Fonte
www.slbenfica.pt
O Benfica voltou esta temporada, em alguns anos depois, a apurar-se para as grandes decisões do basquetebol nacional. Talvez por estar a viver o ano zero, a turma da Luz surpreendeu pela positiva, mas mostrou nos jogos finais que ainda não tinha “estaleca” de campeão. Em grande entrevista ao site oficial do Benfica, Norberto Alves não só fala do passado, como lembra as vitórias já conquistadas num projecto partilhado por uma direcção e equipa técnica bastante unidas. Esperam-se novidades importantes na época que aí vem e, sobretudo, uma forte aposta na identificação da equipa por parte dos adeptos, bem como do clube por parte dos jogadores. Aqui fica, em primeira mão, o Benfica versão 2005/06 pela voz do treinador Norberto Alves.
«Falhámos nos momentos das decisões»
P – Voltando atrás no tempo, resuma-nos o que foi esta temporada para o Benfica?
R – Quando os treinadores, directores e jogadores têm uma mentalidade ganhadora – e não tenho dúvidas de que a temos – não ganhar títulos acaba por ser sempre negativo. Mas também não temos dúvidas, até pelas conquistas alcançadas noutros clubes, que ganhar coisas é o culminar de projectos. Ao vir para o Benfica deparei-me com um processo bem delineado, ou seja, reestruturar rapidamente uma equipa muito fraca. Era uma equipa que não atingira o play-off em vários anos consecutivos, pelo que era necessário começar do zero e fazermos um conjunto completamente novo. Talvez por isso mesmo, notámos, nos momentos de decisão, que nos faltava conhecimento acerca da capacidade de alguns dos elementos para lidarem com a pressão dos momentos de decisões. Por um lado conseguimos atingir facilmente o play-off e as fases finais da Taça da Liga e da Taça de Portugal mas, por outro lado, falhámos nos momentos da decisão.
P – Mas, ainda assim, esta pode considerar-se uma temporada de relativo sucesso...
R – De certo modo. Sabíamos claramente, quando aqui chegámos, quais os nossos objectivos, o trajecto e o projecto, mas por isso mesmo é englobado nestes itens que se pode classificar o sucesso, ou não, de uma temporada. Há mais coisas a ganhar sem ser os títulos. Sabemos que a vitória é sinónima da ambição deste clube, mas ela só pode acontecer se um projecto for continuado. Neste momento, queremos ganhar as pessoas, adquirir uma identidade e chamar os adeptos a esta equipa, até porque só assim será mais fácil alcançarmos vitórias. Sabemos que a equipa subiu ao longo de toda a época, tendo mesmo sido a melhor na segunda volta da fase regular, o que é algo de muito bom para uma equipa jovem e totalmente renovada. No entanto, o caminho ainda está a meio e vivemos, neste momento, um processo de construção de identidade junto dos adeptos.
«Não queremos mudar muito»
P – Dentro desse processo, o que será preciso mudar nesta equipa?
R – O que for preciso mudar, teremos de mudar. Mas mudaremos apenas para evoluir. Há alguns jogadores que queríamos manter, mas será difícil mantê-los devido ao facto deles quererem uma melhor base salarial. É que o orçamento da modalidade diminuirá um pouco esta temporada. No entanto, é certo que não queremos mudar muito.
P – Mas existem directrizes traçadas nesse aspecto?
R – Sim. A ideia é mantermos a estrutura base, mas reforçando-a com os jovens que o Benfica produziu. Não esquecemos que o Benfica se sagrou campeão nacional de juniores esta temporada. Temos ideias e filosofias claras acerca de como integrar e potenciar estes jovens. Teremos de prepará-los para o que representa uma equipa sénior do Benfica, para o que é competir ao mais alto nível. É fundamental aproveitarmos estes valores e fazer com que eles assimilem a identidade do clube. Ora, tal situação torna-se mais difícil com os jogadores estrangeiros que, após realizarem uma boa época, querem sempre mais dinheiro ou então mudar para outros campeonatos mais ambiciosos. Ano após ano teremos de fazer pequenos retoques, mas sempre de menor importância.
«Vamos propor redução de estrangeiros»
P – Apostar na prata da casa será então uma aposta necessária...
R – Nem mais. Aliás, uma das medidas que queremos pôr em prática é a criação de uma equipa B, até porque o campeonato de juniores não responde às necessidades dos nossos jogadores. Essa equipa B fica mais barata do que a própria equipa de juniores, porque as arbitragens são pagas pela Federação, ao contrário do que acontece no campeonato de juniores. Por outro lado, definiremos critérios em relação à utilização na equipa B, já que tudo dependerá do tempo de utilização na equipa principal. É que não vale a pena dizermos que apostamos em prata da casa quando depois não se faz nada em concreto. Por outro lado, o Benfica vai liderar um processo junto da Liga profissional, porque iremos propor na reunião da Liga deste sábado a redução do número de estrangeiros de seis para quatro.
