Um modelo de negócio estúpido e as respetivas consequências

Ainda nem tivemos tempo de digerir a desilusão que será esta época, e já temos o CFO do Benfica a declarar em entrevista que o clube vai ter de vender.

O Benfica de facto é um clube diferente, inovador. Em clubes desportivos normais, a prioridade das lideranças é ganhar. Em clubes desportivos normais que são bem geridos, a prioridade continua a ser ganhar, mas faz-se tal com uma preocupação permanente sobre sustentabilidade financeira. Já no Benfica, o modelo de negócio é diferente. O principal objetivo não é ganhar, mas sim fazer negócios. Sobre sustentabilidade financeira, em princípio isso estaria inerente dada a priorização do negócio, mas isso talvez não seja bem assim. Mais sobre isto nos próximos parágrafos.

Como disse, o modelo de negócio é vender jogadores. Assim, quando se escolhem contratações, é frequente ouvir-se “este miúdo vai valer muitos milhões”. Não se pensa naquilo que poderá render em campo, pensa-se no negócio prospetivo. Claro que isto é uma opção legítima, e aparentemente é democraticamente aceite. Só que há um pequeno grande detalhe: o negócio depende do que se passa em campo. Portanto, um jogador só será bem vendido se render em campo.

Para render em campo, não bastam individualidades, é preciso uma equipa. Nenhum jogador funcionará sozinho, precisará sempre de um coletivo. Quando o coletivo falha, as individualidades também valerão menos. Portanto, para fazer vendas milionárias, é preciso acautelar que o plantel é equilibrado e todas as condições são dadas à equipa para trabalhar.

Ora, é aqui que a estratégia do Benfica descamba. Efetivamente, de tão cegos que os dirigentes do Benfica são com negócios e negociatas, estas questões são completamente descuradas. O Benfica quando, em Janeiro, atacou o mercado de inverno, não pensou nas lacunas da equipa, pensou no negócio. Marcos Leonardo veio porque era uma oportunidade de negócio, não porque o Benfica precisasse de mais um avançado (tanto que Musa saiu como consequência). Prestianni veio porque era uma oportunidade de negócio, não porque fosse necessário (tanto que apenas conta para a equipa B). Carreras é um caso especial, porque se Jurasek não contava, era realmente necessário um lateral. No entanto, veio Carreras, um miúdo que não era sequer titular no Granada, em vez de vir um jogador estabelecido para entrar de caras na equipa, porque a estrutura vê nele uma possível venda milionária.

Imagine-se uma fábrica de chapéus. Verdadeiramente, a única coisa que dá dinheiro são os chapéus. Contudo, se não se investir em máquinas, se não se investir em trabalhadores, se não se investir em manutenção, se não se assegurar a operação básica da fábrica, enfim, não será vendido um único chapéu.

Também do lado das vendas as vistas são curtas. Um clube como o Benfica necessitará sempre de vender. Mais: um clube com uma estrutura caríssima e ineficiente como o Benfica precisa de vender ainda mais. Contudo, mesmo com estas condicionantes, um ajuste na mentalidade seria o suficiente para melhorar a gestão do Benfica

Conforme supramencionado, qualquer craque precisa de um coletivo. Ora, sejam os jogadores contratados sejam os miúdos da formação, todos os jogadores precisam de um tempo para se adaptar e crescer. Em linguagem empresarial, este é um período não-produtivo, pois o clube está a investir recursos que não levam a resultados imediatos. Ora, reduzir estes períodos de tempo não-produtivos deveria, por isso, ser um no brainer. Quanto mais reduzido for este período, mais retorno desportivo e financeiro os jogadores darão. Qual é então a melhor forma de reduzir este período de tempo? É proporcionar as melhores condições de trabalho possíveis, o que implica, necessariamente, ter melhores colegas.

