Um grande SENHOR

Submetida por ednilson em
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José Antonio Camacho incendiou a ponte de euforia vermelha. Carlos Móia emocionou-se com o seu sacrifício: deitara-se às quatro da manhã e às oito e meia já estava à porta da residência de Jorge Sampaio. Mas o Presidente da República não foi com ele... Uma ponte para o deslumbramento. Que Jacinto Lucas Pires, um dos mais notáveis escritores portugueses da nova vaga, pôs assim em visão poética: «O que me vem de imediato à ideia é que se trata de uma corrida que de Mini ou de Meia tem muito pouco. Pelo contrário, o que vejo é uma grande cidade inteira a correr. Mulheres e homens, novos e velhos, pobres e ricos, de todas as cores, num imenso gesto, numa imensa estrada que lhes dá, que lhes vai dando, um sentido. Milhares de caras, todas as diferenças, numa corrida que une as margens, numa corrida que é uma ponte.» Há treze anos eram três mil – a serpente cresceu, 10 mil, 15 mil, 20 mil, 25 mil, 30 mil e ontem a manhã mágica de Lisboa fez-se de 35 mil corredores mais de alma que pulmão, faltava um, três deles deixaram Carlos Móia emocionado: «Pena, claro, o Dr. Jorge Sampaio não poder estar uma vez mais, a cimeira das Lajes desviou-lhe as pernas da ponte, mas não tenho dúvidas de que o seu espírito estava lá, estava com aquela mole fantástica que cada vez mais transforma a Meia Maratona de Lisboa num dos mais empolgantes acontecimentos desportivos e sociais de Portugal. É impressionante ver como 35 mil atletas põem Lisboa a mexer, a mexer-se – e foi comovente ver que dois deles, José Antonio Camacho e Pepe Carcelén, se deitaram às quatro da amanhã e às oito e picos já estavam à porta da residência do senhor Presidente da República. De Luís Filipe Vieira nem falo – para não ser mal interpretado, mas Camacho e Pepe simbolizaram bem o que esta prova é: alma, uma alma sem fim, muito mais do que uma corrida, um estado de espírito, uma festa...» Camacho... Real com bênção de frade Ouvia-se a marcha nupcial ao longe, dois atletas casando-se, mal Camacho pôs pé na ponte – vulto saltou da turba que já se acotovelara na berma, gritou: «Camacho! Soy de Madrid, Camacho! Camacho! Camacho!». O treinador do Benfica esboçou sorriso fechado – como fechados são quase sempre os seus sorrisos. E assim continuou. Passo a passo, um autógrafo, dois, três, dez. E sempre a mesma súplica repetida: «Por favor não deixe o Benfica, mesmo que o Benfica não vá à Liga dos Campeões. Mas vamos!» Oferta de autocolantes contra a guerra. Camacho guardou o seu no bolso. Vieira colocou-o à lapela. «Obrigado senhor Camacho por pôr outra vez o Benfica a sonhar. Foi pena aquele tropeção com o F. C. Porto!» Mais uma foto, duas, três – e numa delas fã com a camisola 10 do Real, de Figo, claro. E corredor vestido de frade em trejeitos de abençoá-lo, com a mão posta sobre a sua cabeça. «Abencoá-lo a si senhor Camacho e à dona Aurora Cunha, e à dona Manuela Machado e à dona Carla Sacramento». Todas elas estavam ali, rostos da fama na multidão. E José Sócrates, Arons de Carvalho, Margarida Prieto e... e... E Pedro Santana Lopes deu o tiro e Carla Sacramento viveu banho de multidão repetindo vezes sem conta a quem lhe perguntava porque estava ali assim: «Importante é estarmos todos aqui, importante é esta festa, esta ponte de amor e suor, em que somos todos iguais, em que somos todos campeões.» E Paulo Guerra andava lá mais para trás – com a camisola azul do Stress, antes revelara que está em repouso total por causa de uma mononucleose (virose também chamada Doença do Beijinho), não imagina como a apanhou, ficou, enfim a saber porque andara desde Outubro com complicações no fígado, porque, querendo correr, as pernas pareciam de chumbo. E em passo estugado com as botas e tudo, batalhão dos comandos passou como bala por Camacho, Filipe Vieira ficara para trás. Joelho a enlouquecer No cronómetro 49.52 minutos. Camacho bateu Carcelén ao sprint. «Cansado? Um pouco, claro. Há muito tempo que não corria tanto e a partir dos 50 minutos o joelho fica louco. Agora não está a doer, mas logo à tarde, uii, nem quero imaginar.» Mostrou a cicatriz longa que se lhe escalavrou na perna esquerda. «Há muito tempo que não corria tanto, o presidente pediu-me que viesse, vim, sei que é para ajudar uma instituição de solidariedade, é bom. Não, em Espanha nunca fiz coisa assim, lá não sei deste hábito. Gostei, gostei da corrida, mas o mais importante foi entrar nesta festa, muito bonito, muito, muito. Se ser treinador do Benfica é mais difícil do que correr sete quilómetros e meio?! Ah!, sim, sim, pode crer, claro...»