Decifrando imagens do passado

Semper Fidelis

#945
naquela altura o keeper era o Jack the ripper
e os defesas bebiam muita cerveja e eram chamados de bocks
os médios eram mais contidos na cervejola e só bebiam meio copo logo eram os half-bocks
;D


thekillerjp

Não sei se é tópico certo:



Mas sabem me dizer que jogo/evento foi este onde participou Eusébio e Cruyff?

Alexandre1976

 Acho que foi em 1973 ou 1974 no Dia Mundial do Futebol realizado no Camp Nou.

Alexandre1976

#948
Para completar a informação a que se refere essa extraordinária foto. Jogo entre as Selecções da Europa e da América do Sul no dia 31 de Outubro de 1973 em Barcelona para o Primeiro Dia Mundial do Futebol. Empate 4-4. Eusébio marcou um golo. Nené tambem jogou pela selecção europeia que foi capitaneada por Johan Cruyff.

RedVC

#949
Citação de: thekillerjp em 14 de Setembro de 2020, 00:21
Não sei se é tópico certo:



Mas sabem me dizer que jogo/evento foi este onde participou Eusébio e Cruyff?



É certamente o tópico correcto. Para lá das sintéticas e rigorosas informações que foram dadas pelo nosso amigo Alexandre (como habitual), já por aqui se tinha publicado algo sobre o tema

Publicado em 07 de Abril de 2018. Como as fotos já não estão activas fui buscar o pacote todo e carreguei de novo.

Eusébio é realeza do futebol mundial. É o nosso Rei.





*****************************************************************



-209-
Magaga, Holandês Voador e Calções Limpinhos.


Dia 31 de Outubro de 1973. Estádio Camp Nou, Barcelona.

Dois génios do Futebol posam para uma foto histórica.



De um lado Eusébio, celebrizado como o Pantera Negra mas também conhecido por Magagaga (em landim, o "supersónico") no início da sua carreira.

Do outro, Johan Cruijff, alcunhado de El Flaco, O Magrinho ou ainda de Holandês Voador (a minha preferida).

Dois jogadores geniais, dois supersónicos do futebol.

Envergando uma camisola laranja com um símbolo alusivo ao nosso planeta, nesse dia Eusébio e Cruijff integraram uma selecção da Europa que disputou um jogo contra uma Selecção da América do Sul. O jogo fez parte das celebrações do 1º Dia Mundial do Futebol, evento de beneficência promovido pela FIFA.

A FIFA planeava que esta fosse a primeira de muitas edições mas a iniciativa viria a ter pouco sucesso e acabou abandonada. Integravam o Comité de honra e organizador, entre outros: o inglês Stanley Rouss (presidente da FIFA), o ditador espanhol Francisco Franco e o futuro rei de Espanha, Juan Carlos. O Comité integrava ainda muitas personalidades Catalãs da época.

Para este jogo, a FIFA nomeou Lázló Kubala para o cargo de seleccionador da equipa da Europa. Kubala, um outro génio do futebol, estava já retirado sendo nessa altura seleccionador nacional da Espanha (ver -204- Pesadelos de Berna). Como seleccionadores da equipa da América do Sul a FIFA nomeou o Brasileiro Mário Zagalo e o Argentino Omar Sivori, outros dois antigos grandes jogadores, e que eram nessa altura seleccionadores nacionais do Brasil e Argentina, respectivamente.



Fonte: Delcampe e La Vanguardia




Boletim oficial do FC Barcelona de Outubro de 1973 publicado já depois do evento realizado



Como depois se tornou hábito neste tipo de eventos, a organização procurou garantir a presença de algumas das grandes estrelas da época e jogadores jovens promissores. Procurou também garantir a presença do maior número possível de países tentando não comprometer o interesse do público. Infelizmente, pelo que rezam as crónicas, apenas cerca de 25.000 pessoas compareceram, facto que face ao gigantismo do Camp Nou tornou algo desolador o espectáculo.


A equipa da Europa



A Selecção da Europa que integrou Eusébio e Néné. Entre Eusébio e Keita estava o Húngaro Bene que nesta foto se encontra tapado.



