Benfica história I - 1904-1916 (Fundação do glorioso e primeiros titulos)

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Fundação do Clube (1904 - 1908)


Estávamos em Lisboa, no início do século XX. Em Belém, área aristocrática da cidade, reuniam-se frequentemente, para jogar futebol, vários rapazes de algumas das melhores famílias do bairro, quase todas vizinhas de um estabelecimento da Rua Direita - a Farmácia Franco. A este grupo, conhecido por "Catataus" - composto pelos irmãos Rosa Rodrigues e amigos -, foram-se juntando, depois do Verão de 1903, antigos alunos da Real Casa Pia, dos Jerónimos, que tinham formado a Associação do Bem e que procuravam continuar a praticar  futebol, desporto em que se iniciaram como alunos da instituição.

Após um jogo bem sucedido, entenderam, num almoço realizado no "Café do Gonçalves", que só com jogadores portugueses podiam fazer um bom clube de futebol. Seguiu-se um período em que se começou a pensar mais seriamente na criação de um novo clube. Escolheu-se o nome: Grupo Sport Lisboa; as cores do equipamento: vermelho e branco, por comunicarem alegria, colorido e simbolizarem a vivacidade da luta desportiva; o emblema: desenhado com base na águia, por ser uma ave altaneira, símbolo da elevação de propósitos e do espírito de iniciativa do Clube; Escolheu-se, também, a divisa: "E Pluribus Unum", como apologia da união e do espírito de família que caracterizou a criação do Clube.

No dia 28 de Fevereiro de 1904, na sequência de mais um treino, 24 jovens assumiram a formação de um novo clube, o Sport Lisboa. O acontecimento teve lugar durante uma reunião realizada na Farmácia Franco, no decorrer da qual foi constituída uma "Comissão Administrativa", presidida pelo mais velho dos Catataus - José Rosa Rodrigues -, ficando a sede e a secretaria instaladas provisoriamente no mesmo local. Manuel Gourlade, tesoureiro do clube, empregado na Farmácia e ligado ao grupo dos Catataus, torna-se um elemento influente na dinâmica do novo clube, quer intervindo na componente administrativa, quer na parte técnica - orientando a preparação dos jogadores e adquirindo material de futebol (bolas, apitos, regras de jogo, etc.).

Durante o ano de 1904, o Clube preocupa-se sobretudo com os treinos, tendo em mente formar uma grande equipa. Em Maio, consegue o arrendamento dum quarto na Travessa das Zebras, 29-A, em Belém, para instalar a sede. Emergiam, porém, alguns problemas - o Clube não tinha campo próprio, nem dirigentes para constituir uma estrutura organizada. Continuavam a ser os jogadores os responsáveis pela gestão do Sport Lisboa. Os primeiros jogos em 1905 mostravam que nascia um grande clube, alicerçado numa excelente equipa de futebol. Em Maio de 1906, criaram-se as secções de Pedestrianismo (atletismo) e Velocipedismo (ciclismo) - uma forma de os futebolistas poderem participar em provas de outras modalidades.

Em 11/06/1906, o Clube participa pela primeira vez numa prova de ciclismo, representado pelo futebolista Fortunato Levy. Em Setembro, são escolhidos 3 jogadores de futebol do Clube (Emílio de Carvalho, António Couto e Fortunato Levy) para ajudarem a formar um misto português, tendo em vista um desafio frente a um grupo de ingleses. Numa tentativa de melhorar a organização do clube, é eleito, em 22/11/1906, o primeiro Presidente da Direcção: Dr. Januário Barreto. Em Dezembro do mesmo ano, o Sport Lisboa participa pela primeira vez numa prova de atletismo, fazendo-se representar pelo capitão da equipa de futebol da 2ª categoria, Félix Bermudes. A 6 de Dezembro, o Sport Lisboa aluga um 1º andar na Travessa das Zebras, 10, onde instala a sede.

Em 10/02/1907,  no campo da Quinta Nova, em Carcavelos, o Sport Lisboa vence, por 2-1, os "mestres ingleses"  do Carcavelos Club, invencíveis havia 9 anos. Este resultado contribui para implantar o Clube no coração dos lisbonenses e atrai, nos jogos que se seguem, a presença crescente dos entusiastas do futebol. Em 05/04/1907, sempre com o mesmo espírito solidário, o Clube realiza o jantar de despedida do guarda-redes Manuel Mora (de partida para a Argentina) e do capitão Fortunato Levy (saía para para Cabo Verde). Em 21/04/1907, a 3ª e a 2ª categorias (onde jogavam Cosme Damião e Félix Bermudes) conquistam os dois primeiros troféus, nos Torneios Inter-Clubes das respectivas categorias.

Em Maio de 1907, 8 jogadores do clube mudam-se para o Sporting. A somar aos dois abandonos por motivos profissionais (Mora e Levy), gera-se no Clube uma situação de crise, que quase o leva à extinção, ficando reduzido a 30 sócios. Em Junho, Marcolino Bragança, jogador da 2ª categoria, lança a ideia de se fazerem subir os jogadores da 2ª à 1ª categoria. Cosme Damião revela a sua fibra de dirigente, orientando o movimento, conjuntamente com Félix Bermudes, que financia as primeiras despesas e cria várias iniciativas que possibilitam a manutenção do Sport Lisboa. Na época seguinte (1907/08), o Sport Lisboa fica em 3º lugar na Liga de Futebol. O Clube estava salvo. Durante essa época, iniciam-se os contactos com o Sport Club de Benfica, agremiação desportiva de que eram sócios alguns jogadores do Sport Lisboa.

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Os primeiros tempos (1908 - 1916)

Em  Lisboa, vivia-se um período de instabilidade política e social. Faziam-se sentir os efeitos do regicídio e os Republicanos ganhavam cada vez mais poder. O Sport Lisboa enfrentava, decidido, a sua maior crise desde a fundação, em 1904. Durante o Verão de 1908 intensificaram-se os contactos com uma agremiação desportiva de Benfica, clube vocacionado para o Ciclismo e Atletismo. Havia necessidade de dotar as excelentes equipas de futebol do Sport Lisboa de condições  para  poderem evoluir. Assim foi! Em 13/08/1908, o Sport Lisboa muda o nome para Sport Lisboa e Benfica, por sugestão de Félix Bermudes, após a absorção do Sport Clube de Benfica.

A sede é transferida para o Beco Visconde Sanches Baena e o campo de jogos passa a ser o da Quinta da Feiteira, em frente à Igreja de Benfica. O número de associados aumenta para 276. Os dirigentes são pessoas da elite de Benfica, com algum poder económico e social. A estrutura do Clube já nada tem a haver com a do Sport Lisboa. Agora, existe um verdadeiro grupo de dirigentes, uma Direcção, um Conselho Fiscal e uma Mesa da Assembleia Geral. João José Pires, presidente da direcção, é um entusiasta do desporto. O ecletismo sai reforçado - em 07/02/1909, Alfredo Camecelha e Costa Rosado registam as primeiras vitórias em atletismo.

O SLB, especialmente vocacionado para o futebol, mantém a estrutura futebolística do Sport Lisboa, assumindo-se como uma continuação deste (permanece a camisola vermelha, o calção branco, o emblema com base na águia, a divisa "E Pluribus Unum" e os jogadores de Belém). A acção desportiva do Clube continua a arrastar multidões. Em 14/02/1909, 5 000 espectadores assistem ao Benfica-Carcavellos, realizado na Quinta da Feiteira. Em 14/11/1909, por ocasião de novo jogo com os "ingleses", desta vez no seu reduto (Quinta Nova), é registada uma assistência de 8 000 pessoas.

Em 26/02/1909, são eleitos os orgãos sociais do SLB: Presidente da Direcção (João José Pires é reeleito); Presidente do Conselho Fiscal (Conde do Restelo, proprietário da Farmácia Franco e um dos sócios vindos de Belém); e Presidente da Mesa da Assembleia Geral (Dr. João Carlos Mascarenhas de Melo, que exerceu o cargo entre 15/09/1907 e 06/09/1931, após vencer 28 eleições consecutivas!). Em Maio de 1909, numa das primeiras reuniões da Direcção, Cosme Damião é nomeado para capitão-geral, passando a supervisionar todo o futebol do Clube.

