Decifrando imagens do passado

RedVC

Chalana era POESIA. Chalana era BENFICA.

Homenagem ao melhor jogador que vi jogar ao vivo com a camisola do Benfica.

Obrigado.

Descansa em paz, CAMPEÃO.






















































alfredo

sempre vale a pena passar por este tópico. as histórias que contas, Victor, sao o fundamento do que o benfica é hoje...

RedVC

Citação de: alfredo em 15 de Setembro de 2022, 10:58
sempre vale a pena passar por este tópico. as histórias que contas, Victor, sao o fundamento do que o benfica é hoje...


Obrigado, alfredo  O0

Espero que em outubro próximo possa voltar a colocar aqui alguns textos novos.
A História do Sport Lisboa e Benfica é um orgulho e uma inspiração, mas nem sempre há tempo de qualidade para fazer esses textos.

Abraço!

RedVC

#1248
-328-
As noites broncas de Montevideo

Lisboa, noite de 4 de setembro de 1961.

José Águas, capitão da equipa do SL Benfica cumprimenta William Martinez, capitão da equipa do FCA Penarol.



William Martinez e José Águas, cumprimentam-se no Estádio da Luz, sob o olhar do árbitro suíço, Othmar Huber.


Estava prestes a iniciar-se a disputa da Taça Intercontinental de 1961, opondo o Sport Lisboa e Benfica, campeão europeu de 1961 e o FCA Peñarol, de Montevideo, vencedor da Taça Libertadores da América de 1961.

Nessa primeira mão, disputada no Estádio da Luz, em Lisboa, perante cerca de 40.000 pessoas, o Benfica venceu por 1-0, golo de Mário Coluna, perto dos 60 minutos de jogo.




Essa não era a primeira vez que os dois clubes se enfrentavam, uma vez que 6 anos antes, em 26 de junho de 1955, tinham já disputado um jogo no Rio de Janeiro, a contar para a Taça Charles Miller, partida na altura vencida pelos Benfiquistas por 2-0 (ver: -123- Taça Charles Miller '55 (parte VI): Escaramuças Uruguaias!; pág.33).


Agora, a competição era oficial e o empenho das duas equipas era total.



Cilindrados...

Duas semanas depois, na noite de 17 de setembro de 1961, o Benfica jogou em Montevideo, perante cerca de 56 mil espetadores, perdendo por conclusivos 0-5...



O galhardete entregue pelo capitão José Águas no jogo da 2ª mão da Taça Intercontinental de 1961.


Que se terá passado?

Foi um jogo aziago em que tudo correu mal, desde a indisponibilidade de José Águas até à exibição de Costa Pereira.

O jogo começou mal, pois logo aos 10 minutos Sasia marcou de grande penalidade, marcada a castigar uma pretensa mão de Cruz. Depois, até ao final da primeira parte a pressão foi contínua, tendo os uruguaios chegado aos 4-0. Na segunda parte, apesar das melhorias do jogo Benfiquista, o Penarol marcou o quinto golo, estabelecendo o resultado final.

Apesar do escândalo do resultado, havia que analisar as incidências do jogo. Para além da boa exibição dos uruguaios, foi também notória a influência da arbitragem do argentino Carlos Enrique Nay Foino, tendo este assinalado uma grande penalidade contra a equipa Benfiquista a propósito de uma mão casual de Cruz e tendo validado um golo em claro fora de jogo...

Carlos Foino era um juiz conhecido na sua terra por ferver em pouca água, chegando pelo menos em duas ocasiões a usar as aptidões desenvolvidas no seu passado de praticante de boxe, para resolver alguns episódios de contestação...

Nesse jogo, um dos adjuntos de Foino era o também argentino Jose Luiz Praddaude, cuja "competência" como árbitro principal viria também a ser demonstrada na finalíssima... Sim, o fiscal de linha do primeiro jogo foi o árbitro principal do segundo jogo. Foi essa a máxima concessão que a FIFA fez perante os protestos dos dirigentes Benfiquistas...

Perante tão desnivelado resultado desse primeiro jogo, não se colocando em causa a justeza da derrota, ainda assim as versões sobre as incidências do jogo variaram consoante as fontes...





Fonte: DL



A finalíssima

Como nesse tempo, como de nada valia a diferença de golos, houve lugar, três dias depois, a 20 de setembro, à disputa da negra, da finalíssima. Um jogo a que assistiram cerca de 60 mil espectadores.

Para esse jogo, Béla Guttmann decidiu retirar da equipa Saraiva, Mário João, Santana (lesionado) e Mendes, entrando Humberto Fernandes, Simões, Eusébio e José Águas. Com o regresso à equipa de José Águas e a inclusão de Eusébio e Simões, que tinham sido chamados de emergência logo após o primeiro jogo, o jogo atacante da equipa foi amplamente reforçado. E assim, com o maior acerto de Costa Pereira na baliza, o Benfica surgiu bem mais competitivo e assertivo.

Ainda assim, a formidável equipa do Penarol desde cedo comandou as operações, inaugurando o marcador logo ao minuto 5, por intermédio de Sasia. Só que, ao contrário do jogo anterior, o Benfica não se desconcentrou, chegando ao empate ao minuto 35, através de um excelente golo de Eusébio.

O empate durou, no entanto, pouco tempo, tendo a partida seria decidida pouco depois, ao minuto 40, quando o árbitro argentino Praddaude decidiu assinalar uma grande penalidade, por suposta mão de Coluna. Até ao final, não foi possível anular a desvantagem. A Taça foi para o FCA Penarol.



Costa Pereira durante a finalíssima. Fonte: El Grafico.


Comandados pelo treinador Roberto Scarone, o Penarol conquistava a Taça Intercontinental, numa das mais luzidias conquistas da sua prestigiosa história. O Penarol é um dos Clubes míticos, um que pertence à restrita galeria da qual também consta o SL Benfica.




Apesar da acidentada disputa, a comitiva Benfiquista não colocou em causa o mérito da conquista, nem muito menos a classe do seu oponente. Nesse ano, o Penarol dispunha de uma excelente equipa, comandada pelo treinador uruguaio Roberto Scarone, apoiada por um público caloroso e entusiasta.

Curiosamente, dois anos depois, seria Béla Guttmann a treinar os uruguaios, falhando a reconquista da Taça Libertadores, ao cair perante o Santos de Pelé. Apesar de ter falhado esse objetivo maior, Guttmann sempre se referiu de forma muito elogiosa aos seus tempos passados na capital situada na margem nordeste do Rio de La Plata.

Mas os jogos de Montevideo terão sido inteiramente justos e limpos? Vejamos o testemunho do Glorioso José Augusto, publicado numa recente entrevista concedida a Rui Miguel Tovar, para o "Mais Futebol":





Nada como um pouco de picante sul-americano para compor uma tela de uma conquista lendária...

Aqui ficam os detalhes desses famosos jogos disputados no mítico Estádio Centenário...





E para tornar ainda mais pitoresca a descrição aqui ficam mais alguns recortes de jornais da época



E vejamos mais algumas declarações dos jogadores Benfiquistas:



Em nenhum caso se colocou em causa o merecimento da vitória uruguaia, mas isso não quer dizer que nas noites broncas de Montevideo, o caldinho argentino deixasse que o SL Benfica lutasse de forma justa e equitativa pelo triunfo.

Apesar de tudo, entre os jogadores e entre os Clubes, houve um clima de respeito e de desportivismo.

Pena é que a terceira equipa tenha estado ao nível do pior nível tão habitual naquele tempo nos jogos da América latina, em que até equipas como o Santos FC terminavam alguns jogos com brigas de proporções épicas.

Pois é... Para a História ficou o resultado, mas agora ficam também algumas outras estórias que interessava contar...

Olé!




RedVC

#1249
-329-
Caiado para vencer! (parte I): De Leça à Boavista.

Dia 12 de junho de 1955, Estádio Nacional.



Caiado levanta a Taça de Portugal! Glória aos vencedores! Colorida a partir de original do AML


Fernando Caiado, capitão da equipa principal do Sport Lisboa e Benfica, levanta a Taça de Portugal, segurando também um troféu atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa. O Glorioso fechava, de forma brilhante, a temporada de 1954-1955!



O General Craveiro Lopes, presidente da República, entrega a Taça de Portugal e um troféu atribuído pela CML, a Fernando Caiado. Alguns degraus abaixo, Passos, capitão do Sporting CP assiste á consagração do vencedor. Foto colorida a partir de original do AML



1954-55, uma temporada notável para o Benfiquismo.


Nesse dia o Benfica conquistava a sua 11ª Taça de Portugal, ao derrotar o Sporting CP por 2-1, com dois golos de Arsénio, o pequeno mas letal avançado benfiquista (ver: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19541955/taca-de-portugal/1955-06-12/sl-benfica-2-x-1-sporting).

