Toni, Benfiquista com B grande

Falha grave da minha parte. Há dois dias, fazia 72 anos que nascia o senhor António José Conceição Oliveira e eu deixei passar a data em claro.

O nome pode não ter dito nada, mas se eu disser Toni, qualquer leitor saberá de quem estou a falar. Natural de Anadia, despontou para o futebol a cerca de 30 km de distância, em Coimbra. Após um bom período na Académica, transferiu-se em 1968 para o Benfica, e o resto é história. Escusado será dizer que se retirou dos relvados como uma lenda, 13 anos depois, com quase 400 jogos de águia ao peito. Mas Toni não foi só isto. Para a história, ficará também como o primeiro (e até ver único) treinador português a disputar a final de uma Taça dos Campeões Europeus ao serviço do Benfica, estando ligado a 14 dos campeonatos por nós conquistados.

Mas, se as medalhas o tornaram lendário, há muito mais além disso que o tornou um dos maiores Benfiquistas de sempre. E não, não estou a exagerar. Dono de uma humildade e de uma postura dificilmente replicável, à Benfica (a não ser que esteja no Irão 😀 ), foi um dos maiores bombeiros da história do clube, esteve sempre disponível para dar o seu melhor pelo amor da sua vida, mesmo que muitas vezes fosse maltratado pelo mesmo.

Ilustrativo disso é o início do período mais negro da nossa história. Estávamos em pleno verão quente de 1993, quando Sousa Cintra levou para Alvalade Pacheco e Paulo Sousa (e, segundo consta, por pouco não levou também João Pinto). Nesse período, Toni ia iniciar a sua segunda época como treinador principal do Benfica de forma ininterrupta (já o tinha sido anteriormente). Tendo perdido, além destes, Paulo Futre, adivinhava-se um ano muito complicado, em que ser campeão era visto como algo inalcançável e até o segundo lugar obtido no ano antes parecia difícil, mesmo que, nesse ano, figurassem no plantel nomes como João Pinto, Rui Costa, Mozer, Paneira ou Isaías. E a verdade é que o início dessa época esteve longe de ser auspicioso. Derrota na Supertaça frente ao Porto e três empates nos três primeiros jogos do campeonato colocavam o Benfica, em meados de Setembro, a meio da tabela. Felizmente, tudo mudou, e o Benfica venceu 15 dos 17 jogos seguintes, incluindo vitórias frente ao Porto e ao Sporting no velhinho Estádio da Luz, colocando-se na liderança do campeonato, que nunca mais deixou. Mas nem tudo foram maravilhas. Em meados de Maio, já depois da eliminatória épica frente ao Leverkusen mas também já depois de sermos eliminados da Taça das Taças pelo Parma, alguns desaires colocaram-nos numa posição algo frágil antes do derby frente ao Sporting, fora de casa. A tensão era grande, mas, sabe-se lá o que terá feito Toni, foi uma das melhores exibições de sempre do Sport Lisboa e Benfica, culminando num histórico 3-6, que nos embalou para o título. Depois de uma época tão acima das espectativas, o prémio, para Toni, foi… um despedimento, por parte do novo presidente Manuel Damásio, que destruiu um plantel campeão. Aliás, os rumores da época diziam que Artur Jorge já tinha assinado antes do último derby, o que engrandece ainda mais a pessoa Toni. Poucos suspeitavam mas, após este título, apenas 11 anos depois voltaríamos a festejar um feito semelhante. Não é que eu acredite em tal coisa, mas, se calhar, foi o karma a funcionar. A verdade é que Toni não merecia este tratamento, e os adeptos sabiam-no. “Nunca a ingradidão foi apanágio deste clube” (ou algo parecido), lia-se numa tarja nas bancadas sobre este assunto.

Infelizmente, não foi caso único. Anos antes, em 1989, o Benfica de Toni sagrava-se campeão nacional, depois de, no ano antes, ter sido finalista vencido (pelo PSV) na Taça dos Campeões Europeus. Não obstante, sabe-se hoje que nas costas de Toni, o Benfica negociou o regresso de Sven-Göran Eriksson. A humildade de Toni é demonstrada pelo facto de aceitar um convite do sueco para ser… seu adjunto. Parece difícil de acreditar, mas depois de feitos tão históricos, Toni, provavelmente de coração despedaçado, aceitou com toda a humildade voltar a ser o número 2.

Mas não são só as injustiças que engrandecem Toni. Há uns tempos, a imprensa recordava um dos grandes actos que fazer de Toni um Homem com H grande. Corria o ano de 1970, e era apenas o segundo ano de Toni no Benfica. Num clime de grande tensão, num jogo em que dois jogadores do Benfica já tinham sido expulsos, uma série de irados adeptos Benfiquistas invadiram o campo com o árbitro da partida como alvo. “Graças ao Toni ainda estou vivo!”, disse o árbitro, pois foi Toni, acompanhado por um atleta do Belenenses, quem escoltou o árbitro até ao túnel, protegendo-o. Esse jogo valeu ao Benfica pesadas sanções e deu o mote para a criação de muita regulamentação no que diz respeito à segurança. Sobre Toni, ficou a certeza que era um jogador e uma pessoa à Benfica.

Mesmo tendo sido tão injustiçado no passado, regressou já neste século, e, embora as coisas não tenham corrido muito bem, nada apagou o que deu ao Benfica e em nada a sua imagem saiu manchada.

É difícil encontrar paralelo na história do Benfica. Benfiquista com B grande, vários são os episódios, como aqueles que narrei, em que o Benfica se portou mal com Toni, sem que isso afectasse o seu carinho, a sua dedicação, o seu compromisso, o seu amor pelo Sport Lisboa e Benfica. Toni não demonstrou o seu amor com palavras, demonstrou-o com acções. É igualmente difícil colocar alguém no patamar de Eusébio, mesmo que muitas sejam as lendas do nosso Benfica. Porém, perdoem-me o atrevimento, mas eu coloco nesse patamar Toni.

E porque deve ser dos poucos casos em que alguém deu tanto ao Benfica como o Benfica deu a esse alguém, desejo uma longa vida ao Toni. Venham mais 72 anos, pois são pessoas como Toni que fazem falta no mundo e, em particular, no mundo do desporto.

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