Entrevista a André Sabino - Terceira Parte "Uma vista sobre o fut. jovem"

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Esta é a terceira parte da entrevista.


Pode ler toda a entrevista aqui: http://www.serbenfiquista.com/forum/index.php?topic=35243.0
e aqui: http://www.serbenfiquista.com/forum/index.php?topic=35288.0


André Sabino aborda alguns temas gerais sobre o futebol de formação em Portugal, elogiando o FC Porto e Luis Castro pelo trabalho que estão a realizar, olha com especial interesse os avanços em Guimarães e em Braga, elogiando também a vaga de novos treinadores no nosso país, não deixando de criticar, no entanto, dirigentes e empresários, responsabilizando-os pela falta de aposta no produto nacional no nosso futebol. Os métodos e evoluções da área de formação no nosso país são também visados, assim como as selecções nacionais jovens.

1- Para lá do Benfica, como está a formação em Portugal?
Globalmente bem nos clubes de nome, mas claramente a precisar de algumas melhoras. Existe bastante por onde mexer, a começar pelos modelos dos campeonatos nacionais. Há a tentativa de uma maior aproximação dos clubes de 2ª linha (Belenenses, Vit. Guimarães, Braga...) àquilo que é realizado nos três grandes e isso é um encurtar de distâncias essencial para uma maior competitividade não só ao nível oficial de jogos na formação, mas essencialmente numa melhor preparação dos jovens para a entrada no futebol da alta roda. Hoje em dia quem diz que prefere deixar de ser mais um no Sporting ou no Benfica e tenta a sorte num dos clubes de 2ª linha, encontra a mesma competitividade e exigência de rendimento que tinha anteriormente, o que lhe confere maiores índices de preparação para a entrada no futebol profissional.

Penso, no entanto, que a este nível há que inovar, e para além das medidas de alteração dos modelos competitivos dos campeonatos nacionais, pode e deve-se seguir os modelos de outros campeonatos, com a obrigatoriedade de maior número de jogadores da formação (com inclusão em convocatórias), alargar para três o número de anos de Júnior, existir um maior esforço das autarquias para construir condições para os jovens de patamares mais baixos e, naturalmente, dar outra importância, da parte dos clubes, à Liga Intercalar, que no futuro pode vir a ser extremamente importante no encurtamento de distâncias em relação ao patamar de formação e o nível profissional.

Pode-se dizer que a nível global o resultado é positivo, em termos de clubes, no entanto, há muito mais a fazer em termos de selecções e federação, que tem de acompanhar o crescimento que esta área tem obrigatoriamente de ter pois é essencial na saúde não só financeira como desportiva dos clubes portugueses.

2- Existe algum projecto que te agrade, a nível de formação, para além dos desenvolvidos nos três grandes?
Em termos de projecto e de futuro, olho com especial «interesse» o que se pratica no Vitória de Guimarães e no Braga, que estão em forte crescimento e isso vê-se logo de imediato nas inclusões de alguns jogadores da cantera nos seus planteis principais, como o Targino e o Rabiola (agora no Porto) no Guimarães, e o Stélvio e o Orlando Sá no Braga. Nos três grandes, o Porto e Luís Castro e a sua equipa estão a construir um trajecto que a curto/médio prazo dará certamente os seus frutos.

3- Temos treinadores adequados ao futebol de formação, ou são apenas os rejeitados do futebol sénior?
Temos seguramente. O futebol de formação exige uma especialização cada vez maior das pessoas que o compõe e, os treinadores não têm fugido à regra. Claro que existem muitos que estão nesse estigma, de experiências falhadas no futebol sénior, e realmente não possuem características quer metodológicas ou pedagógicas para trabalhar com jovens, o que, no entanto, e felizmente, é uma excepção à regra. Portugal a nível de treinadores está forte e existem excelentes equipas técnicas a trabalhar no futebol de formação no nosso país, sobretudo nos campeonatos nacionais.

4- A nível de treino, consideras que os métodos utilizados nas camadas jovens dos clubes portugueses estão ao nível daquilo que se faz em Espanha, Itália, Holanda..?
Ainda não, mas há um sentimento claro de necessidade de inovar para atingir esses patamares. Em Portugal não se dispõe das exigências que existe, por exemplo, na Suíça, onde os jovens jogadores treinam de forma bi-diária e é maior o tempo que eles passam em treino e nos estágios do que propriamente na escola a estudar. Há, no Mundo, um sentido de inovação e profissionalização cada vez maior dos seus sectores de formação.

