Jorge Jesus: O último a rir

Submetida por Theroux em
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Esteve à beira de sair e, se dependesse dos adeptos e de parte da direcção, teria levado o empurrão final. Luís Filipe Vieira segurou-o e resta agora saber até onde irá o reinado de Jorge Jesus no Benfica. Perto de se tornar o terceiro técnico com maior longevidade nos 'grandes', contou ao SOL que passou o dia a seguir à festa do título a estudar a Juventus e a responder a «mais de 360 sms».

«Comigo vão jogar o dobro». Ao chegar à Luz, em 2009, Jorge Jesus não se ficou por meias palavras. É raro ficar. No seu estilo desabrido, assegurou que os jogadores que se preparava para liderar no Benfica lhe davam garantias de sucesso e o impacto da mensagem trespassou para o balneário: aquela primeira época no clube marcou um antes e um depois no futebol encarnado do século XXI.

A fasquia subiu a um nível a que os adeptos já não estavam habituados. O passado recente de desaires depressa se tornou memória longínqua, enquanto a exigência de vitórias sobre vitórias conquistava fileiras nas bancadas. Só foi possível sobreviver a três épocas a ver o FC Porto campeão com o suporte de três ideias-chave: o futebol de ataque que a equipa nunca deixou de praticar, embora com altos e baixos na eficácia e na nota artística; a valorização de jogadores como não se via desde os tempos de Valdo, Ricardo Gomes e Rui Costa; e o apoio incondicional de Luís Filipe Vieira no final da época passada, quando a contestação atingiu o auge após a perda do Campeonato, da Liga Europa e da Taça de Portugal.

Jorge Jesus tem noção exacta de que a guilhotina só não caiu sobre a sua condição de treinador do Benfica por intervenção do presidente. Depois do triplo fracasso com o FC Porto (campeonato), o Chelsea (Liga Europa) e o Vitória de Guimarães (Taça de Portugal), Vieira não cedeu à pressão da massa adepta - e de vários elementos da direcção - e propôs-lhe a renovação de contrato por mais duas épocas. Não se estranham as palavras do técnico na hora de festejar o segundo título nacional pelo Benfica, no último domingo: «Agradeço ao presidente, que acreditou em mim. Não só este ano, mas desde que cheguei».

O segundo treinador português a conquistar dois títulos de campeão na Luz (o primeiro foi Toni) saboreou este troféu como um adepto eufórico. De boné na cabeça, enrolado numa bandeira e com um cachecol amarrado ao punho, passou tão bem por um deles que, ao chegar com os jogadores ao Marquês de Pombal, um polícia tentou interceptá-lo. O agente da autoridade terá julgado estar perante um intruso acabado de furar a barreira de segurança. Ilusão: era a autoridade máxima do balneário a extravasar emoções. Há um ano caíra de joelhos no Estádio do Dragão, desolado por um campeonato perdido fora de horas para o rival. Dias mais tarde vira Óscar Cardozo desafiá-lo de peito aberto na final da Taça, aos olhos de toda a gente. E pelo meio a derrota com o Chelsea na Liga Europa. Agora era a sua vez de rir. A hora de soltar o grito da redenção.

«Os meus festejos foram públicos, foi o que as pessoas viram na TV», sublinhou Jesus ao SOL, adiantando que dali seguiu para casa e logo mudou o foco para o próximo compromisso: as meias-finais da Liga Europa. «No dia seguinte fiquei toda a manhã em casa a preparar já o jogo com a Juventus e a responder a mensagens. Respondi a todas as que recebi. Foram mais de 360 sms de todas as partes do mundo».

À tarde, deu treino pelas 16 horas. A festa tinha terminado e o «bicho-do-mato», como se descreve a si próprio, regressava ao seu habitat, longe de folias e virado quase em exclusivo para o futebol - uma das duas televisões que tem na sala só passa programas desportivos.

Com crédito renovado nas hostes encarnadas, a questão que se coloca agora é bem mais abrangente do que a eliminatória europeia que aí vem. O ponto é este: até quando poderá manter-se no Benfica? O tempo voa e o facto é que Jorge Jesus está a dias de completar cinco anos ao leme dos 'encarnados'. O que por si só é um acontecimento, não apenas no clube da Luz, mas na história dos 'grandes' do futebol português.