O ano de 1910 implanta definitivamente o Benfica como uma potência do desporto em Portugal. A 23 de Janeiro, 8 000 pessoas assistem à vitória  por 1-0 sobre o Carcavelos Club, na Quinta da Feiteira. É a 2ª vitória sobre este clube, invencível desde a derrota frente ao Sport Lisboa, em 10/02/1907. No dia 1 de Fevereiro, o Benfica muda a sede para a Rua Direita de Benfica e, no dia 22 do mesmo mês, Alfredo Alexandre Luis da Silva é eleito Presidente da Direcção. Cosme Damião fica como Vice-Presidente e João José Pires passa para a Presidência do Conselho Fiscal. Em 12 de Junho, surge a primeira vitória em ciclismo, conquistada por Alberto Albuquerque. Em 19 de Junho, o Clube alcança a 1ª vitória no 1º troféu dos "Jogos Olímpicos Nacionais", ao vencer, por 2-1, o Sport União Belenense.

Em 31/07/1910, são expostos, pela 1ª vez, os troféus conquistados pelo Clube. O evento é integrado num almoço de confraternização, em homenagem à conquista dos 3 Campeonatos Regionais de Lisboa, em 1ª, 2ª e 3ªs categorias. Em 1913/14 e em 1915/16, o Benfica vence nas 4 categorias! - Feito único. Em 27/08/1910, 4 jogadores benfiquistas integram a Selecção de Lisboa que vai jogar a Huelva. Em 23/09/1910, o Benfica funda, com o Internacional e o Império, a Associação de Futebol de Lisboa (AFL). Em 1911, o Clube abandona a Quinta da Feiteira, passando, a partir de 1913, a jogar na Quinta Nova, em Sete Rios.

Em 1912, a popularidade crescente do futebol levou o Clube, por acção do Presidente Dr. Alberto Lima, a deslocar a sua sede para a Baixa, deixando uma sucursal em Benfica - os Desportos de Benfica. No plano desportivo, a equipa de futebol revelava jogadores de estirpe, casos de Artur José Pereira, Álvaro Gaspar, Herculano Santos, Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis. No atletismo, distinguiam-se Cabeça Ramos e Francisco Lázaro (este último falecido ao correr a maratona olímpica em 1912). No ciclismo, brilhava Alfredo Piedade.

O Clube, cheio de vitalidade, fundara já a 1ª filial, em Portalegre, no ano de 1911. Em 1913, introduz a ginástica. É, também, neste ano que inicia a publicação do 1º jornal dum clube desportivo, o "Sport de Lisboa". Ao comemorar o 10º aniversário (1914), o Benfica possui já 607 associados. É neste ano que é construído um tanque para a prática de natação. Em 1915, é inaugurado um "court" de Ténis, na Quinta Nova. Em 1916, o Clube efectua o primeiro jogo de Polo-Aquático e participa na primeira prova de Natação. Em 17/09/1916, após a absorção dos Desportos de Benfica, o Clube fica na posse de uma excelente sede, na Av. Gomes Pereira, e dum campo de futebol, na Quinta de Marrocos.


retirado do site oficial do SLB

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grandes homens , que com muito suor e dificuldades "construiram" este gigante.. :)

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Ocuparam a sede do partido de Franco quando mataram o Rei e lá nasceu o SL Benfica       


Por António Simões

O Sport Lisboa era de Belém e não tinha campo. Mirabolantes algumas histórias dos seus primeiros tempos – em que as balizas se montavam e desmontavam para treinos e jogos e as redes eram da pesca. Como o Sport Benfica tinha campo e sede de luxo, mas não tinha jogadores, fundiram-se. E o que era para ser o Sport Clube de Lisboa e Benfica acabou à última hora por ser... Sport Lisboa e Benfica.

Aurélio Paz dos Reis ganhou fama e fortuna como comerciante de flores que criava no jardim do seu palacete, no Porto. Era da maçonaria – e envolveu-se na revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891. Alargou o negócio à estereoscopia – a fotografia em relevo -, na sua loja de máquinas de escrever passou a vender igualmente películas da Lumière & Jougla.

De súbito, saltou-lhe, ousada, a ideia: comprar cinematógrafo aos irmãos Lumière. Largou, então, para Lyon – quando lá chegou os Lumière disseram-lhe que não vendiam a máquina por dinheiro nenhum, que fora promessa feita ao pai. Paz dos Reis, não desistiu – e acabou por descobrir em Paris o cronofotográfico que os irmãos Werner inventaram entretanto. Foi o que trouxe para o Porto, revolucionário.

Deu-lhe, pomposo, outro nome: kinetógrafo português. E a 12 de Novembro de 1896, apresentou no Teatro do Príncipe Real, vários «quadros de fotografias em movimento», um deles era sessão de Jogo do Pau em Santo Tirso. Levou a novidade a Braga – e ao Brasil. No Rio, o negócio falhou, pô-lo em stand by, retornou ao Porto, dedicou-se ao comércio de automóveis Minerva - e quando a monarquia caiu chegou a vereador da Câmara Municipal.

Algures por 1896, Manuel Maria da Costa Veiga conhecera em Lisboa Edwin Rousby. Chamavam-lhe O Electricista de Budapeste, uns diziam que era húngaro, outros que era americano. Viera a Portugal como agente de Robert Williams Paul, tentando vender a sua última invenção: o Paul-Acres Camera, «máquina de filmar cujas imagens eram passadas em peep-show, uma caixa fechada dentro da qual se via o filme através de um óculo».

Para melhor mostrarem a sua novidade, fizeram várias filmagens em Portugal, uma Tourada à Antiga Portuguesa no Campo Pequeno – e A Praia de Algés na Ocasião dos Banhos, nesse trecho de um minuto, como todos os demais, «as atracções foram a ginasta Amparo Aguilera e o actor Jaime Silva, artistas do Real Coliseu». O exibidor era, claro, Costa Veiga. Mas, ao saber que Paz dos Reis se tornara ele próprio «caçador de imagens», decidiu fazer o mesmo – e em 1899 comprou num leilão protótipo do «mecanismo de Paul». Implantara-se já como empresário do «mundo do espectáculo», conseguira financiamento para construir o Teatro Avenida, inaugurara o Éden Concerto – e abrira em Cascais a Esplanada D. Luís Filipe, onde exibia os filmes que Rousby e Paul lhe enviavam do estrangeiro. Fundou a Portugal Filmes em Algés – e a sua primeira produção foi Aspectos da Praia de Cascais: D. Carlos a banhos, o chique do veraneio, o glamour do Sporting Club na Parada...

Contudo, nada disso teve o impacto de uma outra coisa, que em 1904 empolgou uma certa Lisboa: o animatógrafo, assim se chamou às salas destinadas a projecções de cinema. O primeiro foi o Salão Ideal, lançado por João Freire Correia, dono de um estúdio de fotografia na Rua da Prata, em Lisboa - e que em 1910 assinaria o primeiro documentário verdadeiramente desportivo em português: A Corrida de Automóveis na Rampa da Pimenteira, fundara já a Portugália Films, associado a Manuel Cardoso Pereira. As primeira entradas para o Salão Ideal custavam seis vinténs – mas durante largo tempo «a moral e os bons costumes» marcaram o animatógrafo como «símbolo de escândalo, interdito às meninas de sociedade» porque a «obscuridade das salas» era «propícia à sedução e à intimidade».

Modéstia de Cosme Damião e prisão de Cruz Viegas

Foi nesse ano de 1904, a 28 de Fevereiro, que antigos alunos da Casa Pia e jogadores do Grupo dos Catataus se juntaram na sala de reuniões da Farmácia Franco para fundarem um novo clube. Primeira sugestão de nome: Grupo de Football Lisboa. José da Cruz Viegas, então aspirante do exército, que na I Guerra Mundial cairia, prisioneiro, nas masmorras dos alemães, contrariou-a com curioso argumento: «As iniciais dariam GFL, talvez aparecesse alguém a suor que se trataria da Guarda Fiscal de Lisboa».

