Camacho em entrevista

Fonte
record.pt
Após o primeiro dia à Benfica, quais são as suas impressões? - À primeira vista, tudo está sempre muito bem. As pessoas colocam muita ilusão e muito empenho no trabalho para agradar desde logo. Mas o Benfica tem problemas, isso é certo: a começar pelo estado do relvado da Luz, pela falta de instalações para treinar. São coisas que não se resolvem a curto prazo. Claro que estamos a falar de um clube muito grande, que terá tudo à sua disposição, mas para já não. - Qual é a prioridade, relativamente à equipa de futebol? Melhorar os níveis psicológicos, físicos, tácticos ou técnicos? - Para já, ainda não sei, sinceramente. Não sei se o principal problema será táctico mas temos de trabalhar nesse aspecto. Do ponto de vista físico não há seguramente motivos para nos preocuparmos. Há coisas a corrigir na área de motivação. Mas acho que se esta equipa correr e trabalhar muito, tem condições para ser importante na SuperLiga. O problema é que o futebol nem sempre é o que se vê. Há outras coisas importantes. Como a ligação ao clube. Aqui há muitos jogadores que vão e vêm todos os anos, e isso faz perder a identidade com a instituição. - Falta identidade ao Benfica? - Isso vê-se facilmente. Claro que há sempre entradas e saídas num clube de futebol com ambições. Mas nesses clubes também há sempre uma meia dúzia de jogadores que têm seis ou sete anos de ligação à casa. Isso falta ao Benfica. - O jogador há mais anos seguidos no Benfica é Moreira, que tem 20 anos e está há três épocas no clube. - Exactamente. É muito jovem e ainda por cima é guarda-redes, uma posição que exige responsabilidade. E a responsabilidade dos jovens numa equipa é relativa. Isto é: para um jogador jovem que chegue ao clube seria preferível ter a recebê-lo atletas com a idade de Figo ou Rui Costa, gente com muitos anos de casa, identificada com os adeptos e com o resto. Seguramente que nestes oito anos que o Benfica leva sem ganhar, este factor tem uma importância decisiva. Estas coisas distraem os jogadores. - Mas há jogadores com nome feito. Simão, Zahovic, Drulovic e muitos outros. Isso pode atenuar dificuldades? - Claro que sim. - Que atletas conhecia antes de vir? - Já conhecia muitos dos jogadores. Aliás, vi o Benfica muitas vezes. Em Espanha dão jogos da Superliga, em directo na TV, e eu, como gosto de futebol, vi-os. Muito antes de suspeitar que viria. - Que ideia tinha do Benfica então? - Que há jogadores que têm de assumir responsabilidades que provavelmente não lhes deviam pertencer. E, se calhar, quando jogam na selecção portuguesa não são obrigados a assumi-la, precisamente porque há outros mais experientes para fazer esse trabalho. Por isso sei que o meu trabalho aqui não vai ser fácil. Não se pense que porque chegou outro treinador tudo vai mudar, tudo vai melhorar em três dias. - Mas, entretanto, já disse que vai mudar alguma coisa. O quê? - Vou mudar a nível de treino, mas a filosofia do clube não consigo mudar. Pelo menos num dia. Em teoria, o clube deve interiorizar essa ideia: manter jogadores cinco, seis épocas. Só assim pode conquistar coisas importantes a nível nacional mas também a nível internacional. - Pela maneira como fala, parece com vontade de ficar muito mais tempo do que apenas até final da temporada como consta do contrato. - Não sei. Isto de que falo não é um projecto meu, é um projecto para o clube. - Todos concordam que a sua missão não é fácil. Não tem medo de que a afirmação de Toni - "o Benfica é um cemitério de treinadores" - seja verdadeira? - O Toni tem mais experiência do que eu, obviamente. Mas cada um é como é e só espero que ele se engane (risos). - Disse há pouco que os jogadores se distraem com tudo o que os rodeia. Há notícia de que o Benfica tem ordenados em atraso. Isso