Decifrando imagens do passado

Alexandre1976

A unica palavra que tenho que dizer em relaçao ao user RedVC,é obrigado.O trabalho de pesquisa feito neste tópico merecem todo o agradecimento possivel. O0

RedVC

Citação de: Alexandre1976 em 23 de Novembro de 2017, 20:18
A unica palavra que tenho que dizer em relaçao ao user RedVC,é obrigado.O trabalho de pesquisa feito neste tópico merecem todo o agradecimento possivel. O0

Obrigado Alexandre!  O0

RedVC

#707
-188-
Caçador de leões

1924, Moçambique, distrito de Chemba, extremo Norte da actual Província de Sofala.



Final de uma caçada ao leão em Chemba, Moçambique. Legenda original: Pose de grupo com o que parece ser uma leoa, após a sua caçada em Chemba, 1924. Para além dos residentes locais, vêem-se ao centro a então jovem Ester Maria Portugal Deveza (Mãe do Luis Deveza), junto da sua Mãe Gerthy Tomás da Costa Portugal (Avó do Luis) e à sua direita Ermelinda Tomás da Costa Sobral, prima de Gerthy e mulher do famoso caçador Carlos Sobral, que foi quem tirou a fotografia. A jovem Ester viria a ser a primeira Mulher aviadora em Moçambique. Ver: https://delagoabayworld.wordpress.com/2017/09/26/uma-cacada-em-chemba-e-o-cacador-carlos-sobral-1924/



Esta fotografia que retrata o final de uma caçada a um leão foi publicada no magnífico blogue delagoabay, a quem foi cedida pelo Sr Luis Deveza. Mas para nós Benfiquistas, o maior interesse está não à frente mas atrás da câmara que captou a imagem. O homem que fotografou esta imagem foi o próprio caçador do leão, o grande campeão Carlos Burnay da Cruz Sobral.



Carlos Burnay da Cruz Sobral (1891-1926). Fonte Hemeroteca de Lisboa





Carlos Sobral posando com um dos 12 leões abatidos antes do fatídico número 13. Nota-se a arma e o cigarro na mão direita.




Aspecto de um leão abatido e transportado por indígenas. Fonte: TT-digitarq



É verdade que, nos dias de hoje, estas fotografias de caça chocam-nos e embaraçam-nos mas é preciso compreender o tempo e o contexto em que aconteceram. É certo que os relatos dessas batidas muitas vezes referem que eram importantes para controlar o número de leões que aterrorizavam algumas populações nativas mas não sejamos ingénuos, deixando de perceber que a principal motivação dos caçadores centrava-se na vaidade pessoal e no acto de poder e "prestígio pessoal" que provinha de se caçar um leão.


A tragédia


Neste dia 26 de Novembro de 2017 cumprem-se 91 anos que este homem notável faleceu no Hospital de Caia em Moçambique.

No dia 26 de Novembro de 1926, Carlos Sobral falecia vítima dos terríveis ferimentos recebidos dias antes na caçada do seu 13º leão. Morreram ambos depois de uma luta implacável corpo a corpo. O leão morreu ali no local da caçada mas os ferimentos que infligiu a Sobral seriam igualmente terríveis e fatais.

Homem matou o leão, leão matou o homem.




Vítima das garras e dentes desse 13º leão, Carlos Sobral foi transportado para o Hospital de Caia em estado crítico. Os médicos foram no entanto impotentes para evitar o desenlace fatal. Com Carlos Sobral morria um mundo de recordações de um tempo em que o desporto foi mais limpo, mais saudável, mais generoso, completo e formativo.



Hospital dos europeus de Caia, 1907. Não deveria ser muito diferente quando em 1926 Carlos Sobral ali sucumbiu. Fonte: TT-digitarq




Caia é um distrito da província de Sofala, em Moçambique, com sede na vila de Caia. Fonte: TT-digitarq.




Nos grandes espaços de Moçambique


Quando terminou a sua carreira desportiva e decidiu emigrar para Moçambique em busca de desafios profissionais compatíveis com as suas ambições e estatuto familiar, Carlos Sobral passou a integrar os altos quadro da famosa Companhia de Moçambique. E foi nesses espaços que a atracção pela caça grossa lhe entrou no sangue e o levou a múltiplas batidas aos leões.

Conforme nos disse o Sr. António Botelho de Melo, no seu magnífico blogue Delagoabay, a Companhia de Moçambique era uma das companhias majestáticas que operavam na então colónia portuguesa e cuja sede administrativa era na Beira.

Ver texto: https://delagoabayworld.wordpress.com/2017/09/26/uma-cacada-em-chemba-e-o-cacador-carlos-sobral-1924/


A Companhia de Moçambique SARL, foi formada em 1888 por Paiva de Andrade, administrando extensas concessões na zona central de Moçambique, de Sofala até Manique. De 1891 até 1941, cumpriu cerca de 50 anos de ambiciosa, pujante e diversificada actividade de negócio. Tinha múltiplos direitos e privilégios exclusivos na exploração das mais diversas áreas de actividade de negócio, desde o sector agrícola até ao sector postal e ferroviário. Tinha inclusivamente o direito de cobrar impostos e taxas diversas, mantendo em contrapartida a obrigação de assegurar serviços públicos e transportes ferroviários às populações e ao restante sector económico, pagando para isso uma taxa ao governo de Portugal.










Companhia de Moçambique, uma poderosa instituição que participou em exposições internacionais para divulgar as suas actividades e pujança económica.


Aspectos de uma exposição da Companhia de Moçambique em Antuérpia, 1930.



Desconheço detalhes sobre a sua carreira como profissional desta poderosa companhia mas presumo que nesse percurso sofreu alguns dissabores frutos do seu carácter vertical. Em Portugal e em Moçambique Carlos Burnay da Cruz Sobral deixou impressivas recordações aos que o conheceram. Aliás ficam na nossa memória as impressivas linhas que sobre ele escreveu o notável escritor Joaquim Paço de Arcos, que com ele privou na sua juventude:


É preciso conhecer certos territórios de África e a eterna dependência em que o português ali vive do Estado ou das grandes companhias, alheado por completo das qualidades de iniciativa que fazem dele no Brasil um elemento tão útil, é preciso conhecer aqueles meios de parasitagem e de covardia, para admirar em todo o seu valor a serena confiança com que Carlos Sobral, por ser português de "antes quebrar que torcer", trocava uma cómoda e rendosa situação pela tão mais humilde e ingrata profissão de pequeno agricultor", afirmava, na introdução, este jovem escritor que iria ser sempre assim, aristocrata pelo espírito e inconformado com o espectáculo da decadência do País e de certos valores.


Joaquim Paço de Arcos faria de Carlos Sobral o protagonista do seu romance "Herói Derradeiro"



Herói derradeiro, obra do escritor Joaquim Paço de Arcos da qual Carlos Sobral foi protagonista.




Desportista ecléctico e campeão


Nascido, provavelmente no dia 2-11-1887, em Lisboa ou eventualmente no Porto, Carlos Burnay da Cruz Sobral era filho de Carlos Maria de Barros e Vasconcelos da Cruz Sobral e de Cecília Eugénia Burnay. Nasceu no seio de uma família privilegiada e bem posicionadas na sociedade de então, tendo recebido uma educação esmerada que incluiu o gosto pela prática desportiva.



Carlos Burnay e alguns dos seus famíliares mais próximos. Fonte: Geneall




E cedo essas suas magníficas capacidades atléticas se manifestaram nas mais diversas modalidades desportivas, com destaque para a natação, remo e mais tarde o futebol.



Carlos Sobral, destacado por Mário de Oliveira e Rebelo da Silva. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Foi durante bastantes anos um notável atleta náutico do Clube Naval de Lisboa e de futebol do Clube Internacional de Futebol, o popular CIF. Foi campeão de natação e de remo. Rapidamente passou a ser um dos mais prestigiados nomes do desporto nacional.



Carlos Sobral integrado numa equipa do CIF que jogou na Corunha em 1912. Fonte: AML.



Da sua notável carreira desportiva já dele aqui falamos no texto "45- Glória e tragédia. A vida do campeão Carlos Sobral."  (ver na página 12), salientando que se destacou também com o manto sagrado. Carlos Sobral já tinha uma carreira extensa no futebol 2 épocas no GS Cruz Quebrada, 8 no CIF e uma no SCP, quando em 27 de Junho de 1915 se estreou pelo Sport Lisboa e Benfica num jogo contra os Espanhois do RCD Espanhol. Cosme Damião preparava a sua sucessão no centro do meio-campo.



[color=maroonEm 1915-1916, Carlos Sobral ainda jogou no Glorioso ao lado de Cosme Damião. Fonte: Em Defesa do Benfica, retirado de História do Sport Lisboa e Benfica 1904-1954" de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva, edição de autor.[/color]



Apenas no Sport Lisboa e Benfica Carlos Sobral viria enfim a ser campeão de futebol. E logo conquistando o primeiro tricampeonato da nossa História.



Carlos Sobral integrado numa das Gloriosas equipas de 1916 a 1919. Alto e forte, posando entre Cândido de Oliveira e Artur Augusto, Carlos Sobral foi um talentoso médio centro que comandou a nossa equipa de honra logo após a retirada dos campos de Cosme Damião.



