Camacho ao Diário de Notícias

Fonte
DN
A frase é sua _ «As minhas equipas são como eu: honradas, disciplinadas, sérias e trabalhadoras.» Já se revê na equipa do Benfica ? Estou aqui há um mês e pouco... Por muita vontade e dedicação que exista, e existe, não se pode mudar tudo em tão pouco tempo. Tudo? Havia assim tanto a mudar? Falo de mentalidade, de hábitos de trabalho. Os jogadores têm que entrar em campo para dar tudo pela equipa, não podem guardar nada para o balneário. Um futebolista até pode estar a jogar melhor, mas tem que ter esta mentalidade, necessita de saber lidar com a pressão, e neste clube há muita. Se não conseguir adaptar-se a estas situações é difícil ter sucesso. É visto como um treinador disciplinador. Sentiu necessidade de introduzir essa vertente na equipa? Eu, disciplinador? Não. Estão equivocados. Disciplina para mim é que cada um cumpra com as suas obrigações e isso exigo sempre. Mas não me vejo como um treinador disciplinador. Gosto, sim que o jogador treine como vai jogar, que se divirta treinando, que esteja concentrado e que dê tudo em campo. É verdade que fez uma lista de regras quando chegou? Diz-se muitas coisas que não são realidade. Não acrescentei ao regulamento disciplinar interno que já havia um único ponto. Só quero que seja cumprido. E os jogadores tem cumprido? Comigo sim. E a frase de que presidente não entra no balneário? Também não é minha. Claro, que ele pode entrar, é o responsável máximo no clube, mas quando entra não é para dizer se isto ou aquilo está mal, essa é a minha função. Quando não está de acordo só tem que dizer 'vai embora Camacho' e vai buscar outro. Tem dito com alguma frequência que a segunda volta vai revelar um Benfica mais forte. A que nível? A todos. O clube quer estar nas competições europeias na próxima época e para isso tem que se apresentar forte. Os jogadores sabem que não podem dormir. Fora de Lisboa a equipa enfrenta sempre um ambiente muito mau, há que ter estofo. Temos que ter a consciência de que para chegar à Europa, onde estão os melhores, há que manter o segundo lugar, e isso exige mentalidade forte, a equipa não se pode conformar com o andamento do jogo. Temos que pressionar sempre, tentar criar o máximo de oportunidade, esgotar as nossas forças em campo. Se está a correr mal temos que o saber virar, se estivermos a ganhar por um golo temos que tentar marcar o segundo... [Pausa no discurso acompanhado pelo primeiro sorriso da entrevista] Gostaria que já estivéssemos a marcar um pouco mais. Está a queixar-se de falta de golos ou de avançados? Para as oportunidades que criamos poderíamos marcar mais... Ajudaria se tivesse mais opções no sector atacante? Possivelmente. Com as lesões de Sokota, Mantorras e Fehér, só resta um avançado. Se ele se constipar, como será? É uma situação que temos de resolver. Vamos ver o que acontece até ao final do mês. Existem condições financeiras para contratar mais alguém? Esse é um problema do clube, não meu. Naturalmente também quer resultados. Não tem uma palavra a dizer? Um treinador tem que treinar com o grupo que dispõe, há que ter imaginação. Claro que gostaria de ter mais opções, um plantel mais equilibrado. Conhecia as dificuldades financeiras do Benfica? Não tão bem como agora. Sabia que tinha bons jogadores para trabalhar. Também me foi dito que, se fosse necessário, haveria possibilidade de contratar um ou outro jogador. E a prioridade foi Geovanni ? Existem muitos problemas económicos. As pessoas querem sempre ganhar, mas têm que compreender que para ganhar há que esperar, o clube tem que estabilizar. Quem dirige tem que saber as prioridades, não se pode contratar quem quer e de qualquer maneira. E a forma como o Benfica conseguiu Geovanni foi muito positiva para o clube. O lado direito era o mais fraco? Não era a questão de ser o mais fraco, mas a de não ter jogadores para essa posição. Mantorras foi operado, Carlitos estava lesionado, Drulovic também não estava bem. Que balanço faz da sua equipa desde que chegou à Luz? Corresponde às expectativas? O balanço é positivo. Quando cheguei o segundo classificado estava com quatro pontos de vantagem sobre o Benfica, agora estamos com três pontos de vantagem sobre o terceiro e tivemos uma série de partidas difíceis. Quais as maiores diferenças entre este Benfica e o que encontrou? A grande diferença é na classificação. É melhor ser segundo do que quarto. É importante para a confiança