Petit: «Vamos ser campeões»

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– Estava à espera de vir para o Benfica esta época? – Tenho vindo a trabalhar ao longo dos últimos anos, empenhado em dar o salto para um grande clube e surgiu o Benfica, que é um dos melhores clubes a nível europeu. Pela época que fiz, estava à espera de dar o salto para um clube de grande projecção. Quando vi que o mercado estava parado e depois de o Mundial não ter corrido muito bem, temi que tal pudesse não acontecer. Assim que apareceu o Benfica interessado, vim com todo o gosto e sem hesitar. Troquei a hipótese de jogar na Liga dos Campeões num clube onde me sentia bem, por um clube como o Benfica, que quer lutar para o título. Além disso, o Benfica pode abrir-me as portas de um grande clube europeu. Se for campeão, não quero sair por nada deste mundo. Se o Benfica conseguir o título, como todos esperamos, poderá vir a tornar-se num dos melhores clubes do Mundo daqui a dois ou três anos. – Como é que correu o seu jogo de estreia, no sábado, em Aveiro? – Já sabia que o Benfica era um grande clube, mas depois de ver o número de adeptos e o apoio que deram à equipa, fiquei com a certeza que reunimos todas as condições para sermos campeões. Temos um grupo de jogadores com experiência e outros mais jovens e um excelente balneário. Além disso, temos a melhor e a maior massa associativa em Portugal. Esperava encontrar um bom balneário, como tinha no Boavista, e assim aconteceu. Com isso e a humildade que colocamos em todos os jogos, encarando-os como se fossem finais, tenho a certeza que vamos ser campeões. Também sabemos que todos os clube querem ganhar ao Benfica e o Beira-Mar não foi excepção. Os estádios cheios incentivam qualquer jogador, e é claro que todos querem valorizar-se. É nestes jogos com os clubes chamados mais pequenos que temos de mostrar toda a nossa garra e união. Só assim poderemos chegar ao título, que tanto ambicionamos. Dentro de campo lutamos todos pelo mesmo objectivo. – É tudo diferente do que estava habituado no Boavista... – Sem dúvida que as diferenças são muitas. O Boavista é um clube com uma massa associativa de seis ou sete mil pessoas. Não se pode comparar ao Benfica. O Boavista também já é um grande clube, que cresceu muito ao longo dos últimos anos, mas que ainda terá de trabalhar muito para atingir os patamares a que o Benfica já chegou. Precisamos de ser campeões este ano, para podermos em breve lutar por outros patamares a nível europeu. Há que fazer agora renascer o passado do Benfica. O Barcelona também passou alguns anos sem ganhar nada e de repente apareceu com uma grande equipa e voltou a projectar-se no futebol mundial. Com o Benfica pode acontecer o mesmo já este ano. Temos jogadores com qualidade para isso. Misturando tecnicistas com aqueles que trabalham em equipa, podemos chegar ao título. – Tem pena que o Ricardo não o tenha acompanhado desde o Boavista? – Sem querer tirar valor ao Moreira e aos outros, que são jovens, acho que o Ricardo é o melhor guarda-redes português, além de ser um grande amigo. Aliás, equipava-se ao meu lado no balneário do Boavista. É uma das pessoas de que tenho mais saudades. O futebol dá muitas voltas e pode ser que ainda nos voltemos a encontrar. Ainda por cima, assumiu que é benfiquista. A transferência acabou por não se concretizar, mas a vida é mesmo assim. Temos dois guarda-redes jovens de grande valor no Benfica. – O meio-campo também tem jovens, como o Ednilson e o Tiago. Tem preferência por algum deles a jogar ao seu lado? – Para a minha posição há seis ou sete jogadores de grande classe, uns com maior experiência, como o Peixe ou o Andrade, e outros jovens com valor, casos do Ednilson e do Tiago. São futuros jogadores de "top" do futebol português. Os mais experientes podem incutir nos mais jovens o espírito