Em Portugal não se foge à regra e é frequente ver, essencialmente os métodos de treino holandeses, protagonizados nas escolas do Ajax, Feyenoord, PSV, Twente, sobretudo estes, servirem de moldes para o trabalho que se faz no desenvolvimento das capacidades dos atletas, sobretudo com os tão famosos "skills", como já se faz também em Inglaterra de forma muito convicta. Consiste num conjunto de exercícios que visam o desenvolvimento da técnica individual, quer em velocidade, em drible, em penetração, etc.

5- Qual a importância dos centros de estágio na formação de talentos?
Digamos que é essencial. Um Centro de Estágio engloba todo um conjunto de gabinetes e materiais cruciais no trabalho diário dos formadores. Um Gabinete de Psicologia, o Gabinete das Coordenações Técnicas, o Gabinete de Prospecção, o Gabinete do agora tão falado LORD (Laboratório de Optimização do Rendimento Desportivo), entre outros, são essenciais para a formação de um jovem de alto rendimento. Quando interligados possuem uma capacidade enorme de efectuar um trabalho de maior proximidade e naturalmente qualidade com os jovens talentos.

Também essencial é na recruta de atletas e nas condições que lhes oferece. Sem um centro de estágio seria praticamente impossível ter em Portugal e potencializar as suas qualidades, não só futebolísticas, como humanas, de um Lassana Camará, Rabiu, entre outros.

6- Porém, apesar da inovação em termos metodológicos, cada vez menos jogadores conseguem chegar às duas ligas profissionais. Como explicas este facto?
Por duas razões, na minha opinião. A primeira, é que apesar do avanço que o futebol de formação vai tendo em Portugal, muitos são os jogadores que chegam aos seus planteis principais mal preparados. O talento não se incute, trabalha-se, e muitas vezes ele não o é feito de forma satisfatória. A segunda é naturalmente a quantidade de estrangeiros que nestes últimos anos tem invadido o futebol português. Fazendo uma rápida pesquisa os líderes das duas ligas profissionais (no dia da entrevista) do nosso futebol (Porto e Santa Clara) têm 19 jogadores portugueses, contra 29 estrangeiros – somando os dois clubes. Na Holanda, por exemplo, AZ, Twente e Ajax, os três primeiros classificados, somam entre si 43 jogadores nacionais, sendo alguns dos estrangeiros, jogadores que pelas suas origens, cresceram na Holanda mas têm nacionalidade do seu país de origem.

Há claramente uma falta de mentalidade grave da parte dos dirigentes e da mecânica do futebol em Portugal. Há uma desvalorização grande do produto nacional e uma sobrevalorização intensa dos produtos estrangeiros. Claro que tudo isso se pode justificar com o acréscimo de qualidade e experiência que muitos deles oferecem – é um facto – mas o facto do futebol português ser, actualmente, um ninho de relações, de amizades, de compadrios, de empresários e de estratégias menos dignas, faz com que seja abundante a entrada de estrangeiros no nosso futebol.

7- A preferência, das equipas portuguesas, por jogadores estrangeiros é assim tão decisiva para que os jovens portugueses falhem na transição para seniores?
Naturalmente. Apesar de ser uma aposta que hoje em dia poderá e está a ser positiva, prefere-se ir à América do Sul gastar um milhão de euros no Urreta, do que apostar num produto da casa conhecido por todos chamado André Carvalhas. Hoje nós vemos que secalhar Urreta é uma aposta acertada e foi acertado também não dar já o plantel profissional ao Carvalhas, mas como este caso há centenas e centenas e a maioria deles com uma prova de erro bastante evidente.

Os dirigentes dos clubes portugueses, para salvarem o futebol em Portugal, têm de mudar mentalidades e viver com aquilo que podem. Com a aposta no futebol de formação, com a capacidade de fazerem render o que é seu, e então com a venda de dois ou três produtos da formação e o lucro enorme que daí advém, apostar então na compra de um estrangeiro de topo (para as suas posses, naturalmente) para compor um plantel, pois todos querem logicamente ganhar e obter os melhores resultados possíveis.

8- Indo a uma situação concreta. O Belenenses, clube com excelentes camadas jovens, esta época apostou na contratação abundante de jogadores estrangeiros. Neste momento, está nos últimos lugares da tabela. É o espelho do futebol português?
O Belenenses, fruto da instabilidade directiva de que tem sido alvo, parece-me que é o espelho do futebol português da actualidade. Uma aposta no futebol de formação (vê-se os bons resultados do plantel Júnior), mas uma falta de orientação e de modelo de gestão gritante, o que origina uma remodelação praticamente completa de um plantel, o que origina 28 entradas e 24 saídas (12 delas de portugueses) num espaço de um mercado de verão e inverno, o que produz os resultados que naturalmente estão à vista de todos na tabela classificativa da Liga. No entanto, o Belenenses é um clube com condições e que poderá evoluir significativamente no contexto do futebol nacional. Tem vários produtos emergentes a sair das camadas de formação e que podem, caso exista uma linha de gestão capaz de os integrar no futebol profissional, dar os seus frutos. Assim se saiba rentabilizar, o Belenenses pode voltar aos tempos de Europa em Portugal.