Falou-se em Grupo Sport Lisbonense – e em Grupo Sport Lisboa se ficou, não muito depois já era simplesmente Sport Lisboa.

A Cosme Damião coube redigir a acta da fundação – mas por modéstia não escreveu nela o seu nome. Logo se acertou que presidente seria José Rosa Rodrigues, o mais velho dos irmãos Catataus; que o símbolo seria uma águia - «por significar elevação de propósitos, largo espírito de iniciativa e ânsia de subir o mais alto possível»; que a divisa seria Et Pluribus Unum como apologia de união na comunhão de sentimentos. As cores, escolheu-as Cruz Viegas: vermelho e branco por «traduzir alegria, colorido e vivacidade e ser fonte de entusiasmo».

Bola em segunda mão, 1500 réis...
Compraram-se camisolas de flanela na Alfaiataria Nunes e uma bola em segunda mão ao Cricket Club por 1500 réis. As redes eram umas que tinham sido usadas na pesca da corvina, na Trafaria – e para os jogos e treinos, que se faziam, ali mesmo em Belém, numa faixa de terreno junto da linha de comboios para Cascais, montavam-se e desmontavam-se as balizas, havia um carpinteiro que recebia 50 réis pelo trabalho. Para o banho usava-se a água de um poço, um moço retirava-a com um balde e despejava-a pela cabeça abaixo dos jogadores.

A 1 de Janeiro de 1905, fez-se o primeiro jogo «formal», contra o Campo de Ourique. Treinador foi Manuel Gourlade – e o SL venceu por 1-0. Nesse, como em vários outros jogos seus esteve apenas um polícia à guarda, pelo serviço lhe deram 500 réis – e o Sport Lisboa criou igualmente o hábito de oferecer lanches aos adversários, nos seus primeiros documentos de contabilidade há despesas de 4,5 litros de vinho por 540 réis e de 36 sanduíches por 1800 réis.

O truque da sede dos franquistas
A 19 de Maio de 1906, D. Carlos colocou ponto final ao rotativismo entre regeneradores e progressistas que vinha de 1893 – nomeando João Franco para primeiro-ministro. Ele prometeu governar, liberal, democrata, à inglesa – mas depressa passou a governar, autocrático, ditador, à turca.

Semanas depois, a 26 de Julho, fundou-se o Sport de Benfica, José Duarte foi o seu primeiro presidente. Três meses volvidos sucedeu-lhe Luís Carlos Faria Leal, major do exército – e em Maio de 1907, o SB por 40 mil réis ao ano, tomou posse de terreno da Quinta da Feiteira onde montou campo de futebol de 120 por 79 metros.

Passou tempo com o Benfica a brilhar em ciclismo e atletismo – e a 31 de Janeiro de 1908 Franco convenceu o rei a promulgar decreto que permitia a deportação dos presos políticos para as colónias de África ou para Timor. Ao assiná-lo, D. Carlos largou, premonitório, num murmúrio:
- Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o querem...

No dia seguinte, o rei e o príncipe real caíram às balas de dois carbonários. E ali mesmo, no olho da tragédia, ao avistar João Franco, Maria Pia, a velha rainha-mãe, praguejou, apontando para os cadáveres de D. Carlos e D. Luís Filipe estendidos no chão do Arsenal:
- A vossa obra, Senhor Presidente! Diziam que o senhor era o coveiro da monarquia. Foi pior. Foi o assassino de meu filho e de meu neto...

D. Manuel assumiu a coroa – e atirou João Franco para o exílio. Alguns dos membros do Centro Regenerador Liberal da Cruz da Pedra, o braço político franquista, que tinha a sua sede na Travessa de Sanches de Baena, eram também sócios do Sport Benfica - e Faria Leal contou não muito tempo volvido: «Porque os franquistas haviam abandonado, na retirada, armas e bagagens –numa simulada assembleia geral, aprovámos acta testamentária a considerar por herdeiro o Sport Benfica, que assim se viu pomposamente instalado, com uma sala de bilhar e um decente e moderno mobiliário...»

Tinha campo, tinha sede – só não tinha grandes jogadores de futebol. Cosme Damião, a alma do Sport Lisboa, também era um dos 129 sócios do Sport Clube de Benfica. E como o SL tinha jogadores, mas não tinha campo, lembrou-se de fundi-los.

António Freire Sobral apresentou em AG a proposta de junção e sugeriu o nome: Sport Club de Lisboa. Achou-se que ficaria melhor Sport Clube de Lisboa e Benfica – e a 13 de Setembro de 1908, ao oficializar-se a união, a designação que se acertou, à última hora, foi Sport Lisboa e Benfica.

720 réis por causa de um candeeiro
João José Pires, que a 28 de Junho fora eleito presidente do Sport Clube de Benfica, foi indicado primeiro presidente do Sport Lisboa e Benfica – após a fusão com o Sport Lisboa. Ao assumir o cargo teve de suportar dívidas que vinham de Belém: 157$500, sendo, por exemplo, 110 mil réis ao salão de jogos da Viúva Sena Cardoso e 47$500 a uma mercearia! Lá, no SL, criara-se, entretanto, outro costume: no final dos jogos, aos adversários ingleses, dava-se... uísque.

Pouco depois Cosme Damião, o capitão da equipa de futebol, pagou às Companhias Reunidas Gás e Electricidade 720 réis – por «prejuízos causados num candeeiro d´iluminação», uma bola que ele chutara violentamente, galgara a vedação do campo e partira globo e lâmpada!

Como Lisboa se iluminava...
A ideia de iluminar as ruas de Lisboa foi do intendente da polícia Pina Manique, no reinado de D. Maria I. Os primeiros apareceram por volta de 1780 – eram lampiões de azeite, suspensos em consolas, davam uma luz ténue, fusca, apenas. Já no século XIX substituiu-se o azeite por óleo de purgueira ou de baleia, mais barato, mas muito mais mal cheiroso – e houve um tempo em que também se tentou por petróleo.

Em 1848 havia em Lisboa 2168 candeeiros a óleo – e a Companhia Lisbonense espalhou pela cidade os «vaga-lumes» - que se acendidam manualmente. No ano seguinte eram já 402 os candeeiros a gás. Trinta anos depois, D. Luís ofereceu à Câmara Municipal seis candeeiros de lâmpadas de arco tipo Jablochkoff, que tinham sido usados na Cidadela de Cascais, por ocasião das festas de aniversário de D. Carlos. Eram iguais aos que, quatro meses antes se usaram para iluminar a praça do Teatro da Ópera em Paris – e foram instalados na rua dos Mártires, no Chiado, no Largo das Duas Igrejas e na varanda do Hotel Gibraltar.

As «velas Jablochkoff» eram de carbono – e não duravam mais de hora e meia. Por isso, para mantê-las acesas precisava-se de servente de escadote, sempre pronto, sempre alerta – que no fim da combustão de cada uma a substituísse.

João Rodrigues Ribeiro era padre, reitor do Liceu de Santarém – e «hábil mecânico». Celebrava missa com um cálice que ele próprio fabricara – e imaginou o «comutador automático» - que resolvia, de facto, a baixo custo e com grande simplicidade o problema da iluminação eléctrica de Jablochkoff. Em 1879, publicou o seu plano de «comutação de velas» no Jornal das Ciências Matemáticas, Físicas e Naturais – mas apesar das suas qualidades não registou a patente, nunca se levou à prática a sua invenção. E por entre a discussão sobre o seu alto custo e o seu «eventual perigo para a saúde», os seis candeeiros que iluminaram a esplanada da Cidadela de Cascais e foram motivo de pasmo na cidade afundaram-se assim na penumbra da história.