Nessa celebração, ao levantar a Taça de Portugal no majestoso palco do Jamor, Fernando Caiado juntou-se a uma galeria ilustre de capitães do Benfica. Ao longo dos oito anos como jogador do Benfica, quatro como capitão, Caiado habituou-se a levantar taças, mas naquele dia, perante a imponência do cenário, e as autoridades oficiais do país, talvez tenha atingido o pico da sua brilhante carreira ao serviço do Glorioso.


De Leceiro a boavisteiro



As cores da juventude. Caiado, ídolo no Bessa.


Fernando Augusto do Amaral Caiado nasceu em 2 de março de 1925, em Leça da Palmeira, localidade situada a 8 km do Porto. Era um de cinco filhos do casal José Augusto Caiado e Ana Amélia do Amaral, todos eles praticantes entusiastas do futebol e todos eles a jogar futebol no Boavista FC: António, José, Fernando, Francisco e Artur.

Concluídos os estudos primários, Fernando ingressou na Escola Industrial Infante D. Henrique, no Porto, tendo por isso ido viver para casa de uma avó.

Como o estádio do Bessa ficava ali perto e assim Fernando tentou a sua sorte nas captações do Boavista FC. Por ser franzino, foi recusado das primeiras vezes, não lhe dando sequer a possibilidade de tocar na bola. Quando finalmente o deixaram equipar-se e entrar em campo, foi recrutado, tornando-se rapidamente a estrela das as camadas jovens boavisteiras.

Caiado fez a sua estreia oficial com a camisola boavisteira, na temporada de 1940-41, numa partida entre as equipas de juniores do Boavista FC e do Sport Progresso. Nessa sua primeira época, Caiado sagrou-se o melhor marcador da equipa de juniores do Boavista FC. Cumpriria ainda mais uma temporada nos juniores, confirmando que estava pronto para ascender aos seniores.

Sem surpresas, Caiado transitou em 1942-43 para a equipa sénior, que ainda militava na 2ª divisão nacional. Com essa ascensão deixaria de lado os estudos, e assumindo uma atividade profissional como desenhador de máquinas de fundição (fonte: blogue "Glorias do passado").

Caiado jogava inicialmente a avançado (interior esquerdo), mas dada sua qualidade técnica, polivalência e capacidades de pensar e ritmar o jogo, cedo os seus treinadores decidiram a recua-lo no campo. Mesmo jogando na 2ª divisão, Caiado destacou-se de tal forma que motivou a cobiça da Académica de Coimbra, do FC Porto e do Sporting CP. Não obstante, as promessas dos academistas de que poderia ingressar num curso à sua escolha, Caiado permaneceu fiel aos boavisteiros. A ligação de Caiado ao Boavista era intensa, praticando também andebol e hóquei em campo. 



Cinco Caiados boavisteiros. Fernando e os seus 4 irmãos.


Os Caiados contribuíram assim para que a metade final da década de 40 e a inicial da década de 50, fossem um período notável de ascensão do futebol boavisteiro. Depois de duas experiências episódicas (1935-36 e 1940-41), de 1945 a 1955, o Boavista FC cumpriu um período de 9 temporadas na primeira divisão, interrompido apenas durante a temporada de 1949-50.

Fernando Caiado estreou-se em jogos do campeonato nacional, em 1945-46 num jogo em Elvas, mas seria no Porto que enfrentaria pela primeira vez o Benfica, num jogo que os boavisteiros perderam por 2-4. Caiado marcou um dos golos boavisteiros e conquistou uma grande penalidade que originou o segundo boavisteiro, mas Espírito Santo (2 golos), Mário Rui e Rogério impuseram a superioridade benfiquista.



Dia 2-02-1946, no estádio do Bessa, Caiado ainda boavisteiro defrontou pela primeira vez o SL Benfica para o campeonato nacional. Marcou... Fonte: Hemeroteca Lx


Curiosamente, o Benfica venceria pelos mesmo números, o jogo da 2ª volta disputado no Campo Grande. Caiado voltou a marcar um golo a Martins, mas Julinho (2), Félix e Arsénio voltam a impor a superioridade Benfiquista.




O campeonato de 1945-46 foi muito peculiar tendo sido conquistado pelo CF "os Belenenses", no que veio a ser o seu único título nacional da I Divisão. No Boavista, não obstante a penúltima posição da equipa, o desempenho de Caiado não escapou a Tavares da Silva, o selecionador nacional que o convocou. Com 21 anos de idade, Caiado fazia a sua estreia pela seleção nacional de Portugal, num jogo disputado contra a Irlanda, no dia 16 de junho de 1946, em pleno Estádio Nacional. Portugal venceu por 3-1.



Caiado, tornou-se internacional português em 16-06-1946. Note-se que os jogadores portugueses a fazer a saudação com a mão estendida... Fonte: Hemeroteca Lx


Inabalável, manteve-se boavisteiro durante mais seis anos, resistindo às propostas de mudança de ares, e mantendo-se figura de grande destaque dos campeonatos nacionais. Exibia uma qualidade de passe excecional, era rápido, inteligente, tecnicista e tinha uma visão de jogo ímpar. Estas qualidades eram admiradas no Benfica, sendo visto por Ferreira Bogalho como um reforço óbvio, por ser um jogador de caráter e que poderia trazer um significativo acréscimo de classe e garra ao jogo Benfiquista.



Boavista, 1951-52; Caiado, na sua última temporada no Boavista FC. Nota-se a presença do mano António.



No final da temporada 1951-52, o Boavista conseguiu um inédito e sensacional 5º lugar. Caiado sentiu que seria hora para repensar a sua carreira. Abriam-se novas possibilidades e o Benfica de Bogalho estava atento!



António Caiado e Serafim, jogadores do Boavista FC, a ladear Fernando Caiado, já vestido com o manto sagrado.


Nos próximos dois textos falaremos de forma tão sintética quanto possível primeiro da extraordinária carreira de jogador depois de treinador de Fernando Caiado no Sport Lisboa e Benfica.




RedVC

#1250
-330-
Caiado para vencer! (parte II): de Águia ao peito!


Dia 19 de setembro de 1957, Estádio Nervion, Sevilha.


Caiado, capitão do SL Benfica cumprimenta Busto, o capitão do Sevilha CF, perante a equipa de arbitragem liderada pelo francês Jean-Louis Groppi.


Fernando Caiado, capitão do SL Benfica cumprimenta Busto, o guarda-redes e capitão do Sevilha CF. Nesse dia Caiado foi o capitão de uma equipa histórica do SL Benfica, a primeira que disputou um jogo a contar para a Taça dos Clubes Campeões Europeus.

Nesse tarde, em Sevilha, o Benfica perdeu por 1-3, mostrando-se uma equipa cansada, particularmente na 2ª parte, período em que sofreu os três golos sevilhanos. Como Ângelo Martins mais tarde lembrou, a equipa benfiquista jogou cansada porque viajou de avião para Sevilha no próprio dia do jogo! Erros, só explicáveis pela inexperiência internacional dentro e fora de campo; erros que se pagam muito caro em alta competição.




Na semana seguinte, Caiado não jogou a segunda mão, optando Otto Glória por utilizar Zezinho. Infelizmente, o Benfica não conseguiria reverter a derrota da 1ª mão, não passando de um frustrante nulo. Três anos depois, na segunda participação europeia, tudo seria diferente. Em 1957, era ainda tempo de aprender, e de melhorar!

Apesar desse começo trôpego, estava aberta a via europeia, criavam-se as bases para sucessos futuros. Caiado, que já levava já 5 anos de águia ao peito, já tinha um percurso sólido no Benfica...



Enfim, Glorioso!


Como percebemos no texto anterior, foi longo e árduo o caminho de Fernando Caiado até ingressar no Sport Lisboa e Benfica. Após 11 anos de irredutível permanência e brilhante percurso no Boavista FC, no final da temporada de 1951-52, Caiado voltou a ter muitos interessados na sua contratação. Os boavisteiros tinham conquistado um inédito e sensacional 5º lugar no campeonato nacional, com destacada contribuição de Caiado. Com 27 anos de idade, Caiado era a estrela da companhia, e por isso decidiu ouvir com atenção as propostas para mudar de ares.

E foi num contexto de intensa disputa com o FC Porto, que Caiado optou pelo SL Benfica, preferindo mudar-se para Lisboa. No auge das suas capacidades, com cerca de 150 jogos disputados no Boavista, 64 golos marcados, e seis internacionalizações, Caiado deu enfim um salto qualitativo gigante, tornando-se um ídolo Benfiquista. Entrou pela porta grande.

Só que, estranhamente, os dirigentes boavisteiros recusaram autorizar a transferência, forçando Caiado a extremar a sua posição, ao ponto de ameaçar deixar de jogar futebol! Só depois de duas assembleias gerais convocadas para discutir essa transferência, os dirigentes boavisteiros cederam e viabilizaram o acordo. O Benfica aceitou pagar 150 contos ao Boavista e 100 contos ao jogador. Verbas consideráveis para a altura.