Assim sendo, a chave de uma estratégia ganhadora passa por aumentar os ciclos de compra/venda (ver imagens ao fundo). Se, em vez de vender os melhores jogadores ao fim de uma época no prime, se fizesse um esforço por os manter duas ou três épocas, esses jogadores no prime dariam o contexto perfeito para novos jogadores aparecerem e rapidamente chegarem também eles ao seu prime. A melhor parte disto é que isso não teria qualquer custo adicional ao fim de duas épocas. Sim, isso implicaria limitar as saídas durante dois anos, mas, a partir daí, o Benfica continua a ter oportunidade de fazer uma a duas vendas milionárias por ano. A grande diferença seria que os jogadores vendidos teriam duas épocas de Benfica no prime, em que ajudariam a preparar as futuras vendas milionárias. Claro que, para isto, era preciso visão estratégica. Já agora, também ajudaria ter experiência empresarial. Contudo, no Benfica, não há nem uma nem outra…

Tudo isto tem uma consequência gravíssima que, aos poucos, vamos notando: quando as coisas começarem a correr mal, não haverá tempo para recalibrar estratégica. Por outras palavras, a exposição ao erro é enorme. Basta por isso um erro e tudo escala como uma bola de neve. No cenário atual, excetuando Trubin (e Di Maria, mas esse não será monetizado), nenhuma das contratações deste ano do Benfica está perfeitamente adaptada e a render, mas também não terão mais tempo para chegar a esse ponto. A ânsia de rentabilizar é tanta que já se pensa em minimizar perdas no que toca a Kokçu, Arthur e outros. Depois, para pagar estes prejuízos, vendem-se as joias da coroa. Resultado: no ano seguinte, o plantel sofre uma revolução, o que significa muitos jogadores novos a precisar de tempo, o que por sua vez significa que a probabilidade de falhar é grande. Outra vez.

Resumindo tudo isto, o modelo de negócio do Benfica é vender, vender e vender, mas não há uma reflexão real sobre que caminho tomar. Nos reinados de Vieira e Rui Costa, o Benfica comete dois grandes erros estratégicos: 1) contrata a pensar em futuras vendas, ignorando por completo que os jogadores precisam de contextos adequados para render; e 2) vende as estrelas cedo demais, o que faz com que os jogadores novos tenham muito pouco tempo para se tornarem as novas estrelas da equipa. Como consequência, a probabilidade das coisas falharem aumenta, criando uma bola de neve destrutiva. A percentagem de acerto de contratações do Benfica nos últimos anos deve rondar uns 10% (se tanto), e a tendência é decrescente porque o mindset é, simplesmente, errado.

Chegará uma altura em que o dinheiro da Champions e das contratações não será suficiente. Aliás, suspeito que já não é, caso contrário não andaríamos a pedir empréstimos obrigacionistas numa altura em que as taxas de juro são altíssimas. Nessa altura, os Benfiquistas chorarão. Paradoxalmente, são eles os maiores culpados, porque há 30 anos que elegem demagogos, vigaristas e mamões que, à vista de todos, cometem erros grosseiros. Valha-nos o Seixal, porque não fosse isso e a situação financeira do Benfica seria de pré-falência.

1 thoughts on “Um modelo de negócio estúpido e as respetivas consequências

  1. e quanto mais aflito estiver por dinheiro mais mal vai vender os seus jogadores, casos do ruben dias, do darwin ou do gonçalo ramos.

    não sei o real estado das finanças porque essas só se vão ver no final da época mas o facto de se ter feito agora um empréstimo obrigacionista não tem nada a ver com isso, é uma conclusão errada da sua parte, este empréstimo é para pagar o anterior os juros são mais altos, claro porque aumentaram para todos, ainda assim não aumentaram na proporção que se esperaria e todas as empresas estão a pagar agora mais pelos empréstimos bancários e outros porque precisam de credito seja ele caro ou barato.

    outra coisa é se temos empréstimos a mais não o valor do juro que se tem de pagar, ainda assim o ano passado os depósitos bancários andavam no um por cento agora estão nos tres, nós subimos dos quatro por cento para os cinco.

    mas os sócios sempre validaram o modelo do anterior presidente que era mais do que expectável que o rui continuasse, porque se não concordasse com aquele modelo tinha já há muito saído das listas do anterior presidente.

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