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quarta-feira, 21 de junho de 2017

Erguendo os braços para um céu sem nuvens...

"5.ª Volta a Portugal. José Maria Nicolau, do Benfica, é o grande vencedor. Havia nomes que se alinhavam para lhe suceder. Mas ainda continuava a ser enorme a sua rivalidade com Trindade, que acabou por desistir... Lisboa fervia!

«Começou nesta manhã a Volta a Portugal em Bicicleta que o Diário de Notícias e Os Sports organizam pela quinta vez. Como de costume, o desfile dos corredores movimentou a cidade e deu à prova um início brilhante que bem pode ser o rastilho de um belo êxito».
Foi. Um êxito, quero dizer.
E um belo êxito, em particular, para José Maria Nicolau, do Benfica.
Domingo, 10 de Agosto de 1934.
«José Maria Nicolau e Alfredo Trindade são, ainda, os favoritos. É entre eles que deve travar-se a luta mais emotiva, cada um deles em procura do momento próprio para tentar valorosamente a sua chance - a vitória final, em Lisboa. Entre os que partiram nesta manhã há, todavia, gente nova capaz de provocar surpresas, com valor e entusiasmo para imprimir velocidade em qualquer das doze tiradas em que a prova se subdivide. Os corredores do Norte, mais numerosos este ano, podem também apertar a luta entre os favoritos e os outsiders, entre os que têm nome e passado a defender e os que desejam aproveitar a prova para marcar em definitivo o seu valor».
Nicolau e Trindade. Trindade e Nicolau.
Irmãos gémeos das bicicletas.
Ninguém o sabia ainda. Nem o próprio Nicolau. Mas seria ele o vencedor.
Partida de Lisboa, chegada a Lisboa.
«A concentração dos corredores estava marcada para as nove horas e meia. A essa hora já havia bastante público dentro e em volta do Parque Eduardo VII. Diamantino Cordeiro, o correcto corredor setubalense, foi o primeiro a chegar».
Nomes e nomes: Manuel Fernandes da Silva, Domingos Dias (conhecido pelo Nicolau do Norte), Germano Gomes Ferreira, Joaquim da Silva...
Benfica, Sporting, FC Porto, Salgueiros, Académico do Porto, Belenenses, Sport Lisboa e Faro, União Rio de Janeiro, Sport Lisboa e Beja.
A Volta era diferente. Tão diferente.

Quinze dias mais tarde...
Chegada dos corredores ao Estádio do Lumiar.
«O mais qualificativo representante do Benfica é um campeão de grande classe. Na Volta que termina hoje, Nicolau dominou os outros concorrentes, pela sua maior categoria e qualidade, tendo envergado a camisola amarela durante grande parte da competição».
Antes da chegada do pelotão, houve um festival ciclista no Lumiar.
Outro vencedor encarnado: Noé de Almeida.
Trindade abandonou pelo caminho.
O melhor do Sporting foi Ezequiel Lino.
À beira de chegar a Lisboa, nas Caldas da Rainha, problemas para resolver.
«Grande parte dos concorrentes e, entre eles, José Maria Nicolau e os homens do Porto, viu-se sem alojamento porque alguém das Caldas da Rainha, que se comprometera a arranjá-lo para toda a comitiva, se limitou a marcar vinte e cinco quartos e a desaparecer... Assim, os corredores tiveram de se espalhar a comer por diversas casas e viram-se e desejaram-se para arranjar onde dormir...»
Eu bem disse: tempos diferentes, esses.
José Maria Nicolau esteve-se nas tintas para o alojamento. Havia nele a febre da vitória.
Dos cinquenta e cinco ciclistas que saíram de Lisboa, em Agosto, houve vinte que não chegaram, em Setembro. Entre os quais Alfredo Trindade.
«Para compensar a diminuição do que as faltas produziram no interesse da prova, devemos destacar a luta vibrante entre os velhos - Nicolau, Ezequiel, César Luís - e a revelação de um grupo de novos capazes de grandes coisas - Aguiar da Cunha, Ildefonso, Manuel de Sousa, Mealha, Martins de Aguiar, nomes que o povo já começou a soletrar para, de entre eles, escolher nas próximas Voltas os que hão-de suceder a Nicolau e Trindade».
Mas era ainda tempo de Nicolau. O Hércules do Cartaxo. Irrompeu em Lisboa com a força dos autênticos. Campeão da Volta. Debaixo do amarelo da camisola vencedora, um coração vermelho.
«O termo da prova é disputado com loucura!»
Lisboa ao calor inclemente de Verão.
E Nicolau na frente, erguendo os braços para um céu sem nuvens..."

Afonso de Melo, in O Benfica

1 comentário:

  1. É uma pena que o Benfica não tenha esta modalidade que está indiscretamente representada no nosso emblema e que muito contribuiu para a nossa dimensão nacional.

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