Zahovic: "Acabar a carreira na Luz"

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Acabar a carreira na Luz Zlatko Zahovic chegou a Portugal na época 1993/94 directamente do Partizan Belgrado para o V. Guimarães. Curiosamente, na temporada em que o seu actual clube se sagrou campeão nacional pela última vez. Passou pelo Porto, saiu para Atenas, voltou para Oeste, directamente a Valência, e no início da época passada Lisboa chamou-o. Na próxima jornada pode atingir a marca dos 200 jogos no campeonato. São muitos minutos nas pernas. Com história. Faz 32 anos em Fevereiro mas quer jogar pelo menos mais quatro anos. Em longa conversa com A BOLA, o número 10 da Luz falou de tudo: do passado, do futuro, dos obstáculos que o Benfica tem pela frente e o negativo e positivo do futebol português. Com poucas reservas no discurso. — Poderá fazer, em Felgueiras, o jogo número 200 no campeonato, justamente frente à sua primeira equipa em Portugal. Capricho do destino? — Sinceramente não sabia que já tinha feito tantos jogos, pois não faço as contas. É uma marca importante e ainda por cima num jogo com o V. Guimarães, o meu primeiro clube em Portugal. — Um adversário que está a praticar bom futebol e que lançou algumas críticas às arbitragens no último jogo, na véspera de receber o Benfica... — O V. Guimarães está a dar bons espectáculos. Não vejo muito futebol, mas do pouco que vi dessa equipa, deu para reparar que tem bons jogadores. Mas não gostei das declarações das pessoas do clube a respeito do jogo que se aproxima. É que nós somos o Benfica e vamos ganhar, independentemente de estarem, ou não, jogadores do adversário castigados. Mas eles têm uma mentalidade diferente... quem fala assim é porque tem medo. E é normal que eles tenham medo de nós. E vamos demonstrar isso em campo! — De entre os múltiplos jogos que fez qual o momento mais marcante no futebol português? — Foram muitos. No F. C. Porto ganhei muita coisa, os anos que lá passei foram os mais importantes. — E o menos bom? — O primeiro ano em Guimarães... — Está quase a fazer 32 anos. O que ainda há para ganhar? — Muita coisa. Estou num clube que não ganha nada há nove anos, por isso... — Tem a mesma ambição dos 20 anos? — Sim, não há qualquer diferença. — Mas já começa a definir-se o momento do final da carreira... — Quero cumprir o meu contrato com o Benfica, que dura até 2005 e se possível renovar por mais dois anos. E depois acabar. — Está a tirar um curso de treinador. Pensa seguir essa carreira? — Não sei. O curso serve como mais uma opção para o futuro. Mas a vida de treinador é bastante difícil, mais difícil que a de jogador... Não ficar com Camacho será dar mais um passo atrás É o próprio quem o diz: «Com a idade que tenho consigo ver o futebol de outra maneira.» Por isso, percebe as envolvências da modalidade e como um clube pode evoluir. Confessa que quando chegou à Luz esperava ver melhores condições e acredita que, com a chegada de José Antonio Camacho, o clube tem um projecto forte. Muita coisa trouxe o técnico espanhol. E não são só os métodos de treino. É muito mais. — A entrada de Camacho trouxe algumas mexidas no clube. Concorda? — Sim. Os métodos do treinador são novos e não são fáceis de assimilar, principalmente para quem tem outra mentalidade. Ele vem de um futebol mais avançado que o português. É preciso tempo para todos nos habituarmos à sua forma de trabalhar. Mas todos têm de a aceitar. Jogadores e dirigentes. É um desafio bastante difícil para o Benfica mas este é o único caminho: seguir este projecto. — Um dos desafios do clube é convencer o técnico a permanecer depois de Junho... — O projecto à volta deste treinador é muito mais importante que qualquer jogador, qualquer dirigente. Isso, se o clube quer manter o nome que ainda tem. — Se não ficar, portanto, será mau... — Seria dar mais um passo atrás. Não digo isto porque ele é o meu treinador, pois já não preciso disso. Estou a falar de um projecto! — Mas no que toca aos jogadores, a adaptação ao novo treinador está a ser feita de forma harmoniosa? — Sim, mas ainda falta muito. Quando uma pessoa vem do mais alto nível naturalmente encontra muita coisa que não está bem. Os jogadores também devem tentar melhorar. Ainda vamos encontrar muitas dificuldades. Os jogadores podem não gostar do esforço dispendido mas qual é o atleta que não deseja aumentar as suas capacidades? — Quando fala de dificuldades, a que se refere? — A muita coisa. Nos últimos 10 anos o futebol evoluiu muito. Agora, o futebol é um trabalho a sério, não um