que é necessário ter na I Liga. Não é fácil andar sempre no primeiro lugar. É preciso ter uma equipa forte. Hoje em dia, um jogador tem de estar rotinado para actuar em vários lugares e ao lado de quem quer que seja. Treinamos muito para suprir uma eventual falha. O importante é que eu jogue. Quem joga ao meu lado, compete ao treinador escolher. – Veio para o Benfica com um grande estatuto, de titular do Boavista e da selecção nacional. Isso não o assusta? – Dizem que tenho um grande estatuto, mas o que sei é que tenho de trabalhar muito para aprender ainda mais, porque a aprendizagem é constante, para conquistar o meu espaço no futebol português. Consegui no Boavista, fui chamado à selecção, e agora pretendo estar ao meu melhor nível, trabalhando sempre nos limites, para poder ajudar o Benfica e conquistar o meu espaço. Atingi um bom nível exibicional nas épocas anteriores, todos repararam em mim e sei que não posso desapontar quem confiou tanto em mim. Espero manter-me ao melhor nível e ajudar o Benfica a conquistar os seus objectivos. – Até que ponto pode ser importante iniciar a época com duas vitórias? – É bom para qualquer formação começar com o pé direito. Moraliza muito a equipa mas também a responsabiliza, porque não podemos deixar de trabalhar à sombra do que já conseguimos. Ainda temos nove meses intensos pela frente e precisamos de estar sempre na máxima força para que as vitórias continuem a aparecer. Acredito que podemos continuar com este ritmo até ao fim. Se assim for, podemos ser campeões, como todos desejamos. Mas também sabemos que não será nada fácil este percurso. – Este ano os adeptos acreditam mais do que nunca no título. A fasquia não está muito alta? – Todos os anos os nossos adeptos acreditam no título. Este ano foi aproveitada a base da equipa criada na época passada, juntando-lhe mais alguns jogadores. Os dados estão na mesa e os benfiquistas não falam noutra coisa. Todavia, sabemos que o campeonato é longo e, se não jogarmos sempre bem, porque é impossível, ao menos que ganhemos por 1-0, com o golo aos 94 minutos. Haverá jogos complicados, em que teremos de deixar de lado as individualidades. Em campos como o do Beira-Mar, do Moreirense ou do Gil Vicente, por exemplo, não é fácil jogar bem. O importante é ganhar, se for com boas exibições, melhor. A classificação é feita de pontos e não de exibições. – E os outros candidatos ao título? Por aquilo que já viu, estão mais fortes ou mais fracos? – Na minha opinião, os três candidatos estão bastante fortes. Para mim, o FC Porto é o mais forte. Manteve a mesma estrutura da época passada e ainda se reforçou com alguns jogadores de grande valor. Será um adversário muito difícil. Quanto ao Sporting, tem três jogadores fundamentais que neste momento não estão em competição, mas também ainda não deu para sentir muito a falta deles. O Boavista, que nunca se assume como candidato, nos últimos três ou quatro anos tem vindo a mostrar-se como um sério candidato ao título. Não começou bem a época, mas o Jaime Pacheco sabe muito bem incutir na equipa um espírito forte, com a equipa a jogar sempre para ganhar. Estou convicto que vão melhorar. – Assistiu ao Boavista-FC Porto na condição de observador. O que é que achou? – Não foi um grande jogo, mas valeu pelo esforço que os jogadores colocaram em campo. É preciso ver também que estamos em início de época. Houve poucas oportunidades de golo, mas acho que o FC Porto venceu bem. Tem uma equipa muito forte. – A selecção entra agora numa nova fase, de preparação para o Euro-2004. Tem consciência de que é preciso mudar um pouco a imagem, depois do Mundial? – Não é fácil esquecer o que se passou no Mundial. No entanto, acho que temos capacidade para ultrapassar o que correu mal e partir para uma nova etapa, que será em nossa casa. Precisamos de uma mentalidade muito forte