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Record
FC Porto e Benfica representam duas formas diferentes de encarar o futebol. Mais posse de bola e jogo rendilhado dos homens de Mourinho, mais pressão e mudanças de velocidade nos últimos metros no onze de Jesualdo Ferreira. Enquanto filosofias de jogo, nenhuma pode garantir o sucesso: no final será a forma como são desempenhadas que resulta num bom ou mau resultado.
O FC Porto aposta num meio-campo muito forte no jogo curto, com boa colocação defensiva e grande pertinência nas movimentações até à área adversária, seja sem bola (especialmente as de Maniche) seja com ela nos pés, servindo-se de um drible imprevisível e difícil de contrariar (caso de Deco). Na frente, o ataque é bastante móvel. Capucho e Derlei aparecem muito no meio e o "poste" Jankauskas não é um jogador exclusivamente central, deambulando bastante pelas alas. É, aliás, à luz destas movimentações que devem ser lidas as aparições de Maniche a concluir nos 16 metros finais.
A isto, o Benfica tentará responder com grande capacidade de pressing avançado, de forma a impedir as trocas de bola em que começa a teia ofensiva do FC Porto. A colocação de Petit mais à frente do que é habitual, ao lado do número 10 (Roger ou Zahovic), numa inversão do triângulo de meio-campo, é uma possibilidade forte. É que além de ser excelente nos duelos individuais e de se transcender normalmente nos grandes jogos, o ex-boavisteiro tem um cérebro futebolístico avançado e transforma-se facilmente de número 6 batalhador em número 10 com visão de jogo e capacidade de entrega. Muito por isso, quanto mais cedo recuperarem as bolas, mais possibilidades os encarnados terão de potenciar as velozes arrancadas de Simão ou as possantes cavalgadas de Fehér em direcção à área portista.
Na teoria, é aqui que o jogo deve decidir-se. Mas há sempre lances esporádicos que se metem no caminho da análise. Seja um lance de bola parada (livres directos ou "penalties"), factor em que o Benfica anda forte e ao qual o FC Porto se tornou vulnerável; seja um cruzamento para a área, forma pela qual o Benfica sofreu quatro dos cinco golos já encaixados nesta edição da SuperLiga.
FC Porto: sistema usual
Para defrontar o Benfica, é provável que Mourinho utilize o 4x3x3 que tem sido normal nos jogos disputados nas Antas. Um quarteto defensivo clássico, com dois laterais que atacam pelos corredores, de forma a compensar a centralização do meio-campo e a tendência dos dois extremos para derivarem para posições frontais. O meio-campo dispõe-se em triângulo, com Costinha atrás de Deco e Maniche, dois jogadores tendencialmente ofensivos mas ambos capazes de batalhar na recuperação de bola. O ataque baseia-se num "poste" móvel (Jankauskas), capaz de fazer a vida negra aos centrais adversários, não só pela pujança física mas também pela constante movimentação. Tudo compensado por dois extremos com gosto por pisar a área e fazer golos.
Deco
Deco é um artista. A forma como esconde a bola num drible curto e em progressão quase imparável e lhe alia um remate forte e colocado tem-no transformado num dos jogadores mais influentes do início de campeonato: sem ele em campo, o FC Porto 2002/03 ainda não ganhou um jogo oficial. Colocado perante a questão de o anular, Jesualdo tem várias hipóteses. E da escolha dependerá o desenrolar do jogo. Na época passada, na Luz, ainda com Toni como técnico e Jesualdo como adjunto, o Benfica chamou Andrade para a marcação individual ao artista do FC Porto e o jogo acabou empatado a zero. Nas Antas, já com Jesualdo como responsável principal, jogou Andersson num meio-campo puramente zonal e o FC Porto ganhou por 3-2. Na Luz, contudo, crê-se que o desaire se deveu a uns minutos de desconcentração (três golos em 12'). Por isso, não se prevê que mudança de estratégia para marcar Deco. Haverá, sim, a tentativa de subir o "pressing" e de o afastar da zona decisiva.
Benfica: dois médios
Se quer contrariar o futebol enleante do FC Porto, Jesualdo Ferreira não pode atrasar as suas linhas. Por isso, é improvável que mude o sistema. Partindo da base habitual, em 4x3x3, o Benfica deve utilizar o quarteto defensivo normal, com um central (Ricardo Rocha) numa das alas. Provavelmente a esquerda, jogando Armando do outro lado; mas talvez a direita, com Cristiano na esquerda. No meio, são seguras as presenças de Petit e Tiago, restando só uma vaga, para Roger ou Zahovic. É que o Benfica terá de apostar em extremos que reunam duas características: rapidez nos últimos metros e capacidade defensiva. Se estiver bem, um será Simão. O outro é Miguel ou Carlitos.
