Jesus. A cabeça de garoupa à troika, o leite creme e a sueca

Fonte
Ionline

Evaristo Cardoso, dono do Solar dos Presuntos, conta ao i a relação do treinador benfiquista com a família.

Tripas à moda do Porto é o prato do dia noSolar dos Presuntos. É sempre  assim às segundas-feiras e esta até é mais especial que as outras por um só facto histórico: as tripas fazem 600 anos. As tripas no seu todo, salvo seja, não aquelas servidas em travessas grandes e gulosas pelo famoso restaurante na Rua das Portas de Santo Antão – essas estão fresquíssimas, à espera de uma série de clientes esfomeados. Jorge Jesus é um deles?

“Não, hoje não vem. Deitou-se tarde”, diz Evaristo Álvaro Cardoso, dono do Solar dos Presuntos e amigo de Jesus há anos. “Desde os tempos do Estrela”. É uma amizade antiquíssima, do século passado. “Depois ele volta a Lisboa, para o Belenenses, e aí começa a vir cá com mais frequência. Agora já é da casa. Vem sempre umas três ou quatro vezes por semana. Gosto muito dele. Gostamos, todos nós gostamos muito dele. É um homem simpático, acessível, humano. São qualidades extraordinárias.”

Jorge Fernando Pinheiro de Jesus tem 60 anos, é o treinador mais veterano da liga e, agora, o mais titulado.Ao todo, três campeonatos (2010, 2013 e 2014) em seis anos, além de quatro Taças da Liga, uma Taça de Portugal e outra Supertaça. A procissão ainda está no adro – dia 29, sexta-feira, há a final da Taça da Liga com o Marítimo. Tu queres ver? Tu queres ver que o homem vai acumular o décimo troféu pelo Benfica e agigantar a lenda? Tudo a seu favor: equipa, banco e estrutura. São qualidades extraordinárias.

Voltamos aoSolar dos Presuntos, onde Jesus joga em casa. Chova ou faça sol, o treinador do Benfica acomoda-se com facilidade em qualquer canto. Qualquer cadeira é a do poder, basta ele sentar-se. Evaristo fala pelos cotovelos com graça. “O Jesus vem cá para almoçar e jogar. Ah pois, ele joga às cartas comigo.E outros. Às tantas, diz-me isto e sai de cena: ‘Evaristo, tenho de ir dar o almoço ao meu pai’”. O pai é Virgolino Jesus, jogador do Sporting na década 40 (na época pré-Cinco Violinos) e Leão de Ouro pelos 50 anos de sócio, agora acamado num lar de idoso em Caneças, onde Jesus é visita frequente.

“Isto é de um homem dedicado à causa, à família”, observa Evaristo. “Ele saía e levava o leite creme para o pai. Agora já não, porque o pai está mal e não come mas o acto deixava-me sempre comovido. Digo-o a todos os amigos mais próximos, o Jesus é um exemplo a ser seguido, merece tudo de bom. Nós aqui cuidamos bem dele.” Diz Evaristo, do Sporting. “O meu primeiro jogo ao vivo foi em 1954, com o Vitória de Guimarães. E quem me levou foi o presidente do Vitória, de carro.” Das Portas de Santo Antão até ao Lumiar (Alvalade só nasceria em 1956).

Curioso, o Vitória está na vida dos dois. De Evaristo e também de Jesus. É em Guimarães que o Benfica carimba o 34.º título de campeão, o segundo seguido. Ao empate segue a festa no Marquês.Que acaba às tantas – ainda assim, mais cedo que o previsto por força de uns e outros mais arruaceiros, a pedir (e a levar) o cartão vermelho de quem de direito.
Seja como for, Jesus não vai aoSolar dos Presuntos.Na ressaca do título, por exemplo. Quer isso dizer que não há tripas para ninguém? Não, nada disso. Garante-nos Evaristo, um homem de Monção. “Vi o Vilarinho, esse mesmo, jogar no Monção, com o número 7 nas costas. Parecia o Nené. Ou o Rogério Pipi”, e parte-se a rir. De um ex-presidente para o actual treinador. Evaristo tem a bola e vai lançado pela linha, como se fosse um extremo.

“Jesus é apreciador de cabeça de garoupa à troika, com alho, cebolas e coentros, ou então fritada de peixe. Depois, leite creme [o tal] ou então marmelos.” E sobremesa? Um jogo de cartas pela tarde dentro. “Jogamos à sueca mas sem sinais nem gestos. Ele não é de truques debaixo da mesa” Limpinho, limpinho. Que seja. Como o título de bicampeão. À base de 26 vitórias, quatro empates (dois com oSporting, um com o Porto e outro em Guimarães) e três derrotas (em Braga, Paços e Vila do Conde). O ataque é o mais concretizador (14 marcadores e 82 golos) e a defesa, a segunda menos batida (15). Se isto não é merecedor de um almoço, então já não sabemos o que andamos a fazer aqui... Ao Solar, já.