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08 agosto 2022

Dia da Coragem 96 (Isto é Tão Benfica!)

08 agosto 2022 0 Comentários

HÁ 96 ANOS. O DIA EM QUE COSME DAMIÃO FOI AFASTADO (AFASTOU-SE) DO CLUBE. DEPOIS DE MAIS DE 22 ANOS A BENFICAR DIARIAMENTE! NEM COSME DAMIÃO ESTAVA ACIMA DO CLUBE.


25 de Abril de 1946. Cosme Damião contava neste dia 60 anos, cinco meses e 23 dias. Foi a sua última aparição pública, falando pela derradeira vez aos Benfiquistas no banquete comemorativo do 42.º aniversário do Clube. Ora 1946 - 42 = 1904! Cosme Damião faleceria pouco mais de um ano depois, em 12 de Junho de 1947


Em meados da década de 20 do século XX sentia-se alguma angústia entre muitos sócios do Benfica e alguma preocupação nos associados mais activos, que não viam o Clube apenas como uma equipa de futebol que jogava aos domingos. Mas o respeito pelos dirigentes, em particular, por Cosme Damião, fazia diluir tudo isso e camuflar muito do que se pensava.


Listagem com a caligrafia de Cosme Damião dos nomes dos fundadores presentes no dia 28 de Fevereiro de 1904 e uma assinatura de Cosme Damião datada de 1908. 

Dois tipos de preocupações

Havia um grupo (com destaque para Ribeiro dos Reis) que estava essencialmente preocupado com o declínio do poder futebolístico do Clube. Outro grupo (onde se destacava Ferreira Bogalho) que temia o endividamento bancário por má previsão com a construção do estádio nas Amoreiras. Mas os dois “grupos” estavam ambos preocupados com o futuro do Clube, que sentiam afectado pelas decisões menos ajustadas à realidade do Futebol e do País dos dirigentes que teimavam em não inflectir o rumo.


A primeira fotografia conhecida de Cosme Damião, em 17 de Março de 1906, com 20 anos, quatro meses e 15 dias. Na abertura deste texto a última, na comemoração do aniversário do Clube, em 1946


De solução a problema

Cosme Damião que transformara o Benfica em Benfiquismo sempre a encontrar soluções para superar crises e fazer do Benfica um clube cada vez maior era, 22 anos depois, um forte entrave ao seu crescimento e consolidação.
1. Estivera na fundação, em 28 de Fevereiro de 1904, com mais 23 magníficos;
2. Liderou, no Verão de 1907, com Félix Bermudes e Marcolino Bragança a resistência ao apagamento para sempre do Clube;
3. Organizara, exemplarmente, toda a estrutura competitiva do Clube;
4. Soube encontrar soluções para conseguir um campo de jogos, em Sete Rios;
5. Procurava soluções diversificadas e magníficas para expandir o Benfica como ficou demonstrado nesta entrevista visionária, em 1911 (clicar);
6. Soube perceber, com Félix Bermudes, que a junção ao «Desportos de Benfica» era uma oportunidade única que não podia ser desperdiçada, pois garantia uma Sede com salão para assembleias gerais e espectáculos (avenida Gomes Pereira) como não havia outra igual, campo de futebol nas traseiras (Quinta de Marrocos) além de um rinque de patinagem e secção de Hóquei em Patins, mais dois campos de ténis;
7. Fomentou a abertura de filiais em todo o País de um modo rigoroso e com os valores do Benfiquismo;
8. Estimulou o eclectismo ao "obrigar" exclusividade na multi-prática desportiva de associados do Clube que tinham de abrir secções para modalidades em vez de serem adversários numas e atletas do Clube noutras;
9. Apostou no Ciclismo como forma de levar o Benfica a todo o País, embora já não pudesse assistir a que tal acontecesse devido ao adiamento sucessivo da organização de uma «Volta a Portugal» à semelhança de outros países da Europa. Em Portugal só em 1927 se realizaria a primeira edição;
10. Concentrou esforços para que o Clube tivesse, finalmente, um estádio condigno e próprio (terminando a tortura e instabilidade de alugueres de quintas agrícolas para transformação em espaços desportivos) nas Amoreiras, em 1923, onde o Clube ficaria "para sempre".  