9- Nos finais dos anos 90 e no princípio desta década, Portugal exportava imensos jogadores para os principais campeonatos da Europa. Actualmente, exporta jogadores para a Roménia e para o Chipre. O que mudou?
Penso que essencialmente as oportunidades. Portugal parece agora querer remediar os erros do passado, mas durante algum tempo o produto português e formado no nosso país foi vendido ao desbarato para os países em fase de crescimento ou de reestruturação no futebol. Ao invés, tudo entrou no nosso futebol, seja de que nacionalidade for, de que qualidade for. Portugal passou a ser uma terra de boas oportunidades para os empresários e muitos dos dirigentes, naturalmente indo na onda das cores que melhor os satisfaziam, deixaram-se ir. Portugal precisa de uma mudança. Há os primeiros sinais. Mas é preciso muito mais!

10- Como explicas a falta de aposta dos treinadores das ligas profissionais em jogadores vindos das camadas jovens? Questão de mentalidade, ou negócios com empresários?
A pressão dos resultados, é uma das principais razões. Os clubes vivem na instabilidade de entradas e saídas de jogadores e uma obrigação enorme de se atingirem metas competitivas. Os treinadores, alguns deles, são conservadores e sem mentalidade para lidarem com atletas ainda em formação. A solução muitas vezes passa ou pelo empréstimo, ou por deixar andar, preenche as vagas para as competições europeias, e está feito. Esta mentalidade tem de mudar, porque um jogador vindo das camadas jovens, com a irreverência que trás, talento, naturalmente, pode atingir coisas ainda muito boas no futebol, o que o atleta que o treinador coloca em detrimento dele, em fase terminal de carreira, já não pode almejar. É compreensível que em Agosto o atleta de 31 anos com 10 anos de 1ª divisão, ou 2ª, produz mais, tem mais manha, mais ratice, do que o jovem de 19 anos acabado de sair das escolas.

Mas, com um trabalho de seguimento e de protecção e desenvolvimento das capacidades de um jovem, provavelmente em Janeiro os processos já se inverteram. E não há nada que dê mais gozo a um treinador do que ver o trabalho contínuo e de qualidade que realizou com um jogador. Por vezes a questão dos empresários é também uma das situações, embora pense que isso seja mais «acima», a nível de direcções e dirigentes.

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11- Apesar da globalização, os gigantes europeus continuam a lançar jogadores formados nas suas canteras, o que em Portugal, com excepção do Sporting, não se verifica. A que se deve esta diferença?
Não só ao nível de mentalidades, mas de estruturas. O Sporting tem um avanço significativo quer em termos de recursos quer em termos de métodos, e isso tem-se verificado em larga escala nos últimos anos. A pressão competitiva é um pouco menor, os jogadores jovens são vistos com outros olhos e essa tem sido uma política contínua, que tem os seus riscos, mas que tem colhido naturalmente os seus frutos. O Barcelona que é um dos clubes europeus com mais sucesso, tem uma das melhores canteras do Mundo, a todos os níveis, e faz grande parte do seu sucesso baseado na sua política de recrutamento. Há uma linha condutora e que orienta todas as pessoas que trabalham ao serviço do clube. O Benfica parece agora estar a dar alguns passes (uns em frente, outros, infelizmente atrás) nesse sentido e poderemos a médio/longo prazo a assistir com maior frequência a uma entrada de jogadores das camadas jovens nos planteis principais. Portugal em termos de métodos e apostas está agora a procurar equilibrar-se com os países mais fortes a nível europeu, e isso tem naturalmente os seus custos no imediato.

12- O último grande caso de sucesso internacional, a nível de clubes, do futebol português, foi a vitória do FC Porto na Champions League. Essa equipa costumava jogar com 8 jogadores portugueses como titulares. Foi um factor importante para esse triunfo?
Sem dúvida. O Porto soube efectuar um recrutamento certíssimo. Tinha nas suas fileiras jogadores da casa como o Vítor Baía, Jorge Costa e Ricardo Carvalho, e um mercado nacional completamente dominado, juntando a uma base sólida e coesa, sobretudo a nível directivo e que lhe permitia uma linha de gestão perfeitamente definida para todos os quadrantes, atletas como o Paulo Ferreira, Nuno Valente, Costinha, Maniche ou Derlei, já com experiência no futebol português, e que constituíram uma base sem grandes mexidas ao longo do trajecto Mourinho, o que acabou por ser factor decisivo para os imensos títulos que conquistaram.

