Existe um Eusébio para além do Benfica. Não é aquele Eusébio imortal, mas um Eusébio que quis continuar a jogar mais alguns anos de forma profissional apesar de já não ter a mesma capacidade de outros anos. Os joelhos atormentavam-no, impediam que fizesse aquelas arrancadas fantásticas ou marcasse os golos fulminantes. Mas Eusébio jogou mais cinco anos depois de ter deixado a Luz, em 1975.
Foram oito os clubes que representou nesse período. Viajou muito, conheceu a América e tentou arrecadar algum dinheiro, tirando partido da fama criada principalmente no final da década de 1960. Primeiro os Boston Minutemen, depois o Monterrey (no México), os Toronto Metros-Croatia (no Canadá), o Beira Mar, os Las Vegas Quicksilvers, o União de Tomar, os New Jersey Americans e finalmente os Bufallo Stallions.
Foram 100 jogos e 35 golos que passaram quase despercebidos e que no currículo pouca importância terão. Ao seu lado teve vários companheiros que não se cansam de o recordar neste momento de despedida. Entrámos na máquina do tempo e fomos visitar a época em que Eusébio não jogava no Benfica.
BOSTON MINUTEMEN
1975. Portugal vivia a euforia da revolução e Eusébio já tinha 33 anos. Após quinze épocas de águia ao peito estava na hora de dar lugar aos mais novos e partir para novas paragens. Em Boston uma vibrante comunidade portuguesa acreditava no crescimento do futebol nos Estados Unidos e ajudava a criar os Boston Minutemen, recrutando sobretudo jogadores europeus.
Com Eusébio viajaram para a costa Leste o seu amigo António Simões, mas também Jorge Calado e o ex-Sporting Carlos Manaca. Ali alinharam igualmente ingleses, alemães, holandeses e checos. A equipa era orientada pelo austríaco Hubert Vogelsinger.
Eusébio fez apenas oito jogos e marcou dois golos, mas um dos desafios foi contra o seu amigo Pelé, que também tinha acabado de chegar aos Estados Unidos para representar os New York Cosmos. Aconteceu em junho de 1975, enchendo o Nickerson Field da Universidade de Boston. Eusébio marcou o golo inicial na marcação de um livre e Pelé empatou, mas o lance foi anulado por falta e os adeptos invadiram o campo para abraçarem o astro brasileiro. Pelé foi retirado para o balneário e não voltaria ao terreno para ver Eusébio vencer nos penalties. Apesar de terem conquistado a sua divisão, os Minutemen ficaram sem dinheiro e tiveram de ver as suas estrelas partir.
Ainda assim, Eusébio continuou a ser recordado pela comunidade portuguesa em Boston e recentemente viu ser inaugurada uma réplica da sua estátua junto ao Gillette Stadium, em Foxboro, como foi referido pelos New England Revolution.
MONTERREY
A aventura seguinte foi no México, mais propriamente no Monterrey, um clube com grande historial, mas onde Eusébio cumpriu apenas dez jogos e marcou um golo. Quem o convenceu a assinar pelos rayados foi o seu amigo Fernando Riera, que já o tinha treinador no Benfica e em 75/76 orientava o Monterrey.
O clube mexicano não se esqueceu da passagem do «king» e dedicou-lhe um comunicado no dia da sua morte: «O Club de Futbol Monterrey une-se ao lamento que embarga o futebol nacional e internacional pelo falecimento de Eusébio da Silva Ferreira. O jogador português militou nos Rayados em 1975. Era um dos exponentes máximos do futebol mundial, depois de ter obtido a Bola de Ouro em 1965 e a Bota de Ouro em 1966 e 1973. Esperamos que a família e os seus entes queridos encontrem consolo ante esta irreparável perda».
TORONTO METROS-CROATIA
Depois do México, Eusébio viajou para Toronto, onde viria a ganhar mil dólares por jogo nos Metros-Croatia. O treinador Ivan Markovic começou por colocá-lo no banco de suplentes, mas rapidamente percebeu que tinha de o utilizar e Eusébio acabaria por cumprir 25 jogos e marcou 18 golos, um deles no Soccer Bowl de 1976, a final do campeonato americano de futebol. A sua equipa venceu os Minnesota Kicks e conquistou o troféu, naquele que continua a ser o momento mais alto da história do clube.
Em Toronto jogou ao lado do brasileiro Ivair Ferreira, glória da Portuguesa dos Desportos, conhecido como «o príncipe» (por alusão ao «rei» Pelé).
