Vilarinho: "Vou apoiar LFV para presidente do Benfica"

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A Bola
Manuel Vilarinho rompe o tabu para dizer em entrevista exclusiva, a A BOLA, que não se candidatará a novo mandato e que irá apoiar incondicionalmente Luís Filipe Vieira, caso o actual presidente da SAD do Benfica decida avançar. Trata-se, pois, de um depoimento de particular importância. Durante longo tempo pensado e assumido num contexto especial, que passa por ser um pormenorizado historial deste último mandato que o líder benfiquista classifica de terrível. Implacável para com os chamados notáveis do clube, que o pressionaram na última assembleia, memorizando o rol de dívidas pagas num valor que ultrapassa a dezena de milhões de contos, agradecendo a quem considera tê-lo ajudado a construir um Benfica melhor, terminando com uma convicção de esperança no futuro, Vilarinho oferece-nos, mais do que uma entrevista, um testemunho histórico. «Revejo-me no sócio anónimo do Benfica» — Ficou surpreendido com o que se passou na última AG do clube? Está magoado com os sócios do Benfica? — Não estou nem nunca estarei magoado com os sócios do Benfica. Em primeiro lugar porque sou um deles, há já 55 anos. Em segundo lugar porque me identifico e revejo nos sócios do Benfica que gostam com paixão do clube, que discutem a vida do clube, concordando ou discordando da orientação da Direcção, mas sempre na perspectiva de ajudar a construir um Benfica mais unido, em suma, mais forte, mais solidário. Revejo-me no sócio do Benfica, mais anónimo ou menos anónimo, que vibra com as vitórias e sofre com as derrotas, mas que, acima de tudo, respeita o clube e para ele deseja o melhor. E não me venham acusar de demagogia porque eu já levo alguns anos de dirigismo e muitos mais na condição de adepto comum e nunca ninguém me viu, quando estive de fora do barco, comportar-me como um infernizador da vida de qualquer Direcção, nem mesmo daquelas em quem não votei e sobre as quais tinha as mais bem fundadas reservas. — Está mesmo zangado... — A chicana nunca foi o meu estilo e com estes quase três anos de mandato – que todos reconhecerão de um grau de dificuldade excepcional – cheguei à triste conclusão de que enquanto o Benfica não se livrar desta praga dos alegados notáveis, para quem quanto pior estiver o clube melhor estão eles nas suas ânsias de palco e holofotes, dificilmente o clube terá o sossego de que necessita para se reafirmar vitoriosamente como a maior instituição nacional e o maior denominador comum do universo português. Quero, no entanto, ressalvar que há, naturalmente, excepções. O dr. Manuel Boto é uma delas. É um sócio interventivo, que levanta questões mas que nunca põe de lado uma postura ética e uma legítima vontade de cooperação a troco de nada. — Mas as críticas mais fortes, na última AG, vieram de ex-dirigentes que ainda há bem pouco tempo o acompanhavam e, mesmo, de amigos seus... — É uma infelicidade mas é verdade. O impacto mediático de qualquer acontecimento que envolva o Benfica é de tal modo brutal que, à mingua das vitórias que faziam vender os jornais, se permitiu o aparecimento de umas quantas arrobas de vedetas, especializadas no quanto pior melhor e que entram em cena sempre que a equipa de futebol empata um jogo ou sempre que, no campo político, sentem que têm espaço para as suas habilidades. «Tenho orgulho no meu percurso» — No próximo dia 15 o Benfica reúne-se em AG para discutir o orçamento. Receia mais uma assembleia partidarizada e em clima pré-eleitoral? — Confio no bom senso da maioria dos sócios do Benfica e sei, já levo alguns anos disto, que os demagogos e os oportunistas precisam para se exibir de terreno fértil para a demagogia, como é, justamente, o caso das amadoras. O objectivo era consciencializar os sócios das graves dificuldades financeiras para suportar o actual modelo de gestão das modalidades de alta competição. E esse objectivo foi conseguido, uma vez que as propostas aprovadas, da iniciativa de dois sócios, apontam no mesmo sentido económico que apontava a proposta da