Um dos últimos «onzes» extraído do plantel amador do Benfica. Na época seguinte - 1926/27 - foram feitas as primeiras contratações: Raúl Figueiredo (SC Olhanense) e Fayta (Portugal FC). Em 1927/28, entre outros, Vítor Silva (Carcavelinhos FC)


O Benfica deixara de dominar o futebol

A matriz do Benfica implantada por Cosme Damião logo nos primeiros anos, refinada na década de 10 do século XX deixara de funcionar sem que ele se apercebesse. Pelo menos da dimensão. Para perceber o domínio pode ser lido um texto de 15 de Fevereiro de 2014 publicado neste blogue (clicar). A fundação do Casa Pia AC, em 3 de Julho de 1920, retirara muitos futebolistas ao Clube nas várias categorias. A base do Casa Pia AC campeão regional em 1920/21 era o Benfica de 1919/20, ou seja, o Benfica tinha tudo para conquistar um Bicampeonato (pelo menos…). Um ano antes tinha sido fundado o CF “Os Belenenses” (23 de Setembro de 1919) mas não causara mossa de imediato (o SLB nessa temporada até retirou o título ao Sporting CP que foi mais afectado pela fundação do emblema da Cruz de Cristo). Mas a curto prazo, juntando-se aos efeitos da criação do Casa Pia AC foi devastador. O SLB perdera os dois locais tradicionais de rejuvenescimento e fortalecimento do Glorioso Futebol. A Casa Pia de Lisboa e o bairro de Belém.


CAMPEÕES REGIONAIS DE LISBOA (1906/07 - 1919/20)
Época
1.ª categoria
2.ª categoria
3.ª categoria
4.ª categoria
Campeão
SLB
Campeão
SLB
Campeão
SLB
Campeão
SLB
1906/07
Carcavellos
2.º
-----------
-----------
-----------
1907/08
Carcavellos
3.º
-----------
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1908/09
Carcavellos
2.º
Internacional
3.º
CS Império
3.º
-----------
1909/10
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
-----------
1910/11
Internacional
2.º
SL Benfica
SL Benfica
-----------
1911/12
SL Benfica
GS Cruz Quebrada
3.º
SL Benfica
Sporting CP
4.º
1912/13
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
Sporting CP
3.º
1913/14
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
1914/15
Sporting CP
2.º
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
1915/16
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
1916/17
SL Benfica
Vitória FC Setúbal
2.º
SL Benfica
SL Benfica
1917/18
SL Benfica
SL Benfica
GD Fábrica Seixas
2.º
GF Benfica
2.º
1918/19
Sporting CP
2.º
SL Benfica
SL Benfica
SL Benfica
1919/20
SL Benfica
SL Benfica
União Futebol Lisboa
2.º
GF Benfica
3.º
TOTAIS
8 em 14
57 %
9 em 12
75 %
9 em 12
75 %
5 em 9
56 %
NOTAS: Em 1908/09 o campeonato da 3.ª categoria foi organizado pelo SC Império com autorização da Liga Portugueza de Futebol; Em 1917/18  e 1919/20 na 3.ª categoria o SLB classificou-se em 2.º lugar na série 1 e não foi apurado para a final entre os vencedores das séries 1 e 2; Em 1919/20 o SLB na 4.ª categoria classificou-se em 3.º lugar na série 1 e não disputou a final entre os vencedores das séries 1 e 2


Três épocas inéditas: 1909/10, 1913/14 e 1915/16

O SL Benfica foi o único clube, entre 1908/09 e 1947/48, ou seja durante 40 temporadas (23 com quatro categorias - 1911/12 a 1933/34 - e as restantes 17 com três categorias) que conquistou a totalidade dos títulos: 1909/10 (três títulos de campeão regional) e 1913/14 e 1915/16 (ambas com quatro títulos de campeão regional). O Sporting CP viria a obter uma proeza idêntica, mas já com a competição reduzida a três categorias, em 1934/35. Inolvidável e inigualável "Glorioso". Três vezes a fazer o pleno!