Em 1887 a Câmara Municipal celebrou com uma empresa belga contrato para fornecimento de gás à cidade – e colocou-lhe como condição que iluminasse a Avenida da Liberdade e os Restauradores. Utilizou-se o sistema de manga incandescente – e dois anos depois, inauguraram-se os primeiros 38 candeeiros eléctricos na Avenida da Liberdade.

Em 1902 estava já generalizada a iluminação das ruas, durante a I Guerra muitos deles apagavam-se para que se poupasse em energia - e apenas em 1965 deixou de funcionar o último candeeiro a gás na cidade, no Campo de Santana...   

  19:20 - 12-04-2010   



Fonte http://www.abola.pt/nnh/ver.aspx?id=201044

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Estava a nascer a AF Lisboa quando alguém entrou na sala a gritar: «estalou a revolução republicana!»        Por António Simões

A história da Associação de Futebol de Lisboa cruzou-se, impressionante, com a história da revolução que desfez a monarquia. Esta é uma viagem pelos seus segredos, pelas suas peripécias: como se fez o 5 de Outubro, como a AFL perdeu o Visconde de Alvalade e acabou por se instalar num palácio que fora o símbolo do glamour em Lisboa e muito, muito mais...

A 31 de Agosto de 1908, clubes de Lisboa reuniram-se para lançar a Liga Portuguesa de Futebol. Os estatutos saíram da pena de José de Castelo Branco, jogador do CIF – e num dos seus artigos determinava-se que cada um dos seus membros teria de pagar quota de 10 mil réis. António Azevedo Meireles foi quem primeiro se indicou para presidente – mas pouco depois Januário Barreto entrou em sua substituição. O seu principal desígnio era lançar um Campeonato de Portugal – não passaria de desejo apenas, ficou-se pela organização de mais uma edição do Campeonato de Lisboa. Que os ingleses do Carcavelos FC venceram de novo.

No final da época de 1909-1910, CIF e Sporting abandonaram a Liga, a sua direcção demitiu-se – e logo depois, a 23 de Junho de 1910, Januário Barreto morreu. A gerência ficou entregue a comissão administrativa que integrava Pedro del Negro, Cosme Damião e José Neto – e marcou-se AG na sede do Real Ginásio Clube Português para se decidir o seu futuro. A maioria inclinou-se para a dissolução, havendo quem alvitrasse que os haveres da Liga deveriam ser convertidos em dinheiro para ser entregue a uma instituição de beneficência. Pedro del Negro recusou, constituir-se fiel depositário do património, que arrolou e encerrou num cofre-forte da Casa Fonseca, Santos & Viana, empresa onde trabalhava.

80 mil réis para quê?
Com base nesses 80 mil réis em dinheiro, quatro taças de prata e um estojo («três das quais em poder do Sport Lisboa e Benfica e uma em poder do Liceu da Lapa»), um relógio de parede, 10 camisolas de flanela azul e branca (o equipamento da Liga), 35 toalhas, oito exemplares da Referees Chart e um exemplar do regulamento da Féreration Internationale - comissão formada por Félix Bermudes, Carlos Vilar e Luís Raul Nunes propôs que em lugar da LPF se fundasse a Associação de Futebol de Lisboa - a 23 de Setembro de 1910. E foi o que aconteceu.

Para 3 de Outubro, de novo no Real Ginásio Clube, marcou-se a assembleia de lançamento oficial da AFL. Estavam os trabalhos a ser abertos quando Ernesto Martins Cardoso entrou na sala e, esbaforido, lançou a notícia:
- Estalou a revolução republicana!

Por entre a precipitação do momento, derramou-se um frasco de tinta vermelha sobre a papelada da mesa e delegado desafecto da monarquia, que a acta não identificou, murmurou, premonitório:
- Essa mancha vermelha é sinal de que a marcha será imparável!
E suspenderam-se os trabalhos.

Dr. Bombarda morto a tiro
Por essa altura, pelo placard de O Século, no Rossio, passara já, chocante, a notícia: «O Dr. Miguel Bombarda foi alvejado a tiros de revólver por um louco que hoje o procurou em Rilhafoles, tendo recolhido ao Hospital de S. José em estado grave. O povo de Lisboa está convencido de que o assassínio foi obra dos clericais».

Dirigente e deputado republicano, impulsionador da Junta Liberal que encabeçara as campanhas anti-clericais que, sobretudo em 1909, agitaram Lisboa, sobretudo a manifestação com 100 mil participantes que à porta das Cortes exigiu o registo civil obrigatório e a expulsão das ordens religiosas - fora baleado no seu consultório por Aparício dos Santos, antigo aluno de jesuítas no colégio de Campolide, tenente do exército a quem Bombarda estava a tratar doença mental. Transportado de automóvel para o Hospital de S. José, à entrada para o bloco de operações mandou «queimar à vista uma carta que trazia na carteira» - houve quem dissesse que era a lista do futuro governo revolucionário... – e, depois, quando sentiu imparável o seu destino parece que largou em cicio ao Dr. Francisco Gentil:
- Não queria morrer já, isso seria dar um grande alegrão à canalha que me odeia...
Não resistiu à cirurgia, faleceu às 6 e 5 da tarde. Estoiraram, então, incidentes na Baixa, a populares juntaram-se marinheiros e soldados, perseguindo e agredindo alguns padres.

D. Manuel a jogar bridge
No Palácio de Belém, D. Manuel II oferecia ao Presidente do Brasil, Hermes da Fonseca, jantar de gala – e Batalha de Freitas, o chefe do protocolo, começou, de súbito, por ordem de Teixeira de Sousa, o primeiro-ministro, a suprimir pratos à ementa - «para que tudo acabasse mais depressa» e o rei regressasse, breve, às Necessidades escoltado pelo regimento de Lanceiros 2.

No 3.º andar do nº 106 da Rua da Esperança, no prédio da mãe de Inocêncio Camacho, fizera-se reunião presidida por António José de Almeida – e o almirante Cândido dos Reis insurgiu-se contra a ideia de adiamento da insurreição, que se alvitrara:
- É hoje! A Marinha terá muita honra em ser fuzilada nas ruas pelos senhores! A Revolução não será adiada, sigam-me, se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu dever, esse único serei eu...

Regressado do banquete de Belém, D. Manuel entreteve-se a jogar bridge com o Marquês do Lavradio e o Conde de Sabugosa. Eram 00.45 horas do dia quatro quando 30 civis armados, comandados por Machado Santos saíram do Centro Republicano de Santa Isabel, em Campo de Ourique, e entraram no quartel de Infantaria 16 aos gritos: Viva a República. Mataram o comandante do regimento, Pedro Celestino da Costa – dominaram o quartel e em coluna dirigiram-se para Artilharia 1, em Campolide. Arrombaram a porta – com intervenção pronta do ferrador Bento Vaz, assaltaram os paióis, apoderaram-se de armamento pesado. Estava lançada a revolução...

Cândido dos Reis, o Fluvial Portuense
- e o suicídio na noite da revolução...
Em 1875, David José de Pinho tinha um escaler a quatro remos chamado Tamisa – que batia todos os que se lhe opunham em regatas no Douro. Depois de uma dessas vitórias, juntou-se com amigos no Café de Santo Amaro, no Porto – e após o café decidiram fundar clube para remo e vela. Chamaram-lhe Fluvial Portuense. E a competição da Real Associação Naval, no Tejo, logo foi o Tamisa e... ganhou. D. Luís, que fora um dos fundadores da ANL, estivera lá, à borda da água, a ver, ficara encantado. À noite, havia festa num palácio – e o rei também foi. Apercebeu-se de que faltavam os rapazes do Porto, perguntou por eles, alguém, comprometido, lhe disse que fora esquecimento. D. Luís mandou buscá-los ao hotel, que se indignara com a desconsideração, bradou. Quando David de Pinho chegou ao banquete, o rei correu para ele, perguntou-lhe:
- Ficaria satisfeito se ao vosso clube fosse dado o título de Real sem pagamento dos direitos de mercê ao Estado?