preocupa-o? - O Benfica está a trabalhar bem e a mostrar que é sério. Espero que isso não venha a suceder porque, para além dos problemas que existem, se houver ainda mais esse, mais difícil seria encontrar soluções. Não se pense que eu tenho a varinha mágica para resolver tudo. Espero a máxima colaboração de todos. Falo também dos jogadores. - Tem fama de ser duro com os jogadores, mas também com os dirigentes. Confirma que mantém relacionamentos difíceis com os presidentes? - Não. O problema é que nos locais onde trabalhei tive sempre de preparar umas coisas, reorganizar outras, e isso nem sempre é fácil. Aqui, no Benfica, o que desejo é que se fale de futebol e se construa um balneário forte. - Com Lorenzo Sanz, ex-presidente do Real Madrid, zangou-se e abandonou o clube antes de a época começar. - Não tive problemas com ele. Tínhamos filosofias diferentes e por isso saí. - Que lhe parecem os dirigentes da Luz? - Conheço só o presidente [Luís Filipe Vieira] e o "vice" [Tinoco Faria]. Parecem-me pessoas empenhadas em fazer o melhor possível pelo clube. - Sabe por que motivo é hoje (ontem) feriado em Portugal? - Não. - É o dia em que Portugal se tornou independente definitivamente de Castela. - (risos) Mas eu não sou português, nem espanhol, sou cidadão do Mundo. Nasci em Cieza, mudei-me para Albacete, depois para Madrid, já vivi em Sevilha e Barcelona. E agora Lisboa. «Não vou mudar quase nada com o Gil Vicente» No essencial, Camacho gostou da exibição do Benfica frente ao Sporting de Braga. Por isso, e porque não quer baralhar os jogadores com alterações tácticas radicais, frente ao Gil Vicente, na quarta-feira, pouco mudará. "Não vou mudar quase nada. Ontem (sábado) jogámos com três centrais, antes alinhávamos com quatro defesas. Na segunda parte voltámos também aos quatro defesas. Mais ou menos um 4x2x3x1. As nossas ideias não fogem muito disto, portanto não se esperem grandes mudanças quarta-feira." O novo técnico do Benfica diz não ter sistema táctico preferido. Mas o antigo lateral-esquerdo incide o seu trabalho estratégico na defesa. "Cada um tem a sua maneira de trabalhar a defesa. A maneira de pressionar, a maneira de os jogadores se colocarem em campo. Não posso é mudar muito do que foi utilizado com o Sporting de Braga, senão os jogadores confundem-se." Para o "derby" de Alvalade, Camacho já terá incutido nos seus jogadores as ideias-base do que pretende no futuro. "Com o Sporting, os atletas terão mais tempo para assimilarem os meus métodos, já que o jogo será no sábado. Aí haverá, provavelmente, uma mudança ou outra mais visível na equipa." «Tudo isto é uma aventura e um risco» Com a chegada ao Benfica, José Antonio Camacho cumpre um sonho: trabalhar no estrangeiro. "Sempre quis trabalhar no estrangeiro. O Benfica é uma aventura, é um risco. Mas é algo de bonito. Desde que os jogadores corram e trabalhem, pode acabar bem. Quando há muitas dificuldades, toda a gente sabe que há dificuldades e por isso toda a gente nota quando conseguimos fazer um bom trabalho." «Corridas sem touros de morte são como futebol sem golos» A outra paixão de Camacho são as corridas de touros. Sempre que o futebol lhe dá descanso, o treinador do Benfica, como qualquer espanhol que se preze, passa muito tempo nas praças de Madrid ou Sevilha. A controvérsia em torno dos touros de morte não lhe passa ao lado: "Gosto muito de touros. Mas acho é que já há polémicas a mais no Mundo. Eu, se quero ir ver uma corrida de touros, vou e ponto final. Quem gosta, gosta; quem não gosta, não gosta. Cada um gosta do que quer e ninguém é perfeito. Já vi corridas portuguesas e gostei. Mas estou acostumado às espanholas. Corridas sem touros de morte são como futebol sem golos." Autor: JOÃO ALMEIDA MOREIRA Data: Segunda-Feira, 2 de Dezembro de 2002 02:51:00