A estreia de Caiado no Benfica aconteceria a 7 de setembro de 1952, no Estádio Nacional, e logo num contexto especial, no decurso de uma festa de despedida ao capitão Francisco Ferreira, em que vencemos o FC Porto (1-0). A passagem de testemunha não poderia ser mais simbólica, pois o treinador benfiquista, o argentino Alberto Zozaya, aos 15 minutos de jogo, fez entrar Caiado para o lugar do lendário capitão Francisco Ferreira.



A estreia de Caiado na despedida de Francisco Ferreira. Fonte: DL


Com a sua qualidade futebolística, Caiado rapidamente se integrou numa equipa onde se ainda se distinguiam os defesas Jacinto e Félix, e os avançados Arsénio e Rogério e onde também já brilhava o jovem José Águas.

No entanto, também dentro do Benfica a entrada de Fernando Caiado geraria algumas convulsões. Desde a conquista do campeonato nacional e da Taça Latina em 1949-50, o futebol benfiquista não vencia o campeonato nacional e assim continuaria até 1954-55, permitindo que o SCP conquistasse um inédito tetracampeonato.

Cresciam, portanto, as tensões no Benfica, havendo a convicção de que alguns dos jogadores mais prestigiados estavam numa fase de declínio ou pelo menos de alguma acomodação. O presidente Bogalho estava ciente de que era necessário renovar e aumentar a qualidade da equipa e pensava também em mudanças efetivas na orientação técnica, embora faltasse ainda um par de anos para que fizesse a escolha acertada (só em 1954 chegaria Otto Glória, com a sua famosa diagonal...).



Caiado entre os seus novos colegas, ainda numa lógica do quinteto atacante da tática do WM...


Em 1952-53, na sua primeira temporada Benfiquista, orientado primeiro por Alberto Zozaya e depois por Ribeiro dos Reis, Caiado fez 25 jogos oficiais e marcou 5 golos, mas o Benfica perdeu uma vez o campeonato para o Sporting CP. A conquista da Taça de Portugal, após derrotar na final o FCP com um rotundo 5-0, atenuou de alguma forma a frustração da temporada, mas havia que fazer melhor!

Na temporada seguinte, 1953-54, orientado primeiro por Ribeiro dos Reis (numa comissão técnica com José Simões e tendo Alfredo Valadas como treinador de campo...) e depois pelo argentino Jose Valdivielso, o Benfica perdeu novamente o campeonato, mas desta vez com a agravante de também ter perdido a Taça de Portugal nos oitavos de final perante o Sporting CP. Caiado fez 23 jogos oficias, e marcou 3 golos.



Caiado numa equipa que disputou um jogo particular em Portalegre.


A agravar este contexto de frustração e de muitas mudanças, surgiu ainda o triste episódio que levou à suspensão de Félix Antunes. A situação foi muito bem explicada por Alberto Miguéns, que ouviu uma versão da boca do próprio Fernando Caiado, uma vez que o mesmo esteve envolvido (ver: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2015/09/felix-antunes-reu-ou-vitima.html).

Ao que parece Félix, frustrado com derrotas e multas recentes, olhava para Caiado como um novato na equipa, que por ser mais bem pago, tinha obrigação de correr bem mais do que ele... Durante o intervalo de um jogo em Setúbal cuja primeira parte tinha sido desastrosa para a equipa benfiquista, um comentário de Caiado incendiou a personalidade de Félix. Viveu-se então uma situação dramática de confronto no balneário, entre esses dois grandes jogadores internacionais do Benfica. Os atos de Félix Antunes foram relatados ao presidente Ferreira Bogalho que lhe impôs uma dura punição, impondo de forma inflexível o fim precoce da passagem de Félix pelo Benfica.

Exigiam-se mudanças profundas, mas felizmente o presidente Bogalho estava à altura dos desafios.

Essas mudanças surgiram em 1954-55, com a chegada de Otto Glória, numa aposta pessoal do presidente, ao que parece pouco compreendida pela restante direção. Otto Glória vinha de um futebol evoluído e inovador, trazendo uma verdadeira revolução ao futebol benfiquista. Otto impôs a profissionalização e a reformulação do plantel e do departamento de futebol, assim como a adoção de novas práticas de treino e de preparação dos jogos, e de novas táticas de jogo.



Otto Glória, no Campo Grande, numa sessão de aprendizagem tática aos seus jogadores. Caiado e restantes companheiros ouvem atentos os novos conceitos.


Em Fernando Caiado, Otto Glória viu um líder, nomeando-o capitão de equipa, isto apesar de existirem jogadores mais antigos no Clube. Caiado respondeu de forma positiva, fazendo 30 jogos oficiais, marcando 3 golos, mantendo-se como um dos elementos-chave, liderando o meio campo Benfiquista, e mostrando a classe e o empenho de sempre.

A época ficaria marcada por uma das mais dramáticas e saborosas conquistas de sempre no campeonato nacional. Na última jornada, no dia 24 de abril de 1955, o Benfica sagrou-se campeão em 1954-55, vencendo o Atlético na Luz por 3-0, quando ao mesmo tempo o Belenenses empatava em casa com o SCP, e com isso perdendo o 1º lugar que ocupava até então. Um golo do sportinguista Martins valeu uma festa de arromba no Estádio da Luz!



Momento inesquecível no Estádio da Luz; Caiado e Otto Glória levados em ombros após a dramática conquista dom campeonato de 1954-55.


Nessa tarde, Otto Glória e o seu capitão de equipa, Fernando Caiado, foram levados em ombros! Três anos depois de chegar ao Benfica, Caiado conquistava o seu primeiro campeonato nacional.



Caiado, pela 1ª vez campeão nacional, integrando a equipa que defrontou o CR Flamengo, Taça Charles Miller, RJ, Brasil, 1955.


Mas houve mais, ainda em 1955. Para além de uma saborosa dobradinha (como vimos no texto anterior), no final da temporada, o Benfica foi convidado para disputar um prestigiante torneio no Brasil, disputado entre julho e agosto, no Rio de Janeiro e em São Paulo, contra 5 outras prestigiadas equipas: Flamengo, America, Penarol, Corinthians e Palmeiras.

Essa prestigiosa participação do futebol do Benfica na Taça Charles Miller, da qual aqui falamos de forma extensa em 11 textos (ver -118 a 133 - Taça Charles Miller '55 (parte I-XI); págs. 32-33), foi também marcada por sentidas homenagens da extensa comunidade portuguesa naquelas duas cidades brasileiras. Fernando Caiado, como capitão de equipa, foi um alvo privilegiado dessas homenagens. Inesquecível!



Caiado, capitão de uma equipa carregada de homenagens em terras brasileiras.



Momentos inesquecíveis da passagem pela digressão brasileira de 1955. Alegria, tristeza, festa e convívios, Caiado e companheiros viveram tudo de forma intensa, "À Benfica!". Legenda: a) ficha emigração temporária no Brasil; b) antes do jogo com o CR Flamengo; c) no balneário após derrota contra o America FC (0-2); d) treino com Coluna e Zizinho (jogador que Guttmann considerou melhor que Pelé); e) Caiado na equipa que jogou contra o CR Flamengo (0-1)


A última metade da década de 50, foi marcada por intensas disputas não apenas com o SCP, mas também com o FCP de Yustrich, um treinador brilhante embora muito conflituoso, e que tinha sido um antigo mestre de... Otto Glória, nos tempos do Vasco da Gama!

A temporada de 1955-56 terminou com a perda do campeonato para os portistas, mas a confiança em Otto Glória permanecia incólume, apesar da equipa praticar um futebol menos ofensivo relativamente à tradição e ao gosto dos adeptos benfiquistas! Caiado mantinha números similares às temporadas anteriores.



Caiado numa equipa que disputou um jogo particular em Valado dos Freires, em maio de 1956.


E, de facto, a confiança era merecida. Na temporada seguinte, em 1956-57, o Benfica voltou a conquistar ima dobradinha, com o campeonato duramente disputado com o FCP. Caiado participou em menos jogos, facto talvez atribuível à progressiva melhoria do plantel e ao aumento da competitividade interna.

A Taça de Portugal foi conquistada coma  vitória na final frente ao Sporting da Covilhã (ver: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19561957/taca-de-portugal/1957-06-02/sl-benfica-3-x-1-sp-covilha), mas nesse dia Caiado não jogou, tendo erguido a Taça o capitão Jacinto Marques.



Caiado, pela 2ª vez, campeão nacional, integrando o plantel campeão. José Águas carrega nos braços a sua filha Helena.


A temporada quase teve também uma consagração europeia, não fora a derrota na final da Taça Latina de 1957, perante o Real Madrid, num jogo épico disputado em casa do adversário...



Caiado na equipa benfiquista que disputou a final da Taça Latina de 1957.