As maiores figuras do evento foram notoriamente Eusébio e Cruijff, estrelas de primeira grandeza desse tempo. Eusébio estava já numa fase madura da sua prestigiada carreira, enquanto o Holandês estava lançado para uma carreira notável que duraria mais alguns anos no FC Barcelona e na Selecção da Holanda. Cruijff gozava já de um estatuto que lhe garantiu ser nomeado capitão da equipa Europeia. Curiosamente três dias antes o Holandês tinha-se estreado com a camisola blaugrana. E logo com dois golos.




Na equipa da Europa destaque ainda para as presenças do italiano Fachetti, do inglês Bobby Moore, dos espanhóis Asensi, Pirri, do Áustriaco Jara e do francês Keita que mais tarde veio a jogar no SCP embora já estivesse numa fase descendente. Chegou ainda a estar prevista a participação do Inglês Bobby Moore viu-se impedido porque os aeroportos de Londres estavam fechados. Já no caso do italiano Sandro Mazzola, dos Alemães Netzer, Beckenbauer e Gerd Muller, todos terão optado por não aparecer.

Destaque igualmente para a presença do nosso Nené que era uma estrela em ascensão no futebol Europeu e que na altura jogava no Benfica a extremo direito. Nené viria a substituir Eusébio, jogando toda a 2ª parte.



Nené na Selecção da Europa em 1973



A equipa da América do Sul


Na Selecção da América do Sul, vestida de branco, destaque para o peruano Cubillas que veio a jogar no FCP, para o Chileno Sotil que jogava no FC Barcelona e para os Brasileiros Paulo César e Rivelino.



A selecção da América do Sul que contou com os craques Rivelino, Paulo César, Sotil e Cubillas.



Arbitrado pelo italiano Angonese, o jogo foi transmitido pela TVE para Espanha e para diversos outros países entre os quais Portugal, por via da RTP1. Um "luxo" e uma raridade.



Fonte: DL



O jogo foi agradável em particular na sua 1ª parte. Um resumo do jogo pode ser visto no youtube:






Colagem de títulos. Fonte: La Vanguardia



O jogo começou em bom ritmo e animou ainda mais depois do primeiro golo marcado pelo Chileno Hugo Sotil após uma bela jogada à linha do Brasileiro Paulo César. Depois a partida seria no geral agradável, jogada em ritmo brando e recheada de bons momentos. Marcaram-se um total de 8 golos, registando-se no final um empate a 4 golos, resultado que premiou o pouco público que acorreu nessa noite ao Camp Nou.

O grande destaque da noite acabaria por ser o segundo golo da partida, marcado por Eusébio depois de um cruzamento magistral do capitão Johan Cruijff. Destaque pelos interveniente e também pela sua espectacularidade pois Eusébio correspondeu com um magnífico salto de peixe e uma cabeçada fulgurante levando a bola a anichar-se no fundo da baliza do Argentino Santoro. Golo de Eusébio a centro de Cruijff! Um golo de homenagem ao Futebol, eles que foram dos seus mais ilustres praticantes de sempre!



Quatro momentos do golo de Eusébio, marcado a corresponder a um centro de Johan Cruijff.




Outros ângulos do grande golo de Eusébio.



Foram oito golos todos diferentes e todos de belo efeito. Uma bonita homenagem ao futebol. Uma prenda para os poucos espectadores que se deslocaram para ver este jogo.



Os oito golos da partida.



Foi um jogo agradável principalmente na primeira parte, antes de se iniciarem as substituições. No final, como alguém tinha de vencer, a partida terminaria com a marcação de pontapés da marca de grande penalidade. A equipa da América foi mais eficaz, concretizando 3 penalidades (Borja, Morena e Caszely) contra apenas 2 da equipa da Europa (Odermath e Fachetti).

Já nas zonas dos croquetes, foram muitas as manifestações de regozijo pelo evento e pelo jogo por parte das diversas grandes figuras presentes como Stanley Rouss, presidente da FIFA e o ex-jogador e génio do futebol, Ferenc Púskas,



Ecos da partida. Fonte: Mundo desportivo.


Já Eusébio e Cruijff, como dizia o Mundo Deportivo, pareciam inseparáveis no convívio pós-jogo.