CAMPEÕES REGIONAIS DE LISBOA (1920/21 - 1925/26)
Época
1.ª categoria
2.ª categoria
3.ª categoria
4.ª categoria
Campeão
SLB
Campeão
SLB
Campeão
SLB
Campeão
SLB
1920/21
Casa Pia AC
4.º
SL Benfica
SL Benfica
GF Benfica
2.º
1921/22
Sporting CP
2.º
Vitória FC Setúbal
2.º
SL Benfica
Carcavelinhos FC
2.º
1922/23
Sporting CP
3.º
CF "Os Belenenses
4.º
União F Lisboa
2.º
SL Benfica
1923/24
Vitória FC Setúbal
3.º
Carcavelinhos FC
2.º
Sporting CP
3.º
CF "Os Belenenses"
2.º
1924/25
Sporting CP
3.º
Carcavelinhos FC
2.º
Império LC
3.º
SL Benfica
1925/26
CF"Os Belenenses"
5.º
Vitória FC Setúbal
2.º
SL Benfica
Carcavelinhos FC
2.º
TOTAIS
0 em 6
0 %
1 em 6
17 %
3 em 6
50 %
2 em 6
33 %
NOTAS: Em 1921/22 o SLB, na 1.ª categoria, classificou-se em 2.º lugar na Divisão e não disputou o título de campeão; Em 1923/24 na 3.ª e 4.ª categoria o Benfica não se classificou em primeiro lugar na sua série por isso não disputou a final frente ao vencedor da outra série

No tempo da Monarquia, ainda a flâmula com o lema "E Pluribus Unum" (Todos Por Um, como "explicou" Félix Bermudes no Hino) era a azul-claro e branco, então cores da bandeira portuguesa. Fotografia obtida em 31 de Julho de 1910 no restaurante "Bacalhau" para comemorar a conquista dos três campeonatos regionais de Lisboa

Dificuldades inegáveis
Comparando antes e depois de 1919/20 as diferenças são enormes. Era isto que preocupava os Benfiquistas, mas que Cosme Damião parecia alheado como se fosse uma crise passageira, ou seja, conjuntural em vez de estrutural. Lembro-me de ter falado com Rogério Jonet (clicar em 4 de Março de 2014) (e em 7 de Setembro de 2015) acerca deste período. Dizia ele que havia quem temesse que sucedesse ao Benfica o que ocorrera com o Internacional (CIF) em 1922/23. Que de grande rival do Benfica (o primeiro dérbi de Lisboa foi o Sport Lisboa/Internacional) deixou de competir nos campeonatos regionais, por haver quem pensasse que o semi-amadorismo seria passageiro levando à falência os clubes que cedessem à pressão financeira dos futebolistas. Além disso (e entretanto, até parecendo deliberado) com o enfraquecimento futebolístico do “Glorioso” começara a ser disputada a primeira competição de âmbito nacional, ainda que mal designada, por ser a eliminar, o Campeonato de Portugal. Com acesso limitado aos campeões regionais o Benfica “teimava” em terminar as épocas com os Regionais não disputando a competição nacional que ia tendo cada vez mais impacte.

REPRESENTANTES (CAMPEÕES REGIONAIS) DAS ASSOCIAÇÕES REGIONAIS NO CAMPEONATO DE PORTUGAL
A.F. de
1921/22
1922/23
1923/24
1924/25
1925/26
Lisboa
Sporting CP
Sporting CP
Vitória FC
Setúbal
Sporting CP
CF “Os Belenenses”
Porto
FC Porto
FC Porto
FC Porto
FC Porto
FC Porto
Coimbra

As. Ac. Coimbra
As. Ac. Coimbra
As. Ac. Coimbra
União Futebol
Coimbra
Braga

SC Braga
SC Braga
SC Braga
SC Braga
Algarve

Lusitano FC (VRSA)
SC Olhanense
SC Olhanense
SC Olhanense
Madeira

CS Marítimo
CS Marítimo
CS Marítimo
CS Marítimo
V. Castelo


SC Vianense
SC Vianense
SC Vianense
Portalegre


Selecção
Alentejo FC
CF Estrela Portalegre
Santarém


SC Tomar
Selecção
SGS “Os Leões” Santarém
Aveiro



SC Espinho
SC Espinho
Beja




Luso SC Beja
Vila Real




SC Vila Real

«O Benfica é Glorioso» reafirmava Cosme Damião
Rogério Jonet disse-me que não sendo frequente, por Cosme Damião ser inquestionável aos olhos dos Benfiquistas, por vezes era questionado acerca dos insucessos e de como os combater. Dava duas respostas.
Não fomos campeões? Não digam isso! Porque não é verdade. Fomos campeões regionais. Conquistámos o campeonato regional da categoria X. Não conseguimos foi o da 1.ª. Para o ano é nosso

Contactar o jogador X? Nem pensar. O Benfica é um clube glorioso. Não anda atrás de jogadores. Os jogadores é que devem andar atrás de nós!


