O famoso 3-4-3...e razões para um falhanço...

Bola

3x4x3: método e discurso
O MARSELHA DE RAYMOND GOETHALS, LIÇÕES DE UM «VELHO FEITICEIRO».
Para se debater verdadeiramente o 3x4x3 é necessário quase como que entrar no espaço sagrado do futebol europeu. Na busca de referências de aplicação eficaz desse sistema (a forma mais evoluída de jogar), só encontramos grandes equipas, com jogadores fabulosos. Mesmo nestes casos, porém, a dinâmica e solidez táctica do sistema, varia conforme os seus intérpretes e filosofia de jogo.

O 3x4x3, como qualquer outro sistema de três defesas, é, talvez, a forma mais evoluída de jogar. A mais atractiva, também, Ao longo dos tempos, há muito poucas equipas no mundo que o conseguiram aplicar ao mais alto nível de forma eficaz. Principais exemplos: O Barcelona de Cruyff e, depois, de Van Gall,; o Marselha de Goethals campeão europeu;
Onde Koeman, embora já como adjunto, viu o mais equilibrado 3x4x3 da história recente do futebol europeu foi em Barcelona, não com Cruyff (onde o modelo estava, diga-se, demasiado desequilibrado em termos de transição ataque-defesa), mas com Van Gaal.
Tudo, portanto, referências de top, pois, para além de ser a forma mais evoluída de jogar, é, também, claramente, a mais arriscada. Pode criar, pela inerente superioridade numérica a meio campo, uma ilusão inicial de maior dinâmica ofensiva, mas a análise de qualquer sistema nunca pode ser dissociar a fase defensiva da fase atacante. Elas devem ser analisados em conjunto, pois as grandes equipas, em campo, nunca os dividem como compartimentos estanques.


Os três pilares do 3x4x3
É errado pensar-se neste sistema partindo das características dos laterais ofensivos. Nenhum jogador, sector ou sistema pode ser só analisado na fase ofensiva ou defensiva. Na dinâmica colectiva de defesa-ataque-defesa, esses movimentos fundem-se numa só forma de «jogar», fazem parte dos mesmos princípios de jogo aplicados e sem essa interpretação e, posterior aplicação conjunta, qualquer sistema, sobretudo o 3x4x3, está condenado à partida, sobretudo a nível de transição defensiva, cuja a elasticidade posicional é táctico-fisicamente muito mais exigente.
A grande questão do sistema reside, pois, na transição defensiva. Neste sentido, é um sistema completamente desfasado da actual realidade do futebol benfiquista em termos do valor dos jogadores para o aplicar e, até, treinar. Para poder chegar a jogar neste sistema, um treinador tem de permanecer muito tempo num clube até solidificar neste processo de jogar três pontos essenciais: Grande maturidade táctica colectiva e individual; automatismos afinados nas transições defesa-ataque-defesa; e grande capacidade de posse de bola.
Este último é um ponto muito importante. Para se jogar em 3x4x3, com apenas três defesas, o onze fica muito exposto, pelo que a equipa nunca poderá perder a bola muitas vezes, sobretudo à frente da área adversária, zona de pressing mais arriscado. Recuperada a bola nessa zona, permite contra ataques mais perigosos, visto apanhar, no corredor central, a equipa desequilibrada táctico-defensivamente. Só quando uma equipa for muito forte em posse de bola, com processos colectivos defesa-ataque-defesa muito sólidos, se poderá pensar, de forma tacticamente realista, no jogar em 3x4x3.
Tudo se resume, portanto, a manter sempre o equilíbrio entre-linhas. Quando ele se perde, e neste sistema, se não existirem os tais automatismos e maturidade táctica subjacente, é fácil isso acontecer, a equipa fica muito exposta defensivamente, e a fase atacante desprende-se em termos de movimentação táctico-colectiva da fase defensiva. Nessa altura, passa de um sistema arriscado, para um sistema suicida.