A temporada seguinte, de 1957-58 não seria tão feliz, sendo aliás a última em que Caiado contribuiu de forma mais efetiva para a equipa. Com 34 anos, notava-se-lhe já um declínio das capacidades, embora participasse ainda em 18 dos 26 jogos.

A última temporada de Caiado como jogador seria a de 1958-59. Caiado jogou apenas uma vez no campeonato nacional, num jogo foi disputado no Estádio da Luz, em 28 de setembro de 1958, para a 3ª jornada, que resultou numa vitória do Benfica sobre a Académica por 5-0, com 3 golos de Águas e 2 de Cavém.



O último jogo de Caiado no campeonato nacional. Fonte: DL


A direção do Benfica, reconhecendo-lhe contributo significativo, tratou de organizar uma festa de despedida. Caiado afirmou então: "Quero uma cerimónia de despedida recíproca entre mim e o público que sempre me acarinhou e não uma festa de homenagem".

E assim, a 17 de junho de 1959, foi organizada a sua festa de despedida, num desafio contra o seu Boavista FC, que foi o último em que envergou o manto sagrado. Facto notável, por sua decisão sua, cinquenta por cento da receita dessa partida foi atribuída à campanha de obras do Terceiro Anel. Um gesto de Benfiquismo inexcedível, proporcional à atitude e grandeza com que sempre usou o nosso Emblema.



Em cima, à esquerda: a medalha evocativa da festa de despedida de Fernando Caiado. À direita: abraço de Caiado ao seu treinador Otto Glória. Em baixo: recorte do jornal O Benfica" anunciando a festa.


Caiado fechava a sua carreira como jogador, após 7 temporadas em que conquistou 2 campeonatos nacionais, 4 taças de Portugal. Pelo Glorioso, Caiado marcou um total de 29 golos, disputando um total de 207 jogos, sendo capitão de equipa em 134 deles (quase 65%). Soube conquistar a estima e o respeito de todos os Benfiquistas.



Títulos, conquistas, honrarias.


Essa temporada final seria também marcada pelo fim da primeira passagem de Otto Glória pelo Clube. Não obstante todos os títulos e tremendo trabalho feito, Otto tinha já um grande desgaste à sua volta. As bases para o grande Benfica europeu estavam lançadas, por via da ação de um conjunto de homens notáveis, que dentro e fora de campo, trabalharam infatigavelmente.

Não obstante ser um profissional, e por isso ter passado por outros clubes, Otto Glória foi um dos mais importantes treinadores da História do Benfica. O seu contributo para o Benfiquismo é inquestionável e valoroso, sendo por isso merecedor da eterna gratidão e reconhecimento dos Benfiquistas. Também a ele foram feitas diversas homenagens, entre as quais algumas dos seus próprios jogadores. Os Benfiquistas sabem sempre ser gratos a quem defende e honra o Clube e Caiado, profundamente ligado ao brasileiro, foi um dos que lhe soube agradecer.



Caiado e diversos companheiros de equipa homenageando o seu treinador Otto Glória com a entrega de uma fotografia autografada por todos os jogadores.


No próximo texto falaremos brevemente da vida de Caiado após o abandono dos relvados. Também como treinador soube dar um excelente contributo ao Glorioso.


Alexandre1976

#1251
Fantástico Red VC.Apenas um aparte,a foto da equipa de 54-55 tem alguns nomes trocados.
Em cima estão o Dr.Angelino Fontes,Costa Pereira,Jacinto Marques,Fernando Caiado,Alfredo Abreu,Artur Santos,Ângelo Martins,José Bastos e Otto Glória.Em baixo temos Zezinho,Arsénio,José Águas,Mário Coluna e Francisco Palmeiro.

RedVC

Citação de: Alexandre1976 em 25 de Setembro de 2022, 21:16
Fantástico Red VC.Apenas um aparte,a foto da equipa de 54-55 tem alguns nomes trocados.
Em cima estão o Dr.Angelino Fontes,Costa Pereira,Fernando Caiado,Alfredo Abreu,Artur Santos,Ângelo Martins,José Bastos e Otto Glória.Em baixo temos Zezinho,Arsénio,José Águas,Mário Coluna e Francisco Palmeiro.


Muito obrigado, Alexandre! Vou corrigir  O0

Alexandre1976

Faltava o nome do Jacinto Marques que está entre o Costa Pereira e o Fernando Caiado.

RedVC

#1254
-331-
Caiado para vencer! (parte III): os anos de treinador

Dia 1 de julho de 1962, Estádio Nacional.



De pé, da esquerda para a direita: Dr. Sousa Pinho, Hamilton Pena (massagista), Eusébio, José Augusto, Fernando Caiado (treinador), Germano, Cavém e Costa Pereira. Em baixo: Ângelo, Cruz, Mário João, José Águas, Coluna e Simões.


A equipa principal de futebol do Benfica, sagrada bicampeã europeia no mês anterior, celebra a conquista de mais uma Taça de Portugal, a 14ª da sua História, após vencer o Vitória de Setúbal por concludentes 3-0 (ver: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19611962/taca-de-portugal/1962-07-01/sl-benfica-3-x-0-v-setubal). A vitória foi selada com dois golos de Eusébio e um de Cavém, todos na segunda parte.

Na foto de grupo, nota-se a ausência de Béla Guttmann, estando presente Fernando Caiado, que durante essa temporada tinha sido o treinador adjunto do húngaro. Ocupava essas funções desde a temporada de 1958-59, uma vez que o húngaro queria trabalhar com alguém que conhecesse o Clube, os jogadores e que impusesse disciplina.

Foi aliás, para Caiado que Guttmann, encantado com o primeiro treino do recém-chegado Eusébio da Silva Ferreira, disse: "É ouro, Caiado, é ouro!"



Caiado ao lado de Guttmann numa espantosa fotografia de Roland Oliveira na temporada de 1959-1960, antecâmara da glória europeia.


O facto é que nesse primeiro dia de julho de 1962, Guttmann já não era treinador do Benfica. O contrato de tinha expirado no dia anterior. As partes tinham extremado posições e não havendo acordo para uma nova renovação do contrato, a direção benfiquista nomeou Fernando Caiado como treinador principal interino naquele jogo. Caido desempenhou essa função não apenas naquele jogo mas também em dois jogos disputados alguns dias depois, em Luanda e em Lourenço Marques.

Caiado era duro, conhecedor, disciplinador, competente e capaz de transmitir a Mística do Clube. Em boa verdade, diga-se que essas virtudes lhe eram reconhecidas desde o seu tempo de jogador, particularmente por Otto Glória. Aliás no período de transição de jogador para treinador, Caiado terá também auxiliado José Valdivieso (juniores e reservas) e até treinado equipas escolares do Colégio Moderno!



A Fernando Caiado desde cedo forma reconhecidas virtudes para se tornar um excelente treinador. Fonte: "O Benfica ilustrado".


E assim se explica que, de 1958 até 1966, Caiado tenha integrado sucessivas equipas técnicas Benfiquistas: Otto Glória (1958-59), Béla Guttmann (1959-62), Fernando Riera (1962-1963), Lajos Czeizer (1963-64) e Elek Schwartz (1964-1965).

O conjunto de títulos e troféus ganho nesse período é impressionante, desde campeonatos nacionais, taças de Portugal, torneios particulares disputados pelos quatro cantos do mundo, e acima de tudo duas Taças do Campeões Europeus e duas outras finais perdidas. O período de ouro do Sport Lisboa e Benfica!



Caiado, treinador adjunto de Béla Guttmann, com todos os campeões europeus de 1960-61.



A receção apoteótica no Estádio da Luz feita aos campeões europeus de 1960-61. Caiado ao lado de Guttmann.


Algumas semanas depois da inolvidável conquista da Taça de Portugal de 1961-62, a direção Benfiquista anunciou a contratação do chileno Fernando Riera, para liderar a nova equipa técnica. Riera chegava prestigiado, como o ex-selecionador chileno que tinha levado a sua seleção ao terceiro lugar do mundial do Chile 1962, concluído cerca de duas semanas antes. Riera aceitou as condições da direção do Benfica, formando uma equipa técnica com dois treinadores adjuntos. Eram três Fernandos...



Fernando Cabrita (adjunto), Fernando Riera (principal) e Fernando Caiado (adjunto), a equipa técnica para a temporada 1962-1963.


Uma vez mais o sucesso corou o trabalho do futebol Benfiquista, embora pelas razões conhecidas não se tenha conquistado a terceira Taça dos Campeões Europeus, perdendo-se em Wembley talvez a final mais fácil da nossa História.



Riera, Cabrita e Caiado. Os três Fernandos a celebrar mais uma vitória do Benfica!


Vieram depois as eras Czeiler e Schwartz, sempre com conquistas e com equipas mostrando um grande futebol. A epopeia Benfiquista era coroada de sucessos nacionais, mas, por alguns detalhes, a glória europeia não mais voltou. E nem sempre houve perspicácia em saber manter as melhores apostas, como foi por exemplo o caso do excelente treinador Elek Schwartz...