Direcção. Por outro lado, o que haverá para criticar a uma Direcção que quando tomou posse deparou com um prejuízo anual de 1 milhão e 800 mil contos e vai sair com a conta de exploração equilibrada ou, talvez, até a ganhar algum dinheiro, coisa que não acontece no Benfica há mais de 12 anos? — Sente que saiu beliscado deste conflito? — Estou de bem com a minha consciência. Tenho orgulho no meu percurso como presidente do Benfica e sinto que, há três anos, fiz aquilo que nenhum daqueles senhores, que tão lamentavelmente se comportaram na última AG, teve a decência, a coragem e a tenacidade para fazer. Sem nunca ter sido notável nem vedeta da televisão ou da cassete pirata, candidatei-me e derrubei o anterior presidente. — O que é que os seus companheiros e amigos de então não lhe perdoam hoje? — Como se sabe, os Estatutos do Benfica não permitem, nem no clube nem na SAD, Direcções ou Conselhos de Administração com 50 elementos. É triste mas o problema passa essencialmente por aqui. «Pagámos milhões e milhões de contos de dívidas» — Que dossiers importantes resolveu para o Benfica neste seu mandato? — Em primeiro lugar quem resolveu esses dossiers não fui eu, foi a Direcção e outras pessoas que a Direcção escolheu para a coadjuvar, principalmente o Luís Filipe Vieira. Em dossiers de outra importância, nomeadamente em tudo o que tem a ver com as casas do Benfica e com o futebol juvenil, o dr. Carlos Colaço e o Porfírio Alves merecem uma palavra de agradecimento. Por outro lado, não posso esquecer que o Benfica pôde contar em diferentes planos com a compreensão e apoio do senhor ministro José Luís Arnaut e também do senhor presidente da câmara, dr. Pedro Santana Lopes, a quem se deve a criação de condições que permitiram a celebração do project finance do estádio, dentro daquilo que é do conhecimento público e correspondendo a soluções correctas e inatacáveis a qualquer luz. No plano empresarial, uma palavra de agradecimento para o dr. Diogo Vaz Guedes, presidente da Somague, para o sr. Joaquim Oliveira, presidente da Olivedesportos e para o sr. José Veiga. Finalmente, em nome da Benfica Estádio, reconheço e agradeço o esforço despendido pelo sr. engenheiro António Laranjo. Mas respondendo concretamente à sua pergunta, começarei por dizer que foi pago um ror de dívidas. — Imaginamos que seja uma lista impressionante... — De memória refiro as seguintes: Amaral, Aston Villa, Barreirense (Hugo Cunha), Benvindo Tours, Boavista (Nuno Gomes e Sanchez), o próprio Sanchez, Bruno Basto, Calado, ciclistas, Benguela (Akwá), Colo-Colo (Escalona), Ajax (Dani), Enrique Reyes (empresário do Heynckes), o próprio Jupp Heynckes, Escalona, Estrela da Amadora (Miguel), Fernando Meira, Vitória de Guimarães (Meira), tipografia Heska (jornal do Benfica), João Pinto, José Veiga, Manuel Barbosa (Carlitos), Manuel José e seus três adjuntos, Sevilha (Marchena), o próprio Marchena, Mário Dinis, Martin Delgado, Mawete Júnior, Morgan, Salgueiros (Nandinho), Nandinho, Nuno Gomes, Okonowo, Phil Boersman, Poborsky, Porfírio, Ricoexport (camisolas Olympique), Sabry, seguros, Archness, Tote, Van Hooijdonk, viagens Mercury, Vibeiras (manutenção da relva) e muitas mais que, assim de cor, não me lembro. Tudo isto no valor de 9 milhões de contos. Por outro lado, pagou-se toda a dívida fiscal relativa a 1998, 1999 e 2000, quer do clube quer da SAD, no valor total de 3 milhões de contos. No plano fiscal, acresce ainda o pagamento da verba de 1 milhão de contos relativa a dívidas anteriores a 1998. Como até à data do nosso exercício não existem dívidas fiscais, neste plano posso orgulhar-me de ter contribuído para uma situação que há anos não se verificava no Benfica. Finalmente, ficou o resolvido o dossier Olivedesportos/SIC que, entre contingências e débitos, representou para o Benfica uma mais-valia de, aproximadamente, 13 milhões de contos. Para terminar, e no plano das receitas, os contratos celebrados com a TBZ e Adidas não têm semelhança no desporto português e resultaram da perspicácia negociadora de Luís Filipe Vieira. — Portanto, não lamenta