A Pantera Magaga e o Holandês Voador. Montagem de recortes. Fonte: Mundo Deportivo




Nené: elegante, letal... e com os calções limpinhos


Nené jogou durante a segunda parte, período em que o jogo decresceu de qualidade e interesse. Também não foi muito feliz quando no final falhou umas das grandes penalidades. Mas naquela noite Nené terá guardado a satisfação de participar numa festa prestigiante em que conviveu com muitos craques.

Nené, por opção própria nunca quis jogar fora do Benfica. Foram 20 anos de excelente carreira, sempre de Águia ao peito e de muito trabalho, talento, dedicação e amor ao Benfica. Ao que parece Nené chegou a receber um convite do Real Madrid mas recusou argumentando que depois de conseguir o mais difícil não ia trocar a titularidade do Benfica por nada. E se essa decisão lhe terá custado mais visibilidade europeia e provavelmente mais dinheiro, também é certo que sem isso talvez nunca se viesse a tornar um dos mais distintos e notáveis jogadores de toda a História do Sport Lisboa e Benfica.




Tamagnini Manuel Gomes Baptista Nené nasceu em Leça da Palmeira em 20 de Novembro de 1949. Filho de Tamagnini, um antigo jogador do Lusitano de Vila Real de Santo António, a família radicou-se na Beira, Moçambique ainda nos tenros anos de Tamagnini filho. Por lá se iniciou no futebol tendo-se destacado nas camadas juvenis do Ferroviário da Beira.



Os primeiros passos do futebolista Nené. Na quipá do Benfica Nené é o segundo em baixo a contar da direita.



Primo direito de Cavém, terá sido esse parentesco o elemento chave que o levou ao Clube do seu coração. Por indicação do primo aos dirigentes Benfiquista Nené foi mandado vir da Beira para treinar no Benfica. Chegou à Luz em 1967, e apesar dos tenros 17 anos, à volta do seu nome existiam expectativas elevadas depois das exibições que tinha protagonizado na Beira. Os dirigentes moçambicanos quiseram dificultar a transferência mas um lapso burocrático acabou por os tramar e facilitar a vida a Nené.

Nos seus primeiros tempos na Luz, Nené foi orientado por Ângelo Martins, um dedicado e competente formador de grandes craques da década de 70. Nené jogou dois anos nas camadas jovens, ao lado de outros jogadores promissores como por exemplo Humberto Coelho, obtendo sempre grande destaque.

A entrada na equipa principal foi o passo seguinte, natural e bem-sucedido. Fernando Cabrita, Fernando Riera e Otto Glória, todos apostaram nele embora ainda a espaços pois a competição era muita e boa. Seria no entanto com o duro Inglês Jimmy Hagan que Nené obteve a plena explosão e reconhecimento do seu futebol vertiginoso e com grande técnica. Hagan colocou-o na extrema-direita dando-lhe a titularidade na sua máquina de futebol.



Alguns dos mais deslumbrantes planteis Benfiquistas em que Nené esteve integrado. Nené foi orientado por alguns dos mais bem-sucedidos treinadores da nossa História.



Nessa sua primeira etapa de profissional na Luz havia convicção de que estava encontrado o sucessor de José Augusto. Infelizmente para o Benfica aquele sector ofensivo de sonho com Nené, Vitor Baptista, Eusébio, Artur Jorge, Jordão e Simões duraria poucos anos. Rapidamente as necessidades da equipa forçariam a passagem de Nené para o centro do ataque Benfiquista.

E aí viu-se um outro Nené. Bastas vezes foi incompreendido, muitas vezes assobiado. Não ia ao choque, não era dado a correrias, não suava a camisola e pasme-se, acabava sempre os jogos com os calções limpinhos! Haja paciência... Nené mais tarde declararia

"Se não os sujava era porque achava que não era preciso. Mas muito mais injusto que isso foi a ideia que se criou de que era um jogador pouco lutador."


Pois eu ainda vi Nené jogar. Eu vi e adorava a sua inteligência, fineza, a sua classe, a sua capacidade goleadora quase infalível.