O MARSELHA DE GOETHALS
Inicio dos anos 90. Vivia-se a era de ouro do Milan de Capello, herdeiro do de Sacchi. Em duas finais consecutivas da Liga dos Campeões, encontra dois adversários esquematizados em 3x4x3. O Marselha de Goethals, em 93, e o Barcelona de Cruyff, em 94. O resultados seriam, porém, bem diferentes. A explicação está, afinal, em duas formas distintas de entender o 3x4x3.
Aquele Milan era uma máquina de jogar futebol, mas em quatro jogos realizados contra o Marselha, o onze de Goethals, ganhou três e empatou um, no S.Siro. E das quatro vezes jogou da mesma maneira, em 3x4x3, embora como jogadores diferentes.
O segredo estava, digamos, em descodificar o código genético do fio de jogo daquele Milan. Funcionando como um bloco que se movia para atrás e para a frente, jogava em 50 metros de terreno, em 4x4x2, à zona, com a defesa subida, fazendo o fora de jogo.
Ao contrário da maioria dos adversários que, quando o defrontavam, recuavam linhas e só alinhavam um avançado, Goethals, em 91, lançou três na deslocação a S.Siro: Pele, Waddle e Papin. A filosofia com dizia Goethals era simples: "quem recuar primeiro, perde o jogo".
Para bater a defesa em linha, o gesto mortal era um passe em diagonal. Foi assim que o Marselha marcou. Para defender, o segredo, mais do que marcar em cima os avançados Massaro e Van Basten, era antes retirá-los da zona de perigo, forçando-os a acompanhar a linha defensiva do Marselha quando subia. Colocados numa zona distante da baliza, eles deixavam, por inerência, de criar perigo. No fundo, era Goethals que passava a ditar o comprimento do campo e colocava o jogo todo quase em apenas 35-40 metros de terreno.

Foi assim que fez na final de 93, então já com outro onze. Os três defesas gigantes eram Angloma, Desailly e Boli. Nas alas, à esquerda Di Meco, e, à direita, Eydelie, definido por Goethals como um cão de guarda que tinha por missão não deixar o extremo Lentini passar nem uma vez que fosse! No mesmo flanco, mais à frente, Pele, extremo-direito, tinha como missão não deixar subir Maldini e impedir o jogo de triangulações ofensivas (Maldini-Lentini-Van Basten) do Milan. A acção de Pele confundia-lhes, porém, os movimentos. Naquele anterior jogo em S.Siro, ele pusera-lhes a cabeça à roda a atacar. Agora, surgia incansável a defender no...ataque. Entre os defesas, o chefe era Boli, libero, no centro, com uma pujança e velocidade impressionantes.
A meio campo, à frente dos centrais, Deschamps escondia a bola e retardava o ritmo, enquanto Sauzé lançava o ataque com passes de 50 metros que colocava a bola para além do bloco formado pelas duas equipas, mas com uma diferença: ela caía nas costas dos defesas do Milan e à frente dos avançados do Marselha, Boszik, Voller e o diabólico Pelè.
O Marselha ganharia o jogo por 1-0. Marcou à beira do intervalo e, na segunda parte, transformou o jogo num labirinto no qual o Milan nunca descobriu a saída.


O bloco de notas de Goethals durante a final de 1993. De um lado, o desenho táctico do seu Marselha. Do outro, o do Milan. Doze anos depois, a recordação de um mestre do 3x4x3.