13- A nível financeiro, a formação pode trazer altos lucros aos clubes. A politica de venda das jovens estrelas é um balão de oxigénio, no asfixiado futebol português?
Sem dúvida e deve ser uma das motivações principais dos dirigentes para a aposta nos jovens produtos das suas formações. O que acontece é que, actualmente, já se vai buscar esses jovens jogadores aos estrangeiros pois parece que o produto de fora terá sempre mais visibilidade e poder de rentabilidade do que um jovem nacional. No entanto a possível venda de um activo em idade jovem, constitui um lucro enorme tendo em conta o que foi gasto (quase nada) na formação desse jogador. O futebol português está dependente dessas situações e Portugal tem de voltar a ser um mercado exportador para os principais campeonatos, e não arrastar-se cada vez mais em negócios feitos e já esperados, quase parece que delineados pelos empresários.

14- Porém, nem com o apelo dos milhões dos colossos europeus, parece haver motivação extra para apostar nos talentos nacionais. Porquê?
A pressão dos resultados e a falta de mentalidade ou de coragem de muitos técnicos e dirigentes para fazerem a aposta em jogadores desconhecidos do público, faz com que muitos não cheguem sequer a conseguir entrar no futebol profissional. Mesmo talentosos, os jovens estão dependentes de muitos outros factores para conseguirem seguir as suas carreiras.
15- Contudo, as transferências dão-se cada vez mais cedo, mesmo em idades precoces. Qual a tua opinião sobre este assunto?
Tem sido um dos pontos em que o futebol nacional tem errado. Hoje em dia contrata-se muitos jogadores no estrangeiro e praticamente nenhuns deles chegam aos plantéis profissionais dessas equipas. Em relação ao produto exterior eu sou a favor da compra de atletas estrangeiros, desde que preencham alguns requisitos básicos para a entrada nas equipas jovens. Aquando comparados com o concorrente de sector já das fileiras da equipa, não basta ser melhor. Tem de se ser muito melhor, para dessa forma ter a rentabilidade do investimento e efectuar uma aposta custosa com o menor risco possível. Numa avaliação de níveis, o central português se tiver nota 6, o central brasileiro a vir não basta ter 7, tem de ter 8, para dessa forma a aposta nele ser coerente e apresentar os resultados esperados.

Os atletas estrangeiros têm de ser jogadores que entrem de caras nas respectivas equipas e possam, em caso de evolução e trabalho, ser elementos a ter em conta nos plantéis profissionais dessas equipas. Deve ser no entanto um mercado explorado e aproveitado pelos clubes nacionais, desde que saibam proteger o talento português e efectuar apenas uso da rede de prospecção para recrutação de elementos de fora, se forem reais, e indiscutíveis, mais valias.

16- Existe um pacto de não-agressão entre Sporting e Benfica em alguns aspectos da formação. Explica-nos como funciona esse pacto. Concordas com ele?
Concordo. O pacto de não agressão serve essencialmente para evitar que o Benfica vá buscar jogadores ao Sporting e vice-versa. Temos assistido a casos de trocas entre os dois clubes mas de forma pacífica, pois os elementos que abandonam um lado para rumar ao outro, são na sua totalidade elementos dispensados, quer de um lado, quer do outro. Aí o jogador é livre de seguir o seu caminho, embora não seja já a primeira vez que são colocados entraves quando sabem que do outro lado está o nome de Sporting ou Benfica, o que é perfeitamente normal.

Actualmente esse pacto faz todo o sentido pois até aos 14 anos os meninos podem mudar de clube no final de cada época sem que o seu clube de origem seja ressarcido financeiramente no imediato por essa transferência. Imagine-se o que era o Benfica ir aos Infantis do Sporting capturar os melhores jogadores deles e o Sporting tirar aos Escolas do Benfica alguns dos seus melhores atletas. Penso que é uma forma saudável de evitar uma «guerra» entre as duas grandes potências de Lisboa e que só iria prejudicar os jovens.

17- Nos últimos anos, temos assistido à chegada de jovens de várias partes do mundo, para virem jogar no futebol juvenil em Portugal. Como encaras esta situação?
Com alguma apreensão. O fenómeno dos empresários já está instalado no futebol juvenil e, caso a federação não tome medidas, poder-se-á alastrar a um nível que posteriormente não se poderá controlar. Sou a favor da globalização e que se contrate jogadores no estrangeiro, desde que preencham determinados requisitos. Deve ser feita uma escala de valores dos atletas constituintes do plantel e ver o que falta. Se há a possibilidade de ir a outro continente contratar um atleta, imaginamos de nível 3, e que o seu concorrente de sector, português, tem nível 2, não sou a favor da contratação desse atleta estrangeiro. A globalização deve ser controlada e procurar uma rigidez nos valores a trazer. Não compensa ter um atleta estrangeiro numa equipa, embora seja melhor que o português que cá está, se não for claramente superior a todos os níveis, e em vez de nível 3, seja nível 4.