nada... — Lamento e posso até confessar-lhe que sinto alguma mágoa, porque gostava de ver o estádio do Benfica sempre cheio, com lotações esgotadas, até porque desde logo garantidas na venda de ingressos de princípio de época, como acontece com os grandes clubes europeus. Não tem sido assim mas eu ainda tenho esperança que possa vir a ter essa alegria com o novo estádio do Benfica. A estabilidade do futebol — Vamos então, agora, falar de futebol? — Vamos. — Admite que, neste capítulo, o seu mandato não foi feliz? — Admito. Mas faça o favor também de admitir que quando entrámos o futebol estava numa fase negra, principalmente originada por uma caótica situação económica e financeira. Devo confessar que mal dei conta dessa situação caótica imediatamente tomei consciência de que o primordial da actuação da Direcção deveria ser a resolução da questão económica, uma vez que penso – e não abdico desse pensamento – que sem aquela situação resolvida seriam escassas as hipóteses de êxito desportivo. Agora, passo a passo, o futebol está a caminhar com firmeza para uma estabilidade e para uma coerência que há muito não se via. Ou será que os benfiquistas não reconhecem como válido e raro o facto de, por exemplo, ter-se conseguido manter no plantel jovens jogadores portugueses de grande qualidade, como Tiago, Miguel, Moreira, Nuno Gomes, Ricardo Rocha, Petit ou Simão Sabrosa? Façam o favor de reconhecer este esforço da SAD para estabilizar a qualidade quando, nos últimos 10 anos, como todos sabemos, o que se passava era precisamente o oposto na gestão do futebol. — A continuidade de Camacho é uma peça importante neste processo de «coerência», como afirmou? — Certamente. Como a construção do estádio também é. E quer no caso da gestão do futebol, no caso do estádio, quer em outros dossiers, os benfiquistas devem estar gratos e solidários com Luís Filipe Vieira, porque o que ele tem feito no Benfica, as soluções que tem encontrado, o volume de trabalho que tem dedicado merecem, não duvidem, o respeito e o agradecimento de todos. O apoio a Luís Filipe Vieira para presidente — Há no Benfica quem não lhe perdoe ter ido buscar Vieira para a gestão do futebol... — A esses, respondo sem rodeios: ter convidado o Luís Filipe Vieira para liderar este projecto foi a melhor coisa que fiz enquanto presidente do Benfica. E cada dia que passa é maior a minha certeza de que o Luís Filipe, por todas as qualidades que tem e por nunca ter pertencido a lobies e a grupelhos e por ser avesso a conspirações, foi, de facto, a melhor decisão que eu poderia ter tomado, decisão essa de que muito me orgulho. — Quase pode concluir-se que o dr. Manuel Vilarinho entende que Luís Filipe Vieira merece ser o próximo presidente do Benfica... — Se o Luís Filipe Vieira entender candidatar-se à presidência do Benfica terei o maior orgulho em subscrever a sua lista e terá o meu apoio incondicional e os meus 20 votos. — Isso pressupõe, ou não, que o dr. Manuel Vilarinho não se candidata? — Evidentemente. — Está, portanto, a assumir publicamente que não será candidato em Outubro... — Isso mesmo. Não serei candidato em circunstância alguma. E o Luís Filipe Vieira terá o meu apoio se decidir, como espero, candidatar-se. Quer saber porquê? Porque como benfiquista estou grato ao Luís Filipe. O meu mandato foi terrível e reconheço que cometi alguns erros, sobretudo na avaliação de caracteres. Mas a partir do momento em que o Luís Filipe Vieira assumiu o futebol e, não menos importante, a partir do momento em que foi eleito um novo Conselho Fiscal, presidido pelo dr. Fonseca Santos... — Desculpe interromper, mas qual era o problema com o anterior Conselho Fiscal? — Era um órgão com um vice-presidente, o notável dr. João Carvalho, que se comportava como um elemento de contra-poder, como desde cedo se verificou e ainda hoje se verifica sempre que há espaço para isso. — Com o novo Conselho Fiscal não há esse problema? — O dr. Fernando Fonseca Santos é uma figura inquestionável na área da sua profissão e no seu benfiquismo. Como é, para além disto, um homem superiormente