Simão
Falar de Simão é falar de velocidade e objectividade. Se recebe a bola virado para a baliza adversária, o número 20 do Benfica consegue quase sempre traçar uma tangente ao defesa lateral e ganhar-lhe o meio metro necessário para uma arrancada em alta rotação. Depois, faz bem a diagonal e acha quase sempre a trajectória certa, mais em direcção às redes do que à linha de fundo. É certo que Simão não tem estado em grande neste início de campeonato, mas nem por isso Mourinho deve desprezar os cuidados a ter com ele. Como Simão cai nas duas alas, vai precisar de dois laterais rápidos e fortes no jogo posicional (quase com dons de adivinhação, para prever se ele quer passar pela linha lateral ou pelo meio) e dois centrais (ou um médio defensivo) sempre pronto para as dobras imediatamente após o primeiro duelo.
Defesa x ataque
O ataque do Benfica vai apostar tudo na velocidade. Não tem Nuno Gomes, para o habitual jogo de tabelas, mas com Fehér vai sobrar-lhe em contundência, objectividade e frequência de remate o que lhe faltará em colectivismo e mobilidade. Se o ponta-de-lança húngaro conseguir fixar os centrais do FC Porto, dar-lhes luta, mantê-los ocupados, facilita a tarefa aos dois extremos, que nesse caso ficariam em situação de dois para dois com os laterais portistas.
Em princípio, nas alas o Benfica fará evoluir os velozes Simão e Miguel. Ou Drulovic, se Simão, que acaba de recuperar de uma lesão, não estiver ainda em condições de assegurar 90 minutos de alto rendimento: nesse caso, Miguel pode ser reservado para o substituir a meio da segunda parte, numa espécie de estafeta de velocistas que manteria sempre acesa a chama atacante encarnada.
Perante este cenário, a tarefa do quarteto defensivo do FC Porto será tapar sempre as diagonais aos alas encarnados, mantê-los longe de Fehér. Terá de fazê-lo através dos seus dois laterais, que para isso devem ser igualmente rápidos: a utilização de um central adaptado, como em Aveiro (onde RIcardo Costa alinhou na direita) é, neste caso, altamente desaconselhada, por falta evidente de velocidade para o confronto directo.
Há, depois, que ter em atenção as dobras. E para isso não será possível contar muito com Costinha, que estará ocupado a vigiar o mais atacante dos centro-campistas benfiquistas. Por isso, a concentração nas dobras e a entreajuda dos dois defesas-centrais será fundamental.
Meio-campo
Grande parte da sorte do jogo vai decidir-se no meio-campo. O FC Porto deve apresentar um triângulo com um "pivot" defensivo (Costinha) atrás de dois jogadores mais atacantes (Deco e Maniche ou eventualmente Alenichev). Para contrariar as intenções de Mourinho, que passam por assegurar a iniciativa de jogo de forma a dar a bola aos seus criativos, durante o máximo de tempo e o mais à frente possível, é previsível que Jesualdo opte por inverter o seu triângulo de meio-campo, fazendo avançar Petit em relação a Tiago para adiantar ao máximo a zona de batalha pela bola.
O sucesso dependerá de dois factores: a capacidade do médio a quem será exigido o duplo papel defensivo-ofensivo (Maniche no FC Porto; Petit no Benfica) e a inspiração dos desequilibradores de meio-campo (seguramente Deco nos dragões; Zahovic ou Roger entre as águias).
A escolha do "número 10" benfiquista será, até à hora do jogo, um dos segredos mais bem guardados. O povo quer Roger, que se exibiu sempre em grande nível na recente digressão pela Suíça e é um jogador mais excitante com a bola nos pés, mas o treinador tem mantido toda a confiança no cerebral Zahovic. Talvez o faça por razões de equilíbrio de balneário, mas pode sempre responder que escolhe o líder da classificação dos passes decisivos na Liga.
Ataque x defesa
O ataque do FC Porto faz-se muito de trás, com o poder de chegada de Maniche e Deco. Mas não convém menosprezar a capacidade de concretização dos três homens da frente: na época passada, Jankauskas fez oito golos em 12 jogos, Derlei assinou 21 em 33 partidas e até o menos prolífico (Capucho) marcou cinco em 31 desafios. Todos são jogadores mais finos do que velozes. E todos são capazes de actuar no meio ou de derivar de uma ala para perto da baliza, pelo que se compreende que Jesualdo Ferreira mantenha a aposta num defesa-central adaptado a uma das linhas laterais.
Nesse caso, o escolhido deve continuar a ser Ricardo Rocha, faltando saber se jogará na esquerda, com Armando no outro lado, ou se o fará à direita, com a chamada de Cristiano para a lateral canhota. A primeira tese é mais normal, mas, além de dar à equipa um incremento de capacidade nos livres directos, a solução alternativa até já foi testada por Jesualdo num dos recentes particulares da Suíça.
O problema para o Benfica é que, mesmo com três centrais em campo, a equipa continua muito vulnerável aos cruzamentos, especialmente quando feitos para a zona do segundo poste. Daí que, no ataque portista, os defesas laterais possam vir a desempenhar uma tarefa importante.
ANTÓNIO TADEIA