As gotas que fizeram transbordar o copo
Em 1923/24 registou-se uma inédita temporada de “mãos vazias”. O Benfica em quatro categorias não conquistara um único título revelando até dificuldades na 3.ª e 4.ª categoria competindo em séries consideradas acessíveis. Um escândalo.
Em 1925/26 outro escândalo. Um 5.º lugar (a pior classificação de sempre) entre oito clubes no campeonato da 1.ª categoria. Em 20 edições (desde 1906/07) que nunca tal fora visto!
O Benfica há seis temporadas que deixara de ser campeão regional, mantendo os oito títulos conquistados entre 1909/10 e 1919/20. O Sporting CP que tinha dois - em 1919/20 - já somara mais três, estando – com cinco - a outros três de igualar o “Glorioso”. Além disso já conquistara um Campeonato de Portugal enquanto o Benfica nem se estreara ainda nessa competição. E a ficar em “quintos lugares” dificilmente lá chegaria. As eleições em 8 de Agosto de 1926 iam aquecer. Mesmo que não fosse Verão! E era!

Aquilo que se pensava ser a solução tornou-se num problema. Grave!


O financiamento da construção do estádio estava a ficar desastroso
Quando foi decidido o Benfica ter um “estádio definitivo” Cosme Damião conseguiu terrenos nas Amoreiras através da Casa Palmela. Depois os temas foram discutidos em reuniões da Direcção e nas assembleias gerais do Clube. Foi implementada uma iniciativa no sentido do financiamento ser feito com a compra de lugares no futuro estádio através de senhas pagas mensalmente ou ao ritmo das "posses" de cada um. Talvez seja melhor dizer ao ritmo da capacidade financeira de cada um. Isso provocou desde logo celeuma porque o Benfiquismo não estava habituado a ter associados de primeira e de segunda. Quem tivesse os Títulos de Propriedade teria lugar assegurado no estádio e os restantes associados faziam o que era habitual no Benfica. Quem chegasse mais cedo escolhia os lugares. Os últimos a chegar ficavam onde havia lugar. Se houvesse!

A excelência das instalações desportivas nas Amoreiras. Para Bogalho numa entrevista ao jornal "O Benfica" o cancro que nos corroeu durante os anos 20 e 30 permitindo ao Sporting CP a hegemonia no futebol regional e a conquista de quatro Campeonatos de Portugal 


Previsões muito acima da realidade
Em relação à construção do campo do SLB, nas Amoreiras, e às dificuldades da Direcção o relatório apresentado aos associados era esclarecedor. Para uma previsão de 2 500 sócios titulares, a que corresponderia a quotização anual de 150 contos (150 000 escudos) apenas existiam, à data do fecho do Relatório, 1 423 sócios nessas condições. O aumento do número de obrigações ficou muito aquém do esperado. Deste modo, a Direcção foi obrigada a fazer outro empréstimo na Caixa Geral de Depósitos, com um reforço de cem contos (100 000$00). Assim o valor dos empréstimos subiu, em dois anos para, 300 contos (300 000 escudos) em 25 de Abril de 1926, com o mesmo juro de 10 por cento, igual ao que a Direcção estava autorizada pelos associados a oferecer aos subscritores das obrigações hipotecárias. Pelo mesmo motivo, a Direcção não pode fazer o pagamento de juros correspondentes às obrigações. Estava em falta o que era gravíssimo porque desautorizava decisões tomadas em assembleia geral. Algo nunca visto no “Glorioso”. Assim, para acudir a várias dificuldades financeiras que iam surgindo, a Direcção foi obrigada a fazer alguns suprimentos. Alguns temiam que se estivesse a entrar numa fase de não retorno, por isso incontrolável. Cosme Damião mantinha-se inflexível mas cada vez mais isolado. Parecia que só ele acreditava que tudo corria sob controle.

A Sede na avenida Gomes Pereira, inaugurada dez anos antes (1916) onde se realizou a assembleia geral há 90 anos, que elegeu Cosme Damião e o fez deixar o Clube. Em 1926. Tinha o Benfica pouco mais de 22 anos de existência...

(clicar em cima da imagem para visualizar com mais pormenor)


As assembleias gerais
Tinham em regra dois pontos. A de 8 de Agosto de 1926, domingo, pelas 14:10 horas (em 2.ª convocatória após a primeira pelas 13 horas), realizada no salão da Sede na avenida Gomes Pereira, não fugiu à regra.
1. Apresentação do Relatório e Contas da Direcção e Parecer do Conselho Fiscal, de 1925/26;
2.   Eleição dos novos Corpos Gerentes para 1926/27.