Claro, o oferecimento foi aceite. Marcos Guedes tornou-se, entretanto, o grande dinamizador do Fluvial. O clube era de grande elite – e de grande disciplina militar. Dois dias antes das competições, todos os remadores eram obrigados a enclausurarem-se nas suas casas – «para não fazerem asneiras», estava no regulamento. Se não cumprissem – eram «fortemente castigados, expulsos até». E uma vez o suspenso foi Marcos Guedes porque se recusou a escrever antes de Fluvial a palavra Real com que embirrava, nunca o disfarçou. Fora ele que levara para o clube Cândido dos Reis, para seu associado, para seu praticante de regatas – muito antes de ter subido a almirante, quando era o comandante da Escola da Marinheiros do Porto...

«Para uma esquadra, não!»
Era ele, o almirante Reis – o chefe militar da rebelião de 5 de Outubro. Mas por vicissitudes várias não conseguiu entrar em nenhum dos dois vapores particulares que, no plano de revolta, deveriam levar oficiais da Marinha aos cruzadores fundeados no Tejo. Hipocondríaco, nele as crises de entusiasmo e depressão sucediam-se, ondulantes – e vendo-se em terra, mais abalado ficou ao escutar falso rumor de que Infantaria 16 saíra para a rua e estava a fuzilar o povo que fora assaltar o quartel. Dirigiu-se aos Banhos de S. Paulo, onde estavam escondidos os líderes políticos do PRP e exclamou, ao entrar:
- Já não há portugueses!

Interpelado por Afonso Costa, que o julgava a bordo dos navios sublevados, respondeu que tinha perdido a esperança no movimento. Abandonou o local no automóvel de Alfredo Leal, negociante de antiguidades, e a caminho da Rua da Estefânia, onde decidira refugiar-se, em casa das irmãs, apercebeu-se de movimentações da cavalaria da Guarda Municipal, mais se deprimiu:
– Estranho isto! Em vez de agitação revolucionária, só se vê polícias e tropas de prevenção. Não, para a uma esquadra, não! Ah! Isso, não!...

Leal deixou-o à porta do prédio – e não muitas horas depois, operário de uma obra que ia pegar ao trabalho, encontrou-o morto na Azinhaga das Freiras, em Arroios. Suicidara-se com um tiro. No fato descobriram-lhe uma bolsa de cabedal com 500 réis em prata e quatro níqueis de 100 réis e uma bolsa com uma nota de 5000 réis...


Rei fugiu em caixa de automóvel
embrulhado numa manta

Mesmo sem o comando do almirante Cândido dos Reis, os cruzadores S. Rafael e Adamastor amotinaram-se e içaram bandeiras vermelhas e verdes da Maçonaria. Às 11 horas do dia 4 de Outubro, tomaram posição frente a Alcântara – e dispararam quarenta granadas sobre o palácio do rei. Uma atingiu a cornija da capela das Necessidades, outra conseguiu cortar o mastro onde estava hasteado o pavilhão real – e todas deixaram D. Manuel em pânico. Correu para o oratório suplicando ajuda divina. Pediu que telefonassem ao presidente do Conselho, o aparelho funcionava mal, percebeu que Teixeira de Sousa insistia na ideia de abandonar o palácio, hesitou:
- E não dirão que desertei?!....

Duas horas depois D. Manuel enfiou-se num automóvel que lhe foram alugar, secretamente, a uma «garage particular» - e fugiu pelas traseiras, a caminho de Mafra, «embrulhado numa manta, na caixa, escondido». Não muito longe, o carro avariou-se. O motorista arranjou-o. Poucos minutos depois de seguir caminho – «um projéctil juncou de estilhaços mortíferos precisamente o ponto onde o rei aguardara, triste e silencioso, o concerto...»

D. Amélia estava no Castelo da Pena – e D. Maria Pia no Palácio de Sintra. Era já dia 5 de manhã – quando se juntaram a D. Manuel em Mafra. Embarcaram no Amélia – que D. Carlos usara nas suas últimas regatas de vela – da Ericeira para Gibraltar. Parece que ao sair de um dos dois barcos de pesca que levaram a família real até ao iate, o rei soltou, num murmúrio:
- Desgraçado do que nasceu nesta terra!
E a mãe, juntou-lhe o desconsolo num afago:
- Não esperava isto dos portugueses!... C´est une infamie...


O engano da bandeira branca...
Na madrugada de 4 de Outubro, civis da Carbonária, comandados por Alberto Meireles, juntaram-se às tropas de Machado Santos – eram menos de 400, dispondo apenas de oito peças de artilharia. Do outro lado, controlados pelo estado-maior monárquico, calculavam-se 4470 soldados e 3771. Talvez por isso, pela manhã - oficiais do Exército, a quem já haviam contado da morte de Cândido dos Reis, considerando o movimento falido pela falta de adesão de unidades que se apalavraram na rebelião, abandonaram a Rotunda. Ficaram nove sargentos, todos da Carbonária, e alguns cadetes da Escola do Exército, que manifestaram a Machado Santos:
-Nós morremos aqui ao lado de Vossa Senhoria, pela República.

Pelotão da Guarda Municipal que vinha do quartel do Cabeço da Bola foi destroçado por bombas artesanais da «artilharia civil». Quatro peças de artilharia a cavalo da bateria de Queluz, comandadas pelo capitão Henrique Paiva Couceiro, juntaram-se à coluna governamental em Sete Rios, mas antes de bombardearem a Rotunda, três granadas disparadas do quartel de Artilharia 1 puseram-lhe em debandada homens e... animais. Nas ruas da cidade, «choças» da Carbonária sabotaram comunicações, cortaram estradas e caminhos-de-ferro, emboscaram tropas.

Era já manhã de 5 quando o Encarregado de Negócios da Alemanha dirigiu-se às tropas governamentais, solicitando armistício de uma hora para que os seus compatriotas abandonassem Lisboa. O Quartel-General monárquico, instalado no Palácio da Independência, no Largo de S. Domingos, disse que sim – julgando que pudesse ainda receber os esperados reforços de Santarém. Não chegaram – e os comandantes de Infantaria 5 e de Caçadores 5 correram ao general Rafael Gorjão a manifestar desespero pelo crescente apoio popular aos revoltosos, um deles, nem sequer suavizou sequer as palavras:
- A monarquia está ferida de morte...

Tresmalhou, gado da artilharia
Concedido o armistício, o general Gorjão enviou ordenança a cavalo com bandeira branca a acompanhar o diplomata alemão até à Rotunda para conferenciar com Machado Santos. No Torel, Paiva Couceiro suspendeu a ordem de bombardeamento da Rotunda. Para evitar que o armistício se voltasse contra os republicanos, Machado Santos arrancou às 8.35 horas, avenida a baixo, a cavalo, à frente de horda de populares, - «levava a farda desabotoada, poeirenta, barba de três dias e só uma dragona».

No Rossio, o povo alagou a praça em vivas à República – julgara que ao ver passar a bandeira branca do alemão, os monárquicos se tinham rendido. Unidades militares regressaram aos quartéis, o gado que puxava as peças de artilharia de Queluz tresmalhou e fugiu em todas as direcções – e de súbito soldados e revolucionários entraram em confraternização. Às 8.44 horas, Machado Santos entrou no Palácio da Independência – e intimou o general Gorjão a reconhecer a República. Recusou, foi-lhe dito que acabara de ser substituído na chefia do estado-maior pelo general de brigada António do Carvalhal - e um marinheiro hasteou bandeira republicana no quartel-general.


