Nunca um campeão do século XXI perdeu tantos titulares de uma só vez

Fonte

A fase é ainda embrionária para se tirarem conclusões palpáveis quanto ao real poderio dos três “grandes” para a temporada que se avizinha, mas, face à “debandada” verificada nos quadros do campeão Benfica, torna-se cada vez mais claro que Jorge Jesus terá pela frente um trabalho árduo no sentido de devolver à equipa a coesão e a identidade que, na época passada, lhe permitiram conquistar um inédito “triplete” e ser finalista vencida da Liga Europa. Afinal, desde que a época 2013/2014 terminou, os “encarnados” perderam já cinco dos habituais titulares, um número que prefigura um novo recorde entre todos os campeões nacionais do século XXI.

Face ao sucesso alcançado pelos pupilos de Jesus dentro e fora de portas, era quase um dado adquirido que os “encarnados” não se livrariam da cobiça de alguns dos principais emblemas europeus e que, em nome de um passivo que continua a ser alto e da turbulência que atravessa o banco BES, um dos principais sponsors do clube, Vieira e companhia teriam de abrir mão de alguns dos activos do plantel, para garantir a estabilidade financeira.

Na realidade, o presidente do clube começou a acautelar a situação logo em Janeiro, quando assegurou a venda de Rodrigo e André Gomes ao fundo Meriton Capital Limited, de Peter Lim, por 45 milhões de euros (mais tarde, o clube comunicaria à CMVM que o montante que efectivamente receberia seria de 33,3 milhões). Na altura, os dois jogadores continuaram na Luz, mas era praticamente certo que o fim de linha no Benfica chegaria no final da época. E assim foi. Só que a este negócio seguiram-se outros que, aos poucos, têm privado a equipa de algumas das principais peças. Siqueira terminou o período de empréstimo sem que o Benfica exercesse o direito de opção, Garay seguiu viagem para o Zenit, Markovic rumou ao Liverpool e Oblak mudou-se para o Atlético de Madrid.

Ao todo, os cofres da Luz foram recheados com 64,3 milhões de euros, mas o rombo no plantel é indisfarçável: mesmo excluindo André Gomes, que não está entre o leque de jogadores que mais vezes foram chamados ao “onze”, são já cinco os titulares que não estarão às ordens de Jesus. A estas saídas, poder-se-ão ainda juntar as de Enzo Pérez e Gaitán.?Por isso, Toni, antigo jogador e treinador do Benfica, não hesita em afirmar que será necessário ter muita “paciência e persistência” para que esta equipa chegue ao nível que atingiu na época passada. “O FC Porto tem feito contratações cirúrgicas, parece estar mais forte e estruturado, o Sporting manteve a mesma base do ano passado e o Benfica, com tantas saídas, acaba por ficar mais enfraquecido”, defendeu o técnico que foi campeão pelos “encarnados” em 1988/1989 e 1993/1994. Admitindo que “não é normal” perder-se tantos jogadores, Toni fala numa “machadada profunda” que exigirá a Jorge Jesus um “trabalho ciclópico”.

Olhando à listagem dos campeões mais recentes, as duas equipas que se viram mais desfalcadas foram o Sporting de Augusto Inácio, após os “leões” terem sido campeões em 1999-2000, e o FC Porto pós-Mourinho, na altura em que os “dragões” conquistaram a Liga dos Campeões. Se o conjunto de Alvalade disse adeus a Vidigal e Saber (Nápoles), Aldo Dushcer (Deportivo) e De Franceschi (Veneza), nos “azuis e brancos”, o êxito europeu de 2003/2004 ditou as saídas de Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho (Chelsea), Deco (Barcelona) e de Pedro Mendes (Tottenham). Alenichev também foi para o Spartak de Moscovo, mas, apesar de muito utilizado, não fazia parte dos 11 jogadores que mais vezes foram chamados ao “onze”. É certo que Maniche, Costinha e Derlei acabariam por fazer as malas e assinar pelo Dínamo de Moscovo, mas só durante a reabertura do mercado, em Janeiro.

De resto, por diversas vezes a equipa que conquistou a Liga viu fugir três dos seus habituais titulares no prelúdio da época seguinte: o Boavista ficou sem Litos, Rui Bento e Quevedo depois de ser campeão em 2000-2001; o Sporting sem André Cruz, Babb e Hugo Viana no final da temporada 2001/2002; o FC Porto sem Bosingwa, Paulo Assunção e Quaresma quando terminou a época 2007/2008 e sem Cissokho, Lucho e Lisandro na temporada seguinte; o Benfica, já com Jesus, viu sair Quim, Ramires e Di María depois de ser campeão em 2009/2010. Agora, o desafio parece ser ainda maior. Este é “o preço a pagar pelo sucesso”, admitiu o treinador do Benfica no final do jogo com o Sporting, para a Taça da Honra da AF Lisboa. Mas o técnico lá vai deixando transparecer alguma insatisfação: “Só trabalho não chega. É preciso qualidade.”