E Nené raramente falhava. Nos momentos mais difíceis o que era natural acontecer era mais tarde ou mais cedo ouvir naqueles relatos: "Golo do Benfica! Golo de Nené!"
Calções limpos? Sempre! Golos? Quase sempre! Nené era sinónimo de golos e de inteligência, de saber onde e quando colocar o melhor do seu saber e esforço. Classe. De todos os que depois se seguiram talvez o estilo de Jonas seja o que mais se aproxime do que mostrou o nosso querido Assassino Silencioso ou Sr. Calções Limpinhos. Do grande Tamagninin Nené. Classe.




O Clube e os seus adeptos souberam retribuir com carinho o que Nené sempre fez por merecer. Nené é uma lenda do nosso Clube.



Obrigado Campeão! Bem-haja sempre o grande Tamagnini Nené!



Durante 7 temporadas de 1968-1969 até 1974-1975, Eusébio e Nené foram colegas de equipa, contribuindo com o brilho do seu futebol para uma galáxia de extraordinários futebolísticos que tantos e tantos títulos deram ao nosso Clube. Foi um privilégio para aqueles que viram e um lamento para os que partiram cedo demais ou como é o meu caso, para aqueles que chegaram depois.



Pantera Magaga e o Sr. Calções Limpinhos. Duas lendas do Benfica.


Eusébio sempre foi respeitado e admirado pelos seus colegas e adversários no campo. Principalmente os adversários que durante e após as suas carreiras sempre votaram profunda amizade ao cavalheiro do Futebol que foi o nosso Eusébio. Cruijff não foi excepção, antes pelo contrário.

Hoje temos dezenas de fotos de convívio com os seus pares ou seja com os maiores jogadores do Futebol de sempre. Foram muitas as ocasiões em que Eusébio e Cruijff conviveram alegres, ainda na força da vida e na partilha do passado e presente, dando-nos o melhor exemplo do que deve ser o futebol dentro e fora do campo.

De um ponto de vista puramente desportivo, esquecendo o mundo dos dinheiros, contratações e rivalidades tão infestante do Futebol, que lindo teria sido se pudéssemos ter visto mais jogos com Cruijff e Eusébio na mesma equipa. Foram dois jogadores que deslumbraram todos os que amam o futebol dentro das 4 linhas, aquele que apenas contempla o futebol jogado com bola. Foram inesquecíveis.

Sem raiva mas com prazer, com arte e sem rancor, com desportivismo e sem vigarice, com paixão pelo jogo e sem ódio pelo adversário. Esses dois jogadores de tão diferentes origens familiares e contextos sociais, foram jogadores da mais fina flor que o futebol alguma vez viu. Foram homens que se estimaram dentro e fora dos campos, em diversas ocasiões, sempre com a amizade, respeito e admiração mútua. Como grandes campeões, como grandes homens.

Partiram demasiado cedo. Deixaram a dor profunda de todos os que os amaram. Todos os que não os esquecem. Deixaram a mensagem que perdura, que anima, que deu o exemplo e o orgulho a todos os que amam o desporto e o futebol. Porque dos rancorosos e invejosos não rezará a história.



Entre os seus pares.


Viva Nené, viva Johan Cruijff, viva Eusébio da Silva Ferreira, viva o Futebol!




O Sr. Calções Limpinhos, o Holandês Voador e a Pantera Magaga. Uma colagem gráfica de três lendas do futebol usando a cor dos campeões.







Alexandre1976

Outra das alcunhas do Genial Johan Cruyff era "Pitágoras de chuteiras".

Alexandre1976

A dimensão do King Eusébio era qualquer coisa de transcendente.

RedVC

Citação de: Alexandre1976 em 20 de Setembro de 2020, 16:57
Outra das alcunhas do Genial Johan Cruyff era "Pitágoras de chuteiras".

:cool2: Não conhecia essa.

Pitágoras con botas?

Muito boa!

RedVC

#953
Citação de: Alexandre1976 em 20 de Setembro de 2020, 16:58
A dimensão do King Eusébio era qualquer coisa de transcendente.


Cada Benfiquista devia ter pelo uma experiência do tipo da que contam os seus antigos companheiros e dezenas de outros bem mais novos mas que viajaram com ele integrado numa comitiva Benfiquista. Era um reboliço no aeroporto sempre que se sabia que ia estar por ali o Pantera Negra.