No SLB seria ainda o introdutor da modalidade de polo aquático, competindo igualmente como nadador. O seu ecletismo e categoria competitiva valorizaram o nosso Clube, dando-nos as primeiras vitórias nessas modalidades.



No Clube Naval e depois no SLB, Carlos Burnay da Cruz Sobral, um notável desportista que se distinguiu em diversas modalidades, em particular a natação. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



No futebol apesar de ter chegado poucos meses antes, foi nomeado capitão da nossa equipa de honra de 1916 até 1918. Somou um total de 61 jogos, somando 41 vitória e 7 empates, sendo decisivo para a conquista do nosso primeiro tricampeonato regional (1915-1918). Fonte: Alberto Miguéns in Revista do Benfica, 2002.

Infelizmente no final deste período de ouro, Carlos Sobral juntamente com os jogadores nascidos e moradores em Belém, incompatibilizaram-se com a Direcção do nosso Clube depois de uma punição disciplinar a Alberto Rio. O conflito revelou-se insanável estando esse grupo dissidente, sobre a liderança do então sportinguista Artur José Pereira, na base da fundação do CF "os Belenenses".

Mas independentemente deste desfecho infeliz, Carlos Sobral revelou-se sempre um atleta de grande classe, que prestigiou o manto sagrado com o seu esforço e talento. Teve igualmente um papel importante no eclectismo do nosso Clube.



Pontapé de saída para o jogo SLB-SCP disputado para a atribuição da Taça Amadora em 1916, A menina Santos Matos, filha do industrial com o mesmo nome deu o pontapé de saída. Carlos Sobral observa ao lado de Herculano e Veloso. Fonte: Em Defesa do Benfica, retirado de História do Sport Lisboa e Benfica 1904-1954" de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva, edição de autor.



O estilo lutador e talentoso de Carlos Sobral enquanto jogador de futebol do Glorioso. Fonte: Em Defesa do Benfica, retirado de História do Sport Lisboa e Benfica 1904-1954" de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva, edição de autor.



Neste funesto aniversário, aqui fica mais uma evocação e homenagem ao grande desportista Carlos Burnay da Cruz Sobral. Que descanse em Paz. Honra à sua memória








RedVC

#708
A todo o pessoal que gosta de parar aqui para ler um bocadinho


RedVC

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O Professor providencial


Dia 31 de Dezembro de 2017. Cumprem-se hoje 141 anos que nasceu Silvestre José da Silva, um ilustre casapiano que veio a ficar para sempre ligado à História do Sport Lisboa e Benfica.


Silvestre José da Silva,


Silvestre José da Silva (Lisboa, 31 de Dezembro 1876 – 13 de Junho 1952)


Falar de Silvestre Silva é fazer justiça a um homem a quem talvez ainda não tenha sido dado destaque merecido. Um homem que marcou o primeiro golo de um jogo formal em que o nosso Clube, na manhã do primeiro de dia de Janeiro de 1905 defrontou e venceu o Sport Club de Campo de Ourique, jogo que falaremos amanhã.

Nesse dia, o capitão de equipa era um outro casapiano, António Couto, mas o que e certo é que no jogo seguinte – talvez por homenagem dos companheiros – Silvestre Silva assumiu a honra de ser capitão de equipa. Esse jogo, disputado em 22 de Janeiro de 1905 seria menos feliz pois perderíamos por 1-0 contra o forte grupo do Clube Internacional de Futebol, liderado pelos irmãos Pinto Basto. Com o manto sagrado, Silvestre da Silva disputaria 9 jogos (de que existam registos) com 6 vitórias e 3 derrotas.



Silvestre Silva, capitão de equipa do Sport Lisboa em 1905, carrega a bola de jogo.



Nesse ano de 1905, Silvestre Silva tinha apenas 29 anos de idade mas à luz da época e das condicionantes que o futebol de então tinha, era já um veterano do futebol. Em breve essa veterania mas também os crescentes encargos profissionais na Casa Pia levariam este grande desportista a retirar-se do futebol e a dar lugar a uma nova geração, liderada por Cosme Damião, que traria a glória e a expansão do nosso Clube durante as duas primeiras décadas da nossa História.

Mas como veremos, este nobre e prestigiado casapiano merece ser recordado não apenas por ter marcado aquele golo tão importante – o primeiro de muitos – mas também pot ter sido jogador do Glorioso entre 1904-1906 e ainda por um outro facto que mais à frente falaremos.


Os primóridios casapianos


Silvestre da Silva nasceu em Lisboa no dia 31 de Dezembro de 1876. Por volta dos 8 anos de idade deu entrada na Casa Pia, presumivelmente por ter ficado órfão tendo por lá recebido a esmerada e completa formação para a vida.

A Casa Pia primava pela qualidade da educação mas também por incluir uma rara e excelente formação desportiva. Foram esses anos do princípio da década de 1890-1899 que integrou como destacado membro, as famosas equipas escolares de futebol da Real Casa Pia que em 1896 e 1897 venceram os (quase) imbatíveis Ingleses do Carcavellos Club.

Foi companheiro de outros nomes míticos tais como António Couto, Emílio Carvalho, Francisco dos Santos, Pedro Guedes, Januário Barreto e Bruno do Carmo entre tantos outros nomes célebres do pioneirismo do futebol em Portugal. Curiosamente Silvestre Silva assumia por vezes o lugar de guarda-redes dessas equipas casapianas, alternando com o capitão (de então) Pedro Guedes. Curiosamente no dia 1 de Janeiro de 1905, na nossa primeira equipa, Silvestre Silva seria avançado e Pedro Guedes... guarda-redes!



Equipas da Casa Pia de 1896 e 1897. Quatro destes jogadores estiveram na primeira equipa do Sport Lisboa no dia 1 de Janeiro de 1905. Emílio de Carvalho, António Couto e Pedro Guedes (todos a amarelo) e Silvestre da Silva (a vermelho). Está também o Dr. Januário Barreto (azul), que mais tarde seria o primeiro presidente eleito do nosso Clube.


A influência que muitos destes homens teriam na implantação precoce mas definitiva de um espírito leal mas ganhador no nosso Clube foi absolutamente determinante. A camada casapiana foi um dos elementos fundamentais no nascimento e popularidade do nosso Clube. Todos estes nomes pertenciam ao famoso Grupo Margiochi, o célebre Director da Casa Pia que nesse tempo contribuiu decisivamente para a prática e popularidade do futebol na Casa Pia (ver texto -78- Um casal virtuoso, pág. 23).



Grupo Margiochi. Silvestre Silva salientado a vermelho, Januário Barreto e Bruno do Carmo (militar) a azul, Pedro Guedes, António Couto, José Netto e Emílio de Carvalho (da esquerda para a direita) a amarelo



De forma visionária mas também carinhosa, foi o Director Margiochi o homem que custeou do seu bolso a importação de uma bola de futebol de Inglaterra e que a entregou de forma formal aos alunos Januário Barreto e Bruno do Carmo. Essa mítica bola de futebol serviu para os jovens casapianos darem as primeiras cheias no pátio das Malvas, ali em Belém, terra-mãe do futebol em Portugal. Foi o princípio de tudo. Silvestre Silva estava lá.



Pátio das Malvas. Os alunos da Casa Pia em exercícios físicos. Fonte: Hemeroteca de Lisboa



Mais tarde, funda a sua formação como aluno casapiano, Silvestre Silva integrou a efémera mas essencial Associação do Bem, que em 1903 tentou reactivar o associativismo casapiano de antigos alunos agora crescentemente integrados no mercado de trabalho, na sociedade e nas artes em Portugal.



Estreia da equipa da Associação do Bem num jogo com o Grupo Académico de Futebol.  Em pé da esquerda para a direita: escultor Francisco dos Santos, professor João Pedro, cinzelador Emilio de Carvalho, pintor Pedro Guedes, escultor José Neto, professor Silvestre da Silva (vermelho), Dr. Januário Barreto (azul), Dr. Estanislau Nogueira, Dr. António da Cunha Belém, Dr. António Simões Alves, engenheiro Craveiro Lopes, engenheiro Assunção, João Lourenco Marques, ?, pintor Falcão Trigoso e arquitecto António Couto; Ao meio: Ernesto  Camacho; Sentados: Aragão e Brito, Mascará, Dr. Joao Simões Alves, coronel Bruno do Carmo, Tavares da Silva, Dr. Mário Costa, Kebe e coronel José Ferreira da Silva. Fonte: http://dubleudansmesnuages.com/?cat=60



Esse grupo Marghiochi deu ao nosso País um conjunto excepcional de valores nas mais diversas áreas da nossa sociedade. Que imensidão de nomes, factos e eventos teriam Silvestre da Silva e os seus companheiros para nos reportar? Memórias de ouro que infelizmente se terão perdido pois aparentemente nenhum jornalista desse tempo teve a clarividência de as procurar e registar...



Um conjunto de grandes talentos no desporto e nas áreas profissionais onde deixaram obra. Todos eles passaram pelo nosso Clube.