«Ganhar é apenas o fim de um processo»
P – Qual a base para tal argumentação?
R – Pensamos que não vale de nada mostrarmo-nos contra as actuais regras, mas depois seguirmos viagem no mesmo barco dos outros e tentarmos ganhar campeonatos recorrendo quase exclusivamente a jogadores estrangeiros. Queremos, sim, fazer algo em relação a isto e mudar algo, até para defendermos a nossa política e os próprios jogadores nacionais. Sabemos que será uma questão polémica e que certos clubes não nos apoiarão, mas temos de dar este passo em frente. Isto tem a ver com os nossos ideais, que são bem claros. Se quisermos que os adeptos se identifiquem com a equipa e o próprio plantel com o clube, então teremos de agir desta forma, senão será ano após ano a mesma coisa. É que a total dependência dos resultados é pouco para nós. Não podemos esquecer que o Benfica possui uma enorme tradição na modalidade e chama sempre muita gente para junto das suas equipas de basket, pelo que é fundamental oferecermos aos adeptos, jogadores por si reconhecidos e admirados. Assumo aqui que este ano, se calhar, essa foi a nossa maior derrota, pois devíamos ter feito a nossa mensagem ao público com um maior vigor. Ganhar é apenas o fim de um processo e isso não poderá ser esquecido por nós...
P – Será que a denominada “prata da casa” já tem nome?
R – Claro. Penso que há jogadores que já este ano nos deram provas de estarem preparados para jogar no Benfica, ao mais alto nível. O Nuno Sousa e o Miguel Leite são dois jogadores que queremos que fiquem no clube, apesar de estarem numa fase de renovação de contrato. Queremos claramente que fiquem. Existem, depois, outros jogadores que trabalharão diariamente com os seniores: o Marco Gonçalves e o Mustapha, que é um jogador com uma agressividade, disponibilidade e empenhamento tremendo. É este tipo de jogadores que o nosso clube precisa. Existe depois um jogador de alto rendimento, que vem dos juniores, que é o Tiago Freixo. Nós iremos colocar estes miúdos a jogar na equipa B se não completarem 10 minutos por jogo na equipa principal, até para completarem o tempo necessário de formação. Mas estas ideias só fazem sentido se tivermos êxito na apresentação da nossa proposta acerca da redução do número de estrangeiros. Como se sabe, o basquetebol em Portugal não é muito atractivo em termos financeiros, mas existe algo que teremos de manter neste clube, ou seja... a base. Se bem se lembra a base das melhores equipas do Benfica foram constituídas por jogadores portugueses, como Pedro Miguel, Carlos Lisboa ou Henrique Vieira, tendo mudado apenas os jogadores estrangeiros. Teremos de voltar a fazer isso.
P – E se tal proposta não for aceite?
R – Continuaremos o nosso caminho. Mas temos de nos empenhar nessa proposta e temos de justificá-la bem. Temos bons argumentos escritos num documento que elaborámos. Sustentaremos esta proposta de tal forma que quem disser que não, tem de justificar muito bem. Se todos reconhecem que a situação actual está errada, então temos de fazer algo para mudar. É imprescindível para que os pavilhões se encham. É que os adeptos têm de se rever nas equipas.
«Temos agora mais condições para lutarmos por melhores perspectivas»
P – E quanto ao futuro desportivo desta equipa?
R – Bom, desde já pusemos claramente a equipa de basket do Benfica nos carris do sucesso. Agora, exigirão mais de nós, mas temos agora mais condições para lutarmos por melhores perspectivas.
P – De que forma poderá o Benfica fazer a diferença?
R – Temos de informar os adeptos dos nossos objectivos e do que estamos a fazer, de forma a que eles estejam com a equipa desde o início. Vamos fazer um pequeno exercício: qual é a diferença entre o Benfica e os outros? Nenhuma, pois todos têm o desejo de ganhar. Assim, o que penso que nos pode diferenciar são os valores e princípios que nos poderão fazer ganhar mais vezes que os outros... além da nossa tremenda massa adepta. Assim, será fundamental fazermos passar a nossa mensagem.
«Não daremos tempo de jogo a quem não conquistar isso por direito próprio»
P – Assim sendo, não é estranho o facto desta equipa estar ainda a treinar afincadamente...
