Ganhar e arrasar. Eis duas palavras que assentam na perfeição à equipa dos Juvenis. O técnico campeão nacional, Renato Paiva, em entrevista ao programa Caixa Futebol Campus, da BTV, explicou a fórmula do sucesso.
Por onde é que se pode começar a falar desta época?
Quando se fala em futebol jovem, o mais importante é o crescimento e a evolução individual dos jogadores, que neste caso foram muito grandes e que depois foram postos ao serviço do coletivo, acabando este por crescer também. É sempre importante ganhar, o Benfica exige-nos isso mesmo, tal a sua história. Mas temos de perceber o contexto onde estamos e perceber as nossas prioridades. Sendo treinador de formação, ganhar sem evolução não me parece bom, e nesse aspeto, mais uma vez, esta geração é um exemplo. Foram aproveitando o trabalho fantástico realizado por outros treinadores, em escalões mais abaixo, que aproveitou a grande qualidade existente. Acima de tudo, esta geração tem-nos habituado ao longo de todas as épocas a estes momentos fantásticos, tanto de qualidade de jogo como individual. Tudo isso é sinal de um grupo extraordinário. Da época fico com isto, sublinhado com o título, pois é o resultado de um trabalho de formação fantástico.
Se olharmos para o primeiro dia e para último, é aí que é mais fácil ver a evolução deste grupo de trabalho?
Claramente que sim. A maior parte desta equipa vem de um campeonato distrital, prova que é importante e onde jogam com jogadores mais velhos, em campos muito difíceis, que lhes colocam problemas a que eles não estão habituados. Dificuldades como a falta de espaço, que lhes exige que eles exponenciem os seus recursos técnicos ao máximo. É uma competição diferente mas que faz com que cheguem a um campeonato nacional com outro tipo de preparação. Naturalmente, se olharmos do primeiro dia para o último, o crescimento é muito grande. E tem sido assim ao longo das épocas, um grupo que sabe e gosta muito de aprender. Isto para a equipa técnica é excelente, pois todos nós podemos querer muito ensinar, mas, se o jogador não quiser aprender, a evolução estará, claramente, estagnada. E eles têm esta capacidade de perceber, não se assustam com coisas novas, com propostas mais ousadas, têm muita coragem. Como digo, a grande chave disto é eles quererem aprender. Cada treino para eles é desafiante, querem sempre mais. Com enorme respeito por todas as gerações que já treinei, esta foi aquela que dentro do campo melhor pôs em prática as nossas ideias e que mais se aproximou da perfeição.
Renato Paiva
“A grande chave disto é eles quererem aprender. Cada treino para eles é desafiante, querem sempre mais”
Qual o segredo para o sucesso desta geração?
Enquanto treinador principal e adjunto, já estive em praticamente todos os escalões da formação. Claramente que esta é a idade mais complicada. Encontramos muitas vezes um perfil de adolescente que muitas vezes pensa que sabe tudo, mas não sabe, que faz alguma contestação, principalmente às coisas de que eles não gostam. Logo, nesse aspeto, para mim, é a idade mais difícil de todas. Contudo, a primeira palavra quando nós falamos em geração de ouro é para a capacidade que o Clube teve para recrutar este grupo de jogadores, pois o grupo de 2001 é muito forte, muito completo e tem muitos bons jogadores. Para dar o exemplo, cada vez que mexíamos na equipa durante os jogos, ou a equipa não se ressentia, ou então melhorava. Isto só demonstra a rotação que fizemos durante a época, onde os tempos de utilização na 1.ª e na 2.ª fase foram quase equivalentes. Na minha opinião, é assim que tem de ser. Na 3.ª fase fechámos um pouco mais, mas, mesmo dentro dessa fase, nunca repetimos um onze nos dez jogos da mesma. Tudo isto deu para aproveitar a muita qualidade e transformar esta geração mais homogénea, compacta, polivalente e multifacetada. Daí uma palavra de agradecimento para os observadores que andam no terreno, prospetores e gabinete de scouting, pois têm um papel fundamental, porque só podemos trabalhar com os jogadores que aqui chegam, e esse trabalho é feito por estes homens. Principalmente, porque o trabalho de recrutamento num país tão pequeno como o nosso é muito complicado, pois é sempre disputado por mais três equipas.