Terminada a sua formação como aluno da Real Casa Pia, pelas suas virtudes como formador veio a ser professor da Casa Pia. Ao longo de pelo menos 4 décadas, desenvolveu uma carreira notável, e essa sua continuada acão de docente levou-o a atingir o prestigiado cargo de vice-director da Casa Pia, com nomeação efectivada em 25 de Julho de 1929. Ensinou milhares de alunos que orfãos tal como ele procuraram carinho, educação e formação para a profissão e para a vida, numa das mais prestigiadas e emérita instituições de Portugal.



Diversos aspectos da multifacetada e muito completa formação casapiana. Estes espaços foram familiares a muitos dos nossos pioneiros Benfiquistas. Fonte: TT-digitarq



Corpo docente da Real Casa Pia em 1907. Ali se encontravam Pedro Guedes e Silvestre da Silva


A amizade entre casapianos era conhecida e ficava patente nos encontros entre antigos alunos, frequentemente nos claustros dos Jerónimos onde tinham aprendido e socializado nos tempos de meninice.



Grupo de antigos alunos da Casa Pia fotografados nos claustros dos Jerónimos em 1903. Nota-se que António do Couto tem na mão um retrato. Em minha opinião tratava-se de Francisco dos Santos, escultor, seu antigo colega e amigo de toda a vida (seria com ele co-autor da estátua do Marquês de Pombal na Rotunda com o mesmo nome). Ali estão também Silvestre da Silva, Emílio de Carvalho e Januário Barreto.


Mas de tudo o que se disse, de alguma forma um pequeno-grande-enorme gesto imortalizou Silvestre da Silva. Mas para nós Benfiquistas esteve ligado a um acto que está quase esquecido mas cuja importância foi capital para a sobrevivência do Clube à grande sangria de Maio de 1907.

Foi Silvestre da Silva o homem que apareceu como delegado do Sport Lisboa para formalizar a inscrição do nosso Clube no campeonato de 1907-1908.



A notícia do Tiro e Sport nº 367 de 30 de Novembro de 1907, noticiando que o Sport Lisboa se apresentava para competir. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Esse acto foi um verdadeiro atestado de sobrevivência e de resistência do Clube após o ataque do clube de José de Alvalade. No momento em que todos os nossos adversários de então nos davam por mortos e extintos, a Sport Lisboa resistia. Silvestre da Silva, ao lado de Cosme Damião, Félix Bermudes, Marcolino Bragança, Luis Vieira, João Persónio e mais alguns heróis, resistiam, diziam não. E ficou célebre o grito desse tempo:


O CLUBE VIVE... E VIVERÁ!



Silvestre da Silva destacado entre os 11 jogadores que o Sport Lisboa apresentou no torneio Viúva Sena disputado em 1906.



Silvestre da Silva faleceu em Lisboa no dia 13 de Junho de 1952, com a idade de 75 anos.


Paz à sua Alma, honra à sua memória de Silvestre da Silva
e de todos estes Gloriosos pioneiros casapianos que tanto deram ao nosso Clube!





RedVC

#710
-190-
A manhã mais radiosa

Dia 1 de Janeiro de 1905. Terras do Desembargador às Salésias, Belém.




Terras do Desembargador às Salésias, Belém. Um treino do Sport Lisboa contra um colectivo da Casa Pia. Foi neste espaço que a nossa equipa se estreou em jogos contra clubes adversários.



Cumprem-se hoje 113 anos dessa manhã em que o Sport Lisboa defrontou uma equipa de futebol de um outro Clube.



A notícia do primeiro jogo do Sport Lisboa. Dia 1 de Janeiro de 1905. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Essa primeira Gloriosa equipa, os primeiros entre todos os que haveriam e haverão de jogar com o manto sagrado foram:



A primeira de todas as Gloriosas equipas. No dia 1 de Janeiro de 1905 venceu o Campo de Ourique por 1-0.



Foram estes os nossos onze primeiros jogadores de futebol no primeiro jogo (que saibamos) que não se pode classificar como um treino. Liderados por Manuel Gourlade, ficam uma vez mais aqui os seus rostos e nomes para que sejam sempre lembrados.



Os primeiros onze jogadores e o primeiro dos treinadores de futebol do Sport Lisboa e Benfica.



Nesse dia, o nosso oponente foi o prestigiado Grupo de Campo de Ourique, então capitaneado por Pedro Del-Negro. Poucos tempo depois seria numa dissidência deste grupo que sairiam jogadores que formaram o efémero mas igualmente famoso Foot-Ball Cruz Negra.



Um misto de ogadores que integrava pelo menos alguns jogadores do grupo do Sport Club Campo de Ourique, alinhado num dos numerosos areais de Belém. Desconheço por completo quem eram estes 11 jogadores. Fonte: TT-digitarq.




Uma da últimas equipas de futebol do SCCO, em 1910, alinhada na Quinta da Feiteira, naquela que terá sido uma das últimas equipas de futebol deste clube, hoje extinto. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



O Clube Campo de Ourique alinhava com camisola branca com lista diagonal vermelha e calção branco, ao jeito do que ainda hoje usam os Argentinos do River Plate. Curiosamente nos seus primórdios também o Leixões terá alinhado com este equipamento.

Até à chegada do Sport Lisboa, o Campo de Ourique era o Clube de futebol mais forte que alinhava essencialmente (mas não exclusivamente) com jogadores Portugueses. Por ali jogaram alguns dos mais notáveis pioneiros de futebol Português entre os quais Manuel Mora, mais tarde um famoso aquarelista e ilustrador que fez notável carreira no Brasil (ver texto: ). Com grande probabilidade foi Manuel Mora que defendeu a baliza do GCO nas Salésias, nesse distante primeiro dia do ano de 1905.



Fonte: Em Defesa do Benfica



Outros dos nomes mais conhecidos desse tempo que integrou as equipas do CO foi Albano dos Santos, um dos mais itenerantes jogadores Portugueses do seu tempo. Jogou no Campo de Ourique, Sport Lisboa, Sporting Clube de Portugal, Império Football Club, entre outros. Foi igualmente um notável remador do Clube Naval de Lisboa, vencedor de inúmeras Taças.




Albano dos Santos e Manuel Mora com o manto sagrado.



De uma forma ou outra já por aqui se falou de todos estes 12 homens, mas apesar de esta equipa integrar quatro fundadores do nosso clube, a saber, Raúl Empis, os dois irmãos Rosa Rodrigues e Carlos França, nela estava cinco ex-casapianos a quem temos feito alguma justiça lembrando seu nome a a respectiva obra profissional, social e artística. Ainda ontem por aqui se falou em Silvestre da Silva. Honra e glória a estes pioneiros que com o manto sagrado lançaram as bases para o maior Clube Português, honrado e respeitado por esse mundo fora.


ver mais detalhes em: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/02/se-as-fotografias-falassem.html?m=0


Viva o Sport Lisboa e Benfica!




RedVC

-191-
Asilado mas não exilado

Asilo D'Espie Miranda, Campolide, dia 10 de Outubro de 1932.



Sessão solene de descerramento de uma lápide no Asilo D'Espie Miranda. Fonte: TT-digitarq.



Cerimónia de descerramento de uma lápide de homenagem a Pedro Gomes da Silva, um dos instituidores do Asilo D'Espie Miranda, situado na antiga Quinta da Mineira, Campolide. Na sessão solene comparecem figuras públicas, algumas das quais ligadas àquela obra social.

Ditava a placa "Ao Benemérito Pedro Gomes da Silva, homenagem dos velhinhos do Asilo D'Espie Miranda..."

Na assistência para além de funcionárias que ali prestavam serviço, estavam também alguns dos idosos ali internados. Apesar de não dispor de uma legenda detalhada da fotografia, ainda assim reconhece-se um rosto inconfundível: Manuel Gourlade, um dos fundadores do Sport Lisboa, em Belém no dia 28 de Fevereiro de 1904.



Manuel Gourlade sempre na linha da frente de actos públicos, neste caso no descerramento de uma lápide no Asilo D'Espie Miranda. Fonte: TT-digitarq.



Já tínhamos anteriormente notado a presença de Manuel Gourlade em eventos públicos de homenagem aos instituidores do asilo, seis anos antes (ver texto: -38- Um ancião curioso. pág.9)





Estas identificações sugerem que Manuel Gourlade manteve um espírito activo e a vontade de socializar mesmo num meio espacialmente restrito como era o asilo D'Espie Miranda.



O Asilo D'Espie Miranda na década de 20, no tempo em que Manuel Gourlade deu entrada na instituição.




Dois tempos na evolução do Asilo D'Espie Miranda, pela década de 20 até à década de 30. Fonte: TT-digitarq



Neste dia 1 de Janeiro de 2018, em que se cumprem 74 anos depois da morte de Manuel Gourlade, aqui deixo uma sentida homenagem a um dos 24 fundadores do Sport Lisboa e Benfica e sem dúvida o maior entusiasta e promotor das actividades desportivas e organizativas do nosso Clube nos seus primeiros anos de vida.

