Carlos Dantas: «Exijo uma luta intensa entre os meus jogadores»

antonioli

Se há personalidade no hóquei nacional que se pode dar ao luxo de falar sem utilizar meias palavras, então chama-se Carlos Dantas. O homem que durante 15 anos dotou o Benfica de alguns dos melhores momentos de hóquei do mundo e que, mais tarde, deu cartas na selecção italiana e no campeonato transalpino está de volta ao seu clube do coração. Como se diz viciado em títulos, exige cada vez mais dos seus pupilos. Na sua primeira grande entrevista desde que reassumiu o comando técnico do Benfica, Dantas confessou-nos vários pensamentos acerca da nova aventura na Luz.

«NÃO SEI SE TERÃO CAPACIDADE DE ATURAR-ME, POIS SOU MUITO EXIGENTE»

P – Que Benfica reencontrou, enquanto clube?
R – Muito, mas mesmo muito mudou para melhor. Ainda assim, há aspectos a melhorar. Não estou acostumado, por exemplo, a estes ares condicionados do pavilhão [risos]. Tenho de me habituar. Bom, sinceramente, o que me faz mais incómodo é a pista, que não é famosa para a prática do hóquei. Trata-se de uma pista que cansa em demasia os nossos jogadores. Julgo que o problema passa pelo tipo e camada de verniz que é utilizado. O esforço que os jogadores fazem na travagem, no arranque e até no deslizamento é contra-producente. Nós já fizemos a comparação com pistas normais, como aquela que já tivemos no antigo pavilhão, e com pistas das novas, como as que são utilizadas em Paço d'Arcos e Alverca e o que é certo é que o rendimento da equipa é totalmente diferente, para melhor. Os movimentos são mais perfeitos e executados de forma mais rápida nesses pisos. Precisamos que a pista tenha menos verniz.

P – E em relação à equipa?
R – Bom... era preciso mudar. Note que os melhores jogadores do Benfica afastaram-se há uns anos atrás por questões financeiras e o Benfica derivou um pouco. As coisas equilibraram-se financeiramente e optou-se por ir buscar um grupo de jogadores que tem alguma qualidade. Agora, há que notar que estes jogadores tinham um determinado rendimento noutra equipa e chegaram ao Benfica com a obrigatoriedade de ganhar, o que por norma inibe um atleta. Julgo que foi feita uma aposta em jogadores jovens que têm possibilidades de virem a ser bons valores, mas ainda vai demorar algum tempo até que possam evoluir e adquirirem uma mentalidade ganhadora. É esse o grande desafio do Benfica.

P – Mas pode considerar-se esta a base do Benfica do futuro?
R – Sim, aqui estarão quatro ou cinco jogadores que servirão de base para o futuro, mas teremos de ir buscar os restantes para fortalecer a equipa. A questão é que antes existia uma base sobre a qual era construída a equipa, enquanto que agora foi a base que foi criada de raiz. Ou seja, tentaremos lutar por títulos, mas só com estes jogadores será complicado que isso se concretize.

P – Tem três anos e meio de contrato com o Benfica. A sua prioridade é mesmo a conquista de títulos?
R – Sem dúvida. Mas vejo que na actual situação é complicado. Note que o FC Porto tem quatro títulos nacionais e uma equipa formada em volta de jogadores jovens que já estão no clube há vários anos. Se reparar, os titulares deles ainda têm muitos anos de hóquei pela frente. Nós temos de ter uma base sólida para os atacarmos em força. Eu tenho a fobia dos títulos e por isso todos os dias penso na melhor fórmula para fazer funcionar essa base, mas há uma realidade que não pode ser desmentida: No Benfica temos de sofrer muito e conquistar títulos de forma a que sejamos donos de uma posição de mérito. Não basta cá jogar. Agora, não sei é se as pessoas terão a capacidade de me aturarem, até porque sou muito exigente. Espero que tenham, pois só dessa forma os jogadores terão a possibilidade de darem o salto de qualidade. É que estamos a atravessar uma fase em que estou dar-me conta de quem pode ter a responsabilidade de jogar pelo Benfica e de lutar por vitórias. E no futuro saberei, dessa forma, responder às minhas próprias questões do dia-a-dia.

P – O que pretende que os jogadores lhe provem?
R – Exijo uma transformação de mentalidade e uma luta intensa entre os meus jogadores, de forma a que seja possível discutirem quem merece fazer parte do núcleo central. Neste momento, somos uma equipa desequilibrada. Note que sem o Mariano [foi expulso no último jogo] eu não sei o que vai acontecer amanhã. Neste momento, ele é o toque de classe desta equipa. É ele quem pode fazer a diferença.

«VALTER NEVES À IMAGEM DE VÍTOR FORTUNATO»

P – E quanto aos restantes?
R – Há um ou outro jogador nesta equipa que já estabilizou a um nível importante, caso do Valter Neves, um jogador que dá grande segurança, um pouco à imagem do Vítor Fortunato. No entanto, outros, como o Ricardo Barreiros, ainda não conseguiram atingir uma bitola constante, jogo após jogo. Ele pode marcar três golos num jogo e ficar duas semanas sem marcar e eu quero que um avançado marque um ou dois golos todas as semanas. Depois, existem casos, como o do Carlitos, onde se nota alguma oscilação neste novo mecanismo, apesar de terem qualidade. Quanto ao Pedro Afonso, julgo que tem de adquirir maior estabilidade emocional porque tem valor para contarmos com ele. Em relação ao Rui Ribeiro, é muito inteligente a jogar, mas tem falhado nos momentos mais importantes. Tem de conseguir marcar e não apenas abrir espaços. Por fim, o Tomba, é um jogador útil, mas que tenho utilizado como quinto ou sexto jogador de forma a resolver os problemas adjacentes a cada partida. Ora, estes são alguns dos aspectos que estamos a tentar alterar ou cimentar, de forma a que a equipa fique mais forte. Mas são situações que não mudam de um dia para o outro.