Não basta ser melhor. Tem de ser muito melhor. E aí sim, faz todo o sentido a contratação de atletas ao estrangeiro, pois o que é gasto na formação de um jogador de fora, é francamente superior ao que se gasta com um português. Se não vejamos. Alojamento, refeições, estudos, salários (que tem de ser chorudo, pois está longe dos pais), empresários, prémios de assinatura, negociações, viagens, etc, vai constituir um gasto suplementar e que não trará o devido lucro se realmente não se tirar os dividendos necessários dessa aposta, com a inclusão do atleta no plantel profissional ou receber alto pela sua transferência no final do seu trajecto de formação. Resumindo, acho que o talento português tem de ser protegido e a federação tem de tomar medidas urgentes nesse sentido.

É obrigatório instituir uma regra que permita que apenas 3 ou 4 elementos estrangeiros constituam os planteis Juniores das equipas em Portugal. Dessa forma, não só o produto português será melhor potencializado, como os jogadores de fora a vir, para preencherem essas vagas, terão de ser obrigatoriamente recrutados com outro nível de exigência e certeza quanto às suas capacidades.

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18- Porém, muitos acabam por mostrar pouco talento, ou mesmo nenhum. Pergunta-se então...erros de casting ou mercadoria para alguns empresários, que se sustentam através destes negócios?
O fenómeno dos empresários ajuda à globalização e a uma entrada cada vez maior de elementos estrangeiros nos planteis jovens do futebol em Portugal. No entanto, parece-me que tudo está dependente da mentalidade dos dirigentes e das suas decisões. São eles quem contratam os jogadores e quem permite então essas «jogadas» exteriores que colocam muitos atletas, por vezes sem qualidade, nas equipas de topo da formação do nosso futebol. Podemos falar abertamente do caso do Benfica. Na era António Carraça o Benfica contratou alguns estrangeiros, nomeadamente o Kaz Patafta, Milan Jeremic, Yu Dabao, Dalibor Stojanovic e Gregor Balazic. Nenhuns dos 5 (tirando Dabao, e de forma nunca convincente) atingiram o plantel principal do clube. No entanto, e tirando o Patafta, foram outras situações que levaram a essa conjuntura.

O Milan Jeremic era um atleta com um feitio complicado mas com potencialidades e que se não fosse a lesão arreliadora que teve na fase terminal do seu trajecto de Juniores, com outro acompanhamento da gestão do futebol profissional, poderia ter ficado ligado ao clube e fazer ainda coisas positivas em Portugal que lhe permitissem jogar na liga principal do nosso campeonato ao serviço do Benfica. Era um atleta com qualidade e que na Sérvia tinha provas dadas – era internacional. O Dabao tem todas as qualidades técnicas para ser jogador do Benfica. Precisa de aumentar a dinâmica e intensidade do seu jogo. O Dalibor e o Gregor foram dispensados pelo Bruno Lage pois entendeu que era o melhor para defender o grupo. O Gregor dificilmente chegaria aos Seniores pois tinha o Miguel Vítor mais forte do que ele, mas foram parceiros da defesa e o esloveno tinha potencialidades para agarrar um lugar, tanto que está no Espanyol de Barcelona.

O Dalibor era um jogador com talento, para mim, um Médio Interior, raçudo, culto, tecnicista. Tinha qualidade e poderia ser um jogador a ter em conta. Acabaram por não terminar a sua formação no Benfica e isso veio condicionar a opinião de quem observa de fora. No entanto eram jogadores que poderiam integrar o plantel principal do Benfica a médio prazo. Hoje, vemos João Alves no comando e a trazer Rogério António, Vlad Chiriches, Guido Abayian e Wagner Silva. E quando falo em João Alves falo exactamente dele pois tinha autonomia para passar um pouco por cima da estrutura. E nenhuns dos 4 eram sequer jogadores para os Juniores do Benfica. Vieram apenas para terem no curriculum "BENFICA" e sem qualquer tipo de qualidade para acrescentar ao plantel.

