Fonte
www.slbenfica.pt
Entrevista com Shéu Han - 32 anos de "águia ao peito"
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Numa altura em que passam 32 anos desde que entrou no Benfica, para jogar pelos Juniores, o nosso Jornal faz o "retrato" de uma das figuras mais marcantes do Clube. Shéu Han é, sem dúvida, uma das pessoas que mais tempo dedicou ao Benfica. Chegou no fim da época 1969/70 e continua a prestar a entrega de sempre, exercendo agora funções mais administrativas. Hoje, tal como na altura em que jogava, Shéu mantém a humildade, determinação e vontade de trabalhar que sempre o caracterizaram.
Shéu Han é alguém a quem se pode chamar "um homem da casa", estando por isso à vontade para falar sobre a sua participação no Clube, e sobre tudo aquilo que se relaciona com a sua função. Foi com essa disposição que aceitou responder às nossas questões.
Passados todos estes anos sempre ligado ao Benfica, considera que já conhece o Clube na totalidade ou ainda há alguma coisa que o surpreenda?
Tenho a obrigação de o conhecer bem, até porque, enquanto fui jogador preocupava-me, de certo modo, com a vida do Clube para além daquela que era a minha obrigação como profissional, de treinar e jogar. Para além da parte desportiva, tinha curiosidade de saber qual era a vida do Clube e a movimentação que se fazia à volta do mesmo. Por isso, penso que é correcto dizer que de facto conheço o Clube, embora pontualmente apareçam situações que me possam surpreender. Mas no futebol, com a vivência e a experiência que tenho, já não me surpreendo tanto.
Já passaram 13 anos desde que deixou de jogar. Qual é o balanço que faz do seu trabalho, durante este período?
Em resposta a essa pergunta, quase que me apetecia dizer que até treinador fui! Mas a minha participação no Clube e aquilo que sempre me predispus a fazer, foi em sentido amplo e continuo a estar disponível para ajudar, mesmo que não seja na minha área.
Estou sempre pronto para ajudar a resolver problemas, para não deixar o Clube numa situação difícil.
Durante este tempo, quais foram as principais dificuldades que teve de enfrentar?
A partir de uma determinada altura, as maiores dificuldades foram de cariz financeiro. E sendo eu uma pessoa, com responsabilidade directa no que diz respeito à movimentação da equipa, em relação a transportes, viagens e hotéis, posso dizer que houve momentos de crise, perante os quais, eu tinha de responder directamente. E custou-me, de alguma forma, ter de enfrentar essa situação, principalmente a nível social. Mas sempre se resolveu a contento, e muitas vezes recorrendo a meios próprios.
O Benfica tem de ser ganhador
Tendo em conta esses condicionalismos, qual foi a função que mais gostou de desempenhar?
Eu tive um curto período de tempo na área da formação, na qual o Clube me emancipou, de certo modo, para poder decidir, não com total autonomia mas onde aprendi bastante. Eu e as outras pessoas que faziam parte da equipa, tentámos reorganizar esse departamento, o que contribuiu para o meu crescimento nessa área. Foi um período de enriquecimento pessoal e do qual retirei muitos ensinamentos. Mas não posso deixar de referir o mês em que treinei a equipa principal, não por ter sido difícil mas por ter sido um momento de grande responsabilidade. Pude, nessa altura, perceber o que representa ser o treinador de uma equipa com esta grandeza. Foi também um ensinamento de grande qualidade.
E como foi trabalhar no Benfica com diferentes direcções?
Eu penso que não foi difícil, porque havia uma orientação pessoal que é de fazer o melhor possível. E o melhor possível é servir o Clube da melhor forma, chegando a pôr os interesses da instituição, à frente dos interesses pessoais. Portanto, nessa perspectiva, posso dizer que pelo facto de ter seguido este caminho, tive a possibilidade de ter uma certa experiência que me permitiu estar no dia-a-dia com todos eles. Posso dizer que foi um privilégio ter trabalhado, de muito perto, com os altos comandos.