Relembrando o que Mário de Oliveira e rebelo da Silva publicaram em 1954 a partir dos depoimentos de dois outros fundadores: Daniel Santos Bruto e Cosme Damião:










Paz à sua Alma. Honra à sua memória!


Mufete


RedVC


Benfiquista_

És um grande Historiador do nosso Querido, Sport Lisboa e Benfica! :)

RedVC

#715
-192-
Poeira do tempo: Francisco Calejo

Domingo, dia 16 de Abril de 1911, Campo das Mouras, terreno de jogo do Sporting CP.





Uma equipa do Glorioso, posa confiante poucos minutos antes de mais um jogo que oporia o Sporting Clube de Portugal contra o Sport Lisboa e Benfica. Vemos ali 11 jogadores do Glorioso, todos nomes notáveis desse tempo, estando entre eles o grande Cosme Damião que segurando a bola de jogo capitaneava a equipa.


De pé, em segundo plano, podemos observar um popular com uma atitude cúmplice para com a equipa. Não, não se tratava de uma versão do "emplastro" no início do século XX. Esse homem exibindo uma grande bigodaça, e que mostrava a típica alegria e entusiasmo que sempre o caracterizou, foi um dos mais entusiastas e generosos Benfiquistas dos primeiros anos do nosso Clube. Chamava-se Francisco Luiz da Silva Calejo e é dele que hoje vamos falar.





Hoje esquecida, a figura de Francisco Luís da Silva Calejo exemplifica muito bem a importância que o amor ao Clube de cidadãos mais ou menos anónimos, teve na construção do maior Clube Português.



Calejo, o transmontano de boa cepa


Francisco Calejo nasceu em Mogadouro, uma linda vila do concelho com o mesmo nome, localizada no Nordeste de Portugal, no distrito de Bragança e fazendo fronteira com Espanha ao longo do rio Douro.






Com alguns dias de vida, Francisco Calejo foi baptizado na Igreja Matriz no dia 17 de Junho de 1876.



Baptizado em 17 de Junho de 1874, Francisco Calejo terá nascido alguns dias antes na bela cidade de Mogadouro. Fonte: Arquivo Distrital de Bragança




Dia de feira em Mogadouro, cerca de 1920. Ali ao fundo vê-se a Igreja onde Calejo foi baptizado. Esta terá sido uma imagem familiar na meninice de Francisco Calejo, ali nascido algumas décadas antes. Fonte: blogue monumentos desaparecidos.



Calejo, o agente político


Francisco Calejo viveu as movimentações para a instauração da Republica em Portugal. Aparentemente terá sido um republicano convicto e com uma activa contribuição social (e desconfio que também política). Uma demonstração disso foi a sua participação numa iniciativa de homenagem a Trindade Coelho, escritor e magistrado ilustre.

Tal como Francisco Calejo, José Francisco Trindade Coelho, era um filho de Mogadouro. O imortal escritor de entre outras obras, "Os meus amores", nasceu em Mogadouro no dia 18 de Junho de 1861, tendo falecido em Lisboa no dia 9 de Agosto de 1908. Em sua homenagem, e entre outras iniciativas, Calejo foi solidário com o descerramento de uma lápide junto da sepultura do escritor no cemitério dos Prazeres no dia 13 de Maio de 1911.

Ao longo da sua vida, Calejo teve outras actividades que o tornaram uma figura conhecida nos meios políticos da época. Mas esse não é o nosso foco.




Fonte: "A Revolução Portuguesa" de Armando Ribeiro e CC-Fundação Mário Soares.



De facto, para nós Benfiquistas, são as suas contribuições ao Sport Lisboa e Benfica e ao desporto Português que nos interessam. A sua valiosa contribuição ao nosso Clube ocorreu essencialmente nas décadas de 10 e 20. Desconhecendo mais episódios – que os deve haver em grande quantidade – recordam-se aqui três onde a sua generosidade e voluntarismo ficaram bem expressas.



Calejo, o solucionador


Em 1913, ocorreu a primeira grande aventura internacional do futebol Português. Entre Julho e Agosto, uma selecção dos melhores jogadores Lisboetas representou a Associação de Futebol de Lisboa numa digressão ao Brasil, tendo sido efectuados jogos nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Essa equipa era então uma verdadeira selecção nacional pois nesse tempo a força maior do nosso futebol estava na capital. Sport Lisboa e Benfica, clube Internacional de Futebol e Sporting Clube de Portugal eram as potências desportivas de então e foram esses os Clubes que cederam atletas para a equipa Portuguesa.

A equipa Lisboeta foi liderada em termos financeiros e organizativos por Eduardo Luís Pinto Basto (CIF) e desportivamente por Cosme Damião (SLB). O plantel seleccionado integrava 8 jogadores do SLB, 5 do SCP e 3 do CIF. Dessa digressão por aqui falamos nos textos -46 e 47, "A Missão Portugueza Intelectual e Sportiva no Brasil, 1913" p.12 e 13).



Os 16 jogadores seleccionados para a digressão da AFL no Brasil em Julho-Agosto de 1913.




A equipa Lisboeta que em Agosto de 1913 disputou um dos jogos no Rio de Janeiro. Fonte: BND.




Ora, no decurso dessa digressão seriam conquistados cinco valiosos troféus, que infelizmente no regresso da comitiva viriam a ser confiscadas pelos serviços alfandegários nacionais. Uma situação bem à Portuguesa.



Alguns dos impressionantes Troféus conquistados no Brasil na digressão de Julho-Agosto de 1913. Fonte: albertohelder.blogspot.pt



Ao que parece as autoridades alfandegárias decidiram que os troféus estariam sujeitos ao pagamento de direitos aduaneiros enquanto que os dirigentes desportivos consideraram absurda essa exigência uma vez que a digressão tinha tido um carácter desportivo e de propaganda de Portugal.

O conflito arrastou-se e, sem solução por longos meses, só viria a ser resolvido, graças aos conhecimentos e bons ofícios de Francisco Calejo, em 1915 quando foi finalmente foi emitido um despacho favorável pelo então chefe do governo, Afonso Costa. Ler mais em: http://albertohelder.blogspot.pt/2013/06/associacao-de-futebol-de-lisboa-o.html



Calejo, o solidário



Foi um dos episódios mais trágicos de sempre da vida do nosso Clube.

Em Setembro de 1915, Álvaro Gaspar, o popular Chacha sucumbia com apenas 23 anos. Na flor da vida, o Chacha morria vítima de tuberculose pulmonar. Poucos meses antes e no auge das suas capacidades futebolísticas, a doença apareceu de forma rápida e brutal, levando o infeliz jogador em apenas alguns meses. Nesse tempo essa doença terrível matou muita gente no nosso País. Ricos e pobres morriam com uma doença que geralmente não tinha cura e que levava ao definhamento implacável de quem dela padecia.

No auge da doença do Chacha, Francisco Calejo foi um dos Benfiquistas que contribuiu de forma generosa e comovida para tantar levar o nosso infeliz jogador para uma uma região balnear em que estivesse exposto ao ar seco da praia para abrandar o avanço inexorável da doença. Essa generosa ajuda foi aliás referida no obituário de Álvaro Gaspar, publicado no jornal "A Capital":



Fonte: Em defesa do Benfica



Os amigos do Chacha - e eram muitos - tentaram fazer o que podiam para evitar este trágico desfecho. Um fos mais activos foi Francisco Calejo que esteve envolvido na angariação de fundos que permitissem apoiar essa ida para um região do litoral. Numa dessas iniciativas, em 5 de Maio de 1915, foi organizado um jogo de futebol em solidariedade para com o Chacha.

O jogo que renderia uns muito generosos 401$05 provenientes de cerca de 1500 bilhetes vendidos (fonte: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2014/09/a-derradeira-gloria-de-alvaro-gaspar.html) foi uma das páginas mais comoventes desses tempos precoces do futebol em Portugal.



Uma imagem comovente. No dia 5 de Maio de 1915, no nosso campo de Sete Rios, o Glorioso Álvaro Gaspar dava o último pontapé da sua vida. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Tempos que já lá vão... Com grandes homens, solidários, a prestar o apoio possível a uma grande e muito querida figura do futebol Português.



Alguns detalhes e homens que participaram no evento de apoio a Álvaro Gaspar durante a sua doença. Domingos Pinto e Francisco Calejo estiveram na linha da frente nessa organização de solidariedade com o nosso infortunado jogador. Fonte dos diversos elementos desta composição: Em Defesa do Benfica e https://norbertoaraujo.org/notas-biograficas/





Fonte: Em Defesa do Benfica.




Calejo, o madrileno


Francisco Calejo gozava também de grande prestígio em... Espanha. Presumo que esse prestígio deveria ser reflexo da sua actividade profissional que ao que julgo saber estaria ligada ao sector alfandegário. As virtudes de Calejo como homem e sportsman foram inlcusivamente exaltadas no Heraldo de Madrid, jornal de grande circulação na capital Espanhola.

   

O elogio a Francisco Calejo num jornal desportivo de Madrid. Fonte: Air Libre, Hemeroteca Digital, BNE



E assim não espanta que ele estivesse incluído numa comitiva Benfiquista que fez uma digressão a Madrid deixando o traço indelével da qualidade do nosso futebol (e que talvez um dia aqui venha a ser descrita).




