Tueba

Médio, 61 anos,
Congo - Quinxassa
Equipa Principal: 2 épocas (1986-1988), 44 jogos (2285 minutos), 3 golos

Títulos: Campeonato Nacional (1), Taça de Portugal (1), AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão (1)

Darkboy

Sporting 1-1 Benfica, Campeonato 1987/88


Rodolfo Dias

CitaçãoOnze perguntas a... Tueba. "Ia para o Sporting mas ninguém estava à minha espera no aeroporto"
A sorte do zairense é que um taxista benfiquista o leva da Portela para o Hotel Altis, onde se cruza com Fernando Martins, então presidente do Benfica. O resto é história. Contada por ele

A Taça Africana das Nações está menos africana que nunca, cheia de empates (seis em dez) e com poucos golos (20, quatro deles na primeira parte). Isto parece mas é o insonso Mundial-90. E agora? Temos de puxar pela cabeça. E fazer o quê, o onze ideal da CAN? No ataque, e assim de repente, sem muito pensar, surgem os nomes de Keita, Milla, Yekini, Bwalya, Eto'o, Drogba e McCarthy.

Não está mal, não senhor, mas é preferível convocar outro onze, baseado em exóticas palavras onomatopaicas, cujo significado passa completamente ao lado de qualquer europeu mas representa (e assusta) muito para qualquer africano, por desinteressado que ele seja pelo futebol: Awele; Ikenga, Dogon, Gris-Gris e Maravú; Gouro, Ju-Ju e Makuy; Shira-Punu-Lumbo, Ndoki e Niam-Niam. Esta é a verdadeira magia (na verdadeira acepção da palavra) da Taça de África, com muita superstição, rituais, poções e bruxaria. O resultado final de uma partida está portanto condicionado a tudo isso. E há gostos para tudo.

Em noite de lua cheia, os jogadores do Zimbabué costumam dançar em cima dos túmulos dos seus antepassados para dar sorte. Os ganeses sentam-se em círculo antes dos jogos e são impregnados com sangue de uma galinha degolada por um bruxo que dança à volta deles. Na África do Sul é costume o seleccionador mergulhar os pés em sangue de veado para ficar imunizado contra a magia negra dos rivais. Os senegaleses fazem pequenas incisões cutâneas nas mãos, nos braços e nas pernas. Os da Zâmbia encaram o adversário com muito mais confiança se tocarem numa mão humana mumificada.

E os do Zaire? Não sabemos. Nem queremos. M-e-d-o. Mas é impossível esquecê-los, sobretudo aqueles que por aqui passaram. Casos de Mapuata (Belenenses), N'Dinga e N'Kama (Vitória de Guimarães), Basaúla (Elvas), N'Kongolo (Espinho mais Porto), Wawa (Marítimo), Kipulu (Tirsense), Makukula (Vitória de Setúbal) e Tueba (Sporting). Sporting?! Vamos explicar daqui a 3, 2, 1...

1. Bom dia, Tueba, este número é de onde?

É um número inglês, vivo em Birmingham, há uns dez anos. Podes aparecer quando quiseres mas é melhor que me avises com antecedência porque não me vais reconhecer dos tempos de futebolista. Sabes como é, já estou com uns quilos a mais e esta barriguinha pesa. [Sim, ele fala bem português, e sim, ele diz "barriguinha".]

2. Que grande viagem, do Zaire para Inglaterra. Pelo meio Portugal. Lembras-te do primeiro dia por cá?

Claro. Como esquecer o meu primeiro dia na Europa?! Foi inesquecível. Aterrei na Portela na companhia do Mokuna, aquele antigo avançado do Sporting, sabes? [Com o meu silêncio, ele avança na narrativa; é divertido este Tueba.]

3. Antigo avançado so Sporting?

Ele jogou aí nos anos 50 mas não fez mais que duas épocas. Voltou a casa e tornou-se célebre na Bélgica, ao ponto de ter sido campeão pelo Waregem na década 60. No Zaire é uma figura incontornável, uma lenda viva. Está sempre atento aos novos valores zairenses. Como tem contactos em Portugal, é mais fácil falar deles a quem de direito. Pois bem, aterrei com ele em Lisboa com o intuito de ir para o Sporting. Qual não foi o meu espanto [começa a rir-se] quando não havia ninguém no Sporting à nossa espera. Fomos então para os táxis e apanhámos um taxista benfiquista que nos levou para o Hotel Altis, que era do Fernando Martins, então o presidente do Benfica. Cheguei lá, instalei-me e de repente estava a falar com o presidente do Benfica. Às tantas estava no campo de treinos do Benfica.

4. Quem era o treinador?

John Mortimore, um inglês com a cara fechada, dura. Totalmente o oposto do adjunto, Toni. Ele era simpático, sorridente e falador. E sabia francês, a minha única língua. Desde então acrescentei português e inglês, mas só sabia falar francês naquela altura.

5. E quem mais falava consigo no plantel?

Além do Toni, o Diamantino. Este estava sempre pronto para a brincadeira. E tal como eu falhou a final da Taça dos Campeões-88, com o PSV Eindhoven, por lesão.