AS DUAS FACES DO BARCELONA DE CRUYFF
É errado analisar a eficácia do 3x4x3 partindo apenas da exigência dos laterais com capacidade para atacar e defender. A equipa é um todo, o sistema depende dessa noção colectiva, no qual a fase defensiva é indissociável da ofensiva e vice-versa. A acção dos laterais é tão importante como a dos extremos fecharem as subidas dos flanqueadores e laterais adversários, impedindo-os de jogar, ou como as dobras feitas nas faixas pelos médios defensivos, nas costas dos laterais, quando as linhas sobem pelos corredores.
Ao Barcelona de Cruyff chamaram-lhe o Dream Team, pelo seu ofensivo modelo de jogo, esquematizado num sistema de três defesas, gerido, no eixo, por um fabuloso libero holandês chamado... Ronald Koeman, o farol de um 3x4x3 que colocava dois laterais (Ferrer-Sergi) nas pontas desse trio defensivo, segurado à frente da defesa por uma dupla de trincos-volantes (Guardiola-Nadal) e entregava as alas a um jogo de compensações feito entre os médios interiores (Bakero-Amor) e os extremos (Goicoechea-Stoichkov), estes verdadeiras asas propulsoras do onze que, na dinâmica ofensiva, entrava por toda a frente de ataque com Romário nº9 puro entre os centrais adversários.
Era um sistema empolgante, ofensivamente espectacular mas, diga-se, algo descompensado a nível das transições ataque-defesa, fase em que sofria muito. Marcava muitos golos mas também sofria muitos, e, perante equipas tacticamente muito sábias, sentia falta dessas referências defensivas, como na final da Taça dos Campeões de 1994, quando foi goleado pelo Milan (0-4).


A missão defensiva
Na memória, porém, ficam grandes exibições na Liga espanhola, com Romário a sagrar-se o melhor marcador com 30 golos.
Curiosamente, porém, Cruyff não pensava o jogo só em termos ofensivos, como mais tarde confirmou no seu fantástico livro "Me Gusta el futbol" onde afirma que tudo se resumia a uma questão de linhas. Enquanto as linhas aguentavam o espaço entre si, tudo estava controlado.
A surpresa surge, porém, quando lhe perguntam quem era o homem mais defensivo. Resposta: Romário! Porquê? Porque só tinha uma tarefa defensiva: que o guarda-redes tivesse de lançar a bola do lugar que a tinha agarrado. Ideia que se aplicava, também, ao lances em que o central adversário iniciava a saída de bola. Nesses momentos, recorda Cruyff, "ele tinha de pressionar o guarda-redes de forma a permitir que a defesa avançasse 10 metros. Se ele estivesse a dormir ou a lamentar-se, ou a queixar-se do árbitro, e perdesse a concentração, permitia que o guarda-redes subisse até à linha de área e toda a equipa tinha de recuar. Se, por outro lado, ele estava activo e pressionava o guarda-redes, isso dava-nos uma vantagem decisiva, já que o espaço se reduzia e as linhas voltavam a juntar-se".


Os movimentos ofensivos
Revendo os jogos, porém, vê-se facilmente que, na fase de finalização ofensiva, Romário estava longe de ser o nº9 que se limitava a ficar entre os defesas à espera da bola. Movia-se muito, mesmo sem descair para as faixas, deambulando de um lado para o outro, procurando traças linhas de passe vertical para os médios que entravam desde trás com a bola controlada.
Noutras ocasiões, num sublime movimento sem bola, recuava arrastando as marcações e abria espaços para os médios ofensivos ou os extremos entrarem em diagonal. Tudo em velocidade mas sem nunca perder a precisão de movimentos, provando como o futebol é um jogo para ser jogado com a...cabeça.
Quando, depois, a bola era lhe metida à sua frente, em zona de finalização, revelava uma frieza concretizadora impressionante, com o seu subtil remate de bico, muitas vezes antecedido do chamado drible-colher, quando arrastava a bola presa ao pé numa finta de corpo que partia os rins a qualquer defesa, que, num abrir e fechar de olhos, ficara sem ver a bola. Iria, segundos depois, descobri-la no fundo da baliza.
Em síntese: Inteligência em movimento!
Planeta do Futebol
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Um belo texto dum analista que vi num programa da RTPn. Muito interessante. Talvez se perceba porque nunca poderia funcionar no Benfica.
Vale a pena consultar o site.

homemsumol

Grande post! Realmente ajuda nos a perceber mais um dos vários sistemas de jogo e muito oportuno tendo em conta as tentativas de Koeman em introduzi-lo no Benfica.