19- Com a chegada de estrangeiros, para a formação, muitos jovens portugueses ficam sem clube, abandonando o futebol. Em que medida isto afecta o futebol sénior?
É uma realidade triste e que tem vindo a ser acentuada nos últimos anos. Há que ter a consciência que grande parte dos atletas da formação, seja em que clube for, ficam pelo caminho. O importante é que consigam colocação em outros clubes de forma a dar continuidade ao seu trajecto. Muitos optam pelo amadorismo. Outros, com mais talento, naturalmente, querem os caminhos da profissionalidade. A realidade é que muitos outros não têm capacidade para chegaram ao plantel sénior. Outros com falta de espaço nos clubes mais fortes, muito devido ao que temos vindo a falar acima, o factor da globalização que não tem sido feita de forma correcta no nosso país. Isso não só prejudica a qualidade da nossa liga, como o futuro das próximas gerações da selecção nacional portuguesa.

20- Também as selecções sofrem com esse facto. Pensas que a falta de resultados, nos últimos anos, a nível de selecções jovens também está ligada a esse aspecto?
Sem dúvida. Começa a ser visível nos escalões mais jovens e aos poucos vai-se verificando o mesmo na Selecção "AA". Aliás, hoje é claro essa deficiência. Não só ao nível da falta de trabalho em algumas posições, nomeadamente a posição de defesa esquerdo e de ponta-de-lança, como a escassez de atletas de nível médio/alto que preencham os requisitos para representar a selecção. Hoje o produto português é desvalorizado e disso se ressentem as selecções nacionais. A falta de qualidade no trabalho que de certa forma ainda existe na FPF é uma das principais causas.

Convocatórias discutíveis, alguma tendência para certo tipo de clubes a liderar as convocatórias, e isso muitas vezes é sentido pelos próprios jogadores que lá não tiram o partido normal das suas qualidades. Há exemplos claros. Quando a geração de 1990 do Benfica cumpria o seu ano de sub-17, o André Soares vinha a ser, na minha opinião, o melhor jogador do campeonato, teve um ano inteiro sem ir à Selecção Nacional. Foi chamado, depois de um Benfica 7-0 Loures, em que fez um jogo de todo o tamanho, e que o seleccionador nacional na altura (Carlos Dinis) viu e ficou convencido com ele. Tudo normal... mas esse regresso do André às selecções deu-se a... 1 mês do apuramento para o campeonato da Europa. É normal que depois os resultados não sejam os melhores.

21- Que outros motivos apontarias para explicar o facto de, após um período de esplendor, as selecções nacionais jovens apresentem resultados tão fracos?
Não acredito em gerações fracas. As últimas que vi, tinham tudo para se poderem apurar para os respectivos europeus, e não conseguiram. Os sub-19 da época passada, eram uma geração fortíssima. Foram eliminados. Os de 1990, tinham tudo para se poderem apurar. Também não conseguiram. É difícil de compreender muitas coisas que se vão passando com as selecções nacionais jovens mas, curiosamente ou não, esta época os resultados até têm superado as expectativas, sobretudo a selecção de sub-17. Existiam alguns treinadores que na minha opinião eram fracos, alguns saíram, e os resultados têm de alterar.

Outros nem precisavam de ver jogos. E isto reflecte-se. Hoje as coisas estão um pouco diferentes, nomeadamente o Peixe é um óptimo seleccionador e parece-me que vai colher em breve os frutos do seu trabalho. Continua no entanto a existir muito por onde melhorar para as selecções nacionais começarem a ir novamente às principais provas e melhores montras dos talentos não só europeus, como mundiais.

22- Com a queda de Portugal no futebol de formação, dá-se a ascensão da Espanha. Porque não conseguimos acompanhar o ritmo dos nossos vizinhos? Apenas falta de matéria, fracos orçamentos desportivos, ou questão de mentalidade?
Na minha opinião continuam-se a formar bons talentos em Portugal. A Espanha está a crescer em termos de formação e a verdade é que tem muitas condições de que nós não dispomos. A pressão dos clubes de topo não explica tudo, pois as canteras de excelência de Real Madrid e Barcelona colocam regularmente produtos das suas formações nos respectivos plantéis principais. Continua é a existir uma falta de aposta nos produtos portugueses, o que hoje em dia não se reflecte apenas na transição para o futebol profissional.

23- No entanto, ainda recentemente, em sub-21, Portugal humilhou a Espanha, vencendo por 4-1. O mais curioso é que a selecção portuguesa alinhou com 7 jogadores que jogam na Liga Vitalis, enquanto na selecção espanhola apenas um jogador não alinha na primeira liga de Espanha. Queres comentar esta situação triste e caricata?
É a realidade do nosso futebol. Qualidade, talento, mas uma aposta retardada e muitos bons jogadores esquecidos pelas ligas secundárias pela dificuldade que encontram de colocação em clubes do seu nível no futebol profissional. Há falta de mentalidade em Portugal e esse facto curioso é a amostra disso mesmo. Apesar de tudo não acho que o resultado espelhe a diferença de qualidade entre as duas selecções, mas mostra sim que há jogadores de talento espalhados por esse Portugal fora e que, muitas vezes, não são devidamente reconhecidos, preferindo-se apostar no que vem de fora, ao invés de beneficiar e preservar o talento nacional.