6. Xiiii, a sério: o Tueba não joga a final por lesão?

Pois. Quem jogou no meu lugar foi o marroquino Hajry. Marcou um penálti e tudo no desempate. Era preciso ter nervos de aço e ele conseguiu bater o Van Breukelen. Está de parabéns. Foi pena a derrota.

7. Como é que o Tueba começou a jogar?

Boa pergunta. E eu tenho a resposta. Eu tenho tudo guardado em casa. Sei tudo sobre mim... mas só com a papelada à minha frente [risos estridentes]. Aquilo no Benfica não foi chegar, ver e vencer. Esperei uns jogos pela minha oportunidade e ela chegou através do 7-1 em Alvalade. Estava no banco de suplentes nessa tarde e foi um tormento esse jogo mais a semana que se seguiu. A sorte é que o nosso ambiente era bom e demos a volta à base de resultados. Nessa semana o Mortimore reuniu-se com o Toni e os dois foram falar comigo. Disseram-me "vamos fazer algumas alterações e tu vais entrar, agarra a oportunidade, não falhes". E a verdade é que nunca mais saí do onze. O meu primeiro jogo foi com o Braga, na Luz. Ganhámos 2-1. E o meu segundo jogo foi com o Porto, também na Luz. Primeira jornada da segunda volta e 3-1, hat-trick do Rui Águas. Que tarde gloriosa. Ganhámos e começámos aí a acreditar na reviravolta aos 7-1. Fomos campeões nacionais, num jogo em casa com o Sporting, e ganhámos a Taça de Portugal ao Sporting. Foi a melhor maneira de responder àquele 7-1. No Jamor entrei no fim para o lugar do Nunes. Nesse dia o Diamantino fez trinta por uma linha. Marcou os dois golos, um de livre e o outro numa jogada individual em que passa por dois defesas antes de atirar fortíssimo. Que tarde gloriosa. Outra.

8. Ainda te lembras bem desse Benfica?

Silvino na baliza. Sabias que ele jogava com camisola verde para passar despercebido aos adversários? Aquele verde confundia-se com a relva e ele podia avançar no terreno sem que ninguém reparasse nele. Nem mesmo nós. Bom, Silvino. Depois, Veloso e Álvaro a laterais. Edmundo e Dito a centrais. Shéu no meio-campo. Ainda hoje quando vou a Portugal faço questão de visitar tudo tudo tudo na Luz. Do museu ao restaurante. Sempre com o Shéu ao meu lado. Nunes, eu e Carlos Manuel. Rui Águas e Wando.

9. Uau. E depois do Benfica, segue-se o quê?

Vitória de Setúbal, com Edmundo, outra vez, mais Eurico, Jordão e Meszaros. Uma grande época. Diverti-me muito. A seguir, Tirsense, com o Kipulu e treinado pelo professor Neca. Depois Farense, onde joguei com o melhor que já vi: Pítico. Conheces? Que jogador, cheio de força e vida. Hoje já deve ter mais de 50 anos e ainda joga à bola [é verdade, sim senhor, no São Marcos com 51 anos]. Gil Vicente, Leixões, Amora e acabei no Ourique, da 3.a divisão. Foram grandes tempos, sempre adorei jogar aí. Quer dizer, preferia jogar com Porto e Sporting porque jogava-se à bola. Com os outros clubes era muita porrada. Muita mesmo. Apanhava e via estrelas. Mesmo assim diverti-me. Muito muito. À brava, como se diz, não é? E só não marquei um golo no Gil. Menos mal que me despedi em Alvalade, com um golo pelo Farense [2-1 para o Sporting com golos de Tozé e Cadete].

10. Mais duro do que no Zaire?

Mais duro, sim. Por incrível que pareça, o futebol português era mais duro que o zairense. Lá em casa também me diverti, no Vita Club, onde joguei ao lado do Lemba [apelido do Basaúla] e do Mbote [apelido do N'Dinga].

11. Estamos em tempo de Taça Africana das Nações. Há uma semana falei com o Abdel Ghany. Hoje és tu. Dás-me uma ideia para a semana?

A Taça Africana... Que memórias. Joguei duas. Uma em 1988, outra em 1992. Na primeira fomos eliminados na fase de grupos. Na segunda marquei um golo aos Camarões, ao grande N'Kono, mas não passámos dos quartos-de-final pela Nigéria com um grande golo do Yekini. Coitado, ele já morreu. Era um avançado completo e uma pessoa bem-disposta. Que pena. Bateu-me agora a tristeza. Em 1988 aquilo era a selecção dos portugueses: eu no Benfica, o N'Kongolo no Espinho, o Basaúla no Elvas, o N'Dinga e o N'Kama no Vitória e o Mapuata no Belenenses. Na edição de 1992 já éramos menos: eu no Farense e a dupla do Vitória, Basaúla mais N'Dinga. Lembro-me que o Famalicão também levou dois jogadores, o Medane e o Menad pela Argélia. [E a ideia para a próxima entrevista de um africano?] Ah, é verdade, já me esquecia. Fala com o Mapuata. Ele é boa gente. Tens o telefone dele? Eu tenho e posso dar-te mas liga-me para casa se faz favor. O número é 0044...
Fonte: i Online