Raúl José: o homem que virou discípulo de Jesus desde 2005

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Diz o povo que os opostos se atraem. E a atração faz sentido nesta peça. Aliás, a atração parece ser uma palavra com manifesto sabor a pouco, quando se fala de Jorge Jesus e de Raúl José. O primeiro comanda o Benfica, o segundo vai pegar no leme no próximo mês e o zerozero.pt foi à procura dos dados de uma relação fortalecida com o tempo e que até podia ter contornos bíblicos.

1987 na Tapadinha. O Atlético já não está nos seus momentos áureos e atua apenas na Zona Sul da II Divisão. A época é de ouro para o futebol português, já que o FC Porto de Artur Jorge conquista a Taça dos Campeões Europeus em Viena, mas a realidade que aqui se pretende retratar é bem diferente.

Jorge Jesus é um médio de 33 anos que já está na curva descendente de uma carreira em que representou Sporting, Vitória de Setúbal, Belenenses ou Estrela da Amadora. Raúl José está a aparecer, é avançado e tem 24 anos. Foi apenas uma a época em que partilharam o balneário como jogadores, mas o suficiente para cultivarem uma relação que perdura até hoje.

Jesus jogaria apenas mais duas épocas e, de partida para a última década do século XX, ingressa no Amora como treinador, para uma carreira que está quase a celebrar as bodas de prata (25 anos).

Raúl José ficou pela Tapadinha até 1990, altura em que se transferiu para o Alverca, onde jogou até 1997. Ainda sem completar 34 anos, decidiu pendurar as botas e treinar os juniores de um clube que era liderado por Luís Filipe Vieira. Dois anos como líder do último escalão de formação e outros dois a auxiliar o treinador principal da equipa, na altura no principal escalão do futebol português, antecederam uma pausa de cinco anos.

De 2000 a 2005 estudou e esperou a oportunidade, que viria a ser concedida por Jorge Jesus, treinador que andava deambulante por Felgueiras, Estrela da Amadora, Vitória de Setúbal, tardando em atingir novos voos.

No Moreirense, apenas nas últimas sete jornadas da época 2004/2005, a dupla não conseguiu evitar a despromoção, com duas derrotas, três empates e, por fim, duas vitórias já fora das contas.

Insucesso à parte, nessa equipa atuava Luís Vouzela. O veterano médio de 39 anos, que ainda joga futebol no Oliveira de Frades (Divisão de Honra da AF Viseu), explicou ao zerozero.pt como é que Raúl José funciona em parceria com Jorge Jesus: «O Jesus está igual ao que já foi no passado, talvez ainda mais agora. Ele sempre discutiu por tudo e por nada e o adjunto é que o acalmava. Já eram assim quando trabalhei com eles».

O antigo médio de União de Leiria, Santa Clara, Moreirense, Beira-Mar ou Académico de Viseu sublinhou que, independentemente da forma de estar, os dois «sempre se deram muito bem», mesmo com as diferenças comportamentais: «Quando trabalhei com ele já era assim. Ele sabe que o Jesus ferve em pouca água e acaba por ser alguém que está ali para o pôr no sítio».

Subida a pulso e uma comparação com Mourinho e Rui Faria

A dupla prosseguiu junta e sempre no ativo a partir do momento em que assumiu o União de Leiria, em outubro de 2005. Numa campanha de recuperação, os leirienses acabaram num belo sétimo lugar, só que Jesus/José teve novo destino: Belenenses. No Restelo dois anos, um quinto lugar, um oitavo e uma final da Taça de Portugal, perdida para o Sporting com um golo de Liedson.

Performance suficiente para uma viagem até ao Minho, sempre juntos. No SC Braga veio o primeiro troféu, a Taça Intertoto, numa equipa que contava com Orlando Sá. Atualmente no AEL Limassol do Chipre, o avançado também falou com o zerozero.pt com muito boa disposição e recordou um homem que o «ajudou muito», já que Raúl José cuidava, nos treinos, do capítulo ofensivo.

«A minha relação com ele era muito boa. Infelizmente perdi o contacto dele quando saí de Portugal, mas é alguém de quem gosto muito. É uma pessoa bastante competente e um excelente profissional. Ajudou-me muito no SC Braga e o banco do Benfica, nestas próximas quatro semanas, estará bem entregue», referiu o dianteiro.

Orlando Sá continuou a análise, fazendo o paralelismo entre os dois técnicos, avaliando que os dois «têm uma forma de estar diferente e quem os conhece sabe disso», deixando também uma analogia com... José Mourinho e Rui Faria.

«Penso que muito do sucesso que Jorge Jesus tem se deve a este homem, que é uma espécie de braço direito, à semelhança do que o Rui Faria é para o Mourinho. Tenho a certeza que o Raúl José é a pessoa de confiança de Jorge Jesus», sublinhou.

Depois do ano em Braga, por fim um «grande» (com as devidas ressalvas sobre o crescimento do SC Braga nos últimos anos). No Benfica, sucedendo a Quique Flores, o futebol do primeiro ano entusiasmou e apaixonou até muitos dos adeptos rivais. Pelo meio dos mais de quatro anos ao serviço da águia, muitas foram as situações mais quentes e que resultaram numa melhor perceção da esfera pública daquilo que é a personalidade de ambos.

Até agora, Jesus já esteve ausente do banco encarnado por três ocasiões: frente à Naval (2x1), contra o Beira-Mar (2x1) e, para a Liga dos Campeões, diante do Basel (1x1), tudo em 2011. Uma vitória, um empate e uma derrota do discípulo na ausência de Jesus. Ou antes, do colega, que agora regressa ao mesmo papel.

«Raúl José tem as suas competências, senão não estaria no clube. Acredito que vai estar à altura dos acontecimentos, mas também todos sabem que quem vai estar à frente de tudo será o Jorge Jesus», contou ao zerozero.pt Luís Vouzela, antes de, confrontado com a possibilidade de Raúl José cair no goto e isso prejudicar a imagem de Jesus, atirar com um desejo.

«Os adjuntos são aqueles em quem o treinador confia. Espero que ele ganhe os jogos todos, que será bom para o Benfica, mas não vejo que isso possa ser prejudicial para a imagem de Jorge Jesus», respondeu, num tema também abordado por Orlando Sá.

«O banco do Benfica ficará agitado com as informações que surgirão a nível virtual, mas, no que toca ao espetáculo, será um bocadinho diferente. Sabemos que Jorge Jesus é um excelente treinador, mas tem uma forma de estar um bocadinho peculiar e o mister Raúl José é mais contido e ponderado, embora possa dar-vos a confirmação de que o banco do Benfica está bem entregue», disse o avançado.

Garantir vitórias, ninguém o garante, mas Orlando Sá, numa entrevista onde imperou a boa disposição, lá deixou uma garantia: «O que eu tenho a certeza absoluta que vai haver é mais tranquilidade no banco de suplentes (risos), porque o mister Raúl José tem uma personalidade diferente do mister Jesus, mais calma e mais ponderada».

Com meio século de vida, Raúl José terá a sua aparição 'além-sombra' do habitual técnico encarnado. Homem diferente e mais moderado, como foi possível verificar, resta saber o que acharão os jogadores e os adeptos, habituados às grandes 'movimentações' de Jorge Jesus durante os 90 minutos. SC Braga será o primeiro teste.