A comitiva Benfiquista que fez uma digressão em Espanha no final de 1919. Francisco Calejo integrado como dirigente, posa ao lado de Cosme Damião. Fonte: Heraldo Deportivo (Madrid) no dia 25 de Outubro de 1919




Esta fotografia saiu no Heraldo Deportivo (Madrid) no dia 25 de Outubro de 1919. Nela estão 12 jogadores, Francisco Calejo e a seu lado Cosme Damião, antigo jogador, treinador, ideólogo, estratega, executor. Cosme Damião, a imagem e a Alma do Sport Lisboa e Benfica. Francisco Calejo tinha portanto relevância no seio do futebol do nosso Clube e os seus conhecimentos, o seu prestígio e auxílio terão certamente sido muito importantes para o sucesso desportivo e social dessa digressão.


Na sua vida profissional foi funcionário de uma empresa ligada à gestão do Real Coliseu dos Desportos, então situado na rua da Palma. Esse facto liga-o a um outro grande Benfiquista, o Dr. Alberto Lima, presidente do Clube em e de quem aqui falamos (ver texto -64- O tribunal dos conspiradores. pág. 20) e que foi também destacado funcionário da empresa ligada à gestão desse espaço recreativo e de espectáculos, tão relevante para o final do século XIX e princípio do século XX.



O Real Coliseu de Lisboa, situado na Rua da Palma.Fonte: Restos de Colecção.



Francisco Calejo foi também funcionário da multinacional Singer, originalmente uma empresa de manufactura de máquinas de costura, e que foi fundada nos Estados Unidos em 1851. Mais tarde a Singer tornou-se a primeira empresa americana de larga escala no sector de aparelhos domésticos. A Singer terá iniciado operação comercial em Portugal cerca de 1874.



Calejo foi também funcionário da multinacional Singer. Fonte: Restos de Colecção



Nas décadas 30 e 40, já com idade avançada, Francisco Calejo teria menos visibilidade na vida do nosso Clube, mas ainda assim pelo seu obituário do DL, saibamos que manteve presença e prestígio no meio Benfiquista. Faleceu em Sintra no dia 2 de Dezembro de 1942, com apenas 66 anos de idade. Curiosamente faleceu na mesma vila onde cinco anos depois o seu amigo (e ao que sei ainda familiar) Cosme Damião faleceria. Dois generosos e muito saudosos Benfiquistas faleceram numa das mais belas vilas de Portugal.




Fonte: DL




Paz à sua Alma. Honra à sua memória.




RedVC

#716

Faleceu ontem um grande Benfiquista
Foi grande entre os maiores dirigentes do Benfica.
Foi um homem fundamental para o grande Benfica Europeu.
Colaborador notável de alguns dos maiores presidentes da História do
Sport Lisboa e Benfica.

Ver mais em http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2018/01/gastao-silva-no-quarto-anel.html







O dia 5 de Janeiro cada vez mais é um dia muito triste para o Benfiquismo,

Paz à sua Alma. Honra à sua memória.

RedVC

#717
-193-
As filiais perdidas

Estádio do Campo Grande, Lisboa, Domingo, tarde do dia 13 de Janeiro de 1946.



SL Benfica, Campo Grande 13 de Janeiro de 1946. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Trajando com equipamento alternativo, a equipa principal de futebol do Sport Lisboa e Benfica, campeã nacional em título, alinhou para a fotografia. Estava prestes a disputar um jogo contra o Sport Lisboa e Elvas, colectividade que era então a nossa filial nº 6, fundada em 1925.


Um jogo histórico


Neste dia 13 de Janeiro de 1946, o Sport Lisboa Elvas deslocava-se a casa do SL Benfica. Foi um jogo histórico pois era a estreia dos Elvenses no Campo Grande. Antes do início do jogo, as duas Direcções confraternizaram no meio do terreno, trocado prendas e palavras de amizade. Viviam-se tempos bem mais saudáveis do que os dias que correm. A Direcção Benfiquista que era então presidida por Félix Bermudes, estava em final de mandato. Aproximavam-se as históricas eleições que elegeriam Manuel da Conceição Afonso e que mudariam muito o futuro do nosso Clube.



Dia 13-01-1946, dirigentes do SLB e SL Elvas trocando prendas. Félix Bermudes liderava a nossa Direcção. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Os jogadores das duas equipas que tinham entrado em campo intercalados, eram os principais artistas do dia. Foi um bom dia para os espectadores pois viriam a presenciar um jogo movimentado e com muitos golos.



A constituição das equipas. Fonte: DL



Ficha e reportagem de jogo. Fonte: A Bola




A disposição táctica inicial da equipa do SL Benfica no dia 13-01-1946.



O SL Benfica venceu nesse dia por uns conclusivos 5-2 mas na verdade o jogo foi bem mais difícil do que os números sugerem. Apesar da justiça do triunfo, os Elvenses mostraram algumas das virtudes do seu futebol, ou seja uma atitude aguerrida e audaz, não se coibindo de atacar a baliza Benfiquista. Do nosso lado marcaram Jordão (2), Moreira e Rogério (2). Pelo lado Elvense marcaram Patalino e Machado.



Os Elvenses mostraram raça e um futebol aguerrido. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Na nossa equipa destacou-se a talentosa frente de ataque com Espírito Santo e Arsénio pela direita e com Manuel Jordão e Rogério pela esquerda. Como avançado centro, o nosso treinador János Biri utilizou nesse dia José Rosa da Luz, conhecido no SLB por "Luz", um jogador alto e possante.

Existe divergência nas fontes sobre se terá ou sido ele o marcador do nosso primeiro golo nesta partida embora na maioria se diga que terá sido Jordão (que se assim foi marcou dois golos nesse jogo) em vez de Luz. Não obstante, no decurso do jogo, János Biri viria a ordenar a troca de posição no terreno entre Luz e Espírito Santo, com este último a assumir o seu velho posto de avançado-centro. Esta decisão revelar-se-ia certeira pois ao intervalo registava-se um empate a um golo.




Ao contrário da legenda da Stadium que referia ter sido Rogério o avançado Benfiquista captado nesta fotografia, quem nos aparece é José Rosa da Luz. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


José Rosa da Luz, nascido em Portimão no ano de 1920, iniciou carreira com 5 temporadas no Sporting Glória ou Morte Portimonense (curioso nome...) mas terá chegado ao SL Benfica em 1945, vindo do SC Farense. Uma curiosidade é que diversas fontes da época falam de João da Luz em vez de José da Luz, no entanto as fontes Algarvias que consultei falam sempre de José da Luz, o mais velho de uma família com diversos futebolistas com nome no futebol Algarvio.

A época 1945-1946 foi ingrata para José da Luz e para o SL Benfica. Iniciou-se com o Campeonato Regional de Lisboa, disputado entre Setembro e Dezembro de 1945 num total de 10 jornadas. Luz jogou apenas as três finais talvez por impossibilidade de Espírito Santo que era o titular. Nessas jornadas finais Luz marcou golos decisivos nas nossas vitórias sobre o GED Estoril Praia e o CF Belenenses. Jogou a avançado centro, geralmente com Arsénio do seu lado direito e com Joaquim Teixeira (o "Semilhas") ou Jordão do lado esquerdo. E assim José da Luz terá conquistado a titularidade para o início do Campeonato nacional que decorreu de Dezembro de 1945 a Maio de 1946.

O SL Benfica, campeão nacional da época anterior, iniciou mal essa defesa do título, registando 4 empates nas primeiras 4 jornadas. Luz marcou logo na primeira jornada no difícil empate que registamos com o Vitória de Setúbal. A equipa não vencia e Luz apesar de vir com a embalagem do Campeonato Regional não terá correspondido às expectativas e/ou terá tido dificuldade em competir com Espírito Santo e com Julinho. E justamente esta partida da 6ª jornada, disputada a 13 de Janeiro com o SL Elvas terá sido a sua última como titular.

Para esse jogo contra os elvense, sem Mário Rui, o seu habitual titular no flanco direito, o treinador János Biri colocou lá Espírito Santo aproveitando a sua polivalência e qualidade ofensiva. Mas, como se disse, na segunda parte acabou por trocar Luz com Espírito Santo e com bons resultados.

Assim, Luz jogou apenas nas primeiras 6 jornadas do campeonato, fixando-se depois Guilherme Espírito Santo nesse seu lugar, lugar que manteve mesmo com o regresso de Julinho no final de Fevereiro. Luz passou a ter mais dificuldades e assim não espantou a sua dispensa no final da temporada. Apesar de tudo, no SL Benfica terá disputado 13 jogos e apontando 5 golos.

Na temporada seguinte Luz ingressaria por 1 ano no Vitória de Guimarães regressando depois à sua cidade-natal de Portimão para cumprir 8 temporadas no SC Portimonense. Por lá, José Rosa Luz era também conhecido por "Sota".