jogo, não é divertimento. É isso que marca a diferença relativamente ao futebol de alto nível. — Quer explicar melhor? — Olhe: gostaria de entrar no balneário, vestir-me, cumprir o que o treinador quer, tomar banho, sair e não falar nada, sem brincadeiras. É isso que acontece nos grandes clubes. Os treinos têm de ser encarados como um trabalho. Depois do trabalho, casa! — Isso ainda não acontece no Benfica? — Não e ainda vai demorar algum tempo. — Há amadorismo? — Não. Apenas o facto de o futebol não estar concentrado como um trabalho. — O que é preciso fazer para melhorar? — Pessoas que já tenham trabalhado ao mais alto nível que ensinem os jogadores e todas as pessoas à sua volta. Há muita gente a ganhar dinheiro Acentua que em Portugal há muitos males e é necessário alterar a mentalidade. A chegada de treinadores prestigiados ao futebol luso, casos de José Antonio Camacho e Luiz Felipe Scolari, além da construção de novas infra-estruturas, poderá trazer uma aragem fresca, mas para isso é preciso que todos, incluindo jogadores, façam um mea culpa. Para acabar com problemas instalados. Zahovic toca o dedo em muitas feridas. — Esteve em Espanha e na Grécia. Nota grandes diferenças estruturais desses países em relação a Portugal? — Em Portugal não há piores condições que na Grécia. Estive no Valência, uma grande organização, mas não é inferior à do F. C. Porto, por exemplo. Os adeptos do Benfica certamente gostariam de me ouvir falar mal do F. C. Porto mas não posso, porque digo a verdade. Não minto para parecer bem. — Mas qual é o mal, então, do futebol português? — A mentalidade, acima de tudo. — Fala-se muito, é isso? — Demasiado. — Como vêem os jogadores o facto de os dirigentes terem, muitas vezes, mais protagonismo que os jogadores? — É difícil. Em Portugal há uma estrutura montada há muitos anos, em que funcionam os lobbies, uns ajudam os outros, dão as costas uns pelos outros. Em Portugal um jogador é como um copo de água: puxas a mesa, cai e parte-se. Os jogadores não são ídolos neste país, na verdadeira acepção da palavra. Dou-lhe um exemplo: quando estava no Valência estivemos 11 jornadas em primeiro lugar, depois descemos para sétimo. Quando éramos líderes, estavam duas ou três mil pessoas cá fora; quando descemos na classificação, estavam quatro a cinco mil. Muitas vezes passava de cabeça baixa, adivinhando assobios mas, ao contrário, ouvíamos gritos de incentivo, de ânimo, para trabalharmos. Isso fica na memória... — Os jogadores ganham muito dinheiro? — É possível, mas quem faz o espectáculo? Aqui olha-se para os jogadores de forma negativa. Quando a equipa não ganha diz-se logo: olha, aquele ganha muito dinheiro. Mas não se pode esquecer que há muita gente à nossa volta a ganhar muito dinheiro, embora isso seja em toda a parte. — Mas não encontra nada de positivo no futebol português? — Claro que sim: o futuro. Com a construção de estádios, o Euro-2004, vão melhorar as condições de trabalho e estão a chegar pessoas com mentalidades diferentes e ideias novas, como Camacho e Scolari. Repare: em Espanha, antigamente, era o mesmo e só depois do Mundial de 1982 as coisas mudaram. E chegaram treinadores novos, como Cruyff. Tenho muita esperança que isso também aconteça em Portugal. Preocupam-se muito com o que os jornais escrevem Zahovic não esconde algum desagrado relativamente a determinadas circunstâncias e factores que, na sua opinião, impediram o Benfica, num passado recente, de se assumir como verdadeiro candidato ao título. — Quando trocou o Valência pelo Benfica esperava não ganhar nada? — Quando vim para a Luz pensava que ia encontrar um clube mais evoluído, pelo nome que tinha... — Sente-se frustrado? — Um jogador que trabalha sempre e não ganha nada sente-se sempre frustrado. Mas tinha muita esperança no início desta temporada, pelo trabalho feito na pré-época, pelas quatro vitórias iniciais. Mas depois determinadas pessoas não aguentaram a pressão e desviaram-se do rumo estabelecido de início. Quem não aguenta a pressão não pode estar no Benfica. Não pode haver grande preocupação com o que os jornais escrevem ou com o que as pessoas dizem. São opiniões. Cada um tem a sua função, há que respeitar. As pessoas num clube grande não podem dar tanta importância aos assobios ou aplausos! — Mas sente-se infeliz no Benfica? — Claro que não! Aliás, pelas transformações que estão a acontecer, é a primeira vez que estou muito feliz neste clube. A cada dia que passa os jogadores estão a melhorar, há mais respeito entre todos. É esse o caminho a seguir.