Se fosse um jogo de futebol, a isenção de taxas urbanísticas, requerida pelo Benfica para construções anexas ao Estádio da Luz, estaria a ser uma partida bem animada. Muito falada fora do relvado (e neste caso também dentro), com acusações ao critério do árbitro, lances duvidosos... e até a entrada no terreno de jogadores fora da convocatória.
Foi Bruno de Carvalho quem irrompeu pelo desafio, disputado cada vez mais muito além dos limites dos Paços do Concelho, onde está a Câmara, e do antigo Cinema Roma, sede da Assembleia Municipal.
Com uma carta enviada ao vice-presidente da autarquia, Fernando Medina, a reclamar €40,6 milhões de "apoios em falta", o presidente do Sporting veio colocar no centro do campo o tratamento da CML aos principais clubes da cidade.
Na missiva (revelada na quinta-feira pelo Expresso), o Sporting considera-se "fortemente prejudicado" face ao Benfica. São as contas dos leões, que comparam os vários tipos de auxílio da Câmara aos dois clubes desde 1990. O Expresso pediu à Câmara de Lisboa um comentário sobre os números divulgados pelo líder leonino, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
Contudo, na questão em cima da mesa - a isenção de taxas -, o Sporting nem tem razões de queixa. E o Benfica, que num primeiro momento recusou reagir às críticas de Bruno de Carvalho, tem na manga uma carta que mais tarde ou mais cedo será esgrimida. É esta uma das razões que explica uma certa "contenção" dos encarnados até ao momento, garantem fontes conhecedoras do processo.
Com efeito, nas condições acordadas com o município (em protocolos separados, mas ambos de concretização lenta, atravessando vários mandatos autárquicos e objeto de sucessivas revisões e alterações), os leões beneficiam de condições mais generosas do que as águias.
Um funil no início e no fim
Numa deliberação da Câmara de 2007 (já aprovada com António Costa na presidência e tendo Manuel Salgado como vereador do Urbanismo) em que foi dada luz verde ao loteamento do Sporting (junto ao Estádio de Alvalade), o executivo municipal deu seguimento a um protocolo ratificado em 2003.
Ficou estabelecido que "as taxas ou compensações alternativas aplicáveis nas operações de licenciamento de urbanização promovidas pelo SCP, ou por sociedades por si participadas, consideram-se compensadas em função dos serviços prestados pelo SCP enquanto instituição de utilidade pública".
Segundo o protocolo entre a Câmara e o Benfica - invocado pelo Benfica Estádio SA (formalmente, o requerente) para solicitar a isenção -, o clube liderado por Luís Filipe Vieira tem menos margem de manobra.
O município reconhece que as "construções a promover pelo SLB não ficarão sujeitas ao pagamento à CML de quaisquer compensações, encargos ou licenças (...) desde que a decisão seja aceite pelos órgãos autárquicos competentes".
Parece a mesma coisa, mas há duas restrições (que não existem no caso do Sporting) aos pedidos do Benfica. Por um lado, explicita-se que a isenção só se aplica quando o requerente é o clube. Por outro, a benesse terá de ser votada pelo "órgão autárquico competente" (a Assembleia Municipal).
"Há, de facto, um tratamento diferenciado", afirma Sérgio Azevedo, líder da bancada municipal do PSD. Já Rui Paulo Figueiredo, que chefia os deputados socialistas na Assembleia Municipal, desvaloriza, pois nos serviços da autarquia há o "entendimento de que aquele direito se aplica ao universo das empresas" associadas a cada emblema e não unicamente ao clube. Uma leitura contestada por Sérgio Azevedo. "O Benfica cometeu um erro formal no pedido: não devia ter sido o Benfica Estádio SA a solicitar a isenção, mas o clube."
O peso do regulamento
Se aquela é uma questão processual, e pode ser revertida com um novo pedido, já a substância do assunto torna mais difícil a aprovação do pedido encarnado, diz Azevedo. Percebendo a posição do Benfica ("escuda-se no protocolo", sublinha), o líder da bancada do PSD afirma que a chave da questão é outra.
O atual regulamento de taxas, datado de 2012, "não se coaduna com o protocolo. É bastante claro: apenas as instituições de utilidade pública (o que não é o caso da Benfica Estádio SA) é que têm direito à isenção, e apenas a 50% (e não é para todas as taxas)", diz Azevedo. "Não vejo grande margem para aprovação deste pedido do Benfica a 100% nem que haja qualquer possibilidade legal de o fazer."
Se fosse um campeonato de futebol, as taxas do Benfica estariam com um resultado final incerto. Apesar de já ter havido partidas muito renhidas (nesta semana, por divergências quanto ao cálculo das taxas, o vereador Manuel Salgado acusou a presidente da Assembleia Municipal, Helena Roseta, de ter proferido uma "afirmação falsa" e de ter um "raciocínio pouco atento"), os jogos mais escaldantes ainda estão por realizar.
Na melhor das hipóteses, a Assembleia Municipal tomará uma decisão a 24 ou a 31 de março. Até lá, as coisas que já estavam ao rubro estarão agora ao verde-rubro.
QUESTÕES EM ABERTO
QUAL O VALOR DAS TAXAS?
Não é pergunta para um milhão de euros. É mais do que isso (1,8 milhões, Salgado), bastante mais (4,6 milhões, Roseta) ou coisa nenhuma (Benfica). Ou até outro valor, pois "houve enganos nos cálculos" (Rui Paulo Figueiredo). Votar uma isenção sem calcular previamente o valor é apenas um pormenor.
O QUE DITA O CÁLCULO?
Basicamente, saber se prevalece o protocolo que o Benfica invoca ou o regulamento de taxas (posterior, de 2012). Há outros fatores (por exemplo, um espaço comercial anexo ao estádio também está isento?), mas de menor peso.
HÁ DADOS POR CONHECER?
Estranhamento, sim. Além de mais informações da Câmara e do Benfica, aguarda-se um parecer jurídico, de um sector exterior ao Urbanismo.