Em cima: Soares, Manuel José, Vitor Urbano, Eusébio, Guedes e Marques
Em baixo: Abel Miglietti, António Sousa, Manecas, Rodrigo e José Domingos
BEIRA MAR
Ainda durante o ano de 1976 acontece o regresso a Portugal para representar o Beira Mar. Jogou ao lado de Manuel José, Vítor Urbano, António Sousa, entre outros, num ano conturbado em que fez doze jogos e marcou apenas três golos, não conseguindo impedir que os aveirenses descessem de divisão. Fez um golo ao Sporting de Jimmy Hagan no velhinho Estádio Mário Duarte, no seu último jogo pelo Beira Mar (empate 1-1)
Sousa diz recordar «perfeitamente» o dia em que Eusébio chegou ao Beira-Mar: «Tinha eu 19 anos e ele 33, salvo erro. Era um miúdo. Nessa altura, como é normal, quando vimos entrar uma figura como Eusébio - que considero um monstro, pela positiva - naturalmente que ficamos desconfiados e a olhar uns para os outros».
«Aquilo que nos tocou fundo em relação à sua entrada - e apesar da sua idade e de ser quem é – é que eu era um miúdo de 19 anos e o Eusébio tratava-me por ‘você’. Mostra que, como homem e figura, a sua simplicidade fez dele aquilo que vai continuar a ser e perdurará para toda a vida», referiu, recordando o jogo com o Benfica também no Mário Duarte em janeiro de 1977. Com o empate a 2-2 surge um livre à entrada da área, mas o especialista em livres deixa a bola para Sousa:
«O árbitro assinalou um livre contra o Benfica e o Eusébio, que marcava todas as bolas paradas, virou as costas à bola e afastou-se. Disse-me para eu bater o livre, porque não conseguia marcar golos ao Benfica».
LAS VEGAS QUICKSILVERS
1977 foi um ano muito cheio, com os jogos no Beira Mar, uma curta visita aos Estados Unidos e o regresso a Portugal para representar o União de Tomar. Na América representa durante poucos meses os Las Vegas Quicksilvers, onde cumpriu 17 jogos e marcou dois golos. Era uma equipa sem qualquer ambição, onde alinhou ao lado do alemão Wolfgang Sühnholz (ex-Bayern Munique) e do inglês Trevor Hockey (ex-Aston Villa), tendo oportunidade de defrontar os seus amigos António Simões e Pelé.
UNIÃO DE TOMAR
Ainda durante o ano de 1977 o regresso a Portugal para jogar no União de Tomar, onde fez doze partidas e três golos. «Na altura, o presidente era o Fernando Mendes, um grande benfiquista. Convidou Eusébio e Simões para virem para Tomar, depois de terem jogado nos Estados Unidos, e Eusébio aceitou sem problema», recorda Faustino à agência Lusa.
O ex-jogador lembrou ainda um jogo, em Vieira de Leiria, onde Eusébio fez esquecer a sua idade: «Um colega tinha-se lesionado e ele ofereceu-se logo para jogar a trinco. Num campo ‘pelado’, chovia torrencialmente e Eusébio cortou lances no chão, como se fosse um rapazinho novo. Foi o responsável por termos empatado. Para mim, foi um dos melhores jogos dele».
Outra recordação que Faustino retém até hoje relaciona-se com o joelho de Eusébio. «Sempre que fazia
um esforço maior o joelho saía do sítio. Assim, quando entrava num lance dividido com algum colega todos lhe gritavam: olha o joelho Eusébio. E ele colocava-o novamente no sítio», contou, salientando que o Pantera Negra não era homem de se queixar.
O fim estava cada vez mais perto e Eusébio teria a oportunidade de representar mais duas equipas: os New Jersey Americans e os Buffalo Stallions. Nos Americans viria a jogar uma última vez ao lado de Simões, tendo cumprido nove jogos e marcado cinco golos.
A derradeira etapa surgiria em Buffalo, numa equipa de futebol de salão sem qualquer tipo de ambição e que serviu apenas para arrecadar mais algum dinheiro. «Nem acredito que vivi ao lado dele, que tantas vezes jantei com ele, que trocámos camisolas no balneário, que jogámos juntos», conta o ex-jogador brasileiro Carlos Metidieri ao Maisfutebol.
Mas, mais do que esses momentos vividos em Buffalo, onde Eusébio se mostrou «viciado em póquer», Carlos recorda um jogo nos anos 60 quando jogada no Toronto Italia e jogou contra o Benfica de Eusébio. «Nessa altura toda a gente queria ver o grande Eusébio, mas eu fiz o melhor jogo da minha carreira. Lembro-me que o jornal do dia seguinte dizia que todos tinham ido lá ver Eusébio, mas acabaram por ver Metidieri», recorda.
O argentino Francisco Estes também jogou ao lado de Eusébio nos Stallions e não se cansa de o elogiar: «Foi como jogar ao lado de Michael Jordan. Era um sonho concretizado estar ao seu lado no balneário, treinar com ele todos os dias».
Um outro colega, Tim Sinclair, recorda o profissionalismo do astro, que apesar de estar no fim da carreira nunca se cansou de trabalhar. «Era incrível como ele é que nos incentivava e nunca era negativo. Era um líder natural e dizia sempre que ninguém era mais importante do que a equipa», frisou.
Do esplendor de Wembley ao cinzentismo de um pavilhão de Buffalo, Eusébio sempre especial e recordado com saudade.