Fonte
www.slbenfica.pt
Com a devida vénia ao seu autor, passo a reproduzir um artigo de António Manuel Ribeiro dos UHF, retirado do site oficial, que a todos nós nos deve dizer muito:
"Uma Luz de Paixão
Estarei eu mais sentimental com o decorrer dos anos? Talvez. Se juntarmos a isso o valor que começamos a dar a certas memórias, alguns livros esquecidos, discos de vinil, números de telefone, ver aquela pessoa que há tanto tempo não vemos, descobrimos serenamente que também já temos história própria, as peças deste puzzle a que chamamos vida. E gostaríamos, por certo, de reduzir o voracidade das horas e dos compromissos e saborear o tempero de cada momento.
Tudo isto a propósito do concerto dos UHF no passado dia 22 de Março, a noite do Monumental Adeus, que, por mais grandioso que fosse (e foi), guardaria no fundo de nós um véu de tristeza.
No fim da nossa actuação, depois do camarim, das visões pessoais que os músicos trocam e dos cumprimentos dos amigos, depois do silêncio ter começado a instalar-se e a polícia conduzir os mais resistentes para fora da Catedral, saí do refúgio dos artistas suados e esgueirei-me para as bancadas, sozinho respirei o ar húmido da noite de Março, olhando a azáfama dos homens que montam o espectáculo, se escondem do público nas actuações e no fim regressam para desmontar a tenda.
A relva, o tapete da Luz por mil noites viçoso e espectacular, estava submerso por todos os detritos do consumo humano: papéis, latas, copos e garrafas de plástico, sacos de comida vazios e os restos, todos os restos que a mole humana faz desaguar sob os pés quando se junta. Adeus velha Luz.
Olhei para as torres majestosas que se entregavam, também elas ao cerimonial do momento, as bancadas vazias com filas inteiras vazias de cadeiras, olhei para o meu velho lugar cativo onde aprendi a ver o meu pai passar da pacatez ao julgamento feroz das jogadas, do árbitro, e só depois dos jogadores, dos nossos jogadores. É isso a paixão do futebol, a certeza de que a nossa visão é indiscutível. E como tem sido exigente este tribunal da Luz.
Vi isso tudo em segundos, poucos, vi-me menino de quatro ou cinco anos de idade na velha bancada de granito dos sócios, próximo da relva, a pedir ao meu pai mais laranjadas, queijadas de Sintra, rebuçados para a tosse. E às vezes o Eusébio vinha ali buscar uma bola perdida junto ao pequeno muro e o meu pai sorria com o esplendor da Pantera tão perto de nós e apertava-me, chamando a minha atenção.
Vi o filme da nação benfiquista que, como eu, cresceu para a vida ali dentro, duas vezes por mês, época após época, somando títulos e um orgulho que o futebol exacerba.
Também vi nessa última noite da velha Luz gente anónima, daquela que faz somas simples para pagar as quotas do Glorioso, levar nos braços, junto ao peito, restos da relva que tornou a Luz um sítio tão especial na geografia do futebol mundial, embevecidos com o seu quinhão de glória, terra pisada por todos os meninos que vestiram as camisolas das papoilas saltitantes que a voz de Luís Piçarra imortalizou. Por mim passou ainda um casal de polícias com a missão da segurança cumprida, um sorriso no rosto e dois assentos vermelhos sob o braço do homem fardado.
Era o fim da festa, a velha Luz fechava as portas e um ciclo da nossa vida, enquanto a outra, a nossa nova casa espreitava através do rasgo feito no topo sul do velho estádio a voluntariedade dos homens que um dia por um motivo qualquer decidem vestir a cor de uma camisola encarnada, bater no peito e afirmarem: "é do clube do meu coração".
Por isso escrevi:
Olá nova Luz
Catedral da emoção
A glória nos conduz
Benfica Campeão.
Benfica tu és grande
Como uma nação
Da cor do sangue
Vermelho de paixão.
(in "Uma Luz de Paixão", do CD "SOU BENFICA - AS CANÇÕES DA ÁGUIA" - 2003)
António Manuel Ribeiro (Maio 2003)"