Caiado, treinador adjunto de Elek Schwartz, na equipa Benfiquista que disputou e venceu a Taça de Portugal de 1965.


Em meados de 1965, após a partida de Schwartz, e com o regresso de Guttmann ao Benfica, seria de esperar que Caiado continuasse no Benfica. Assim não foi, e do ponto de vista do Benfica, terá sido talvez um erro. O regresso de Guttmann foi infeliz, ao mesmo tempo que Otto Glória ganhava o campeonato em Alvalade...

Ora, em 1966, o selecionador nacional era Manuel da Luz Afonso, figura prestigiada ligada ao Benfica, e profundamente ligado às glórias europeias do Clube. Apesar dessa filiação clubística, Manuel da Luz Afonso era uma figura respeitada por todos os sectores do futebol nacional. Como treinador de campo foi escolhido Otto Glória, que dois anos antes tinha orientado o FC Porto e como atrás se disse, nesse mesmo ano tinha sido campeão orientando o Sporting CP. E nessa função de treinador da selecção nacional portuguesa, Otto Glória não teve dúvidas, chamando Fernando Caiado para o auxiliar. Caiado foi um dos "magriços", nas funções de treinador adjunto.



Caiado, treinador adjunto na equipa técnica que liderou Portugal no Mundial 1966.


E que extraordinária aventura seria essa participação portuguesa no Mundial de Inglaterra, em 1966...


Quatro magriços: três jogadores e um treinador. Fonte: AML


Concluído o Mundial de 1966, Otto Glória foi para o Atlético de Madrid. Fernando Caiado decidiu assumir o papel de treinador principal, aceitando um convite do SC Braga, que tinha acabado de vencer a sua primeira Taça de Portugal. Em 1966-67, com Caiado ao leme, os bracarenses conseguiram um 9º lugar no campeonato nacional e chegaram a uma meia-final da Taça, perdida para a Académica.

No final dessa temporada, Caiado recebeu um convite do SCP. Surpreendente? Talvez não! É preciso considerar que nos 7 anos anteriores, o Benfica tinha sido duas vezes campeão europeu e ido a mais duas finais. Tinha sido 5 vezes campeão nacional (1959-60, 1960-61, 1962-63, 1963-64, 1964-65). E, como noutros períodos históricos (1907, 1914, etc, etc) de avassalador domínio benfiquista, o Sporting decidiu tentar transplantar a capacidade competitiva e vencedora inerente à mística benfiquista. Como? Recrutando Benfiquistas!

Entenda-se que dizer isso não se coloca em causa o indiscutível valor profissional de Fernando Caiado, mas esse convite sportinguista só podia ser entendido como o reconhecimento de que a receita de sucesso estava no outro lado da segunda circular. Caiado era considerado um discípulo de Otto Glória e de Béla Guttmann e isso era um cartão de mérito indiscutível.

Fernando Caiado aceitou o desafio, tornando-se o treinador do SCP durante cerca de 16 meses. Completou o campeonato de 1966-67 num 2º lugar, a 4 pontos do campeão Benfica (https://www.wikisporting.com/index.php?title=1967/68). O título foi perdido nas jornadas finais, depois de um dérbi na Luz, ganho pelo Benfica que, entretanto, tinha contratado... Otto Glória! Voltas e revoltas...

Caiado ainda iniciou a temporada seguinte como treinador, mas os bons resultados continuaram a não aparecer, acabando por sair à sétima jornada, sem que com isso fosse beliscada a sua imagem de profissional digno e conhecedor (https://www.wikisporting.com/index.php?title=1968/69). Outros destinos viriam.



Foram 16 meses como treinador do SCP. Fonte: DL


Nos 10 anos seguintes, Caiado percorreu alguns dos mais prestigiados clubes primo-divisionários de então. No Vitória de Guimarães chegou a disputar uma final da Taça de Portugal, mas perdeu (e logo) para o Boavista (1975-76)... Era metódico e rigoroso, preparando com grande cuidado os jogos da sua equipa. Deixou sempre uma imagem competente e conhecedora do seu ofício.



Quadro abreviado da carreira de Fernando Caiado como treinador de futebol.


Em 1979, concluída a primeira era Mortimore, e após a perda frustrante de dois campeonatos, a direção Benfiquista liderada por Ferreira Queimado chamou novamente Caiado, desta vez para ser adjunto de Lájos Baroti. Com o prestigiado treinador húngaro, Caiado formou uma dupla de sucesso, que conquistou de forma brilhante o campeonato de 1979-80.

Na temporada seguinte não se viu o mesmo futebol, mas antes uma equipa fustigada com lesões e com algum azar competitivo. Nessa temporada, Toni, a convite de Baroti, já tinha reforçado a equipa técnica, mas percebeu-se que era tempo de mudança na liderança da equipa.



Fernando Caiado e Toni (treinadores adjuntos), Lájos Baroti (treinador) e Prof. Monge da Silva (preparador físico).



Fernando Caiado, adjunto de Baroti e um plantel de grande qualidade.


O novo presidente, Fernando Martins, decidiu então apostar num treinador jovem e ambicioso, o sueco Sven Goran Eriksson, aureolado pela conquista da Taça UEFA ao leme do IFK Goteborg.

Para adjuntos, o sueco aceitou Fernando Caiado e Toni, ou seja os adjuntos de Baroti na temporada anterior. E, claro, o sueco sentiu-se muito mais à vontade com a personalidade e métodos de trabalho de Toni, com o qual não tinha uma diferença geracional, mas também com quem partilhava a sua visão do jogo e dos métodos de trabalho.

Eriksson foi uma lufada de ar fresco no futebol português, trouxe inovações táticas, de metodologias de treino e uma nova visão da preparação dos jogos, responsabilizando muito mais os jogadores, rompendo com a tradição dos longos estágios e dessa forma com uma prática mais rígida e controladora. Foram duas temporadas de grande sucesso desportivo. Inesquecíveis!



Caiado, treinador adjunto de Sven Goran Eriksson (1982-83)


Não deixando de contribuir para o sucesso da primeira era benfiquista do sueco, tinha chegado o tempo da partida de Fernando Caiado. Com uma longa missão de serviço cumprido, e de forma brilhante, ao Clube, o leceiro deixava o Benfica. Deixou uma imagem de um profissional digno e de exceção, de uma enorme dedicação ao Benfica, mesmo que em alguns momentos não fosse consensual entre os jogadores, sempre muito mais sensíveis a uma visão menos rigorosa e em certa medida, menos exigente, das suas obrigações e responsabilidades como futebolistas do Sport Lisboa e Benfica.



Fernando Caiado (1925-2006), uma dedicação ao Sport Lisboa e Benfica. Obrigado, Fernando Caiado!



Fernando Caiado, faleceu na sua residência na cidade do Porto, no dia 12 de novembro de 2006, contando com 81 anos de idade, vítima de uma doença prolongada. Foi sepultado no cemitério de Aldoar. Que descanse em paz.



Fernando Caiado nos seus anos finais.


Obrigado, Fernando Caiado!



Alexandre1976

Red VC, o médico que não está identificado na primeira foto acho que é o Dr. Sousa Pinho.
Mais um pedaço de história fantástico.Obrigado.

RedVC

Citação de: Alexandre1976 em 29 de Setembro de 2022, 00:08
Red VC, o médico que não está identificado na primeira foto acho que é o Dr. Sousa Pinho.
Mais um pedaço de história fantástico.Obrigado.


Provavelmente é o Dr. Pinho. Tenho uma ligeira dúvida e por isso é que não identifiquei. Como sabes fiz um trabalho extenso sobre muitos dos médicos e dos enfermeiros-massagistas que serviram o Clube desde os primeiros anos.

Falei do Dr. Pinho logo no primeiro de 5 textos:


https://serbenfiquista.com/forum/memorias/25/decifrando-imagens-do-passado/53816/1050

Texto -275- Ases com mãos de oiro - parte I

Nesses anos haviam dois médicos a servir o Clube.Para além do Dr. Pinho havia um outro que agora não consigo encontrar o nome. Nunca vi uma fotografia desse outro e como o médico da fotografia inicial do texto parece ter (ainda) menos cabelo do que o que conhecia do Dr. Pinho, decidi não identificar.

Aidna assim, é bastante provável que fosse o Dr. Pinho por isso aceitei de bom grado a tua sugestão. Sempre apreciadas as sugestões de correções  O0  Obrigado.

Alexandre1976

#1257
Realmente tens razão,é um bocado complicado saber se é o Dr.Pinho sendo que como dizes existia outro medico no clube.Até pode ser um dirigente do clube.

RedVC

#1258
-332-
O primeiro tango (parte I): de La Plata a Lisboa

Dia 1 de fevereiro de 1937, Estádio Gasómetro de Boedo, Buenos Aires, Argentina.