       Devia tudo a Cosme Damião. Ribeiro dos Reis. Mas acima de tudo e todos está o Benfica. Foi isso que aprendera com Cosme Damião. Foi isso que colocou em prática há 94 anos. A primeira modernização do Glorioso Futebol. Que duraria até à segunda, em 1954, com Ferreira Bogalho e Otto Glória 
 

Consenso impossibilitado
    Em vésperas da assembleia geral, o enorme respeito que todos tinham por Cosme Damião fez com que tentassem convencê-lo a rodear-se de outros associados conhecedores dos assuntos (futebol e controle das contas). Mas Cosme Damião recusava. Não tinha interesse em ser contrariado. Todos aqueles que mais temiam pelo futuro do “Glorioso” – pelo menos tão grandioso nos anos seguintes como o fora até 1926 – sentiam-se angustiados. Por um lado deviam tudo a Cosme Damião. Alguns até tinham sido propostos para associados por ele. Outros foram por ele aconselhados a representarem o Benfica. Foi com ele com todos cresceram como futebolistas, que chegaram a capitães, que se fizeram homens. Foi com Cosme Damião, com o seu exemplo e dedicação, que se tornaram Benfiquistas. Havia uma dualidade de sensações. Reconheciam Cosme Damião como o pai do Benfiquismo mas entendiam que a atitude autista dele estava a atrasar o desenvolvimento do Clube. Até a colocá-lo em causa. Por muito que custasse havia que agir. Um grupo de associados criou uma Comissão que se encontrou com Cosme Damião no sentido de demovê-lo. O nosso pai do Benfiquismo mostrava-se irredutível. Justificava que comprometera-se em reeleger a Direcção anterior. Que todos estavam solidários e conscientes das dificuldades, mas também sabiam como resolvê-las. A Direcção propor-se-ia à reeleição na assembleia geral. Foram feitas tentativas no sentido de percepcionar em que lugar Cosme Damião aceitaria fazer parte de uma lista de consenso. A Comissão de associados fazia questão de dois nomes, exactamente em pelouros que debelassem a situação porque passava o Clube: António Ribeiro dos Reis como vice-presidente (desde 1908 o cargo que correspondia à gestão do Futebol – ver NOTA FINAL) e Joaquim Ferreira Bogalho (tesoureiro ou noutro cargo que superintendesse este). Ainda se falou em Cosme Damião para vogal – embora preferissem tê-lo como presidente – mas Cosme Damião argumentava que nunca trairia Bento Mântua, presidente da Direcção desde 1917.

As obras dispendiosas para transformar uma quinta agrícola num estádio de futebol. Afinal Cosme Damião avaliara mal os custos. Bogalho diz que o Benfica só se libertou dos encargos contraídos aquando da construção (1923-1925) quando soube negociar a expropriação em 1939. Bogalho estava "em todas". Sempre À Benfica. É conhecido como o Homem da Saudosa Catedral, mas foi Águia de Ouro em...1938. Por ter saneado as contas do Clube que estavam num estado catastrófico. Macarrão dizia que ele obrigava a encontrar onde estavam os cinco tostões (meio-escudo) em falta. Não admitia faltas acima de dois tostões!


Cosme Damião a presidente da Direcção
Formaram-se duas listas. Uma da situação (para ser reeleita) e outra da oposição (para a renovação). Os Estatutos de 1923 permitiam a inclusão dos mesmos associados em listas diferentes. Assim Cosme Damião, o centro de tudo, surgiu como vice-presidente na lista da Situação e como presidente na lista da Oposição. Mas pelas conversas que já tinham existido Cosme Damião fora peremptório. Cosme Damião disse que se fosse eleito presidente não aceitaria, por isso, não tomaria posse e até pediria a demissão de associado. Durante algum tempo – durante as conversações - ainda manteve em suspenso a possibilidade de ser vogal, vindo depois a recusar tal cargo. Ou a Direcção era reeleita ou deixaria o Clube. Tudo ou nada!

Os Estatutos de 1923 que melhoraram os de 1918 mas pouca modernidade trouxeram ao Clube. Permitiam era a existência de listas diferentes com os mesmos nomes para cargos diferentes. Seria em assembleia geral, há 90 anos, que o Clube renasceria quando parecia ter entrado num ciclo de retrocesso sem solução...