Foi a dureza de uma época de muito trabalho. Mas certamente que há um gosto muito especial em alcançar o título…
Antes de mais, uma palavra para o FC Porto, para a sua equipa técnica e os seus jogadores, pois conseguiram de uma geração que não se apurou, em Iniciados, para a fase final, uma aproximação notável em relação àquilo que é a nossa geração. Disputar um título frente a uma equipa como a nossa até à última jornada, com apenas duas derrotas contra o Benfica, demonstra capacidade que valorizou bastante a nossa vitória. Quanto mais difícil, melhor. Tendo em conta o que sucedera na temporada passada, em que tínhamos a melhor qualidade de jogo e perdemos o campeonato no Seixal, frente ao Sporting, onde fomos muito melhores, por detalhes, tinha receio de que voltasse a acontecer o mesmo. Numa final, tudo pode acontecer, pois há um opositor que trabalha o mesmo que nós e que quer o mesmo que nós. Mas, obviamente, era um receio controlado, pois havia a base da confiança e trabalho desenvolvido ao longo da época. Acima de tudo, não foi só ganhar mas, sim, a forma como ganhámos. A exemplo disso, os miúdos mostraram-me um site que existe só para os melhores golos, e aparece lá um nosso, no Catar, ao lado os melhores golos dos Seniores do Barcelona e do Real Madrid. Naturalmente que isso para nós é elogioso, e portanto deixámos também essa marca, não foi só ganhar mas, sim, como ganhámos. Nesse aspeto, fomos inequívocos, e a resposta final foi nesta linha, onde não demos hipóteses ao FC Porto, os números são pesados, mas são o que são e vão em função de tudo aquilo que trabalho. É um jogo que me deixa a imagem de uma equipa que quis desde o primeiro minuto começar a ganhar e que, à medida que ia marcando golos, queria marcar mais e não deixar o adversário jogar.
“Com enorme respeito por todas as gerações que já treinei, esta foi aquela que dentro do campo melhor pôs em prática as nossas ideias e que mais se aproximou da perfeição”
Foi um Campeonato muito grande, com mais paragens, mas mesmo assim foi até ao último dia. Foi um sentimento incrível?
De facto, é incrível e, como dizia o capitão, o Penetra, muitas das vezes tivemos 11/12 jogadores a treinar, com muitos presentes na seleção. Depois há que ter o trabalho de juntar uma família que se dividiu, mas que é sempre uma família e que tem sempre de se juntar mas que precisa do seu timing. E porquê? Porque a realidade que eles encontram na Federação é diferente, logo há aqui um período em que é preciso trazê-los de novo às nossas ideias. Até posso revelar uma coisa. Durante esta fase final, não fizemos uma única sessão de auditório para observar os adversários. E isto nada tem que ver com menosprezar o adversário mas, sim, vincar a ideia de que será com a nossa identidade que teremos de ganhar e ter sucesso, ou não. E não tem lógica que ao fim de 150 treinos, antes da fase final, em que treinas a tua forma de jogar, não é em 40 treinos, na 3.ª fase, que se muda a ideia de jogo. Mas, claro, há sempre atenção a um ou outro detalhe do adversário. Este foi o nosso grande segredo, o respeitar da nossa identidade.
O trabalho psicológico faz diferença no dia a dia dos jogadores?
Completamente, e explico o porquê. Tivemos sempre o dr. Carlos Fernandes connosco, treino após treino, onde quando sentimos alguma decalagem naquilo que era a normalidade, rapidamente entrávamos em ação. Com estratégias individuais e colectivas numa questão de identificação de grupo. Numa relação seleção nacional-Benfica, aqueles que pensavam que poderiam estar no Europeu e que depois acabou por não se concretizar, daqueles que umas vezes estão e depois deixam de estar. Se descuramos isto, há jogadores que podem entrar num ciclo de depressão. O jogo começa na cabeça, e o corpo só faz aquilo que a cabeça manda. O nível cerebral é muito importante, e sem essa predisposição é muito difícil. Isto parte muito de um aspeto fundamental: a equipa técnica. As pessoas que trabalharam comigo neste ano são de uma competência, de uma sensibilidade e de uma capacidade profissional e ambição fantástica. E digo isto de todas as áreas, pois não há nenhum treinador que tenha sucesso sozinho, é tudo um trabalho de equipa. E agradeço-lhes eternamente.
“É muito complicado arranjar um adjetivo para descrever o que é ganhar pelo Benfica. Sente-se, mas não se consegue descrever”
A época 2017/18 fica guardada em que categoria da sua memória?
Já estive em Sub-14 e Sub-16 em campeonatos distritais, e este é o sexto ano no campeonato nacional de Juvenis. Como digo, todas as gerações nos marcam. Há sempre o primeiro título, e ganhar por este clube não é só ganhar. É muito complicado arranjar um adjetivo para descrever o que é ganhar pelo Benfica. Sente-se, mas não se consegue descrever. Não retirando nada às gerações anteriores, sem dúvida nenhuma, por uma junção de fatores técnicos, táticos e psicólogos, ou até mesmo por termos sido capazes de passar melhor a mensagem do que no passado, pois o problema não está sempre no lado da lá, muitas vezes está do nosso lado também, fico com ideia de que foi a geração que mais se aproximou do ideal que pensamos ser um jogo à Benfica, e é para isso que trabalhamos, tal como para a evolução deles, e só assim é que as coisas fazem sentido. Deram esse particular orgulho, gozo e prazer, de ver a aproximação que uma equipa de meninos de 16 anos fez a um jogo à Benfica.
https://www.slbenfica.pt/pt-pt/agora/noticias/2018-2019/07/11/renato-paiva-benfica-entrevista-balanco-2017-18-juvenis
Texto: João André Silva