A seleção argentina, vencedora da Copa América de 1937, com o avançado centro Alberto Zozaya em destaque


A Copa América de 1937, na altura designada por Campeonato Sul-Americano, disputou-se na Argentina, desde o final de dezembro de 1936 até ao primeiro dia de fevereiro de 1937. Nesse estádio, propriedade do San Lorenzo de Almagro, a seleção da casa venceu a competição, depois derrotar o Brasil num jogo de desempate (ver: https://pt.besoccer.com/competicao/tabela/copa-america/1937).

Entre os 11 jogadores argentinos, reconhece-se o avançado-centro Alberto Máximo Zozaya, "Don Padilla". Essa foi a única competição que Zozaya conquistou com a camisola alviceleste. Com 5 golos marcados, Zozaya foi melhor marcador argentino e o segundo melhor da competição.



A seleção argentina de 1937, com Alberto Zozaya em destaque


Quinze anos mais tarde, Alberto Máximo Zozaya, tornou-se o primeiro treinador argentino do futebol Benfiquista.



Esquerda: anúncio da contratação de Zozaya em agosto de 1953. Fonte: DL


Zozaya foi contratado para ser treinador da equipa principal em agosto de 1952, sucedendo a um homem da casa, o dedicado Cândido Tavares, que por sua vez tinha substituído o inglês Ted Smith que, por problemas pessoais, tinha abandonado o clube.

Nesse final de temporada, Cândido Tavares orientou um plantel que perdeu o título de campeão para o Sporting CP, mas que conquistou a Taça de Portugal, após uma vitória épica de 5-4 contra o rival leonino.



15 de junho de 1952, as 3 equipas que disputaram a Taça de Portugal de 1951-52.


A contratação de Zozaya, técnico argentino desconhecido, entende-se num contexto em que o futebol sul-americano estava muito valorizado depois das espantosas exibições (e resultados) que uma equipa do San Lorenzo de Almagro fez, alguns anos antes, em janeiro-fevereiro de 1947, em Lisboa (10-4 a um misto SLB-SCP-CFB) e no Porto (9-4 ao FCP).

Nunca se tinha visto uma equipa dotada de tanta técnica e de um jogo coletivo tão preciso, harmonioso e concretizador. Foi um choque e um fascínio que teria implicações em todos os principais clubes de Portugal. Na altura escrevia-se na revista Stadium

"O seu jogo veio revolucionar o futebol da Península, despertando a atenção de todos para o treino e preparação dos jogadores, a qual não deverá começar quando os praticantes entram para os clubes, mas numa idade menos avançada." "O San Lorenzo caracterizara-se mais uma vez pelo valor do seu formidável conjunto, servido pelos mais perfeitos dominadores de bola que jamais vimos." (ver mais: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Stadium/1947/N218/N218_item1/P2.html).


"Don Padilla"



Alberto Máximo Zozaya (1908-1981)


Alberto Máximo Zozaya, nasceu em 13 de abril de 1908, em Urdinarrain, pequena localidade, hoje com menos de 10.000 pessoas, pertencente ao distrito de Gualeguaychú, província de Entre Rios, Argentina. Era um de dez irmãos, tendo começado a jogar futebol aos 11 anos no Juventude Unida e aos 14 transitado para o Central Entrerriano, ambos pequenos clubes da sua vila. Ao mesmo tempo estudava, ambicionando talvez tornar-se escrivão, quiçá mesmo advogado...

Zozaya foi uma das grandes figuras históricas do Club Estudiantes de La Plata, onde fez carreira notável como jogador, a partir do final da década de 1920 e durante toda a década de 30. Era um avançado centro, excelente cabeceador, e muito prolífico. Ainda hoje é o terceiro maior goleador de sempre do clube, com 144 golos marcados ao longo de 10 temporadas, número significativa para a época.

Foi descoberto pelo Estudiantes quando, em 1929, jogaram contra o Central Entrerriano. Zozaya manteve-se no clube durante 10 temporadas, saindo apenas em 1940, quando já estava prestes a abandonar o futebol, para fazer alguma no Racing Avellaneda e nos uruguaios do Bella Vista. Uma grave lesão muscular ditaria o fim da sua carreira de jogador.


Estudiantes, um grande não tradicional...

Fundado em 1905, o Estudiantes de La Plata equipa de camisola com listas verticais vermelhas e brancas e tem como mascote o Leão. Sendo o principal clube de La Plata, província da zona de Buenos Aires (https://pt.wikipedia.org/wiki/Club_Estudiantes_de_La_Plata) tem como maior rival da cidade, o Gymansia y Esgrima de La Plata, que equipa de azul e branco e tem como mascote o Lobo (https://pt.wikipedia.org/wiki/Club_de_Gimnasia_y_Esgrima_La_Plata).

Existe uma estimativa que aponta para que os dois clubes tenham um número similar de adeptos (ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Campeonato_Argentino_de_Futebol). Aspecto pitoresco é que os leões vermelhos (Estudiantes) e os lobos azuis (Gymnasia) também têm alcunhas bem mais pitorescas, os primeiros como "pincharratos" (fura-ratos) e os segundos como "triperos" ou "lixeros". Tudo dito sobre as rivalidades na cidade de La Plata...



Os dois clubes rivais da de La Plata. Alcunhados de Lobos (Gymnasia, de azul e branco) e Leões (de vermelho e branco). Figurando estão dois dos seus craques da década de 30: Naon (Gymnasia) e Zozaya (Estudiantes). Fonte: wikipedia e El Gráfico.


Ao longo da sua história, o Estudiantes já conquistou 6 títulos de campeão argentino (1913, 1967, 1982, 1983, 2006 e 2010) enquanto que o rival da mesma cidade, o Gymnasia tem apenas 1 título de campeão argentino (1929).

Mas a maior distinção e orgulho do Estudiantes resulta de já ter conquistado 4 taças dos Libertadores da America (1968, 1969, 1970 e 2009) e uma taça Intercontinental (1968). O Estudiantes foi, aliás, o primeiro clube a conquistar 3 taças Libertadores seguidas e só não foram 4 porque perderam a final de 1971...

A Taça Libertadores da América, oficialmente CONMEBOL Libertadores, é a principal competição de futebol entre clubes profissionais da América do Sul, organizada pela Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) desde 1960. É o equivalente sul-americano à Champions League.

Estranhamente, apesar de tão grande destaque internacional, o Estudiantes não é tradicionalmente incluído no grupo dos grandes do futebol argentino, sendo essa distinção dada a 5 outros clubes (https://pt.wikipedia.org/wiki/Cinco_grandes_do_futebol_argentino), três de Buenos Aires e dois de Avellaneda. Se compararmos vemos:

CA Independiente (7 Libertadores, 2 Intercontinentais e 16 campeonatos argentinos),

CA Boca Juniors (6 Libertadores, 3 Intercontinentais e 34 campeonatos argentinos),

Racing C Avellaneda (1 Libertadores, 1 Intercontinental e 18 campeonatos argentinos),

CA River Plate (4 Libertadores, 1 Intercontinental e 37 campeonatos argentinos),

CA San Lorenzo de Almagro (1 Libertadores e 15 campeonatos argentinos).


A diferenciação dada pela tradição parece assim estar assente no número de títulos internos e no número de adeptos.



Los Profesores

O ano de 1931, foi o primeiro do futebol profissional na Argentina. Apesar do Gymnasia de La Plata se ter sagrado campeão pela única vez na sua história em 1929, seria o Estudiantes que mais se destacaria nessa transição para o futebol profissional. De facto, apesar dos pincharratas terem ficado em 3º lugar, nesse primeiro campeonato de 1931 ganho pelo Boca Juniors, Zozaya ficou registado como o primeiro jogador a marcar um golo no futebol profissional. Foi também o maior marcador desse campeonato, onde o Estudiantes atingiu a impressionante marca de 104 golos marcados. O poder de fogo da linha atacante dos pincharratas seria a sua imagem de marca.

Ora, no início da década de 30, o Estudiantes dispôs de uma linha atacante temível, mítica, denominada Los Profesores, que integrava as suas 5 grandes estrelas: Lauri - Flecha de Oro, Scopelli - el Conejo, Zozaya - Don Padilla, Ferreira - el Piloto Olímpico e Guaita - el Indio.



Los Profesores, nos seus dias áureos da década de 30


A curiosa alcunha de Zozaya parece que teve a sua génese num evento que fez parte das comemorações do centenário da independência da Argentina, em 1910. Nessa ocasião, e durante a visita da Infanta Isabel da Espanha, foi organizado um campeonato de adestramento de potros, vencido por um famoso cavaleiro chamado Magín Padilla. Ao que parece, quando tinha 7 ou 8 anos, Zozaya, que cresceu no campo, foi montado num bezerro pelos seus irmãos mais velhos que queriam a testar a habilidade natural do mano. Entusiasmados porque o petiz nunca mais caía do bezerro, os manos lá o foram encorajando aos gritos de "Padilla, viejo nómas!", comparando-o ao famoso cavaleiro. Ficou para a vida...


