao fim nos compromissos do Benfica?

Sempre. Sempre focado. É um profissional extremamente competente, extremamente focado. Ele não quer só ganhar, quer ganhar e quer ser quase perfeito. Quer jogar bem, marcar muitos golos e não sofrer nenhum. É super exigente e manteve isso sempre. Vi em poucos treinadores a paixão que ele tinha pelo futebol e a vontade de ganhar que ele tinha. Era super dedicado. Entre os jogadores até brincávamos que ele não sabia mais nada que não futebol…
 

 

Quais foram os melhores momentos que viveu com a camisola do Benfica?

(pausa) Os dois golos ao Olhanense, que deram o primeiro título nunca vou esquecer. Também os dois golos no Dragão, no ano passado, claro. Depois houve um golo contra o Sporting, após uma grande jogada do Nico [Gaitán]. Foi marcante, também foi num grande jogo e a jogada foi fantástica. Meteu também o Salvio, se não estou em erro. E a finalização foi perfeita.
 

 

E ficou-lhe alguma mágoa?

Mágoa? Não, nenhuma…
 

 

Nem aquelas finais da Liga Europa?

Ah. Pois. Não ter ganho uma competição europeia, se calhar. Estivemos em duas, com Chelsea e Sevilha. A mágoa foi essa, então. Mas fui muito feliz no Benfica e tenho momentos de grande alegria para recordar a vida toda. Se tivesse ganho a Liga Europa seria completo, mas estou satisfeito. Foram dois anos maravilhosos, junto de adeptos fervorosos, fieis que ajudam muito a equipa. Ver aqueles adeptos felizes faz-nos muito bem, também.
 

 

Jogou com Cardozo, Rodrigo, Jonas… Com quem se entendia melhor?

Sempre essa pergunta (risos). Não imagina as vezes que me perguntam isso… São jogadores completamente diferentes. Se fizermos uma análise, acho que o Jonas foi o que melhor encaixou comigo, o que mais se entendeu. Acho que até foi a dupla que rendeu mais golos. Era muito fácil jogar com ele. O Rodrigo era mais explosivo e finalizava bem. O Jonas tinha aquela movimentação que complicava muito a vida aos adversários. E merece o momento que está a viver. Chegou mais tarde no ano passado e fico feliz por tê-lo ajudado a chegar a este nível.

 

 

 

 

Vamos então ao motivo principal do telefonema: o Clássico do ano passado. Ainda o guarda na gaveta das boas memórias?

Claro! E de lá não sai… Foi um jogo muito especial por dois motivos. Pelos dois golos, claro, porque não é fácil marcar dois golos no Dragão. Se bem que eu, por todas as equipas em que joguei, consegui marcar lá…Faltou o Vizela porque não tive essa oportunidade. Vai daí e se tivesse calhado na Taça ou assim tinha marcado também (risos). Sempre fui feliz ali, mas sempre individualmente. Faltava marcar e vencer e esse é o segundo motivo por que o jogo do ano passado foi tão especial. E, além disso, foi um passo importante para o título.
 

 

Importante ou decisivo?

Decisivo não foi. Ainda faltavam muitos jogos. O Benfica tem sempre dificuldades em campos pequenos de algumas equipas. Jogos no inverno, relvados difíceis e as equipas quando jogam contra o Benfica querem mostrar sempre mais. Era nítido isso. Eu sei porque passava-se o mesmo comigo quando estava no Belenenses ou no Sp. Braga. Comentávamos logo: vem aí o Benfica, há que dar mais… Mas, resumindo, não foi decisivo mas foi, claro, um jogo super importante.
 

 

Então e esse hábito de marcar ao FC Porto vem de onde? Não gosta de azul?

(Risos) Não, nada disso. Acho que é só coincidência. Eu motivo-me da mesma forma para qualquer jogo. Seja contra o FC Porto seja, sem desmerecer, o Arouca, o Paços ou o Moreirense, por exemplo. Motivo-me sempre da mesma forma. Portanto talvez seja destino ou coincidência. Claro que depois os dois golos do ano passado repercutiram muito por ser um dérbi. O FC Porto é uma grande equipa e vai continuar a ser. Não é para qualquer jogador fazer dois golos assim.
 

 

O jogo do Dragão serviu também para acabar de vez com o «fantasma» do Kelvin?

Foi um jogo muito difícil. Foi uma machadada naquele grupo. As coisas estavam a correr-me muito bem, era a minha primeira época no Benfica, já tinha marcado quase 30 golos, se não estou em erro. Nesse jogo também marquei e não contava com aquilo. Nem eu nem ninguém, claro. Lembro-me que saí para entrar o Cardozo, penso eu, estava 1-1 e tínhamos a vantagem e o jogo seguro até o Kelvin acertar aquele chuto. Naquele momento…Bem, é uma tristeza tremenda.
 