24- Outra polémica que afecta a imagem do futebol de formação português é a falsificação de idades. É assim tão frequente e tão escandalosa, ou apenas um bode expiatório para justificar males piores?
É uma triste realidade mas muitas vezes empolada para níveis que não justificam todo esse «escândalo». No entanto, tem de se combater essa situação. Os jovens, nomeadamente os africanos, não podem ser responsabilidades por isso. Muitos deles nem o próprio ano de nascimento sabem. Os empresários, juntamente com os dirigentes, são os primeiros a querer esses atletas e a encontrar forma de remediar a situação, com documentos falsos, dando assim passaportes que confiram outra idade ao atleta e que os permitam jogar em escalões mais baixos. Hoje em dia já se consegue fazer a previsão, sem grande margem de erro, da idade óssea de um jogador, e esse factor tem de pesar de forma crucial no recrutamento ou não de determinados atletas.

Em caso de saberem que o jogador x tem, na realidade, mais um ou dois anos do que aquele que tem nos documentos, fazê-lo subir para o seu escalão ou mesmo colocá-lo no seguinte, para observar se o seu rendimento será superior quando encontrar atletas iguais ou mais fortes fisicamente do que ele (pois é, sobretudo, derivado à força e um maior desenvolvimento das capacidades motoras que muitos atletas africanos vingam nos escalões mais baixos).

25- E o futuro do futebol jovem passa por...
Ao nível dos clubes de topo, definir modelos a seguir, numa linha condutora perfeitamente identificada dos Escolas aos Seniores. Definir modelos de jogador pretendidos para o clube, definir modelos de jogo e sistemas tácticos que se adeqúem ao que é praticado no futebol profissional. Privilegiar o talento individual em prol do colectivo. Um exemplo. Se o Nelson Oliveira desenvolve melhor o seu futebol jogando mais fora da área, flectindo da esquerda para aplicar a sua capacidade de explosão em drible e o forte remate, mesmo que não seja esse o sistema da equipa, adequar as suas características ao sistema de jogo e "criar", no sistema de jogo, uma posição especifica para ele potenciar o seu rendimento.

Ter gabinetes de prospecção com linhas bem definidas, dar maior importância ao trabalho dos prospectores e dotá-los de maiores informações de base para um melhor trabalho. Ter uma estrutura forte e totalmente interligada. Ter gabinetes de desenvolvimento das capacidades técnicas e físicas. Dotar o clube de equipamentos tecnológicos de nomeada. Ter coordenações, quer ao nível da Iniciação como da Especialização, capazes de conhecer ao pormenor todos os atletas de forma a fazer chegar aos técnicos, no início de cada ano, um registo biográfico o mais completo possível das qualidades e defeitos de cada jogador.

Ter técnicos e profissionais capazes de perceber as nuances do futebol moderno e que sejam, também a par de excelentes treinadores, óptimos formadores. Pessoas capazes de transmitir a mística do clube aos mais novos e enraizar-lhes valores que serão essenciais no futuro. Saber dar aos jovens prémios e oportunidades de irem treinar aos Seniores, estar em contacto com eles, partilharem as suas vivências, de forma a um maior crescimento e uma maior aproximação ao que é o sonho que todos têm em chegar "lá acima".

No fundo, dotar o futebol de formação de uma especialização e profissionalização cada vez mais abrangente, de forma a potenciar a chegada de elementos das camadas de formação aos respectivos plantéis profissionais. Os títulos na formação são importantes mas perfeitamente dispensáveis. Um trajecto de formação faz-se, essencialmente, de evolução, preparação e... muita ambição!


Entrevista realizada por: Jorge Almeida.


andre_04_SLB

Três coisas. Espero que gostem e que abra nova página de discussão sobre a matéria.

Luigi, não sei o percurso de António Carraça pós-Benfica.

Gostava de realçar alguns nomes que pelo excesso de "concorrência" não lancei na primeira parte como "os melhores" que vi em Portugal. Falo naturalmente do Miguel Rosa e do Ruben Pinto do Benfica, e olhando mais para baixo, aquele que me parece ser o melhor médio defensivo a jogar em Portugal, Insa Sagna do Belenenses, o Cop do Nacional que tem um talento que nunca mais acaba, o Brigues do Vitória de Setúbal, Lateral Direito, assim como o Moisés, e ainda estou expectante em relação ao Adul Baldé do Estrela da Amadora que pode vir a dar que falar.

cafuringa

Olá, bela entrevista, interessante ponto de vista em relação a formação no nosso país, frontalidade qb, realmente do melhor que já li sobre o assunto.
Não pertenço ao grupo que o conheçe pessoalmente e acompanho a formação a menos tempo que você, porém quero lhe dizer, que uma pessoa com a sua clareza de ideias em relação ao futebol de formação deve ter uma palavra a dizer neste site e no nosso clube.
Da minha parte, muito obrigado.