Lembro-me de ouvir acerca de uma visita do Benfica à Grécia. Quando soube que estava ali uma comitiva do Benfica, um vendedor de souvenirs  quis começar a dar descontos pois Eusébio era o seu ídolo. Quando soube que Eusébio vinha mais atrás e quando o viu, o grego passou a querer dar os souvenirs... O pessoal lá foi tendo mais senso e lá lhe foi pagando o que trazia embora com grandes descontos  :2funny:

Alexandre1976

Citação de: RedVC em 20 de Setembro de 2020, 17:02
Citação de: Alexandre1976 em 20 de Setembro de 2020, 16:57
Outra das alcunhas do Genial Johan Cruyff era "Pitágoras de chuteiras".

:cool2: Não conhecia essa.

Pitágoras con botas?

Muito boa!
Essa do Pitágoras de Chuteiras está descrita na primeira edição do livro do Freitas Lobo"Os Magos do Futebol".

Alexandre1976

Citação de: RedVC em 20 de Setembro de 2020, 17:06
Citação de: Alexandre1976 em 20 de Setembro de 2020, 16:58
A dimensão do King Eusébio era qualquer coisa de transcendente.


Cada Benfiquista devia ter pelo uma experiência do tipo da que contam os seus antigos companheiros e dezenas de outros bem mais novos mas que viajaram com ele integrado numa comitiva Benfiquista. Era um reboliço no aeroporto sempre que se sabia que ia estar por ali o Pantera Negra.

Lembro-me de ouvir acerca de uma visita do Benfica à Grécia. Quando soube que estava ali uma comitiva do Benfica, um vendedor de souvenirs  quis começar a dar descontos pois Eusébio era o seu ídolo. Quando soube que Eusébio vinha mais atrás e quando o viu, o grego passou a querer dar os souvenirs... O pessoal lá foi tendo mais senso e lá lhe foi pagando o que trazia embora com grandes descontos  :2funny:
Diz-se que no Reino Unido em vez de lhe pedirem o passaporte lhe pediam autografos.Lenda,Mito,Figura Incomparável.O unico Bola de Ouro Português a conseguir esse desiderato representando uma equipa nacional.E não ganha em 66 por causa da idiotice do correspondente português.

Semper Fidelis

Spoiler
Citação de: RedVC em 21 de Março de 2019, 23:05
-231-
Essa Beira Benfiquista... (parte I)









===///===


Nota prévia: Vivemos dias de profundo horror e angústia sobre tragédia humana provocada pela passagem do furacão Idai sobre diversas regiões de Moçambique (Sofala, Manique, Tete e Zambézia, as mais afectadas).

Esperemos que a ajuda internacional, aquela que está efectivamente capacitada em meios e volume para dar essa ajuda, consiga ainda salvar vidas e dar algum conforto material e emocional aos milhares de necessitados.

Neste e no próximo texto falaremos sobre ligações da antiga cidade da Beira, capital da província de Sofala, ao Sport Lisboa e Benfica. Para o texto de hoje recuaremos aos anos 20 e 30 do século XX. No próximo iremos para as décadas de 50 a 70.


===///===



Começamos com uma fotografia tirada no princípio da década de 30 no pavilhão sede do Sport Lisboa e Beira. Um dia que não podemos precisar mas que se nota ter sido de particular agitação associativa.




Interior do pavilhão central do Sport Lisboa e Beira num dia particularmente concorrido pela comunidade Portuguesa local. Vê-se o símbolo do Clube. Fonte: TT



A disseminação do Glorioso


A disseminação geográfica do Sport Lisboa e Benfica começou muito cedo. Deu-se mesmo no contexto agreste dos primeiros anos, marcados pela falta de um local para erigir um parque de jogos condigno. Fomos sendo escorraçados dos diversos locais que fomos alugando quer por via dos aumentos das rendas por parte dos senhorios (Feiteira, Sete Rios) quer por via das autoridades que "precisavam" dos terrenos para edificar estradas algumas das quais nem que fosse... 70 anos depois (Benfica e Amoreiras)!