AFL em palácio das festas chique
com professor do Rei a presidente

Às 11 horas de 5 de Outubro de 1910, dirigentes do Partido Republicano Português dirigiram-se aos Paços do Concelho de Lisboa – e da sua varanda José Relvas, acompanhado por Eusébio Leão e Inocêncio Camacho, bradou: «Unidos todos numa mesma aspiração ideal, o Povo, o Exército e a Armada acabou de, em Portugal, proclamar a República». E Camacho leu a lista dos membros do Governo Provisório, presidido por Teófilo Braga...
Treze dias depois deu-se, enfim, a oficialização da da Associação de Futebol de Lisboa, a posse dos seus primeiros dirigentes. Nem todos os eleitos assumiram, contudo, os cargos. O visconde de Alvalade fora escolhido para presidente da Assembleia Geral mas não aceitou. Guilherme Pinto Basto, indigitado para presidente da Direcção, também declinou. José de Alvalade, indicado tesoureiro, igualmente disse não. Sim disseram, entre outros, Félix Bermudes, Cosme Damião, Pedro del Negro, António do Carmo, António Joaquim Sá e Oliveira, Carlos Vilar.

A presidente subiu, então, Abel Fontoura da Costa. Que, ilustre homem das ciências náuticas, fora professor particular de D. Manuel. Desempenhou o cargo apenas algumas semanas, largou-o quando teve de abandonar Portugal ao serviço da Marinha. No posto ficou António de Sá e Oliveira, pedagogo que ganhara fama como primeiro reitor do Liceu de Pedro Nunes – para onde levara o futebol como actividade habitual.

Para primeira sede da Associação de Futebol de Lisboa, a Liga Naval Portuguesa, a que também pertencia Foutoura da Costa, cedeu salas no Palácio dos Duques de Palmela, no Calhariz – mas dois anos depois, teve de deixá-la, passou para o escritório de Sá e Oliveira, o seu segundo presidente, na Rua dos Retroseiros, 149. E a Liga Naval continuou a ser o que era: espaço de glamour da Lisboa dessa era, lugar chique onde se faziam bailes de alta sociedade, se ouviam concertos, se faziam confereências. E onde em Fevereiro de 1910 se começara a montar o Museu Oceanográfico de D. Carlos.

A 8 de Outubro de 1910, Afonso Costa publicou decreto que repunha em vigor as leis pombalinas contra os jesuítas e a lei de Joaquim António de Aguiar que extinguira as ordens religiosas em Portugal. A 12 foram laicizados os feriados religiosos e a 18 abolido o juramento religioso. As procissões, o toque de sinos e a colocação de emblemas religiosos sobre as fachadas dos monumentos públicos ou dos edifícios provados passaram a ser objecto de restrições na ordem pública. Aos primeiros dias da revolução prenderam-se padres – 128 foram para Caxias, dois foram assassinados em Arroios. E foi por isso que a Afonso Costa houve quem chamasse – O Mata-Frades. Que, por essa altura, continuava, sempre que podia, a treinar esgrima...

Campo em terreno de onde se tiraram os padres
De uma das suas primeiras reuniões saiu a ideia de que a Associação de Futebol de Lisboa solicitasse ao governo da República para construção de um campo de futebol para si própria - em propriedade de que se tivessem afastado congregações religiosas. A ideia foi bem acolhida pelos secretários do Ministro do Interior e do Ministro do Fomento, mas acabou por não passar disso...

Com os 80 mil réis que recebera de legado da Liga Portuguesa de Futebol, a Associação de Futebol de Lisboa pagou 46$860 réis de despesas de fundação. E contratou para os seus serviços um escriturário e um contínuo, com vencimentos de 6000 e 3000 réis. E decidiu-se que pela filiação de cada jogador se cobrariam 120 réis...

Da renda de 32$50 à sopeirinha de Cândido de Oliveira
A 23 de Junho de 1911, ao passar o aniversário do seu falecimento, a AFL realizou sessão de homenagem a Januário Barreto no Ginásio Clube Português – descerrando-lhe retrato. Depois, com metade da receita de um jogo entre um misto português e um misto estrangeiro: 218$15 - criou o Prémio Januário Barreto, que integrava uma «obrigação (sopeirinha) de valor nominal de 10$00».
Pediu-se ao director da Casa Pia que indicasse aluno que o merecesse. Ele pôs à votação da escola – e o eleito foi o nº 3466. Chamava-se Cândido Fernando Plácido de Oliveira – e começava a rasgar a história, a história do futebol e não só...

Depois do glamour do Palácio de Palmela e do escritório de advogados do seu segundo presidente, em 1913 a Associação de Lisboa mudou-se para a Travessa da Glória, nº 22 – dividindo o espaço com o Grupo Sport Cruz Quebrada, por a renda ser «um tanto elevada para as posses da AFL»: 32$50. Ainda se estava à espera da federação...     
   11:01 - 27-04-2010     http://www.abola.pt/nnh/ver.aspx?id=202911

LCBrito

Citação de: Bleach em 19 de Outubro de 2006, 11:03
(...) Em 13/08/1908, o Sport Lisboa muda o nome para Sport Lisboa e Benfica, por sugestão de Félix Bermudes, após a absorção do Sport Clube de Benfica. (...)


Citação de: Red skin em 13 de Abril de 2010, 08:19
(...) e a 13 de Setembro de 1908, ao oficializar-se a união, a designação que se acertou, à última hora, foi Sport Lisboa e Benfica. (..)

Agosto ou Setembro?
Acredito mais no que está no site do Benfica, mas vale confirmar.


LCBrito


Red skin

Jogadores do Sport Lisboa seduzidos pelos chás que o Sporting servia
Por António Simões

Onde se conta como desejo de «mais sport» levou à fundação do Sporting, que nos primeiros estatutos dava privilégio ao ténis. O brilho no futebol só veio quando foram a Belém buscar os craques do Sport Lisboa... E também se fala de produto que os jornais anunciavam que tratava de cancro e sífilis – que matou António Stromp, futebolista que foi aos Jogos Olímpicos apesar da greve dos eléctricos...

O Campo Grande Football Club nascera de ideia à mesa da Pastelaria Bijou, ao 97 da Avenida da Liberdade. Instalou-se a sede no quarto de Francisco Gavazzo – no solar dos Pinto da Cunha, onde a sua família residia. Num terreno da quinta do visconde de Alvalade jogavam futebol, ténis e críquete – e nos seus jardins organizavam «festas dançantes» e «piqueniques» em que se destacavam pelo seu glamour as irmãs dos Kohn, dos Mendes de Almeida, dos Gavazzo, de Alvalade e dos Stromp.

Uma dessas «garden party», em Março de 1906, saltou para a ribalta através da revista Tiro e Sport. Com os seus penteados compostos, as suas ruidosas toillettes, chapéus altos e vestidos até ao tornozelo, as «senhorinhas» ousaram correr 50 metros puxando por animais que eram os seus mascotes – e os rapazes tiveram programa mais vasto: um «match» de «football», corridas de cavalos, corridas de burros – e «sports atléticos». Fernando Pinto Basto venceu os concursos de salto em altura e salto em comprimento e a corrida de 100 metros – e com José Manuel Barahona também ganhou a «corrida de três pernas». De marcas e tempos, nunca se soube.

SCP... só de «boa sociedade»
Duas ou três semanas depois, falange do Campo Grande Football Clube, onde também estavam os irmãos Stromp e os irmãos Gavazzo, «fartos do excesso de festas» achou que o futuro teria de ser... «sport só» - e José Alvalade proferiu famosa declaração: «Vou ter com o meu avô e ele me dará dinheiro para fazermos outro clube».

Deu mesmo – e foi assim se fez o Sporting Clube de Portugal. Que se fundou sem... nome – e sem nome ainda a 8 de Maio de 1906 se elegeu a primeira direcção: Visconde de Alvalade, presidente; José Alvalade, vice-presidente, Frederico Seguro Ferreira, tesoureiro, José Gavazzo, primeiro-secretário, e Henrique Leite, segundo-secretário. Ainda foi Campo Grande Sporting Clube – por sugestão de Alberto Lamarão e a 1 de Julho de 1906, por insistência de António Félix da Costa Júnior, notável jogador de ténis, fixou-se em Sporting Clube de Portugal – e no artigo 1º dos seus estatutos determinou que só poderiam pertencer-lhe «indivíduos de boa sociedade e conduta irrepreensível». Pela sua aprovação pagou 10$250, acrescidos de 17$686 de «direitos de mercê» e 18$071 de «emolumentos e adicionais».