para começar bem, de preferência já com uma vitória no sábado, frente à Inglaterra. – Como é que acha que os portugueses vão reagir nesta nova fase? – Estão certamente à espera de uma vitória, como nós. Foi colocada uma fasquia muito alta nos jogadores que foram ao Mundial. Estiveram sempre connosco mas não correu da melhor maneira para nós. Há que levantar a cabeça e incutir nos jogadores um espírito muito forte, para que possamos estar à altura de um grande campeonato da Europa. – O Petit parece de pedra e cal na selecção. O que é preciso para manter o lugar? – Tenho de continuar com a mesma atitude de sempre. Preciso de jogar bem no Benfica, sabendo que há muitos jogadores de grande valor para a minha posição que estão a despontar no futebol português. Não é fácil para o seleccionador escolher entre tantas opções. Por mim, tudo vou fazer para continuar a ser chamado. Tenho de mostrar o meu valor para continuar a representar o meu país. – Como é que interpreta o afastamento de alguns jogadores da selecção nacional? – Alguns jogadores já têm bastantes jogos nas pernas e vários anos em diversas ligas europeias. Devem estar saturados de tantos jogos e de tantos estágios. Podem também ter pensado que, se calhar, não estarão à altura de competir no Europeu dentro de dois anos. Além disso, há uma nova geração a aparecer com grandes valores, jogadores muito evoluídos. Pensaram em colocar um ponto final, mas é preciso ver que já deram muito à selecção ao longo de todo este tempo. «Foi bom reencontrar o Nuno» – Como é que foi reencontrar o Nuno Gomes na mesma equipa, tantos anos depois das camadas jovens do Boavista? – Foi muito bom reencontrar um amigo como ele. Jogámos juntos durante quase cinco anos, nos juvenis e nos juniores, porque ele fez terceiro ano de júnior. O Nuno apareceu cedo no futebol sénior e teve sucesso. Mostrou qualidade para jogar em grandes clubes europeus e daí ter-se projectado rapidamente, primeiro na equipa principal do Boavista e depois em outros grandes clubes, como o Benfica e a Fiorentina. Foi bom reencontrá-lo agora no Benfica. Damo-nos bem e ele foi importante porque contribuiu muito para a minha integração no Benfica e na cidade de Lisboa. Ajudou-me a estar mais à vontade com os outros jogadores e a conhecer melhor o Benfica. Tenho andado bastante com ele e o Nuno tem-me mostrado toda a grandeza do Benfica. Trata-se realmente de um clube impressionante. «Grande atitude no Europeu» – O que acha da escolha de Agostinho Oliveira para seleccionador? – Conheço-o bem das camadas jovens. É uma pessoa que conhece muito bem a maioria dos jogadores que fazem parte da selecção nacional. Já mostrou uma grande vontade de trabalhar e vai ter ocasião de mostrar o seu valor nestes próximos jogos, o primeiro deles já com a Inglaterra. É fundamental que a selecção tenha uma atitude muito forte no Europeu e que o seleccionador, seja ele ou outro, prepare uma equipa que esteja à altura do Euro-2004. «Petit porque era pequeno e gordinho» – Porquê o apelido de Petit quando o seu nome verdadeiro é Armando? – Foram os meus pais que me puseram o nome. Nasci em Estrasburgo, França. Estive lá até aos dois anos e meio. Começaram a chamar-me Petit porque eu era pequeno e gordinho em miúdo. As pessoas acharam piada ao nome e começaram a chamar-me assim. Quando cheguei ao Boavista, perguntaram-me como queria ser chamado, e decidi que seria Petit. – Sempre teve o apoio da família para ser futebolista? – O meu pai sempre me ajudou e sabia que podia ser o que sou. São pessoas muito humildes e ajudaram-me muito. Ficam felizes por eu estar bem e esperam que melhore ainda mais. – Como é que os seus vizinhos e amigos encararam a sua vinda para o Benfica? – Na zona onde o meu pai tem um estabelecimento é quase tudo portista, mas todos respeitam a opção. O meu pai está sempre a