Uma glória nunca mais repetida


O desfecho deste jogo importante pois o campeonato de 1945-1946 foi intensamente disputado entre o SLB, SCP e o CFB. No final seria o CFB a sagrar-se campeão. Os azuis das Salésias tinham reconquistado a liderança ao SLB a 4 jornada do fim quando venceram nas Salésias por 1-0.



Fonte: DL


Depois foi lutar até ao limite das forças sendo que na última jornada o CFB foi a Elvas para disputar o último jogo do campeonato, jogo que se antevia via a ser muito duro e dramático. E assim foi, com o Sport Lisboa e Elvas a chegar primeiro ao golo para depois e a muito custo os Belenenses acabarem por dar a volta ao marcador. Esse título de campeão nacional há muito que era esperado para os azuis das Salésias mas o que não se poderia prever é que viria a ser caso único e irrepetível.



A festa azul em Elvas, celebrando a conquista do campeonato de 1945-1946 pelo CFB. Fonte: Hemroteca de Lisboa e http://www.osbelenenses.com



Elvas, cidade de futebol


Como atrás se disse, em 1945-1946, o SL Elvas cumpria a sua época de estreia na 1ª divisão. O Clube pertencia a uma cidade da raia alentejana que apesar de muito antiga tinha apenas uns 29 mil habitantes. Mas Elvas era uma cidade activa no desporto, existindo ainda o Sporting Clube Elvense (uma filial do SCP fundada em 1924 a partir do Glória Elvense) e o Clube de Futebol "Os Elvenses" (filial do CFB, fundada a partir do Estrêla FC). Hoje em dia apenas esta última colectividade ainda existe.



Sport Lisboa e Elvas, 1945-1946. A estreia de Elvenses na 1ª divisão. Fonte: Hemeroteca de Lisboa



Esta densidade clubística e as exigências da divisão maior, explicam que o SL Elvas tenha agravado seriamente os seus problemas financeiros. Nesses apertos, os Elvenses terão ainda tentado obter apoio financeiro junto do SLB mas o nosso Clube, de forma coerente ao que fazia com todas as suas filiais, recusou prontamente essa ajuda. Aliás, o SLB nem sequer estava em condições para o fazer uma vez que tinha assumido pesados encargos (compra da Sede da Av. Gomes Pereira em Benfica) e no horizonte já se antevia a construção do novo Estádio (ver texto 171- O Sonho, o Homem, a Obra, pág. 46).

Curiosamente, o Sporting Clube de Elvas, então a filial nº 16 do SCP também estava em dificuldades económicas e também não teve auxílio do SCP. Nesse cenário e apesar da rivalidade clubística, falou mais alto o desencanto vindo das recusas das casas-mãe. E assim as duas colectividades tomaram a inédita decisão de se auto-extinguirem para fundarem um novo clube. Não foi uma fusão. Foram duas auto-extinções seguidas da fundação de um novo clube: "O Elvas" Clube Alentejano dos Desportos, fundado a 15 de Agosto de 1947.



Uma rivalidade que se extinguiu para sempre em Elvas. No dia em 15-08-1947, o Sporting Clube Elvense e o Sport Lisboa e Elvas extinguiram-se para fundar o "O Elvas Clube Alentejano de Deportos. Jogadores representados: Jacinto Candeias (SCE) e Mário Massano (SLE e ECAD).



Assim sendo, na época de 1947-1948, "O Elvas" CAD, ocupou o lugar do SL Elvas na 1ª divisão. E assim, os Elvenses passaram a envergar o seu novo equipamento azul e amarelo pelos campos de futebol nacional.

E assim, Domingos Patalino, o melhor jogador Elvense de sempre, mudou as cores com que semanalmente espalhava a qualidade do seu futebol ofensivo pelos campos nacionais.



Patalino e a mudança das cores Elvenses.



Domingos Carrilho Demétrio, conhecido por "Patalino", jogou em todos os clubes Elvenses (ver: https://largodoscorreios.wordpress.com/2013/08/24/patalino-uma-gloria-elvense/). Foi um avançado habilidoso, elegante e concretizador que por opção própria nunca aceitou transferir-se para um grande. Ao que parece SCP, CFB e SLB tentaram sem sucesso essa transferência. Também o Real Madrid e o Atlético de Madrid fizeram propostas mas apenas para ouvir a mesma recusa de sempre.

Patalino era muito arreigado à sua terra e não se deixou fascinar por promessas de grandeza. Os tempos eram outros, o dinheiro que circulava pelo futebol era bem menos e talvez isso explique que alguns craques como Patalino ou Ben David (Atlético CP) acabassem por não se transferir para um grande. Com inteira justiça, o actual campo de "O Elvas" é chamado "Campo Domingos Carrilho Demétrio" ou mais popularmente "Campo Patalino".





Ironicamente, em 1947-1948 ou seja logo na primeira época da sua existência, o novo clube Elvense teve um papel decisivo na atribuição do título de campeão. A duas jornadas do fim "O Elvas" veio Campo Grande vencer-nos por 2-1 (https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19471948/campeonato-nacional/1948-05-08/sl-benfica-1-x-2-o-elvas). Patalino foi terrível nesse dia, marcando os dois golos dos Elvenses. Foi talvez a maior vitória de sempre dos Elvenses e uma das mais amargas que sofremos em nossa casa pois evitou que tirássemos partido da derrota do SCP em Setúbal nessa mesma jornada. Essa jornada sentenciou o desfecho do campeonato. Caprichos do futebol...



Uma derrota amarga e decisiva para o SL Benfica, um dia de glória para os Elvenses. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Na década de 40, os Elvenses viram o Sport Lisboa e Elvas participar em dois campeonatos nacionais (1945 a 1947 conquistando um 9 e um 10º lugar) e depois "O Elvas" participar em 3 campeonatos (1948-1950; conquistando um 8º, 9º e um 13º lugar). Apenas na década de 80 "O Elvas" participaria e por duas vezes, no campeonato da 1ª divisão, ficando sempre em lugares de descida.

Infelizmente na actualidade o grande clube Elvense vive dias de crise, estando a disputar o campeonato da 1ª divisão distrital da Associação de Futebol de Portalegre. No entanto a importância histórica das colectividades Elvenses no futebol nacional é inegável, em particular daquela que foi a nossa filiar nº 6, o Sport Lisboa e Elvas. A filial perdida.


Ao terminar este texto, fica já lançado o próximo. Os acontecimentos desse dia 13 de Janeiro de 1946 proporcionaram outros motivos de interesse. Assim iremos deixar o foco nos craques Benfiquistas, nos nossos oponentes ou até no jogo e passar a concentrar atenções num homem que assistiu ao desafio. Um único homem mas que tinha a curiosa alcunha de "Bombardeiro Marroquino".




nota final:  Queria deixar o agradecimento aos Benfiquistas MD e AM por me fornecerem elementos preciosos que permitiram corrigir alguns dados da primeira versão deste texto. Benfiquistas gentis e de insuperável rigor no que toca ao nosso Glorioso. Obrigado!


RedVC

#718
-194-
O bombardeiro Marroquino

Estádio do Campo Grande, Lisboa, Domingo, tarde do dia 13 de Janeiro de 1946.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Voltamos agora à mesma fotografia mas focando o nosso interesse no homem que vestido de forma elegante posou com os nossos craques. Chamava-se Marcel Cerdan, era Francês e era também tão-somente um dos maiores e mais populares boxeurs de sempre a nível mundial. Cerdan será sempre um nome mítico da história do Boxe.

Nesse dia, Marcel Cerdan foi homenageado pelo SL Benfica, tendo aliás sido ele a dar o pontapé de saída para a segunda parte. E até nos deu sorte pois nessa altura estávamos empatados 1-1 para no final do jogo vencermos por 5-2!



Fonte: DL



Ora, Cerdan estava em Portugal para fazer um combate contra o boxeur campeão Agostinho Guedes (1917-1996; http://boxrec.com/en/boxer/10243. O Francês venceria esse combate em menos de 3 minutos. Ao que parece quando em 1951 o campeão Português se retirou, apenas tinha sido derrotado por KO apenas em um combate, justamente este que disputou contra Marcel Cerdan no Pavilhão dos Recreios em Lisboa...



Agostinho Guedes, o campeão nacional de boxe foi derrotado por Cerdan em menos de 3 minutos. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Mas Cerdan era igualmente um apreciador do futebol, tendo aliás em 1941 e 1942 praticado a modalidade num clube da sua cidade, o Union Sportive Marocaine também conhecido por USM Casablanca. Nesses anos futebolísticos, Cerdan teve a companhia do muito-em-breve famoso Larbi Ben Barek (1916-1992), também conhecido por "pérola negra". Bem-Barek brilharia mais tarde no Atlético de Madrid, tendo aliás disputado a Taça Latina de 1950, que como sabemos o SL Benfica viria a conquistar.



Cerdan integrado numa selecção de Marrocos que em 1940 jogou contra uma selecção B de França. Fonte: mangin2marrakech.canalblog.com. À direita Cerdan a dar uns toques na bola. Fonte: www.marcelcerdan.com



Assim nada mais natural que, na sua visita ao nosso País, Cerdan visitasse o clube campeão mais popular de Portugal. Nesse dia, o campeão Francês, sempre sorridente, aproveitou para posar entre campeões. Foi um encontro de campeões.
Para o resto deste texto vamos aproveitar este curioso encontro de campeões para falar de curta mas intensa vida de Marcel Cerdan. E, como veremos, falaremos ainda de uma outra figura maior da Cultura Francesa, que também se viria a cruzar de forma indirecta com o Glorioso.