dos jogadores, dos adeptos, e da SAD. Quando chegou diagnosticou rapidamente a «doença» do Benfica. Mantém a opinião? Claramente. Falta identidade, o grupo tem sofrido mexidas radicais. Não há uma única equipa importante na Europa que não tenha seis jogadores que não estejam no clube, pelo menos, há cinco seis jogos, são esses jogadores que transmitem a ideologia de futebol, o querer ganhar, o espírito de equipa. No Benfica o mais veterano, é o guarda-redes que tem 20 anos. Isso não é normal. O campeonato do Benfica é do segundo lugar? Agora, logicamente que sim. Temos que manter o segundo lugar para poder lutar pelo primeiro. Mas acredita ser possível chegar ao primeiro? É difícil, porque depende do FC Porto. A nossa tarefa é estarmos sempre mais próximo do líder. Ficaria satisfeito com o segundo lugar? Agora é para isso que trabalho. Já disse que se o Benfica falhar o objectivo Europa não renova o contrato Seguramente que não. Vim para seis meses e com um objectivo definido. Mas isso agora não é importante. Estou aqui e trabalho para o Benfica até ao último minuto. HÁ JOGADORES NA LUZ COM VALOR PARA JOGAR EM ESPANHA Qual a qualidade que mais preza num jogador? Que seja honesto, honrado no seu trabalho, se está a viver de engano não poderá ir longe. Se foi contratado pelo Benfica é porque é bom, se vive para o futebol maiores são as probabilidades de ter sucesso. Um jogador não pode pensar que basta jogar 90 minutos, tem que pensar no treino, no que come, bebe, o descanso. Vejam os exemplos de Raul, Figo, Roberto Carlos, jogam duas vezes por semana e sempre para ganhar e só conseguem isso porque se cuidam fora de campo. Os jogadores portugueses têm essa forma de agir? Não sei, os meus, por exemplo só jogam para uma competição. Mas treinam com intensidade. Se o Benfica disputasse a Liga espanhola em que lugar estaria? Não sei. A Liga espanhola é muito forte, todas as equipas tem bons jogadores. Mas no último lugar não creio. Algum jogador português teria possibilidade de jogar nas melhores equipas espanholas? Sim, muitos. Não falo em nomes, mas no Benfica há cinco ou seis jogadores que podem jogar em qualquer equipa espanhola de grande nível. Foi fácil a adaptação ao futebol nacional? Adapto-me facilmente, o futebol é igual em todo o lado. E a Portugal? São mais as semelhanças do que as diferenças, até na gastronomia, são os países onde melhor se come. Gosto do pouco que conheço de Lisboa, não saio muito, a minha vida é estádio, treinos, jogos e casa, onde vejo muita televisão, quase sempre futebol. O adepto português vive o futebol com a mesma paixão do espanhol? A paixão é a mesma, o que envolve um jogo é que difere. Aqui fala-se demasiado antes dos encontros, fala-se de árbitros, disto e daquilo, mas pouco de futebol. Depois, quando os adeptos vão para o estádio já tem uma disposição que não é a de se divertirem, mas de exteriorizarem a revolta que acumularam durante a semana. Não sei porque se deixa falar tanto contra determinadas pessoas sem tomar medidas. Quando os responsáveis resolverem este problemas, o vosso futebol vai melhorar. «FC PORTO ESTÁ A ADAPTAR-SE BEM AO FUTEBOL EUROPEU» Conhece bem José Mourinho? Relativamente. Quando esteve no Barcelona não tivemos muito contacto. Sei que é pessoa muito trabalhadora, séria que sabe o que quer. Está a sair-se bem, construiu a equipa e é o primeiro na Liga e continua na Taça UEFA. Considera que os anos que passou em Barcelona beneficiaram o treinador do FC Porto? Pelo menos ficou a saber como se trabalha num campeonato muito competitivo. Essa situação justifica a diferença que parece existir entre o FC Porto e restantes equipas? Não sei. O que vejo é o FC Porto está sempre na Europa, tem condições para trabalhar bem. Está a adaptar-se e bem ao futebol europeu. O Benfica terá que caminhar nesse sentido, é obrigatório ser uma presença constante na Europa e formar uma equipa com esses objectivos. O Benfica é um clube desorganizado? Atravessa um período de transição. Está a construir um estádio moderno e dentro de dias terá que tirar tudo o que aqui existe, é uma situação complicada com reflexos na organização do clube e no dia-a-dia da equipa, que nem tem um local certo para trabalhar. O rendimento da equipa tem sido prejudicada por essa situação? Sim. Treinar num sítio diferente todos os dias, ir e vir de autocarro não é bom. É um problema novo para mim. Todas as grandes equipas tem um centro de treinos.