«Atropelado dentro de campo»
Por 550 mil réis construiu o seu o «campo atlético» no Lumiar - e apesar da «prioridade ao ténis» que os estatutos determinavam, foi no futebol a primeira participação desportiva do Sporting CP – a 3 de Fevereiro de 1907, num torneio organizado pelo CIF no seu Campo de Alcântara, contra o Cruz Negra. Teve a presenciá-lo «numerosa e ruidosa assistência, entre a qual se viam bastantes senhoras», foi arbitrado por Pinto Basto – e perdeu por 1-5. O golo, o primeiro da história do clube, foi marcado por João Vila Franca, que figura nacional se tornou depois pelo que deslumbrou no ténis.

Por essa altura, o Sport Lisboa parecia em colapso. Lá, em Belém, na zona que constituía a cerca do quartel e que era também utilizada para exercícios de dois regimentos de tropa a cavalo, faziam-se, às escuras, os treinos de fim de tarde.

Num deles, um garoto foi... «atropelado dentro de campo» (foi assim que a notícia surgiu) por António Rosa Rodrigues, ficou com a perna fracturada – e o pai, o velho Catatau, proibiu os filhos de voltarem a jogar à bola assim.

Golo com ajuda da... árvore
Suspensa ficou a actividade do SL. José Alvalade sonhava com o Sporting cada vez mais forte – e lançou o canto de sereia aos melhores futebolistas do Sport Lisboa. Que lhes oferecia campo decente, balneários para banho com águas quentes, bolas novas em cada jogo, duas camisolas por desafio se chovesse e no final de cada partida soirées e chás dançantes com as senhoras mais ilustres da alta sociedade lisboeta.

António Couto, o arquitecto da estátua do Marquês de Pombal, Daniel Queirós dos Santos, que haveria de chegar a presidente do... Sporting, Albano dos Santos, José da Cruz Viegas, Henrique Costa, Emílio de Carvalho, António e Cândido Rosa Rodrigues (só José, o mais velho dos Catataus, disse não) foram todos para o Lumiar. Jogaram a segunda mão do torneio com o Cruz Negra, a 3 de Maio – e com eles o Sporting venceu por 3-1, foi a sua primeira vitória. Por 2-0 ganhou o desafio de desempate. Só não foi o seu primeiro troféu porque o clube de Pedro del Negro protestou o jogo com argumentação insólita: «numa avançada, a bola elevou-se demasiado tendo ido bater numas árvores que se curvam sobranceiras ao goal e na queda o sr. Vila Franca meteu uma esplêndida cabeça, com que rematou ao goal» - do resultado do protesto não há registo em nenhum jornal – e em nenhum lado se encontra justificação para o «objecto de arte em disputa» nunca ter dado entrada na sede do Sporting Clube de Portugal, seria o seu primeiro...

A criança «matreira» e a «selvajaria»...
No primeiro Campeonato de Lisboa da República – vitória do CIF. O Benfica foi segundo e o Sporting terceiro – e entre eles o futebol viveu a sua primeira situação de quente escaramuça. Os sportinguistas estavam a ganhar por 1-0 – e o seu guarda-redes, defendeu bola para canto, criança que estava atrás da baliza atirou-a, de um impulso, «matreira» lá para dentro, um benfiquista aproveitou, novo remate, nova defesa e... o que, dramático, a seguir aconteceu contou-se assim em O Século: «Os atacantes vermelhos com uma desumanidade que toca as raias da selvajaria, caem sobre o keeper, ainda no chão, massacram-no com pontapés na cara, pela cabeça, por todos os lados. Queriam marcar golo, fosse de que maneira fosse... Pouco depois, o campo de football tranformou-se num campo de batalha, vendo-se o refree (Eduardo Pinto Basto) na necessidade de dar o desafio por nulo».

A AFL que primeiro homologou o resultado, mandou depois repetir a partida, mas pelo caminho suspendeu José Alvalade por um ano, acusando-o de ter instigado os seus jogadores a abandonarem o recinto. Por causa disso, sem avisar espectadores nem adversários, no dia marcado para a repetição, o Sporting não abriu as portas do seu estádio, dizendo apenas que o «Benfica não era digno de pisar as suas instalações».

E O Século acabou por revelar, em edição seguinte, que as agressões a Augusto de Freitas não tinham sido casuais: «era uma espécie de vingança por, em dois jogos diferentes, ter esbofeteado, em pleno campo, dois jogadores do Benfica».

Produto que curava do cancro à sífilis...
Por essa altura, pelos anúncios da Ilustração Portuguesa havia pomada de França que se considerava «infalível a acabar com calvos» - e a ilusão principal era o Histogenol Nadine, que os reclames afiançavam que tratava de tudo: da tuberculose ao cancro, das doenças mentais ao raquitismo, dos suores nocturnos aos «escarros espessos» - e da sífilis, a «praga da época». De sífilis morreria António Stromp, o futebolista do Sporting que era recordista nacional de velocidade – e correndo os 100 metros foi o primeiro português a entrar nos Jogos Olímpicos, em Estocolmo-1912. Stromp foi – mas houve quem não pudesse ir, por causa dos eléctricos parados, de Lisboa já agitada pela convulsão operária.

A greve que tramou os olímpicos
Em Janeiro de 1911, «batalhões de voluntários da República» manifestaram-se em Lisboa contra o «surto grevista» – mas em vão, continuaram por todo o lado. E por causa dos «fuzilamentos de Setúbal» deu-se a primeira greve geral. A 13 de Março, a GNR «baleara até à morte» duas operárias na Avenida Luísa Todi, «as mulheres das fábricas de conservas ganhavam 40 réis por cada hora de dia e 50 réis por cada hora de noite e exigiam 50 réis por hora indistintamente e foi a primeira vez que o regime republicano mandou reprimir da forma brutal quem tanto tinha contribuído para a revolução de 5 de Outubro», escreveu-se no jornal O Trabalhador - e o Congresso Sindicalista decidiu paralisação do trabalho por 24 horas em todo o país por solidariedade com elas.

Em 1912, a situação ainda mais agravada. Cargas da GNR voltaram a matar em Évora e na Moita – e a 30 de Janeiro em Lisboa multidão reunida na Casa Sindical foi obrigada a abandonar o edifício – sob a ameaça de que seria destruído pela artilharia e 700 operários, cantando A Internacional, foram levados, entre baionetas para o Arsenal da Marinha, aprisionados em barcos no Tejo.

26 dias durou a greve da Carris – e por essa altura já Afonso Costa ganhara alcunha de Racha-Sindicalistas, já o Partido Republicano se partira. António José de Almeida deixara-o para fundar o Partido Evolucionista e Brito Camacho para fundar o Partido União Republicana. Afonso Costa – que ganhara já a alcunha de Racha-Sindicalistas – ficara e transformara o PRP em Partido Democrático.
Portugal continuava pobre – e o Estado com pouco dinheiro, por isso decidiu-se que para financiar a viagem de barco aos Jogos Olímpicos de Estocolmo se faria, entre outras coisas, um sarau no Coliseu dos Recreios para recolha de fundos. Sem os eléctricos na rua – acabou a sala quase vazia. E por isso, Sebastião de Herédia, o esgrimista que era filho do Visconde da Ribeira Brava que pagara as armas com que Buíça e Costa fizeram o regicídio, o lutador César de Melo e os atletas Correia Leal e Matias de Carvalho tiveram de ficar em Lisboa – foram apenas o esgrimista Fernando Correira, os lutadores António Pereira e Joaquim Vital e os atletas António Stromp, Armando Cortesão e Francisco Lázaro.

Arriaga, o presidente... remador
O presidente da República era Manuel de Arriaga, eleito a 24 de Agosto de 1911. Fora seu remador e ao Clube Naval de Lisboa haveria de fazer, simbolicamente, uma das suas primeiras visitas de Estado. Em 1914 o clube dar-lhe-ia o título de Comodoro Honorário.