Paradoxalmente, esse nomadismo forçado transformou-se numa das maiores forças do Clube. Cosme Damião e seus pares cedo perceberam que deixar representações nos antigos locais onde tivemos as sedes tinha a enorme vantagem de manter pólos de recrutamento de sócios e atletas. Foram os casos de Belém e Benfica, locais em que as antigas sedes foram convertidas em delegações quando, acertadamente, o Clube decidiu instituir a sede do Clube em plena baixa de Lisboa.

A disseminação do Clube para fora de Lisboa onde viria a tornar-se decisiva a acção de antigos sócios e atletas na disseminação dos valores do Clube, fez-se um pouco no espírito da diáspora casapiana. Leopoldo Mocho foi o primeiro, estando por trás da criação do Sport Lisboa e Évora em 8 de Julho de 1911. Seguir-se-ia Braga com Germano Vasconcelos, Coimbra com José Domingos Fernandes, e depois Figueira da Foz, Setúbal, Porto, Faro e por aí em diante.

A disseminação do Clube para fora de Portugal deu-se, por via da diáspora Portuguesa, para as então colónias ultramarinas. Assim, África assistiu à fundação de múltiplas delegações e filiais Benfiquistas. Em 1927, um boletim oficial do SLB listava já 3 delegações africanas entre as 31 com quem o clube pretendia manter ligações institucionais: Beira (Moçambique), Luanda e Benguela (Angola). Muitas outras vieram depois. Na década de 30 já existiam clubes com essas ligações também em Lourenço Marques (Moçambique) e Huambo e Bela Vista (Angola).




Fonte: Boletim oficial do SLB em 1927.



Para os interessados deixo aqui a ligação para aquele que considero o melhor texto sobre filiais do SLB: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2014/07/gloriosas-filiais-pioneirismo.html



Sport Lisboa e Beira


O Sport Beira e Benfica, fundado em 8 de Dezembro de 1916, foi o primeiro Clube organizado fora da metrópole que se constituiu como filial do Sport Lisboa e Benfica. Entre os locais era conhecido como o Esselbê... Só em 1918 chegaria a vez do Sport Lisboa e São Tomé, filial em São Tomé e Príncipe. Depois Luanda, Benguela, etc.

No tempo em que o SL Beira foi fundado já existiam na cidade da Beira actividades desportivas promovidas por colectividades, embora essencialmente com carácter lúdico e visando o convívio social. De facto, ainda no final do século XIX, concretamente em 1896, a pequena comunidade inglesa da Beira fundou o Beira Sports Club (mais tarde Beira Amateur Sports Club) que já praticava o cricket, o golfe e outros desportos, presumivelmente, futebol incluído. É possível que a elite Portuguesa fosse convidada para essas actividades (Eduardo Medeiros, 2013)




Actividades desportivas e associativas do Beira Sports Club no ano de 1904. Fonte: TT



Como vimos, o Sport Lisboa e Beira foi fundado em 1916 e foi o primeiro Clube formado por colonos Portugueses da Beira. Só na década seguinte foram fundados o Clube Ferroviário da Beira (29 de Julho de 1924) e o Sporting Clube da Beira, filial do SCP (17 de Outubro de 1929). Existiram outros mas não se detalham.

Os fundadores do Sport Lisboa e Beira estavam interessados na prática desportiva e numa activa e saudável vida comunitária. A sua predilecção pelo SL Benfica, o mais popular dos Clubes da metrópole, motivou-os a adoptar as suas cores e emblema. Curiosamente optaram pela ausência da roda de bicicleta facto que parecia evocar os tempos mais recuados do Clube, os tempos de 1904 a 1908.




O símbolo do Sport Lisboa e Beira e as óbvias semelhanças com o do Sport Lisboa.



Curiosamente, o emblema e o nome do Clube terão sido pontos de discórdia que mais tarde levariam a algumas cisões no Clube. Aparentemente o desentendimento surgiu de que uns defendiam que o Clube se devia chamar Sport Lisboa e Beira e outros defendiam o nome de Sport Beira e Benfica. Estes últimos pretendiam também que a roda da bicicleta fosse incluída no emblema. Alguns dos dissidentes estiveram na formação do Atlético da Beira do qual pouco se sabe, enquanto que outros, mais tarde, fundariam o Sporting local...

