Almancilense: o clube no qual Jesus deixou de jogar

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Jorge Jesus está longe de ser uma figura consensual no futebol português mas é um facto que comanda o Benfica na liderança do campeonato com mais quatro pontos do que o rival FC Porto. O treinador dos encarnados é um dos responsáveis pelo bom momento que as águias atravessam e pode estar a uma curta distância de conquistar o segundo campeonato da sua carreira.

Uma carreira construída a pulso e que começou de uma forma inesperada, tal como o próprio Jorge Jesus contou aos alunos da Faculdade de Motricidade Humana, na última semana.

«Nunca contei isto a ninguém, é a primeira vez que vou contar como me fiz treinador. Estava na terceira divisão e no meu último ano de carreira enquanto jogador. Jogava no Almancilense, que é uma equipa do Algarve que não sei se existe, e jogámos contra o Amora. Quando acabou o jogo, o presidente do Amora, que estava no banco, chamou-me e convidou-me: 'oh Jorge Jesus, tu queres ser treinador do Amora?'. Eu disse: 'treinador? Mas eu sou jogador, ainda agora estive a jogar, não sou treinador'. Ele disse: 'tu estavas a jogar mas percebi que tu é que eras o treinador dentro do campo'. E é assim que começo a minha carreira de treinador. Isto é no domingo, na segunda-feira penso e digo-lhe: 'aceito o seu desafio'. Conclusão, o Amora é que foi subir e o Almancilense não subiu nesse ano», contou, recordando o primeiro sucesso enquanto técnico principal.
 

Jorge Jesus deixou de jogar e começou a treinar na época 1989/1990 ©Carlos Alberto Costa

A passagem de Jorge Jesus pelo Almancilense foi curta, nem uma época durou. Talvez por isso o treinador tenha revelado o seu desconhecimento acerca do clube no qual terminou a carreira de jogador, mas a verdade é que o emblema fundado em 1935 está vivo, disputa a primeira divisão da Associação de Futebol do Algarve e o atual treinador do Benfica ainda não foi esquecido.

«Aqui o Jorge Jesus é bem visto», diz José Fernandes dos Barros, presidente do emblema algarvio e que em 1989/1990 (época em que Jesus deixa de ser jogador no Almancilense para se tornar treinador no Amora) era diretor e acompanhava a equipa de futebol para todo o lado, em entrevista ao zerozero.pt. «Não chegou a estar cá uma época mas ele sempre foi como é agora. É aquela pessoa que quer sempre mais e, para mim, o Benfica não será o fim dele. Como benfiquista que sou, penso que está no maior clube do mundo, mas ele tem mais sonhos e nasceu para o futebol», continuou, revelando que era previsível que ele viesse a apostar na carreira de treinador após deixar os relvados. As trocas de palavras entre ele e Mário Wilson, filho do Velho Capitão, que na época orientava o Almancilense, isso mostravam.

«O Jorge Jesus sempre teve uma tendência de chefe de equipa e havia uns contras e uns porquês sobre algumas decisões do treinador. Acho que ele e o Mário Wilson estavam a sempre em disputa para ver quem percebia mais de futebol. Muitas vezes eles não se entendiam. O Jorge Jesus tinha as suas ideias, que eram boas e que o fizeram estar onde está», conta o agora presidente dos algarvios.

«O Jesus sempre quis ir para a frente com o futebol e conseguiu. Está num bom sítio e hoje é um senhor de bola. Teve coragem, sorte que também é preciso, foi subindo na carreira e eu dou valor a uma pessoa como ele. É difícil encontrar alguém assim, cheio e vontade e com muito valor. A nível futebolístico é uma pessoa espetacular», acrescenta.

A ida repentina de Jorge Jesus para o Amora
 

Antes de chegar ao Benfica, Jesus esteve à frente de dez outras equipas e nunca foi adjunto ©Carlos Alberto Costa

Em 1989/1990, altura em que Jorge Jesus terminou a carreira de jogador no Almancilense no decorrer da época para logo se tornar treinador do Amora, foi a primeira temporada de sucesso do atual técnico do Benfica. No entanto, em Almancil continua bem referenciado, apesar de ter sido um dos responsáveis pelo facto do clube algarvio não ter subido à segunda divisão nacional.

«O Jorge Jesus precisava de uma equipa com mais poder porque nessa altura o Almancilense foi buscar jogadores bons mas financeiramente não os conseguia manter por muito tempo», conta.

No entanto, José Fernandes dos Barros faz questão de informar o treinador do Benfica que o Almancilense está vivo, apesar de jogar nos distritais.

«Quero dizer ao Jorge Jesus que tem em mim um apoiante e um admirador do seu trabalho, mas também que agora já pode saber que o Almancilense ainda existe», diz.

«Na altura em que ele era jogador havia aqui muito dinheiro para gastar mas a partir da temporada seguinte acabou. Não quis deixar o clube acabar mas estivemos praticamente cinco anos com dívidas e com tudo penhorado. Conseguimos recuperar e continuámos a andar. Hoje estamos cá. Não há dívidas porque também não há gastos. Não há ordenados dos jogadores, há um almocinho de vez em quando e joga-se com amor à camisola», revela.

O percurso do Almancilense desde a saída de Jorge Jesus

Jorge Jesus começou a sua última época enquanto jogador com o objetivo de tentar a subida de divisão com o Almancilense, mas quis o destino que a tivesse terminado com esse objetivo garantido mas enquanto treinador do Amora, levando a melhor na corrida contra a ex-equipa.



Já em jogador, Jesus mostrava que queria continuar no futebol como treinador ©Catarina Morais

Desde a temporada de 1989/1990, o emblema algarvio não voltou a estar perto de subir à segunda divisão nacional e até desceu aos distritais, onde atualmente se encontra. Contudo, é com o orgulho de presidir um clube estável e sem dívidas que José Fernandes do Barros fala sobre o trajeto do Almancilense ao longo da década de 90 e na primeira década do século XXI.

«Após a época de 1990, ficámos mais dois anos na terceira divisão. Entretanto fomos um bocado abaixo porque havia menos verbas do que na altura do Jorge Jesus e voltámos ao distrital. Em 1997/1998 fomos campeões do Algarve e subimos à terceira outra vez. Aí estivemos dez anos consecutivos e em 2008 descemos. Agora estamos a manter-nos na primeira divisão distrital, a lutar o melhor possível para ficarmos nos seis primeiros lugares. Com algumas dificuldades estamos cá. Sou presidente há 22 anos e sei onde estão os bons jogadores, mas sou uma pessoa honesta, não prometo o que não posso pagar e não os vou buscar, por isso vamos nos mantendo por aqui», afirma, destacando os momentos altos do clube.

«Tivemos alguns pontos altos, como o facto de termos estado dez temporadas consecutivas na terceira divisão sem grandes ordenados e sem termos a melhor equipa porque os melhores jogadores não podemos pagar. O nosso título de campeões do Algarve, quando ficámos em primeiro lugar com mais 20 pontos do que o Quarteirense, segundo classificado, também foi um espetáculo. Recebemos vários prémios, como o de melhor equipa e de melhor treinador».

No entanto, a receção à Académica, em 2004, para a Taça de Portugal, foi inesquecível para o presidente do Almancilense. Os estudantes venceram por 3x0 mas nem isso tira o entusiasmo das suas palavras na hora de recordar o momento.

«Jogámos com equipas com história no futebol português, como o Atlético e o Oriental. Mas o jogo mais marcante foi quando recebemos a Académica para a Taça de Portugal. Jogámos em Loulé e conseguimos meter milhares de pessoas no estádio», lembra.