Advogado e poeta – sobre as o modo como assumiu o cargo, ele próprio revelou em livro como iniciou o seu mandato: «sem casa, sem dinheiro, sem meios de transporte, sem secretário, sem protocolo. Tivemos de alugar, em Lisboa, o Palacete da Horta Seca para nele nos instalarmos como Chefe de Estado e de adquirir parte do mobiliário adequado; fomos obrigados a comprar um automóvel, a fim de nos transportar com a pontualidade usada em todos os nossos actos. Na Secretaria não havia instalação apropriada, nem colecções de leis, nem revistas nacionais e estrangeiras, nem jornais, nem dinheiro para os comprar...»

Não muito depois de o PR se instalar nessa sua «complexa e melindrosa situação», O Século anunciou que Ajus e Joé tinham vindo de Xangai para «devolver vista a cegos num modesto hotel de Lisboa».

Era Novembro de 1911 – e o governador civil exigiu que se pusesse «cobro à vigarice», prendendo-as. Quando a polícia chegou ao Rossio encontrou uma fila de cegos à espera de atendimento e uma multidão eufórica em sua defesa. Houve confrontos com a Guarda, um ataque à bomba, mortes. Machado dos Santos, o herói da Rotunda esteve quase a ser linchado pela populaça, acabou salvo pela Cavalaria, o caso saltou para o Parlamento, abalou as bancadas...

Bilhetes pagos com réis já em tempo de... escudo

E foi num Sporting-Benfica, a 22 de Outubro de 1911, que houve pela primeira vez futebol com bilhetes pagos. Apesar de já ser o tempo do escudo – foram pagos em réis, cada um custou 120. Por essa altura, Lisboa tinha 100 mil operários – o seu salário médio diário andava pelos 600 réis. No Porto era menos, nos têxteis, por exemplo, recebia-se 330 réis. No mundo rural, pior ainda: nas regiões mais pobres um assalariado agrícola dificilmente cobrava mais de 160 réis por dia...

José Relvas, filho de Carlos Relvas, agricultor ribatejano que se tornou famoso como fotógrafo, toureiro – e jockey nas primeiras corridas de cavalos que em Portugal se fizeram no século XIX – era, então, o primeiro Ministro das Finanças, o primeiro da República. A 22 de Maio de 1911 assinara despacho a substituir os réis pelo escudo. A ideia do nome foi buscá-la à II Dinastia – a D. Duarte, que mandara cunhar moedas em ouro batendo-lhes escudos. Em circulação encontravam-se 34 400 contos de moedas de prata e 3 900 contos de moedas de níquel e de bronze, que deverim ser substituídas por 35 500 contos de moedas de prata de 1$00, $50, $20 e $10 e por 3 750 contos de bronze-níquel de $04, $02, $01 e $005, decretou-se.

Demoraram a sê-lo, as primeiras moedas só entraram no mercado em 1912. Em papel-moeda havia notas de 500, 1 000, 2 500, 5 000, 10 000, 20 000, 50 000 e 100 000 réis que o Banco de Portugal alterou, apondo-lhes sobre a coroa a sobrecarga República – e que assim foram continuando em circulação até 1929. E apenas em 1913, se emitiu a primeira nota em escudos, resultou da alteração da chapa já gravada destinada à de 5 000 réis, que passou assim a apresentar o valor facial de 5 escudos/ouro, Alexandre Herculano era a sua figura. E a primeira nota totalmente concebida na moeda da República apareceu em Outubro de 1916: 20$00, tinha ao centro Almeida Garrett, nos lados as figuras alegóricas da Justiça e da Glória.      18:02 - 05-07-2010     http://www.abola.pt/nnh/ver.aspx?id=213075

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Cem anos de República: Benfica, ser grande pela mão de Cosme Damião

Nas traseiras da Farmácia Franco, em Belém, nasce o Sport Lisboa a 28 de Fevereiro de 1904. A alma de 24 amigos devotos à causa está na génese do clube que, quatro anos depois, se funde com o Sport Club de Benfica. O criador Cosme Damião segue a sugestão de Felix Bermudes e compõe a designação que resiste até aos nossos dias: Sport Lisboa e Benfica.

A capital vive dias de grande instabilidade política e social. As sequelas do regicídio de 1908 são dramáticas e o grupo de jovens fundadores do Benfica contorna as perseguições políticas com a dedicação total ao emblema.
No ano da revolução republicana, o Benfica já tem casa própria. Fica na Quinta da Feiteira - junto à Estrada de Benfica - e o campo de futebol recebe o nome da herdade. Até 1912 é ali que a equipa se organiza e realiza alguns dos principais jogos do início do século XX.
As águias conquistam em 1910 o primeiro campeonato de Lisboa, ao interromperem um ciclo impressionante do Carcavelos, que vencera as três edições anteriores. A desistência de uns e a fragilidade de outros conduz o Benfica a uma conquista muito especial nestes primeiros anos de vida.


Monarquia vs. Benfica: destinos contrários
Os meses anteriores ao fim da Monarquia implantam o Benfica como uma potência do desporto nacional. As águias sobrevoam a curiosidade do adepto novel e comum, arrecadam simpatia e batem o primeiro recorde de assistência num jogo de futebol.
No dia 23 de Janeiro, oito mil almas assistem em inusitada euforia, no Campo da Feiteira, ao escanzelado triunfo benfiquista sobre o Carcavelos Club, rival imponente e temerário; a 1 de Fevereiro, surge a sede na Rua Direita de Benfica e, a 22 do mesmo mês, Alfredo Luís da Silva é eleito presidente.
A Monarquia pressente o estertor da morte, o Benfica segue em direcção radicalmente contrária. 1910 é um período de extrema vitalidade e pujança, não só no futebol. A filosofia ecléctica do emblema encontra eco na vitória de Alberto Albuquerque numa prova de ciclismo em Lisboa.
No Verão do mesmo ano, há registo de outro marco histórico: o Sport União Belenense perde para o Benfica por 2-1 no troféu dos «Jogos Olímpicos Nacionais». A peleja tem lugar a 19 de Junho.


O orgulho benfiquista mostra-se à mesa
O orgulho do ser benfiquista borbulha no dia 31 de Julho de 1910. Pela primeira vez num acto público, a direcção expõe os troféus alcançados. A efeméride ocorre à mesa, num almoço de confraternização em homenagem à conquista - semanas antes - dos três campeonatos regionais de Lisboa: de primeira, segunda e terceira categorias.
Poucos dias depois sabe-se que quatro atletas do Benfica vão integrar a Selecção de Lisboa num périplo por Espanha. Em Setembro, o clube junta-se ao CIF e ao Império na fundação da Associação de Futebol de Lisboa.
A letargia repugna os corpos sociais do Benfica. Organizam-se jogos amigáveis e oficiais na zona de Lisboa, combinam-se visitas ao Porto, estabelecem-se contactos e protocolos com as mais altas instituições do país. Numa dessas conversas, já em finais de 1910, fica apalavrado o primeiro F.C. Porto-Benfica, que terá lugar a 5 de Março de 1911.


Derby: um século de polémicas
O derby Benfica-Sporting habitua-se a ser especial desde o primeiro dia. É, por exemplo, o primeiro jogo de futebol a exigir bilhete a cada um dos espectadores. A sugestão surge do Sporting e cada um dos adeptos paga 120 reis no dia 27 de Fevereiro de 2010.
Esse é o primeiro dos embates entre os dois históricos no ano da revolução republicana. O Benfica goleia por 0-4. A vingança leonina é servida a 25 de Setembro, dez dias antes da Monarquia ser decepada em Portugal: 5-4 para os leões num jogo de carácter amigável.
A rivalidade é opaca, alimentada pela transferência polémica de vários jogadores do Grupo Sport Lisboa para os leões. Quem diria que tudo isto aconteceu há um século?


Por Pedro Jorge da Cunha com Sérgio Pereira (maisfutebol)

Equipa do Benfica em 1910
1910


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