E em relação aos jogadores. Como é a sua relação com eles?
Tem sido fácil, no sentido em que há uma diferença entre o que é o profissional e o que é a amizade. É evidente que a minha relação com os jogadores é, eminentemente, profissional, embora a amizade resulte naturalmente, daquilo que é o convívio diário.
Mas fundamentalmente, tem cariz profissional, até porque está perfeitamente traçado aquilo que cada um deve fazer, e quando isso acontece torna-se fácil qualquer relação.
Uma vez que tem essa convivência diária com tudo o que diz respeito a este plantel, parece-lhe que estão reunidas as condições para o regresso às vitórias e aos títulos?
O Clube tem tido a possibilidade de se reorganizar e isso tem sido constatado por todos, apesar das dificuldades que existem. Mas para nos recolocarmos na grandeza que já tivemos, temos de nos munir com qualidade, e ela hoje é evidente. Por isso todos temos esperança que essa qualidade se traduza em bons resultados. Embora no futebol, saibamos que o tempo de espera não existe.
Por isso, há que fazer um esforço, por parte de todos, para que tudo o que foi construído possa dar frutos.
Como é que acha que vai ser este campeonato?
Eu não diria que este ano o Benfica tem mais responsabilidade. Ele sempre teve responsabilidade e, por isso, não há outra saída que não seja ganhar. Temos de fazer uma formação para a vitória, porque é necessário criar estabilidade.
Só se ganha com qualidade, com trabalho e este ano essas condições existem e estão a ser interiorizadas, todos os dias. Por isso, penso que estamos mais perto de ganhar mais vezes que no ano passado.
O futebol actual
Como é que vê as alterações que se têm vindo a registar no futebol mundial, nomeadamente no que diz respeito a contratações?
É evidente que o futebol, desde a Lei Bosman, nunca foi o mesmo. E os clubes tiveram que fazer os seu equilíbrios internos para se adaptarem às novas realidades. Para alguns foi mais fácil e rápido, para outros foi mais difícil, mas penso que todos se estão a reajustar em função da nova ordem, apesar de ainda haver algumas questões um pouco indefinidas. Basta ver o exemplo do futebol italiano, que há cinco anos era um dos melhores do mundo e hoje está em crise.
Mas na sua opinião, qual é a "receita" para sair desta situação difícil?
Já desde o meu tempo de jogador se dizia que o melhor é ganhar. Ganhando e se possível, jogando bem vai, de certo modo, criar apetência para que o público regresse ao estádio, o que por sua vez vai animar o negócio do futebol. E essas condições, só por si, são suficientes para melhorar a situação em que se vive actualmente.
O facto do Benfica estar afastado das competições europeias não pode atrasar essa recuperação?
É evidente que sim, nomeadamente nos aspectos de ordem económica. Mas também em relação à própria cultura do Clube, já que sempre estivemos habituados a estar nas competições internacionais. Por isso, todos nós andamos preocupados com esse facto mas eu julgo que estamos a readquirir essa cultura e esse pensamento.
Shéu Han na primeira pessoa
Quais são as maiores diferenças entre o Benfica do seu tempo de jogador, e o Benfica actual?
A maior diferença prende-se com os jogadores como Eusébio, Simões, Nené, Toni, com quem eu tive o prazer de conviver e que foram os responsáveis por uma grande parte da grandeza deste Clube. Enquanto hoje, há a tentativa de se regressar a essa grandeza e adaptá-la à nova realidade. Hoje em dia a gestão do Clube é totalmente diferente do que era, embora os princípios sejam os mesmos. Actualmente, o dinheiro custa mais do que naquela altura e até a movimentação a nível de futebol era diferente.
Explique-nos como é ser jogador do Benfica e depois director?