Parabéns mais uma vez, é de facto enriquecedor e é de enaltecer haver quem crie post do género. Muito obrigado.

E PLURIBUS UNUM


Bola

Não tens de agradecer. ;)
Eis o link...adicionem-no aos favoritos que vale a pena: http://www.planetadofutebol.com/index2.php

Bola

Ten lá um texto sobre o tecnico brasuca, Feola. Contava o meu pai que dormia no banco quando alguem o acordou atrapalhado: "seu Vicente...seu Vicente...zzzzzz, hã...que foi?...seu Vicente está 2-0...2-0??...então continuem a atacar...zzzzzz...mas seu Vicente...estamos a perder...a perder????...então ataquem mais...zzzzzzz...Pelos vistos ganharam...

Bola


red_label

Este fulano tb escreve para a o jornal a bola.

Bola


VALEBEM

 Aceito e concordo em parte com a opinião do Luis Freitas Lobo.
Acho que as razões do fracasso do 3-4-3 do Koeman foram as seguintes:
- o sistema não foi testado em jogos particulares, antes de ter sido posto em prática em jogos a sério. E este é um sistema que necessita e exige muito treino e mecanização
- este sistema requer que os 2 defesas mais laterais sejam jogadores que saibam sair a jogar, e manifestamente quer Rocha quer Anderson não têm essas características
- o 3-4-3 obriga a que certos jogadores chave do Benfica (ex: Simão e Karagounis) joguem fora dos seus lugares habituais, por uma questão de enquadramento das peças no sistema
- por último, o vértice mais ofensivo do 3 atacante deve ser um ponta de lança relativamente solitário e com característica de matador, algo que nós não temos.

Bola

Citação de: VALEBEM em 07 de Outubro de 2005, 11:29
Aceito e concordo em parte com a opinião do Luis Freitas Lobo.
Acho que as razões do fracasso do 3-4-3 do Koeman foram as seguintes:
- o sistema não foi testado em jogos particulares, antes de ter sido posto em prática em jogos a sério. E este é um sistema que necessita e exige muito treino e mecanização
- este sistema requer que os 2 defesas mais laterais sejam jogadores que saibam sair a jogar, e manifestamente quer Rocha quer Anderson não têm essas características
- o 3-4-3 obriga a que certos jogadores chave do Benfica (ex: Simão e Karagounis) joguem fora dos seus lugares habituais, por uma questão de enquadramento das peças no sistema
- por último, o vértice mais ofensivo do 3 atacante deve ser um ponta de lança relativamente solitário e com característica de matador, algo que nós não temos.
Nem mais...mas falta uma coisa na tua análise...a falta de um líbero...

Red-Blood

acho que esse luis freitas lobo deve perceber mais de bola do que o pesudo. Pelo menos em termos de leitura de jogo  ;)  :2funny:

weliton

Eu continuo com a minha, que é pode-se ter um padrao de jogo ou tactica na teoria, mas na pratica o que faz a tactica sao os jogadores do plantel que a fazem.
Nisso é que se vê os grandes treinadores e  os vencedores, sao aqueles que com os treinos descobre a melhor maneira  de rentablizar um jogador, e é isso que faz o grande treinador.

Bola

Citação de: weliton em 07 de Outubro de 2005, 12:37
Eu continuo com a minha, que é pode-se ter um padrao de jogo ou tactica na teoria, mas na pratica o que faz a tactica sao os jogadores do plantel que a fazem.
Nisso é que se vê os grandes treinadores e  os vencedores, sao aqueles que com os treinos descobre a melhor maneira  de rentablizar um jogador, e é isso que faz o grande treinador.

Mais um motivo para desconfiar de certos treinadores tipo Cruijf...