divertir-se e a brincar quando se fala no assunto. – Mais ninguém na família se dedicou ao futebol? – Tenho dois irmãos e duas irmãs e só o meu irmão mais velho jogou futebol no Salgueiros e no FC Porto, mas chegou aos juniores e desistiu. Desventuras de criança Petit começou a jogar futebol ainda criança. Mas desde logo, com o apoio da família, percebeu que seria esse o seu futuro. "Comecei a jogar futebol no Bom Pastor, que é a equipa do meu bairro. Era uma equipa de futebol de salão e eu era guarda-redes. O Mário Silva também era dessa equipa, mas jogava lá na frente. Havia um rinque lá no bairro e as juntas de freguesia organizavam torneios. Aos sábados de manhã comecei a ir treinar às captações do Boavista no campo do Foz, como guarda-redes. E rapidamente Jaime Garcia quis que ficasse. Mas acabou por não se concretizar e continuei no bairro". Só que a promissora carreira de guarda-redes acabou por não se concretizar. E a explicação é no mínimo curiosa: "O meu pai não tinha sempre hipótese de ir comigo. Quando não podia, eu ia de táxi de Paranhos até à Foz, que ainda era longe. Pagava 250 escudos para lá e 250 para cá. Levava sempre uma nota de 500 escudos. Um dia, o taxista levou mais de 300 escudos na viagem para lá e, como não tinha dinheiro para o regresso, resolvi não ir treinar. Fui a pé para casa e demorei mais de três horas a chegar, porque era longe e eu não conhecia o caminho. Tinha para aí uns sete ou oito anos. Nunca mais lá apareci. E ainda bem que não fiquei, porque era muito pequeno para ser guarda-redes. Mais tarde contei a história ao falecido Jaime Garcia e ele riu-se..." Mais tarde, acabou por voltar ao Boavista, mas na altura já numa outra posição. "Deixei de ser guarda-redes e nos infantis já jogava como defesa-central e o Mário a extremo-esquerdo. Num torneio marcámos um golo cada um e o Boavista veio buscar-nos. O treinador era o Mário Henrique. Daí para cá foi sempre a subir e fui várias vezes às selecções, mas nunca cheguei a ser internacional nas equipas jovens. Fiz o percurso normal até chegar aos seniores." Com as melhorias evidenciadas no futebol, acabaram por ficar para trás os estudos, abandonados muito cedo: "Foi por causa do futebol que deixei de estudar. Houve uma altura em que fui operado ao joelho e estive um ano e meio em casa, oito meses dos quais de muletas, quase sem sair de casa. Dediquei-me apenas à recuperação e à carreira e optei por deixar os estudos". Mas não se ficam por aqui as aventuras de Petit no mundo do futebol. Houve uma altura, conta o jogador, em que teve vontade de desistir de tudo. "Aconteceu quando fui cumprir o serviço militar. Nunca pensei que voltaria a ser o jogador que sou hoje. Perdi muito tempo da minha vida com isso. Felizmente, com o apoio de muitos amigos e de pessoas que sempre acreditaram em mim, ganhei forças para continuar. A minha família foi fundamental nestes quatro, cinco anos que entretanto passaram. Se não fossem eles, não tinha chegado aqui." Gonçalo veio aumentar a família Petit e Carla são casados há pouco mais de quatro anos e a esposa sempre foi uma companheira nos momentos difíceis da carreira. Meses após o casamento, nasceu a filha Bárbara. Há bem pouco tempo, mais uma alegria, por ter nascido o Gonçalo. Salgueirista desde pequenino Apesar de ter nascido em França, Petit sempre viveu na zona de Paranhos, no Porto. Daí que não seja de estranhar que os seus familiares sejam adeptos do Salgueiros. Petit também é salgueirista desde pequenino, mas logo que começou a jogar no Boavista, a família mudou. Adaptação muito fácil a Lisboa Petit vive em Lisboa há poucas semanas, adaptou-se bem à cidade mas ainda não conhece muito mais do que o percurso entre o estádio e as Laranjeiras, a zona onde vive. Ainda assim, devido aos familiares e aos amigos, não perde uma oportunidade para viajar até ao Porto.