Ps. Infelizmente vivemos uma crise financeira sem precedentes na história da humanidade, (há quem já defenda que estamos a cair mais rápido que na Grande Depressão de 1929).
Por isto pode acontecer que os clubes em Portugal percebam que é na prata da casa que devem apostar, acredito que a mudança de mentalidades chegará ao nosso futebol.

PiccoloBomber

Grande entrevista.
Muito mais esclarecido.
André, não me sabes dizer se há avanços naquele protocolo que o Benfica assinou com o Guimarães?Visto que se falou que contemplava a formação.

Grande

Acho que o futebol de formação em Portugal poderia crescer muito se a UE aprova-se a lei 6+5 da FIFA. Se a principio iria ser mais quantidade do que qualidade a médio/longo prazo iria trazer melhor futebol quer as equipas quer a selecção.

Em relação ao nosso Benfica acho que deveriam ser tomadas algumas medidas como:

* Criar uma equipa de reservas que joga-se na Intercalar. Isto era importante para avaliar como os juniores de segundo ano se comportam em competição sénior bem como lhes imputar a mística jogando ao lado de jogadores mais velhos.

*Arranjar um equipa satelite na Liga vitalis. Felismente em portugal temos uma 2ªLiga muito competitiva que podemos esplurar para dinamizar os nossos jovens jogadores. Não so ganham ritmo competitivo como tambem aprendem a jogar num liga muito fisica.

*Estabilidade tecnica/tactica. Se os jogadores jovens forem abituados a jogar num sistema de jogo, torna-se muito mais facil a sua adptação a equipa senior.

*Planeamento do futebol a medio/longo praso. Na atualidade temos excesso de medios no plantel senior e ainda temos uma carrada de promeças nos juniores para essas posiçoes.  Enquanto em algumas areas somos deficitarios.

O0

Filipe F

André já agora o que achas dos outros croatas do Nacional, o Lovro e o Pavlovic?

andre_04_SLB

Obrigado a todos pelas palavras.

PiccoloBomber, pessoalmente não sei de desenvolvimentos. É um programa de interacção mais direccionado para o futebol de formação e que proporcionou, a boa relação entre os clubes, as transferências do André Dias para cá, ou do Cafú. É benéfico para nós, embora o Vitória se saiba proteger, assinando contratos de formação com as suas principais peças, como por exemplo o Preto (guarda-redes), como já tinha com o Dinis, o Rafael ou o Lucas.

Filipe F, o Pavlovic não conheço, o Lovro vi poucos minutos (num dvd) e pareceu-me um bom valor, embora não seja, na minha óptica, do nível do Cop, esse sim, tem uma maturação no seu jogo muito elevada para a idade, faz muito bem qualquer posição ofensiva. É um "estratega" e um criativo em simultâneo, para o ano está nas escolhas prioritárias para o 11 dos Seniores do Nacional (tem a vantagem de ser estrangeiro para jogar lá eheh).


velhote

André, e o péle do belenenses que ainda é junior não será tb um jgador a ter em conta???

Filipe F


O_Glorioso

Excelente entrevista, André. Parabéns também ao entrevistador, Jorge Almeida.

Para quem não está muito por dentro da formação, como é o meu caso, penso que, depois de ler esta extensa entrevista (as três partes), fica a conhecer a realidade da formação em Portugal, em geral, e da valia actual da formação do SL Benfica, em particular.

Muito bem. Obrigado pelo vosso trabalho!  O0


Calmeirão

Parabens André pelo empenhamento demonstrado.
Parabens André pela lucidez na apreciação que fizeste a actividade do departamento juvenil.
Parabens Andre pela tua apreciação do futebol juvenil em Portugal.

André gostaria de saber, se souberes responder, qual tem sido o trajecto do Tiago que estava na Prospecção do SLB, pessoa que eu muito admiro pelo profissionalismo que colocava em tudo especialmente nos contactos o que fazia comigo relacionados com a observação de jogos e atletas. Depois de ele er saido do SLB nunca mais ouvi falar dele.

André outras das pessoas que gostaria de saber o que tem feito era o Sr. António Luis e  Sr. António Carraça. Com o Sr. António Luís precisava mesmo de o poder contactar a fim de o poder convidar a vir aqui ao clube onde trabalho actualmente.

Obrigado mais uma vez

Pacheco