O "bombardeiro marroquino"



Marcel Cerdan (1916-1949; boxrec.com/en/boxer/9033. Fonte: www.marcelcerdan.com



Marcel Cerdan foi um campeão francês de boxe a quem ao longo da sua vida desportiva foram dadas diversas alcunhas tais como o "homem das mãos de argila" ou (talvez a mais célebre) o "bombardeiro Marroquino" ou na sua língua nativa "Le Bombardier Marocain". Curioso nome este pois era "Marroquino" apesar de ter nascido em Sidi Bel Abbès, na então Argélia Francesa...



A cidade de Sidi Bel Abbès (Argélia).


Marcel nasceu em 22 de Julho de 1916, em pleno curso da I Guerra Mundial. Filho de pais Espanhóis, recebeu o nome de Marcellin Cerdan. Em 1922, quando tinha 6 anos, a família mudou-se para Casablanca, cidade Marroquina então sob administração Francesa.
O pequeno Marcel iniciaria a prática do boxe aos 8 anos mas apenas em 1934, aos 18 anos, faria o seu primeiro combate em Meknes (Marrocos). Com esse combate iniciou uma série de meia centena de vitórias, perdendo pela primeira vez contra o Inglês Craster, mas apenas por via de uma polémica desqualificação decidida por um árbitro.

Em vez de se deixar abater, Cerdan continuou a competir conquistando o título Francês de pesos médios. Apesar de a sua modalidade ter sido muito afectada pela II Guerra Mundial, já em 1944, Cerdan conquistaria o título Europeu da categoria de pesos médios ao vencer em Roma o Italiano Saviello Turiello, num duro combate com 15 rounds.
Em 1948, conquistaria mesmo o título mundial de pesos médios, num combate contra o Americano Tony Zale. Esse famoso combate foi disputado a 21 de Setembro, no Roosevelt Stadium em Jersey, NJ, EUA.





Tony Zale vs Marcel Cerdan. Fonte: Marcel Cerdan - Triumph & Tragedy. Youtube



O seu último combate seria justamente na defesa deste título. Uma vez mais voaria para a América mas desta vez para a cidade de Detroit, para combater contra o famoso Italo-Americano Jake LaMotta. Os apreciadores da modalidade ou os cinéfilos reconhecerão em LaMotta o boxeur que mais tarde viria a inspirar Martin Scorcese a realizar a sua obra-prima "O Touro Enraivecido" (Raging Bull, 1980). Nesse filme Robert De Niro viria a ter um dos mais extraordinários papéis da sua carreira.



Raging Bull a obra-prima de Scorcese e DeNiro.



Cerdan, ainda com esperança na vitória sobre LaMotta. Fonte: L'Express.


Num combate que lhe foi infeliz, Cerdan perderia o título após 10 duros rounds. Logo no início, Cerdan apanhado desprevenido com uma fortíssima investida do Americano, indo ao tapete logo nesse 1º round. Na queda Cerdan deslocou um ombro, limitação essa que viria a tornar-se fatal para o desfecho do combate. Nesse dia, apesar de mostrar a sua combatividade e resistência, Cerdan não mais pode evitar o desfecho vitorioso para o mítico Jack LaMotta. Foram combates deste tipo que explicam o mediatismo que ainda hoje esta modalidade tem a nível planetário, embora lhe esteja associada muito mais teatralidade...



Momento decisivo: Cerdan foi ao tapete deslocando o ombro.



https://www.youtube.com/watch?v=Onb-p3YsQk8
Jake LaMotta vs Marcel Cerdan.


Ao longo da sua magnífica carreira, Cerdan viria a registar 111 vitórias (65 por knockout) e apenas 4 derrotas. Cerdan. Foi um campeão talentoso e resistente e, para muitos especialistas na modalidade, o melhor boxeur Europeu de sempre. Como ponto negativo, talvez o facto de fora dos ringues manter um estilo de vida boémio que em nada o terá ajudado. Essa sociabilidade no entanto ajudou a fazer dele um ídolo de primeira grandeza em França e percebe-se que ele apreciava essa popularidade. Foi uma estrela.



Cerdan, a celebridade. Fonte: www.marcelcerdan.com



Ainda nesse ano intenso de 1948, aquando de uma estada nos EUA, Marcel Cerdan (casado e com 3 filhos) conheceu e manteve um célebre romance com a cantora Francesa Edith Piaf. O romance duraria até ao fim da sua vida, ou seja – tragicamente – por pouco mais de 1 ano. Ao que se diz esse foi o grande amor de vida da célebre cantora Francesa, que em sua memória gravaria a célebre Hymne à l'amour.




Aliás, a instabilidade emocional provocada pela perda do companheiro e pelas dores de reumatismo que padecia terão levado Piaf a uma crescente dependência de morfinóides, de álcool e à progressiva adopção de atitudes intempestivas. Dessa famosa, breve mas intensa relação entre Piaf e Cerdan existem muitas fotografias que atestam uma vez mais o gosto que o campeão Francês tinha pelos prazeres da vida social.



Com Piaf num momento de descontracção. Fonte: marcelcerdan.com




Com Piaf e Joe Louis, outra lenda do boxe. Fonte: marcelcerdan.com


Outra nota curiosa sobre a célebre Piaf, é que ela foi amiga do nosso Glorioso Luís Piçarra, o imortal cantor do nosso hino Ser Benfiquista. Mas a história dessa fotografia é outra e aliás desconheço-a.



Piçarra e Piaf. Fonte: portugal-mundo.blogspot.pt



Mas voltando a Cerdan, há que admitir que o Francês ganhou tudo na vida. Ganhou a glória desportiva, ganhou o dinheiro, o amor, a popularidade. O seu destino era vencer mas o mesmo destino tirar-lhe-ia tudo, em poucos segundos. O ano de 1949 seria o último da sua curta mas intensa vida.

Como vimos Cerdan passou por Portugal em 1946 onde se cruzou com o Glorioso. Tragicamente, Portugal ficaria também ligado à sua morte. A 27 de Outubro de 1949, Cerdan estava em trânsito para os EUA onde iria encontrar-se com Piaf e completar o treino. Voando num avião da Air France, Cerdan juntamente com mais 47 pessoas morreria na sequência de um trágico acidente após o aparelho ter chocado contra o Pico da Vara em São Miguel, Açores.



Alguns momentos antes do embarque fatal. A célebre violinista Ginette Neveu foi outra das vítimas mortais. Fonte: p8.storage.canalblog.com



Cerdan estava a preparar-se para um combate de desforra com Jack LaMotta, que tinha sido contratualizado para Dezembro desse ano em Nova Iorque. Ironicamente, nesse tempo Cerdan já falava na sua retirada dos ringues... A morte chegou primeiro.



Fonte: DL




O choque da morte e o funeral de Cerdan. Fonte: Youtube



O Pico da Vara, local onde Cerdan e mais 47 pessoas encontraram a morte.


Para além de Marcel Cerdan e de Ginette Neveu (famosa violinista), morreram também Kay Kamen (diretor da Walt Disney) e o pintor francês Bernard Boutet de Monvel.


Dois anos mais tarde a revista Flama publicou aquele que terá sido o último autógrafo de Marcel Cerdan. Nele revelava a confiança de recuperar o título de campeão mundial. Já não houve tempo.



O último autógrafo de Marcel Cerdan. Fonte: Hemeroteca de Lisboa



Este acidente ocorreu 5 meses depois da tragédia de Superga que vitimou a comitiva do AC Torino de regresso de uma amigável contra o SL Benfica. É fácil entender a comoção que a sociedade Portuguesa viveu mais este mais acidente, num ano negro para o transporte aéreo. E uns meses depois o Benfica partia para África... Felizmente a Gloriosa digressão correu sem incidentes e abriria portas para um futuro radioso.



Fonte: DL



A comitiva Benfiquista antes de partir para a digressão em África em 1950. Fonte: cinept.ubi.pt/




RedVC

#719
-195-
Só nós sentimos assim!


Noite de 3 de Maio de 1946.
Um banquete de Benfiquistas na Pastelaria Marques, ao Chiado.



Pastelaria Marques, Chiado, 3 de Maio de 1946.



A Pastelaria Marques foi um prestigiado estabelecimento comercial que teve portas abertas entre 1903 e 1978 no nº 70 a 72 da Rua Garrett, ao Chiado Era desde a década de 30 um local habitual para os convívios festivos Benfiquistas.



Pastelaria Marques situada na Rua Garret, ao Chiado, década de 30. Fonte: TT-Joshua Benoliel.



O banquete foi promovido pelo Jornal "O Benfica", nomeadamente pelo seu Director Carlos Rebelo da Silva. Esta iniciativa fechava um ciclo de comemorações por altura do 42 aniversário do Glorioso. Oito anos depois Carlos Rebelo da Silva juntamente com Mário de Oliveira publicaria, em fascículos, aquela que é a obra de referência acerca dos primeiros 50 anos da História do Sport Lisboa e Benfica. Dois grandes Benfiquistas a quem o Clube muito deve.