Voltando a "Los Profesores", segundo alguma imprensa desportiva da época o quinteto terá sido a "primeira grande expressão da arte coletiva dentro de um campo de futebol". Mas, como no futebol moderno, também em 1933, o quinteto se desfez, com as saídas de Scopelli e Guaita para Itália (ambos chegaram a jogar na seleção italiana), e de Lauri para França (também jogaria pela seleção gaulesa)...

Mesmo que só tenham jogador juntos 3-4 anos, ficou, para sempre, a memória desse virtuosismo, e a amizade, celebrada em diversas reuniões nas décadas seguintes.



Los Profesores, na mesma ordem, mas já na década de 60.


Há também um interessante vídeo que nos relata a história deste quinteto.





Scopelli, e o Benfica

Companheiro de Zozaya, no Estudiantes e na seleção argentina, "Lo profesor" Scopelli também fez parte da sua carreira de treinador em Portugal, tendo-se inevitavelmente cruzado com o Benfica.



Scopelli e Zozaya na seleção argentina



Dois jogadores mediáticos. Scopelli (de pé) e Zozaya (sentado) envergando a camisola alviceleste.


Alejandro Scopelli (1908-1987) chegou a Portugal em 1939, fugindo de Paris, forçado a deixar para trás o Racing de Paris, onde jogava desde 1938, já depois de também ter passado pelo Red Star (Paris) e pela AS Roma. Chegou a Lisboa para jogar e treinar no CF "os Belenenses" (1939-41), tendo aliás sido nas Salésias que iniciou a sua carreira de treinador.

Finda a sua primeira passagem pelo CFB, e após treinar durante 4 anos no Chile, regressou ao CFB (1947-48), tendo depois saltado entre Espanha e Portugal durante diversas temporadas. Em Portugal teve passagens pelo FCP (1948-49) e pelo SCP (1955-56), tendo, já perto do final da sua carreira, voltado ao CFB (1972-74). Deixou sempre uma excelente imagem, particularmente no Restelo, onde ainda hoje é recordado com carinho e admiração.

E, apesar de nunca tendo jogado ou treinado no Benfica, Scopelli acabou por ficar indiretamente ligado a diversos episódios relevantes da História do Glorioso. Para nosso deleite, salientemos três desses episódios.

O primeiro, aconteceria no dia 24 de abril de 1955, aquando da última jornada da temporada de 1954-55. Scopelli era então treinador do SCP, que o contratou em fevereiro de 1955, depois do despedir o húngaro József Szabó. À partida para essa última jornada, o CFB liderava o campeonato com 1 ponto de avanço sobre o Benfica e 2 sobre o SCP. Os três clubes podiam ser campeões, dependendo da conjugação de resultados.

O CFB recebia o SCP e o Benfica recebia o Atlético. Nas Salésias, nos últimos minutos de jogo, os sportinguistas impuseram aos azuis do Restelo um empate (2-2) ... Ao mesmo tempo o Benfica vencia o Atlético por 3-0, sagrando-se campeão nacional! Scopelli, terá então desabafado "Uma coisa é a simpatia, outra é a profissão". Scopelli foi profissional, impondo aos azuis do Restelo uma das maiores feridas da sua história.



Drama nas Salésias e Festa na Luz!


O segundo episódio, que também aconteceu durante a temporada de 1954-55, deu-se quando o Benfica venceu o Sporting no Estádio do Jamor, conquistando a 14ª Taça de Portugal da sua História. A equipa de Scopelli não conseguiu travar a de Otto Glória, vencendo por 2-1, com dois golos do pequeno e letal Arsénio. Scopelli queixou-se da má fortuna, da lesão de Travaços e da dureza do adversário...



A equipa do SL Benfica que conquistou a Taça de Portugal, vencendo o Sporting CP, no dia 12 de junho de 1955.


O terceiro episódio esteve ligado à disputa da primeira edição da Taça dos Clubes Campeões Europeus, em 1955-56. O representante português nomeado foi o Sporting, 3º classificado na temporada finda! A equipa do SCP ainda era orientada por Scopelli (seria demitido em abril de 1956). Ora, o exotismo desse convite decorre de que o Sporting foi convidado em detrimento do campeão nacional, Benfica e do 2º classificado, o Belenenses da temporada anterior...



Alejandro Scopelli e Otto Glória


Ao que se diz, o jornal L'Equipe, organizador dessa edição inaugural da competição, fez o convite ao SCP apenas porque recebeu essa sugestão por parte da... FPF! É claro que nunca apareceram documentos oficiais da FPF a comprovar o rumor, mas isso já nos acostumamos, e em diversas outras ocasiões. Uma vez mais, os benfiquistas foram "beneficiados" durante o Antigo Regime.

De pouco serviria essa benesse ao SCP, uma vez que seriam eliminados logo na 1ª eliminatória pelo Partizan de Belgrado. O maior feito de Scopelli, como treinador, seria obtido em Espanha, à frente do Valência, quando conquistou a Taça das Cidades com Feira de 1962-63.


No próximo texto falaremos da curta estadia de Alberto Zozaya no Benfica.



RedVC

#1259
-333-
O primeiro tango (parte II): meio ano em Lisboa

Equipa principal de futebol do Club Estudiantes de La Plata. Vencedores da "Copa de la Republica" de 1945.



Alberto Zozaya, treinador da equipa do Club Estudiantes de La Plata em 1945


Em 1945, cerca de 5 anos após terminar a carreira de jogador, Alberto Zozaya assumiu o cargo de treinador da equipa principal do "seu" Club Estudiantes de La Plata. Logo no primeiro ano venceu a "Copa de la República" (uma das antecessoras da Copa Argentina, atual competição a eliminar, similar à Taça de Portugal). Manter-se-ia no cargo até 1949, fazendo ainda uma campanha destacada na temporada de 1947-48, embora sem conquistar qualquer título.


Zozaya no Benfica




Desde 1929 que os adeptos do Benfica se habituaram a ver treinadores estrangeiros no banco de suplentes. Em 1952, era o quinto que tinha tido essa honra e responsabilidade. O primeiro foi o checo Arthur John (1929-1931), seguido pelos húngaros Lipót Hertzka (1936-39, 1947-48) e János Biri (1939-47) e finalmente pelo inglês Ted Smith (1948-50).

A chegada de Alberto Zozaya tinha apenas o elemento exótico de ser o primeiro sul-americano, no caso argentino. Não seria o último.

Ainda não faço ideia de como a direção Benfiquista terá chegado ao nome e ao contato de Zozaya. Com a informação por ora disponível, e apesar do prestígio que o futebol argentino então tinha, é estranho que Ferreira Bogalho e seus companheiros de direção, eleitos em março de 1952, tenham dado o comando da equipa principal de futebol a um treinador que, aparentemente, tinha pouca experiência e pouco destaque no seu país.

Quando Zozaya foi contratado, em agosto de 1952, encontrou uma equipa que precisava de reconstrução e rejuvenescimento, após a perda de dois campeonatos para o SCP.

Em 1950-51, ainda na ressaca da vitoria na Taça Latina, e ainda sob o comando do inglês Ted Smith, o Benfica tinha comprometido a temporada ao sofrer as consequências do desgaste de uma longa digressão por África.

No entanto, em 1951-52, a equipa voltaria a fraquejar, numa temporada marcada pela abrupta saída de Ted Smith, que alegou razões pessoais, e da sua substituição por Cândido Tavares, dedicado homem da casa. Em ambas as temporadas, o melhor que se conseguiu foi a conquista da Taça de Portugal.

Nessa nova temporada de 1952-53, o Benfica vivia também um contexto interno complexo embora empolgante, uma vez que estava prestes a iniciar-se a epopeia da construção do Estádio da Luz. E, apesar da prioridade da Direção Benfiquista ser a edificação do novo estádio sem que com isso o Clube ficasse endividado, ainda assim Ferreira Bogalho e seus homens, não deixaram de investir em contratações relevantes para um plantel que precisava de melhorias e rejuvenescimento.

Durante toda temporada, a equipa de futebol ainda jogaria no envelhecido Campo Grande, que com o seu pelado e bancadas de madeira, apresentava cada vez menos condições e que não era de todo condizente com a grandeza do Clube. Ainda assim continuava a ser a casa do Benfica e somente nos jogos contra o Sporting, o palco escolhido seria o majestoso Estádio Nacional.



Um jogo no Campo Grande contra o Vitória de Guimarães. Fonte: Helena Águas.


Para 1952-53 foram contratados 9 jogadores: o guarda-redes Garcia (?), o defesa Ângelo Martins (ex-Académico do Porto), os médios António Rosa (ex-Estrela de Portalegre), Fernando Caiado (ex-Boavista) e Monteiro (ex-Candal), e os avançados Veirinha (ex-Estoril), Gonzaga (ex-Estoril), Zézinho (ex-Montijo) e Mário Rui (ex-Belenenses, embora fosse um regresso). Todos eles eram atletas de valor, embora quatro viessem a justificar mais a aposta do Clube. Ângelo trazia mais força e genica para o sector defensivo, enquanto que Caiado, Vieirinha e Zézinho foram apostas regulares para o sector ofensivo, durante grande parte da temporada.