Tendo como princípio servir, sinto sempre a mesma responsabilidade de não falhar e de ser sempre o melhor possível. Fundamentalmente, além de responder aos anseios desta Direcção, tento fazer com que a grandeza seja evidente para que os sócios e adeptos possam estar orgulhosos do Clube.
Entre as duas funções, qual foi a mais recompensadora?
As duas. Sem dúvida nenhuma! Porque elas foram desempenhadas com a mesma atitude de servir o melhor possível e dar tudo por tudo, tentando sempre ser melhores que os outros.
Nunca pensou treinar uma equipa de futebol?
Nunca esteve no meu horizonte ser treinador de futebol, embora como ferramenta pessoal eu tenha tirado o curso, até porque nunca se sabe como vai ser o dia de amanhã. Mas no momento não está nos meus planos mais próximos.
Em todas as funções que desempenhou, teve sempre uma atitude discreta que não lhe permitiu muita visibilidade e notoriedade nos meios de comunicação social. Como é que vê essa situação?
Eu próprio alimento essa situação. Até porque, enquanto jogador já tive notoriedade e agora como trabalho em grupo, o que importa é que seja o grupo e a entidade a ter essa visibilidade e reconhecimento.
O Benfica visto por Shéu
Por ter passado os últimos 30 anos da sua vida ligado ao Benfica, Shéu Han está numa posição privilegiada para fazer uma análise da história do Clube. Segundo ele, este período pode ser dividido em três fases.
Na primeira, destaca os dirigentes e os jogadores que estavam no Clube, que pela suas capacidades e vitórias, conseguiram dar expressão à grandeza do Benfica. Para Shéu, "essa foi a fase da sustentação do nome desta grande instituição".
Numa segunda fase, que durou "cerca de 10 a 15 anos", com a chegada de novos dirigentes e jogadores e com a partilha do domínio do futebol português com outros clubes, o Benfica passou uma fase, em que "vivia da grandeza do passado e não da organização que era necessária".
Por fim, na terceira e última fase, Shéu acredita que houve uma transformação enorme, em que se descobriu que havia um atraso na organização do Clube. Para ele, nos últimos tempos, "há essa consciência de reorganizar o Clube e devolver-lhe a grandeza".
A biografia
Shéu Han nasceu no dia 3 de Agosto de 1953, em Inhassoro (Moçambique). Começou a jogar no Sport Lisboa e Beira - primeira filial do Benfica em África - no ano de 1968, tendo lá ficado apenas duas épocas, já que em 1969, veio para a Europa para jogar na equipa de Juniores do Benfica.
Manteve-se neste escalão duas temporadas, passando depois para a equipa de reservas, onde se fixou a jogar no meio-campo. Chegou à equipa principal em 1972, fazendo o primeiro jogo contra o Belenenses, quando entrou para substituir Toni. Shéu ficou na primeira equipa do Benfica durante 14 épocas até 1988/89, altura em que deixou de jogar.
Durante esta passagem, capitaneou a equipa por três temporadas (herdando a braçadeira de Bento e passando-a a Veloso. Nos vinte anos como jogador do Benfica, Shéu ganhou nove Campeonatos de Portugal, seis Taças de Portugal e duas Supertaças. Pela Selecção, foi internacional em 24 ocasiões. Após abandonar a carreira de treinador, passou a exercer funções de secretário técnico, interrompidas apenas por uma curta passagem pelo comando técnico da principal equipa de futebol, depois da saída de Graeme Souness, na época 1998/99.
Curiosidades
Formação: Shéu Han tem um Curso Industrial e um Curso de Desenhador de Construção Civil.
Passatempo preferido: leitura e música.
Vício: jogar futebol.
País mais bonito: Austrália.
Cidade portuguesa: Lisboa.
Cidade estrangeira: Apenas diz não a Nova Iorque.
Cor preferida: azul.
Número preferido: sete.
Leitura: romances.
Benfica: é um mundo...