Fonte
www.abola.pt
E de repente, tudo era novo. O lugar da águia, a estátua do Eusébio — «cuidado com os canteiros, raios, não estraguem as flores» — exigia-se. Ordeiro, o público alinhado numa cobiça de olhares. Só a expectativa parecia incorrigível. Tudo o resto era um sossego de alma, apesar da indesejável espera, desorganizada e caótica. Mas valia a pena — achavam. Vinham para a festa e tinham a noção de que este era um dia histórico, daqueles dias que, uns anos mais tarde, se contam aos netos, ampliando emoções, reanimando recordações. À entrada, a passagem do bilhete pelo torniquete electrónico garantia essa ideia de modernidade prometida: «Isto sim, é um estádio do futuro» — animava-se a mulher do gorro até aos olhos. O espanto, mesmo assim, estava reservado lá para dentro. Um espanto de silêncios conjugados, de olhares redondos, de sorrisos iluminados. O estádio parece feito em gigantescos gomos vermelhos, colinas que abraçam o relvado, arrumado e verde. Entre bancadas, os camarotes VIP, selectos, como camarotes para um palco de ópera. «É lindo!» — embasbacava o emigrante suíço, cachecol vermelho, bigode tão português.
O som e a imagem
Novo, também, o som e a imagem. O som vibrantemente ALTO e tão alto que, às vezes, se tornava inaudível, sobretudo quando os animadores de serviço se entusiasmavam com o fantástico brinquedo e transformavam o espaço numa imensa discoteca para tristeza profunda dos mais velhos, que gostariam bem mais de um pequeno sossego para desfilar memórias e comparar sensações. Assim, com os ouvidos cheios de batuques e gritos, pareciam pobres peixes fora de água, bocas abrindo e fechando, sem som, numa aflição infinita. Valia-lhes a imagem dos ecrãs nas axilas do estádio, as imagens coloridas de um povo benfiquista feliz e orgulhoso do seu sonho imenso.