 

Aquele golo perseguiu o grupo?

Não, ficou ali. Havia sempre aquele trauma, porque aquele final de época foi muito difícil, mas percebemos que tínhamos de seguir em frente. Tiramos lições para o futuro. Sabíamos, depois daquilo, que tínhamos de ser mais fortes, mais exigentes em todos os aspetos. Se mais não fosse, serviu para tirarmos lições para o futuro e, no assim, seguinte, foi tudo completo.
 

 

O Benfica pode fazer este ano o mesmo que no ano passado?

Acredito que sim e torço por isto. Continuo benfiquista (risos).
 

 

E é benfiquista deste quando? Só quando conheceu o clube por dentro?

(Risos) Há uma história muito boa. Eu quando cheguei a Portugal era super ambicioso. Era um sonhador e tinha um sonho bem definido: jogar num grande, estar em grandes jogos. Felizmente esse foi um sonho que consegui realizar. Já vivi muita coisa. Ganhei dois títulos portugueses, joguei a Liga dos Campeões, estive em finais da Liga Europa. Hoje estou super realizado. E recordo que um dia, estava num café a ver um jogo do Benfica no Jamor, final da Taça de Portugal. O treinador do FC Porto era o Mourinho e o Benfica ganhou. Bem, foi uma festa enorme em Vizela. Aliás foi em todo o país, o Benfica é enorme. Antes do jogo, veio um amigo, o Pedro, lá de Vizela, buscar-me a casa: você vai ver o que é o Benfica. Fiquei fascinado por aquela paixão. Ele tirou uma foto que o Cláudio [ex-Gil Vicente], outro grande amigo, guardou até hoje e enviou-me há dias. E dizia-me: um dia você vai jogar no Benfica. Naquela altura, eu mal jogava no Vizela…Até hoje recordo essa história.

 

Como antevê, então, o jogo deste domingo?

Os dérbis são sempre jogos muito difíceis. O que procurávamos fazer era ser sempre exigentes no campo. O FC Porto tem bons jogadores, mas vi estes últimos dois jogos do Benfica e senti que a equipa está mais entrosada. Está a formar uma grande equipa. Precisam de unir-se. E depois o Luisão, Jardel, Júlio César vão passar para os mais novos a importância do jogo. Já viveram muitos jogos grandes, sabem o que têm de fazer para ganhar.
 

 

O FC Porto-Benfica é um jogo à parte dos demais?

Sem dúvida. Porque ali não conta só o resultado. É a motivação que trás, o bem que faz ao ego ganhar um Clássico. Se o Benfica encarar o jogo de forma muito aguerrida, muito concentrada, com o talento que tem na frente pode repetir o que fez no ano passado. Há o Jonas, o Mitroglou, que tenho gostado muito, e o Gonçalo Guedes, que já sabia que tinha um grande talento, mas que me surpreendeu pela personalidade que coloca em campo. Sem falar no Nico…o craque. É um grande jogador e uma pessoa espetacular. É fundamental no Benfica.
 

 

Quem pode ser este ano o novo Lima no Dragão?

(Risos) Vou dar um palpite profissional e apostar no Jonas. E também um palpite pessoal. Gostava muito que fosse o Jardel a dar a vitória ao Benfica. Tive grandes companheiros no Benfica, mas o Jardel era aquele com quem tinha mais ligação. Estava com ele quase todos os dias, jantávamos juntos muitas vezes. Tínhamos uma ligação mais efetiva. Até lhe vou agora mandar agora uma mensagem a dizer que aposto nele para marcar no Dragão (risos). É um grande profissional, um grande jogador e tem evoluído bastante.
 

 

Curiosamente, durante muito tempo foi falada a possibilidade de o Lima estar...do outro lado do Clássico. É verdade que esteve perto de assinar pelo FC Porto quando representava o Sp. Braga?

Acho que isso foi só especulação. Pelo menos não houve nenhuma proposta que chegasse até mim. Mas é verdade que muita gente falava-me disso. Até no Belenenses. Diziam-me: olha que o FC Porto está de olho… Na altura fiquei contente, claro. Estava no Belenenses e o FC Porto é uma grande equipa. Mas pronto, tudo tem o seu momento certo e acabei por ir para outro grande clube. Hoje posso dizer que felizmente não fui (risos), porque nos três anos que estive no Benfica ficamos por cima do FC Porto em dois...
 

 

Qual era o jogo que mexia mais com os jogadores: Benfica-FC Porto ou Benfica-Sporting?
 
Nos três anos que estive no Benfica, não sei se foi por o Sporting não estar tão no topo e não brigar pelo título, eram os jogos com o FC Porto. Eram os mais fervilhantes, os mais tensos. Sentia que o país parava para ver aquilo. No tempo que lá estive, sem dúvida que o FC Porto foi o maior rival do Benfica.
 

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