inteligente, não é difícil imaginar o elo de respeito mútuo e de solidariedade institucional que, desde o primeiro minuto, se estabeleceu entre ele e o Luís Filipe Vieira. É com este tipo de pessoas que o Benfica se reconstrói. — Disse há pouco que o seu apoio a Vieira era incondicional... — É o mínimo que posso dizer em favor de quem, nos últimos dois anos, deu a cara e todas as horas para este projecto de recuperar o Benfica, sofrendo na pele, todos os dias, a maledicência, a inveja, a oposição sistemática e profissionalizada de todos aqueles que se julgam, não se sabe porquê, predestinados para mandar no futebol do Benfica e no Benfica, não tendo nem meios, nem crédito, nem perfil aconselhável para tal. O caso com Vítor Santos e o futuro do Benfica — Conclusão: acabou-se o tabu? — Só para as pessoas de compreensão lenta. — Vítor Santos, um dos seus apoiantes em Outubro de 2000... — O meu estilo não é criar polémicas desnecessárias para bem do Benfica. No entanto, há uma acusação de Vítor Santos numa entrevista recente que não posso deixar passar em claro. Trata-se de ele ter insinuado que eu queria afastar o Luís Filipe Vieira. — E não quis? — O que se passou foi que, a dada altura, abriu-se a hipótese de alargar o apoio financeiro ao clube. Havia uma necessidade premente de capital e, quer o Luís Filipe Vieira quer o dr. Fonseca Santos, entenderam que deveriam ser feitos contactos exteriores nesse sentido. Que fique claro que essas e outras reuniões não aconteceram à revelia nem do Luís Filipe Vieira nem do presidente do Conselho Fiscal, cujo nome, tão atabalhoadamente, tentaram meter em conspirações. Desculpe-me o aparte mas é mesmo preciso não conhecer o Fernando Fonseca Santos para tentar usar o seu nome em baixa intriga e em cenários rascas de conspirações. Eu que o conheço há 30 anos posso dizer que escusam de tentar cavar fossos entre o Luís Filipe e o dr. Fonseca Santos. Não vale a pena, desistam! — Voltemos à reunião com Vítor Santos e à tal acusação... — Com certeza. O que aconteceu resume-se em poucas palavras: o referido senhor, contactado para o efeito, disponibilizou-se para viabilizar um empréstimo ao Benfica desde que a totalidade das acções da SAD fossem dadas como garantia, como penhor desse mesmo empréstimo. Acontece que o perfil dessa operação de crédito, em termos de reembolso, colocava o Benfica na impossibilidade de cumprir as obrigações garantidas. O que significa que havia o risco/certeza de o Benfica, por essa via, perder o controlo do capital da SAD. Isto é, era e será manifestamente inaceitável. Foi ponto de honra da minha candidatura manter o controlo do capital das sociedades participadas pelo Benfica. Esse compromisso com os sócios, questão vital e essencial para o SLB, foi reiterado pela minha Direcção aquando das eleições intercalares para o Conselho Fiscal e foi assumido como questão de princípio por parte do novo Conselho Fiscal. Dispenso-me de referir a ideia que retirei da proposta do sr. Vítor Santos. — E acabou aí a conversa? — E nesse preciso momento... acabou a conversa com o senhor Vítor Santos, visto que nem eu nem o dr. Fonseca Santos alguma vez aceitaríamos uma condição dessas. Então se um dos principais objectivos desta Direcção foi, e continua a ser, o de manter a maioria do capital da SAD nas mãos do Sport Lisboa e Benfica, iriamos nós embarcar numa situação que poderia ser o princípio do fim daquele objectivo? Claro que não. E foi essa a razão de ser do malogro das conversações. — Vítor Santos, nessa mesma entrevista, acusou Luís Filipe Vieira de ser sócio do Porto. Quer comentar? — Pois é. Mas olhe, não parece. Infelizmente, há sócios do Benfica que se não estiverem bem sentados no poder passam imediatamente para a oposição e são vistos com frequência no camarote presidencial do Estádio das Antas. É assim: há uns que são e, pelo bem que fazem, não parecem. Há outros que não são sócios do Porto mas, pelo mal que fazem ao Benfica, na verdade, até parecem... — Está confiante no futuro do Benfica? — Estou. E que os benfiquistas saibam sempre distinguir o trigo do joio.