As aquisições mais impactantes na temporada de 1952-53


No sentido oposto, saíram do plantel 12 atletas: os guarda-redes Rosa, Braúlio, e Furtado, o defesa Cesário, o médio Gomes Reis e os avançados Manero, Mascarenhas, Caraça, Batalha, Lara, Taborda e José da Costa.

Houve por isso uma redução do plantel, num tempo em que era frequente integrarem cerca de 30 jogadores. Como ainda não eram autorizadas as substituições durante as partidas de futebol, muitos jogadores eternizavam-se na categoria de reservas, sem oportunidades na equipa principal, até que eram dispensados. Na perspetiva das direções, planteis vastos eram considerados um indicador da robustez desportiva e financeira do clube, ao mesmo tempo que davam opções de escolha aos treinadores. Essa visão apenas mudaria – e drasticamente - no final da década, com a chegada de Béla Guttmann.

As contratações para 1952-53 foram racionais, aumentando a qualidade global, ao mesmo tempo que rejuvenesciam o plantel. Para lá do grande capitão Francisco Ferreira, que teve a sua festa de despedida a 9 de setembro de 1952, algumas das maiores figuras estavam já numa fase de declínio: os defesas Félix, Fernandes, Jacinto Marques e os avançados Rogério Pipi e Julinho. Outros havia que mesmo sendo considerados valores sólidos da equipa, acabariam por não ficar muito mais anos, à medida que foram chegando reforços de grande valor nas temporadas seguintes. Ferreira Bogalho e seus homens foram sempre muito diligentes no reforço dos planteis, criando uma base que anos mais tarde nos daria a glória europeia.



Os 20 jogadores utilizados no campeonato nacional de 1952-53. Dispostos de cima para baixo e da esquerda para a direita por ordem decrescente de utilização.


Um percurso de (poucos) altos e (muitos) baixos


Os primeiros jogos, de carácter particular, orientados por Alberto Zozaya até deram boas indicações, obtendo-se duas vitórias sobre o FCP (1-0 e 3-2) e um empate com o SCP (2-2). No entanto, para o Benfica, o campeonato começou logo com duas derrotas, que geraram apreensão nos adeptos e alguma tensão na equipa. Em Setúbal, mesmo com uma grande comitiva de adeptos benfiquistas presente no Campo dos Arcos, o Benfica perdeu (1-2), num jogo arbitrado por Inocêncio Calabote... Uma semana depois, jogando no Estádio Nacional, na receção ao SCP (2-3), a equipa voltou a não conseguir mostrar futebol convincente. Segundo Tavares da Silva, jornalista e por diversas vezes selecionador nacional, o Benfica mostrou propensão ofensiva e velocidade, mas sem grande jogo coletivo.

Vieram depois 3 vitórias robustas, mas quando se pensava que a equipa estava a melhorar, sofreu nova derrota, desta vez nas Antas, a nova casa do FCP (1-2). Nesse jogo, apesar de termos entrado a dominar e de termos marcado primeiro por Águas, uma desatenção da defesa permitiu o empate ainda na primeira parte. Na segunda parte, e com Félix fisicamente debilitado, o Benfica continuou dominador, mas um golo polémico, altamente contestado pelos nossos jogadores, acabou por dar o triunfo ao FCP. Foi uma derrota bastante penalizadora e injusta, mas como nenhum candidato se mostrava muito superior, e tendo apenas 2 pontos de atraso para o SCP, CFB e FCP, a nossa equipa mantinha-se na luta.



Derrota no Jamor contra o SCP. Fonte: Helena Águas.


Veio depois uma série de 8 jogos que nos trouxeram 7 vitórias e 1 empate em Guimarães, chegando à vice-liderança, a 2 pontos do Sporting. Assim a liderança do campeonato jogar-se-ia na 15ª jornada, no 2º jogo da 2ª volta, contra o SCP, num jogo arbitrado por Inocêncio Calabote. Tal como o jogo da 1ª volta, a partida foi disputada no Jamor, e uma vez mais o SCP venceu por 3-1.

Foi um momento definidor. Com essa vitória, o SCP aumentou a diferença para 4 pontos, ficando instalada, no Benfica, a sensação de que a conquista do campeonato estava altamente comprometida. Essa convicção ditou o afastamento de Zozaya.

Para o substituir, o presidente Bogalho e a direção Benfiquista chamaram novamente Ribeiro dos Reis, que uma vez mais voltou a formar uma equipa técnica com José Simões, deixando o trabalho de campo a Francisco Ferreira, retirado dos campos no início dessa mesma temporada.



A equipa técnica nomeada para liderar o futebol Benfiquistas, após a saída de Alberto Zozaya


Ribeiro dos Reis, pelo prestígio de longos anos de serviço, e pela sua posição como Presidente da Mesa da Assembleia Gera, era a figura nº 1 do Clube. Teórico, altamente conhecedor do futebol, antigo selecionador nacional e que por diversas vezes liderou ao nosso futebol, era um homem certo para enfrentar aquele momento. Impunham-se mudanças.

E de facto, ou por eventuais limitações físicas, ou pelo reconhecimento do mau momento de forma, ou até pela necessidade de agitar as águas, Ribeiro dos Reis, reformulou a linha ofensiva do Clube, dando descanso a figuras como Arsénio e Rogério. Fez também Fernando Caiado avançar no terreno, manteve Veirinha e Zézinho na equipa, e lançou Rosário no ataque e Ângelo Martins na defesa. Os consagrados Félix, Rogério e Arsénio voltariam às escolhas da equipa apenas numa fase mais tardia da temporada, voltando a demonstrar a sua classe.



A linha avançada modificada, que foi a aposta inicial de Ribeiro dos Reis após a saída de Zozaya


No final das 26 jornadas, o Benfica manteve os 4 pontos de atraso, embora assegurasse o 2º lugar. Uma vez mais a Taça de Portugal seria o objetivo, a compensação para mais uma temporada menos bem conseguida.

E seria conquistada, de forma brilhante, impondo ao FCP uma derrota esmagadora de 5-0, que na altura era treinado por Cândido de Oliveira, amigo de uma vida de Ribeiro dos Reis, embora sempre com a máxima de "amigos, amigos, Benfica à parte!"



Vitória na Taça de Portugal de 1951-52. Vitória de 5-0 sobre o FC Porto. Legenda: a- a equipa do SL Benfica; b - Francisco Ferreira, treinador de campo abraça o jovem Ângelo Martins; c – a capitão Fernandes recebe a Taç das mãos do General Craveiro Lopes, presidente da República.



Regresso à Argentina

Em fevereiro de 1953, após ter deixado o Benfica, Zozaya terá voltado à sua cidade de La Plata, encontrando o Estudiantes numa crise desportiva e financeira, que o levaria a baixar à II divisão argentina, pela primeira vez na sua história. O Estudiantes voltaria à primeira divisão no ano seguinte, fazendo uma grande campanha nesse ano de 1954-55. Essa descida de divisão não é caso único entre os maiores clubes argentinos, pois tanto quanto percebi, apenas o Boca Juniors e o San Lorenzo de Almagro, se mantiveram sempre na 1ª divisão.

Entre 1957 e 1958, Zozaya voltou a prestar os seus serviços ao Estudiantes. O clube, que continuava a passar por dificuldades económicas, passou a basear o seu futebol no trabalho intenso e aproveitamento das suas camadas jovens, e com bons resultados.
Só na década seguinte o Estudiantes deixaria de andar pelos lugares de descida, e sob o comando do também argentino Osvaldo Zubeldía, entraria na sua era de ouro, conquistando três Taças dos Libertadores sucessivas. Entre os seus jogadores mais destacados deste período encontrava-se o argentino Carlos Bilardo.



Alberto Zozaya, treinador da equipa do Club Estudiantes de La Plata em 1958


Não abundam as informações sobre a carreira de Zozaya enquanto treinador neste período mas terá ainda orientado equipas do Platense; Gymnasia de La Plata; Lanús e Defensores de Cambaceres, embora aparentemente sem grande destaque.

Apesar de algum exotismo da sua contratação e da brevidade da sua permanência no Benfica, Zozaya faz parte da História do Glorioso, merecendo por isso o devido destaque.

A atestar muito favoravelmente as capacidades de Alberto Zozaya, temos um testemunho muito relevante de Ângelo Martins, que vestiu pela primeira vez a camisola do Benfica, justamente lançado pelo treinador argentino. Atentemos:




Alberto Máximo Zozaya faleceu na cidade de La Plata, em 17 de fevereiro de 1981. Que descanse em paz.



Obrigado, Alberto Zozaya