A fundação do SL Beira resultou do entusiasmo mostrado por alguma dessa comunidade Portuguesa para com o jogo de futebol. Apesar de fundado por colonos portugueses, o SL Beira cedo teve grande apoio entre os residentes locais.

Desde cedo o Sport Lisboa e Beira teve sócios dedicados ao clube dando o melhor do seu dinamismo e capacidades. Um dos mais prestigiados foi o seu fundador Carlos Alberto Faria cuja acção meritória foi reconhecida pela casa mãe da metrópole quando lhe foi atribuída a medalha de 1ª classe durante a Assembleia Geral do Sport Lisboa e Benfica em 4 de Fevereiro de 1923. Vale isto por dizer que este Benfiquista Moçambicano foi o primeiro Águia de Ouro do nosso Clube, decisão justificada pelo facto de Carlos Alberto Faria ter "desenvolvido acção de propaganda no Sport Lisboa e Beira".



Não disponho de qualquer fotografia de Carlos Alberto Faria mas encontrei esta referência de um álbum de 1924, doado ao SLB em 1956 pela sua viúva.



Um grandioso parque desportivo


Em 1932 o Sport Lisboa e Beira dispunha já de um parque desportivo amplo e de grande qualidade, com um airoso campo de futebol e campos anexos para a prática do ténis.




Parque desportivo do Sport Lisboa e Beira em 1932. Quatro campos de ténis, um campo de futebol e uma sede imponente. Fonte: Digitarq.



Numa primeira fase, o Clube tinha erigido um imponente pavilhão-sede de cimento, que estava situado entre os bairros do Maquino e do Esturro. Esse edifício, bem ao lado do campo de futebol, sofreria sucessivos melhoramentos, servindo quer para eventos do Clube quer para cerimónias mais formais das autoridades locais.



Três etapas de evolução da sede do Sport Lisboa e Beira; datas entre décadas de 20 e 30.



O complexo desportivo foi gradualmente sendo melhorado e usado não apenas em actividades desportivas mas também em actividades culturais e sociais.




Outros aspectos do parque desportivo do Sport Lisboa e Beira em 1932. A - Portão de entrada e bilheteira no Parque Desportivo do Sport Lisboa e Beira. B – Campos de ténis. C – Cinema e auditório. D – Bar. Fonte: TT



Ao lado do parque de jogo estava situado o Aeródromo Pais Ramos, que dispunha de uma pista ampla onde em 1935 aterrou a célebre esquadrilha de nove aviões Portugueses que participou no Cruzeiro Aéreo às Colónias, evento de que já por aqui falamos (ver textos 71-73, páginas 21-22). Entre esses aviadores estava o capitão José Bentes Pimenta, antigo jogador do SLB.




O Ibis, avião pilotado pelo Capitão José Bentes Pimenta, antigo jogador do SLB. Fonte: delagoabayorld e TT



Actividades desportivas


O Sport Lisboa e Beira viria a ser condecorado pelo Estado Português com o grau de cavaleiro da Ordem de Cristo por serviços prestados à causa da educação física, traduzidos numa multiplicidade de modalidades desportivas.

O futebol foi a modalidade que aglutinou as vontades iniciais dos fundadores do Sport Lisboa e Beira. Viriam depois modalidades como o ténis, o atletismo e o hóquei-em-campo. Há também registo de campeonatos de cricket, golfe, natação e até automobilismo, tudo ainda antes da II Guerra Mundial (Fonte: Eduardo Medeiros in Caderno de Estudos Africano 2013).




A equipa da primeira categoria de futebol do Sport Lisboa e Beira em 1924. Semelhanças evidentes com o SL Benfica... Fonte: Gazeta das Colónias.




Futebol, hóquei em patins e ciclismo, três das modalidades praticadas no SL Beira da década de 40. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.




Bibliografia

Eduardo Medeiros. 2013. Etnia e raça no desporto beirense da época colonial. O caso dos "sino-moçambicanos". Caderno de Estudos Africanos.