Se cumprir o ano que lhe falta de contrato, passará a ser o terceiro homem com maior longevidade à frente de um dos três principais clubes. Um caso sem paralelo nos últimos 65 anos no Sporting, no FC Porto e no próprio Benfica, onde também se apresta para se tornar o técnico com mais jogos realizados e mais vitórias alcançadas.

Mal inicie a próxima época, Jorge Jesus vai deixar para trás o húngaro Mihaly Siska, o brasileiro Otto Glória e o português Paulo Bento, que ao fim de cinco anos abandonaram o FC Porto, o Benfica e o Sporting, em diferentes períodos da história (ver infografia).

Com mais tempo de permanência num 'grande' vão apenas restar os magiares Janos Biri e Joseph Szabo, que se 'eternizaram' no cargo - o primeiro nas 'águias', o segundo nos 'leões' - durante as décadas de 30 e 40 do século passado.

Biri detém até hoje o recorde de jogos e vitórias de um treinador do Benfica, mas está em vias de ser duplamente ultrapassado por Jesus. Ao actual técnico, de 59 anos, faltam nove encontros e oito triunfos para passar para a frente nos dois registos, o que irá acontecer na próxima temporada se decidir continuar, como é mais provável.

Este segundo título em cinco anos coloca-o ao nível de Otto Glória nessa matéria, mas a principal marca de Jorge Jesus no Benfica é outra. Por muito que os adeptos o tenham tentado crucificar pelos falhanços nos momentos decisivos da época passada, o mérito do treinador natural da Amadora foi ter devolvido o clube aos grandes palcos. A frieza dos números assim o demonstra.

Com ele, as vitórias tornaram-se mais regulares, a equipa ganhou ambição e passou a bater-se em todas as frentes. Esteve numa final da Liga Europa, em duas meias-finais e uma vez nos 'quartos', além de ter atingido esta mesma fase na Liga dos Campeões, em 2011/12. Do 23.º lugar no ranking de clubes da UEFA, antes da sua chegada, o Benfica saltou para sexto, só atrás de Barcelona, Bayern Munique, Real Madrid, Chelsea e Manchester United.

O homem que não fuma nem bebe, a ponto de ter revelado numa reportagem do SOL em 2011 que não conhece sequer «o sabor do uísque», vive para o futebol e para o clube que representa. Antes de entrar na Luz, tirou um curso para aprender a lidar com jornalistas e os treinos que orienta são fruto do conceito de jogo que defende para a equipa. «Ao longo da minha carreira só dei os treinos que eu próprio criei», revelou nessa reportagem do SOL.

Não se tem dado mal. Com 187 triunfos em 264 partidas (70,8% de eficácia), Jorge Jesus é hoje o sexto técnico mais vitorioso da história do Benfica. Entre os que aguentaram pelo menos uma época no cargo, apenas o superam Lajos Czeizler, com 80,5% na sua única época ao serviço das 'águias' (1963/64), Jimmy Hagan (78,3% de 1970 a 1974), Fernando Riera (73,9%, 1962/63 e de 1966 a 68), Janos Biri (73,4% de 1939 a 1947) e Elek Schwartz (71,7% em 1964/65). A maioria beneficiou do contributo de Eusébio, Simões, Coluna, Torres, José Augusto e companhia, mas Béla Guttmann, outro dos nomes importantes da década da 60, aparece agora com pior registo do que Jesus. O mesmo sucede com outros históricos como Eriksson, Mortimore, Otto Glória ou Toni.

No confronto directo com os outros 'grandes', o Benfica ganhou outra dimensão nestes cinco anos. Em especial com o Sporting, que bateu uma dezena de vezes em 13 duelos, empatando duas e perdendo apenas uma. Com o FC Porto, o saldo mantém-se negativo, com sete triunfos contra oito derrotas. Mas nos cinco anos anteriores os 'encarnados' tinham apenas ganho dois clássicos em 10.

A era Jesus fica também marcada pela chegada de muitos jogadores à Luz - passaram mais de 80 pelo balneário neste período -, alguns através de investimentos avultados. Mas se é certo que Ola John, Bruno César, Roberto, Éder Luís, Airton e outros não vingaram, não é menos verdade que Fábio Coentrão, Di María, Ramires, David Luiz, Javi García, Witsel ou Matic proporcionaram encaixes financeiros antes impensáveis. É um trunfo a não menosprezar.

Agora junta-lhe outro: no dia de Páscoa, ironia do destino, Jesus deu o 33.º título de campeão ao Benfica. A ressurreição do seu crédito junto dos adeptos está consumada.

 

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