Eleições
Como se esperava a lista da Oposição venceu o acto eleitoral. Cosme Damião foi eleito como presidente da Direcção e derrotado como vice-presidente (e na prática, capitão-geral para o Futebol). A opinião dos associados não deixava margem para qualquer dúvida. Queriam mudanças, mesmo que isso implicasse a saída (impensável) de Cosme Damião, não só de dirigente como do Benfica! A corrente “oposicionista” era tão forte e estava de acordo com os anseios dos associados Benfiquistas que além dos nomes indicados ainda deixou essa grande figura do Benfica (e do Benfiquismo) de reserva na vice-presidência da mesa da assembleia geral: Manuel da Conceição Afonso (que teve um discurso fluente e irrepreensível na assembleia geral como era seu timbre). Findo o acto eleitoral Cosme Damião declarou que não aceitava a sua eleição. Ou seja, recusava a opinião e vontade dos associados. Isso ia contra tudo o que era “Ser Benfica”, daí ter de pedir a demissão de associado.

Dois gigantes do Benfiquismo pós-Cosme Damião. Bogalho (Direcção) e Ribeiro dos Reis (Mesa da assembleia geral). Dois presidentes a quem tanto devemos e eles nunca pediram nada. A não ser que honrassemos os ases que nos honraram o passado. O Benfica não era a sua vida. Era o seu Clube! Mas para o qual queriam que tivesse vida própria! A melhor que fosse possível

Em 25 de Agosto de 1926
Consumada a não tomada de posse do presidente escolhido pelos associados, bem como o seu pedido de demissão, dezessete dias depois foi eleito para presidente da Direcção do “Glorioso”, Alfredo da Silveira Ávila de Melo (cunhado por estar casado com a sua irmã, de António Ribeiro dos Reis). Como o secretário eleito, Eduardo Martins Pereira também não tomou posse, foi Vítor Gonçalves – outro dos indefectíveis de Cosme Damião, embora também preocupado com os destinos do Clube – a candidatar-se ao cargo. Eleitos suplentes na eleição realizada há precisamente 94 anos foram depois eleitos para cargos efectivos. E que cargos! Ávila de Melo com 583 votos e Vítor Gonçalves com 573 votantes. As suas vagas como suplentes foram ocupadas por Luís Salvador Marques e João Ferreira Branco, respectivamente, com 603 e 597 votos.

O presidente Bogalho que um dia, no início dos anos 50, afirmou. Se eu quisesse conquistava três títulos de campeão nacional em três anos como presidente. Impedia era o Benfica de conquistar qualquer outro nos próximos 15 anos! Prefiro não conquistar nenhum como presidente e criar as condições para conquistar dez em 15 anos como adepto. Como Benfiquista. Afastando Benfiquenses e BenfiQuistos que sugam as finanças do Clube! 


Eis o Benfica! Uma Direcção forjada na luta
Para resolver tantos problemas. A falta de capacidade competitiva do futebol e os encargos que pareciam insolúveis com a construção do Estádio do Sport Lisboa e Benfica, nas Amoreiras.


No Adeus às Amoreiras, a expropriação bem negociada (Bogalho e Manuel da Conceição Afonso eram imbatíveis) trouxe finalmente o desafogo que permitiria a conquista dos títulos nos anos 40, bem como formar os pupilos de Biri que Ted Smith haveria de levar à conquista da Taça Latina em 1950

Este dia (8 de Agosto) há 96 anos (1926) por tudo o que envolveu, pelo desfecho final, marcou para sempre o Benfiquismo. O Benfica nunca mais teria medo do Benfica, como afirmou Borges Coutinho em 1967. Provavelmente sem saber ao pormenor o que se tinha passado nem relacionando o que disse com este acontecimento. Mas nós podemos relacioná-los. Borges Coutinho percebia e sentia o Benfiquismo por isso chegava-lhe o sentimento para perceber o Clube. Em 1967 ou em 1904! No Benfica tudo é sempre possível. Mesmo tomar decisões extremas. 8 de Agosto de 1926.

Dia da Coragem Benfiquista

Alberto Miguéns

NOTA: Este assunto já foi abordado em 8 de Agosto de 2013 (há nove anos) embora com outro enquadramento. Para quem o quiser ler na integra, embora o texto de hoje tenha independência para poder ser entendido de forma isolada, o de 2013 complementa o de hoje (clicar)

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