R – Sem dúvida. Normalmente as pessoas chamam a isto o período de transição, mas eu chamo-lhe de período de preparação. Se nós dizemos que queremos jogadores da nossa casa a jogar, temos de investir na sua formação, porque não é fácil que se imponham numa liga cheia de estrangeiros. Queremos transmitir-lhes competências e fazer treinos individualizados de forma a que cada um deles dê passos significativos antes do início da temporada. É que nós não daremos tempo de jogo a quem não conquistar isso por direito próprio. O que nós sabemos é que eles têm essa vontade de conquistar coisas, de melhorar. Eles querem bater os limites e isso representa um potencial enorme de sucesso. Por isso mesmo, não podíamos acabar a época e ir para férias. É por isso que continuamos a trabalhar: para desenvolver tal potencial.
P – No entanto, o desejo de ganhar títulos está sempre presente...
R – Sem dúvida. O facto de estarmos a fazer um trabalho de fundo não é incompatível com o desejo de ganhar a curto prazo. Quando vim para aqui, tivemos de reformular as coisas e viver este ano zero. Agora, temos apenas de mudar algumas coisas, até porque esta equipa revelou algumas carências ao longo da temporada, principalmente comparando com equipas que poderão ganhar o campeonato.
P – O que falhou afinal?
R – Faltou-nos sobretudo consistência mental em momentos decisivos dos jogos. Em algumas posições do jogo faltou-nos maturidade. Não falo tanto em termos tácticos ou técnicos, mas sim mentais. Esta equipa, tendo valor, não tinha experiência de sucesso enquanto conjunto. É certo que alguns jogadores tinham conseguido ganhar coisas, mas no todo nada alcançámos. Depois, tínhamos muitos jovens e quando assim acontece é fundamental que as suas referências não sejam desajustadas em relação ao que é a mentalidade para o trabalho. E esse ponto é fundamental. Temos a noção do que falhou e de quem falhou, pelo que saberemos, cada um de nós, acarretar as responsabilidades próprias. Agora, o que eu penso que foi uma conquista é a expectativa ganha em relação a podermos ganhar coisas.
P – Chegou a dar a impressão que o Benfica podia ganhar a Liga TMN...
R – Claramente. Penso que no final da época regular, o Benfica e a Ovarense eram as equipas que maior favoritismo reuniam para a conquista do título. Estivemos muito bem na primeira parte no jogo da Taça de Portugal, com o CAB, mas mal nos colocaram algumas dificuldades, não soubemos reagir como equipa. Penso que o insucesso da Taça reflectiu-se poucos dias depois no play-off. Dentro de campo, tivemos algumas precipitações.
P – Foi, pois, uma equipa de altos e baixos...
R – Nem mais. Vou dar-lhe um exemplo: se eu conduzir um carro numa auto-estrada a 120 km à hora chego mais depressa e em maior segurança ao destino de uma pessoa que vá a 130 e desacelere bruscamente para os 80 km à hora. Procuraremos na próxima época ser mais consistentes e regulares.
«Há pessoas preocupadas e empenhadas em fazer isto bem feito»
P – Que erros não voltarão a cometer?
R – Há uma mensagem que é importante passar: há pessoas preocupadas e empenhadas em fazer isto bem feito. Esta equipa que terminou o campeonato era aquela que devia ter começado a temporada: o Bangura tentou primeiro a NBA e o Burditt teve questões que não lhe permitiram vir mais cedo. Assim, começámos a temporada com o Jarrett Stephens, que deu nas vistas. Nunca ninguém entendeu porque trocámos o Jarrett pelo Burditt, mas quero dizer que no final da primeira volta tínhamos oito derrotas, enquanto que na segunda tivemos apenas três. Apesar de ter marcado muitos pontos e de ser um bom profissional, o Jarrett não se revelou tão importante para a equipa como o Albert. Julgo que devíamos ter passado essa mensagem às pessoas, com vista a perceberem que nós estamos empenhados em ter uma equipa que se enquadre nos nossos valores, de forma a termos um sucesso desportivo duradouro. A ideia é ter uma base de continuidade, mas mudaremos o que for necessário de forma a evoluirmos.
P – Sente a confiança da direcção?
R – Completamente. Note que no início da temporada as coisas não correram bem, até pela falta de tempo para preparar a equipa para as competições europeias. A primeira reacção de uma direcção de um clube que vive de vitórias poderia ter sido menos compreensiva, mas as pessoas desta direcção sabem avaliar o trabalho com valores fixos. Assim como começámos a ganhar a meio da temporada, também isso voltará a acontecer no futuro. Temos o privilégio de ter na direcção pessoas que percebem claramente o que é o fenómeno desportivo e uma Liga onde existem sete ou oito equipas que podem ganhar. É que a diferença entre estas equipas é quase nula.
P – Assim sendo, e após esta longa entrevista, que mensagem deixa aos adeptos do Benfica?
R – Desde novo que o Benfica me criou emoções. É um clube de sentimentos e de desejo de vencer. O basquetebol é o desporto das emoções e queremos que os adeptos acreditem que esta equipa os vai divertir e criar ainda mais orgulho de serem apoiantes deste clube.
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