quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Da venda do Bernardo

Janeiro é um mês especial para o Benfica. Desde que foi decretado que havia dois espaços para os clubes poderem fazer os seus negócios que o Verão e o início do Inverno têm sido sempre animados.
E o Benfica não costuma desapontar nessa altura. Seja pelos bons ou pelos maus motivos, uma coisa é certa: a reacção que algumas decisões que a Direcção do Benfica toma, mais em Janeiro, do que no Verão, dão sempre para ver a noção de planeamento que aquela gente tem.

O que é certo é que o Benfica lidera o campeonato no final da primeira volta, está bem posicionado para seguir em frente na Taça da Liga e isso vai chegando. O "conhecido" sócio Paulo Parreira disse na AG do clube, depois da época do minuto 92, que o que interessava aos adeptos e sócios do Benfica era "ganhar". Como desde esse tempo, vamos ganhando, está tudo bem, olhando para o que se diz e escreve.

Olhemos aos factos que explicam a venda de Bernardo Silva ao Monaco, durante o dia de ontem:

- Financeiramente, 15,75 milhões de euros por um jovem do Benfica, sem ter actuado um jogo completo pela equipa principal, é um bom negócio. O futuro apenas dirá se foi mesmo um bom negócio, um ruinoso negócio ou um simples negócio de ocasião.

- 15,75 milhões de euros, olhando para a conjuntura económica do país e do clube, é um valor que encaixa nos objectivos anuais do mesmo, no que à liquidação do enorme passivo que o clube vai tendo ao longo dos anos se insere. O problema é que a injecção de capital que a SAD do Benfica (não é o clube, atenção!) tem tido nos últimos anos não tem servido para reduzir esse passivo e esses números bonitos que se apresentam nas AG que decorrem no camarote presidencial.

- Bernardo Silva é um talento, com 20 anos. Disso, creio que não há muitas dúvidas, sem serem as que são criadas pela mente de Jesus, que não o consegue encaixar no seu modelo de jogo. É estranho, e acho estranho que o talento que Bernardo tem não possa encaixar no mesmo modelo em que entra um Franco Jara ou um Bébé, e onde já entraram Filipe Menezes, Bruno César, Cortez, Emerson e outros mais que, para além da qualidade duvidosa, tiveram lugares quase cativos enquanto por cá andavam.

- Esse mesmo talento que não passou despercebido a toda a Europa durante o campeonato da Europa de Sub-19, onde a Sérvia ganhou a Portugal na final. Não acredito que mais de metade da Europa esteja errada e só nós, aqui nesta Lisboa cinzenta de hoje, sejamos donos da única e imemorável verdade suprema.

- A formação do Benfica, assente no Caixa Futebol Campus e mercê da sua rede de scouting interna, bem sacada na altura ao Sporting pelo Bruno Maruta, tem vindo a desenvolver jogadores de categoria superior que possam servir os interesses do clube, com jogadores de qualidade, que após um processo de evolução, cheguem à equipa principal do Sport Lisboa e Benfica e contribuam com o seu talento para a conquista de títulos. Bernardo Silva, João Teixeira, Nelson Oliveira, Gonçalo Guedes, Fábio Cardoso e Renato Sanches são alguns dos bons exemplos recentes dessa qualidade. Podemos falar também da equipa junior do ano passado que foi até à final da UEFA Youth League, tendo perdido para a melhor escola de formação do Mundo nos dias de hoje, que é o FC Barcelona.

- E o que distingue um Bernardo Silva (ou outro da mesma casta) de um desconhecido jovem sul-americano que aterre em Lisboa, pronto para dar o salto para o Chelsea ou para o Real Madrid dois anos mais tarde? O amor ao clube.

Poderemos entrar agora no campo do sentimentalismo e ficaríamos o dia todo a falar disso. Do que representa o amor ao clube e ao seu clube, sendo jogador do mesmo.
Pode-se perguntar: "Ah e tal, mas e se o Barcelona ou o Real Madrid chegarem e baterem a nota para ele se ir embora?" ou "E se baterem a cláusula de rescisão? Do que é que serve o amor ao clube?"

Obviamente que um país como o nosso, com poucos recursos, as pessoas se sintam tentadas a experimentar a vida fora daqui. Claro que é melhor jogar no campo do West Bromwich Albion ou no campo do Bastia (que estão sempre cheios) do que ir a Paços de Ferreira ou a Penafiel (onde os estádios estão às moscas e as condições são do pior). Mas é o que há, e por isso o próprio Benfica tem de precaver estes tipos de situação.

Bernardo era dos nossos. E é isso que mexe mais com este negócio do que o simples valor monetário. Porque entramos no campo mercantilista do jogo apaixonado que é o futebol, mas que se tornou numa fonte ímpar de rendimentos fáceis, associados a lavagens de dinheiro e não a amores à camisola.

E tudo isto é estranho. Já não estranho as palavras do Presidente sobre a formação, porque só acredita nelas quem quiser. Também não estranho a falta de coerência, porque ela é por demais evidente. Estranho que um dos nossos tivesse saído como saíu. E estranho que o Benfica, apesar de ter ganho 30 milhões de euros com dois miúdos da formação (André Gomes e Bernardo Silva) não consiga baixar o passivo que quer baixar e continue a desvirtuar os caminhos e os sonhos daqueles que, no Seixal, todos os dias, sonham em vestir o manto sagrado no Estádio da Luz.

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