P – A grande nuance táctica do Benfica, desde que aqui chegou, tem sido a entrada de Pedro Afonso na equipa titular?
R – Assim acontece, porque me dá mais garantias em termos defensivos. Repare que temos passado vários jogos sem sofrer qualquer golo, possuindo a defesa menos batida da competição. No entanto, quando falo em desequilíbrio tem também a ver com o facto de sermos uma equipa que tem marcado poucos golos. É que o Pedro Afonso é um bom jogador para a defesa e para romper, mas não se espere que seja ele a marcar golos. Assim, com a formação com que temos jogado, julgo que conseguimos consolidar a base defensiva, com o Carlos Silva, Pedro Afonso, Mariano e Valter, mas queremos melhorar a produção na vertente ofensiva. Quero que o Barreiros seja o nosso marcador, apesar de não lhe exigir que decida todos os jogos. Temos de melhorar nesse aspecto.

P – Presumo que pretenda reforçar a equipa em termos ofensivos...
R – Sim, reforçaremos com certeza.

«MARIANO PODE SER REFERÊNCIA DURANTE MUITOS ANOS»

P – O Benfica alcançou o segundo lugar na passada semana, estando a 13 pontos do FC Porto, numa altura em que falta disputar a fase final. Ainda acredita no título?
R – O FC Porto não está a fazer nada de extraordinário, já que até já perdeu dois jogos e empatou outros tantos. Nós e o Barcelos é que estamos mais irregulares do que fomos num passado pouco distante. Se é possível lá chegar? Bom, é difícil, mas acreditamos sempre, apesar de estar muito preocupado pelo facto de o Mariano ter sido expulso na última partida. Preferia ter perdido o encontro e ele não ter visto o vermelho.

P – Trata-se de um jogador que tem tido algum azar, em termos disciplinares, ao longo da temporada.
R – Sim, acho que ele tem sido muito marcado pela arbitragem. Se o hóquei português quer perder jogadores da sua capacidade, então estamos a matar esta modalidade. É que o Mariano coloca muita intensidade física na disputa de todos os lances, de forma a ganhar posição, mas nunca utiliza a violência.

P – Já que falamos no Mariano. Durante quantos anos mais pode ser ele referência nesta equipa?
R – Durante muitos! O Mariano está com 28 anos e acho que poderá continuar a ser uma referência ao longo de mais cinco ou seis anos. Ele tem um espírito de vencedor que os seus colegas têm de seguir. Há que ser irreverente e tomar a iniciativa. O treinador dá a base do treino e incute o espírito de vitória, mas depois eles têm de seguir o seu caminho e criar nos jogos e nos treinos o seu próprio hóquei.

«HÓQUEI PORTUGUÊS PASSA POR UMA CRISE DE VALORES»

P – Relativamente à Taça de Portugal, o Benfica pode ser considerado um sério candidato à conquista da prova?
R – Vamos esperar pelo resultado do sorteio. Temos capacidade para vencer qualquer jogo, mas não podemos ter tantas certezas se tivermos de ir ao terreno do FC Porto, embora tenhamos jogado muito bem da última vez que lá fomos. Perdemos apenas por alguns pormenores que não vale a pena agora salientar. Aliás, é interessante que os jogos em que mais gostei da equipa foi com o Gulpilhares e com o FC Porto, em que perdemos.

P – O Carlos Dantas é a pessoa indicada para comparar o actual estado do hóquei italiano e português...
R – O hóquei em Itália está a passar por um problema complicado, porque são jogadores com mais de 30 anos a controlarem as equipas e selecção. Há algumas diferenças entre os dois hóqueis, porque eles jogam com muitos estrangeiros, especialmente argentinos, se bem que aqui o FC Porto também o faça, com quatro jogadores provenientes de outros países. Quando esta geração de jogadores italianos acabar, eles vão passar por um momento difícil e julgo que nessa altura muitos portugueses rumarão ao campeonato italiano. Mas, por outro lado, em Portugal também passamos por uma crise de valores.

P – Que recordações traz de Itália?
R – Trago uma recordação de que sinto saudades: Jogadores tremendamente competitivos. Trabalhei com os hoquistas da selecção italiana, com vista a prepararmos o campeonato do mundo, sob um calor tórrido e em treinos bidiários. E eles davam tudo aquilo que tinham em cada treino. Eu, que pensava vir a ter problemas disciplinares com alguns jogadores, acabei por ter da parte deles um comportamento espectacular. O Benfica de outros tempos e os grupos de trabalho que tive em Itália têm de ter continuidade nesta equipa actual. Quero que a atitude que dois ou três jogadores têm neste momento seja seguida por todos.

P – Qual a sua opinião acerca da realização do primeiro Mundial de clubes?
R – Concordo com tal competição, mas as regras do jogo têm de ser definidas. Julgo que as equipas italianas têm de marcar presença. E como neste momento ainda não existe tal certeza...

Texto: Ricardo Soares

http://www.slbenfica.pt/Info/HoqueiemPatins/NoticiasHoqueiPatins/noticiashoquei_hoqcarlosdantasent_240306_35102.asp

Inessita29

Estou feliz por constatar que o Carlos Dantas voltou ao nosso clube. Lembro-me perfeitamente das vitórias que conquistámos com ele no comando! :D

Jon

Mais directo e sincero que isto é dificil......


Bem vindo de novo Carlos Dantas. Mas que Grande, lúcido, e exigente treinador.. a Grande contratação do Benfica foi esta.