Galeria de imagens da cidade da Beira na década de 30 do século XX - https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Beira_in_the_1930s

Galeria de imagens da cidade da Beira na década de 20 do século XX -
https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Beira_in_the_1920s




[fechar]

minha cidade natal... :)

Semper Fidelis

Citação de: RedVC em 14 de Setembro de 2019, 14:01
António Sérgio nasceu em Damão, Índia Portuguesa, no dia 3-09-1888. Nesse tempo, o seu pai era um respeitado oficial da Marinha Portuguesa que desempenhava o cargo de governador de Damão. Damão era ainda uma cidade integrante do Império Colonial Português havendo ainda a circunstância de que anos antes o avô de António Sérgio tinha sido governador-geral da Índia.

Ainda nesse ano de 1888, a família Sousa regressaria a Lisboa para mais tarde voltar a emigrar, desta vez para Angola e para o Congo, onde seu pai também assumiu funções de governador. Por terras Africanas permaneceriam até ao pequeno António ter cerca de 9 anos de idade, altura em que regressaram definitivamente à metrópole.

Concluída a instrução primária e seguindo uma tradição familiar (pai e avô paterno), António Sérgio entrou para o Colégio Militar para mais tarde ingressar na Escola Naval onde completou o curso de Marinha de Guerra. A sua vida parecia destinada à vida militar.


já que tenho olho de águia olha aí a data de nascimento do António Sérgio
é 3-09-1883

um abraço e continuação do teu excelente contributo

mMateus



"Tropas portuguesas do C.E.P. desfilam na Rua da Junqueira em Belém, a caminho de Santa Apolónia para embarcarem com destino a Brest, França. (1917)

O Armisticío foi assinado em Compiègne à 11ªhora do 11º dia do 11º mês de 1918.

Na foto à direita, junto ao candeeiro, a Farmácia Franco, onde em 1904 tinha sido fundado o Sport Lisboa e Benfica. E onde mais de 100 anos depois está uma placa a assinalar o momento."

@BlogLeste

RedVC

#959
Citação de: mMateus em 10 de Novembro de 2020, 14:07


"Tropas portuguesas do C.E.P. desfilam na Rua da Junqueira em Belém, a caminho de Santa Apolónia para embarcarem com destino a Brest, França. (1917)

O Armisticío foi assinado em Compiègne à 11ªhora do 11º dia do 11º mês de 1918.

Na foto à direita, junto ao candeeiro, a Farmácia Franco, onde em 1904 tinha sido fundado o Sport Lisboa e Benfica. E onde mais de 100 anos depois está uma placa a assinalar o momento."

@BlogLeste





A Rua de Belém foi o epicentro do Sport Lisboa.

Não foi apenas a Rua onde se situava a Farmácia Franco. Metade dos 24 fundadores do Sport Lisboa nasceram e moravam ali.

Se pensarmos nos 4 que nasceram e moravam na Ajuda e na Rua da Junqueira então temos que para 16 (dois terços) dos fundadores essa Rua era um local de convergência - provavelmente diária.





Locais de nascimento dos 24 fundadores do Sport Lisboa
fonte: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2017/02/com-quantos-anos-de-idade-se-pode.html

Aliás, quer por motivos escolares, quer por camaradagem, quer até por motivos profissionais, todos para ali convergiram e não apenas no dia 28 de Fevereiro de 1904. É claro que a Farmácia Franco, fundada várias décadas antes, e propriedade de homens que gostavam do desporto e tinham influência política, era um local estabelecido de tertúlia e convívio.

Mas várias outras casas comerciais tiveram relevância no processo. Aquela Rua encerra ainda muitas explicações, muita compreensão complementar para os actores e as circunstâncias da nossa fundação.


Os militares gostavam de se exibir por ali, era um local populoso e popular que tinha também uma burguesia vistosa e uma importância religiosa óbvia. Um mundo onde se fundou um Clube para o Mundo.





fonte: AML



Tenho para mim que o  nosso Clube há muito deveria ter feito um esforço para ter ali uma representação (para os mais mercantilistas, sim, poderia ser também uma loja, hum, hum, hum).

É estranho haver uma loja em Odivelas e não uma loja em Belém onde abundam turistas que ao mesmo tempo que devoram pasteis de nata, certamente o fariam ainda mais felizes a envergar uma camisola do Glorioso, comprada ali ao lado...

Há umas décadas penso que até o próprio local da Farmácia Franco esteve disponível para alugar/vender...


De Belém para o mundo