Carlos Rebelo da Silva e Mário de Oliveira, autores da grandiosa obr "História do Sport Lisboa 1904-1954".



Rebelo da Silva conseguiu reunir um conjunto notável de Benfiquistas nesse banquete, conforme nos referem alguns ecos na imprensa. O nosso Clube vivia um momento interno conturbado. Vivia-se a ressaca das eleições de Janeiro desse ano que tinham agudizado a polémica acerca da construção do novo parque de jogos do Clube.

A urgência dessa construção era consensual pois era imposta pelo crescimento vertiginoso do número de associados e das necessidades das dezenas de modalidades activas no Clube. No entanto, existiam opiniões divergentes sobre o local de edificação e sobre as opções do projecto no que diz respeito às infra-estruturas a contemplar. Manuel da Conceição Afonso e a sua Direcção recém-eleita tinham um pesado encargo sobre os seus ombros.



Fonte: DL


Na mesa de Honra, ladeado pelo Brigadeiro Tamagninini Barbosa (Presidente da Assembleia Geral) e por Manuel da Conceição Afonso (Presidente da Direcção) esteve Cosme Damião, um dos 24 fundadores do Clube. Cada vez mais uma figura reverencial, nesse tempo Cosme tinha uma visão mais afastada mas lúcida sobre o Clube. Tinham passado duas décadas das dolorosas clivagens de 1926 que levaram ao seu afastamento provisório. Ele, melhor que ninguém, percebia esses novos tempos de indefinição e da necessidade premente de voltar a unir a nação Benfiquista.



Algumas das figuras sentadas na Mesa de Honra do Banquete de 3 de Maio de 1946.



Nessa noite estiveram presentes várias dezenas de convivas, sendo que na mesa de honra se sentaram:

António Ribeiro dos Reis (1896-1961; Águia de Ouro; jornalista, militar, antigo jogador SLB/Presidente da Mesa da Assembleia Geral)

● (por confirmar) António Maria Pereira (Presidente do Conselho Fiscal)

Tamagnini Barbosa (1883-1948; militar, Presidente da Mesa da Assembleia Geral, futuro Presidente da Direcção)

Cosme Damião (1885-1947; Águia de Ouro; fundador, antigo jogador SLB/treinador/Presidente da Mesa da Assembleia Geral)

Manuel da Conceição Afonso (1890-1966; Águia de Ouro, operário linotipista, sindicalista, Presidente da Direcção)

Luís Carlos Faria Leal (sócio nº 2, Águia de Ouro; antigo Presidente da Direcção)


Alguns destes fizeram uso da palavra assumindo a responsabilidade do seu passado e presente no Clube e percebendo a importância das suas palavras como orientação ou conselho para os dias decisivos que se estavam a viver no Clube.



Dois sócios ilustres a discursar: Tamagnini Barbosa (Presidente da Mesa da Assembleia Geral) e Cosme Damião.




Dois sócios ilustres a discursar: António Sobral Jr (sócio nº 1) e Manuel da Conceição Afonso (Presidente da Direcção).


Estiveram também outros associados relevantes:

● António dos Santos Sobral Júnior (sócio nº 1, antigo dirigente e atleta)

● Carlos Rebelo da Silva (jornalista, Director do jornal "O Benfica", futuro co-autor da "História do SLB 1904-1954")

● Mário de Oliveira (jornalista, futuro co-autor da "História do SLB 1904-1954")






Mas não se julgue que o banquete tenha sido fechado à presença de não-Benfiquistas. O SL Benfica sempre foi uma instituição aberta para a sociedade, assente numa democracia interna e respeitando o Ideal definido pelos fundadores. Assim, entre os convivas, foram também convidados alguns homens notáveis ligados ao futebol Português e cujo carácter e obra mereceram sempre o respeito dos organizadores do banquete;


Cândido de Oliveira (1896-1958; antigo jogador SLB, jornalista, pedagogo, treinador que foi do CPAC, CFB, SCP, FCP ACA e CR Flamengo)

Raúl de Oliveira (Director de "Os Sports", mentor da Volta a Portugal em Bicicleta)

Tavares da Silva (1903-1958; jornalista, treinador e antigo seleccionador nacional de futebol)



Três figuras do primeiro meio século do futebol em Portugal que estiveram presente no banquete de 1946



Certamente que os discursos, o convívio e as conversas dessa noite andaram à volta da Mística Benfiquista. Muito sentimento, muitas recordações emocionadas de um passado Glorioso, muita discussão sobre a actualidade do Clube. Em todos também, e como é timbre do Glorioso, sempre a convicção do futuro luminoso que o Clube estava a construir.

E assim foi. Assente no labor e visão de alguns Benfiquistas de excepção e com o esforço e entusiasmo de milhões de Benfiquistas, o final da década de 40 e princípio da década de 50 foi um tempo de respeito pelo legado do passado e de sementeira para o futuro.


Nessa noite uma ausência se fez notar: Félix Bermudes, uma das figuras maiores de sempre do Clube, presidente cessante no início desse ano. O grande Benfiquista estava desgostoso com os novos dirigentes e com o novo rumo que tinha sido dado ao Clube.




Félix Bermudes terá até ponderado em desligar-se do Clube mas felizmente reconsiderou. As feridas causadas pelas eleições realizadas no princípio desse ano foram profundas e levariam alguns anos a sarar mas no dia da inauguração do Estádio da Luz, em 1 de Dezembro de 1954, ele lá esteve a desfilar no segundo Estádio que foi propriedade integral do Clube. Certamente que terá desfilado orgulhoso pela sua contribuição ao Clube que ele tanto amava e ao qual deu o melhor de si.

Talvez por isso, mais do que nunca, Cosme Damião sentiu necessidade em intervir nessa noite. As palavras de Cosme foram certamente escutadas. Ao que sei terão sido aliás as últimas palavras que proferiu perante uma tão vasta audiência Benfiquista. Cosme Damião partiria deste mundo em meados do ano seguinte. No espaço de uma década, infelizmente outras das grandes figuras presentes neste convívio também nos deixariam rumo ao 4º anel.


Estávamos em 1946. Nos 25 anos seguintes o SLB viveria momentos inolvidáveis:


•   O SL Benfica estava a 4 anos depois a conquistar a Taça Latina,

•   O SL Benfica estava a 4 anos de fazer uma fabulosa digressão a África, onde contrataria o imortal José Águas e onde difundiu e cimentou o Benfiquismo.





•   O SL Benfica estava a 8 anos de inaugurar a Catedral da Luz, o mais lindo e mítico Estádio que alguma vez existiu.

•   O SL Benfica estava a 14 anos de inaugurar o mítico 3º anel na Catedral da Luz, o mais lindo e mítico Estádio que alguma vez existiu.





•   O SL Benfica estava a 8 anos de contratar Otto Glória, o treinador que revolucionaria por completo o futebol Benfiquista e nacional.

•   O SL Benfica estava a 9 anos de fazer uma prestigiante digressão ao Brasil e Venezuela, que aumentou a dimensão e visibilidade internacional do Clube e o lançaria para os trilhos da Glória que tanto nos honraram nas décadas de 60 e 70.





•   O SL Benfica estava a 7 anos de se estrear nas competições Europeias.

•   O SL Benfica estava a 13 anos de contratar Béla Guttmann, o treinador que de forma sagaz e conhecedora, iria potenciar a estrutura criada por Otto Glória e aproveitar o talento de uma geração fabulosa de jogadores para os levar às maiores vitórias da nossa História.





•   O SL Benfica estava a 15 e 16 anos de conquistar as duas Taças dos Clubes Campeões Europeus.





•   O SL Benfica estava a 17 anos de vencer o troféu Ramon Carranza, um dos mais prestigiados troféus de torneios Europeus, símbolo da grandeza Europeia definitivamente cimentada.

•   O SL Benfica estava a 24 anos de fazer uma prestigiosa digressão ao Japão, símbolo do pico do prestígio e dimensão universal do nosso Clube.





E tantos, tantos mais, factos, pessoas, eventos e conquistas.

Mas um Clube grande também se faz de momentos de tristeza. Nesses momentos se revela a fibra do Clube e o carácter dos Homens que o dirigem. Momentos de profunda tristeza ou mesmo tragédia individual e colectiva também fazem parte da nossa História. Saber recuperar o ânimo e honrar os mortos sempre foi apanágio do nosso Clube.








Infelizmente, como atrás se disse, muitos dos mais distintos convivas de 3 de Maio de 1946 não veriam ver parte ou até mesmo todas estas etapas:



No 4º anel. Paz à sua Alma.



Nessa noite de 3 de Maio de 1946, todos os Benfiquistas presentes carregaram a Mística Benfiquista, um sentimento que muitos anos mais tarde o saudoso Mário Wilson resumiu de forma tão sublime:


Só nós Sentimos assim!






Neste sublime testamento que Mário Wilson nos deixou, estou certo nele se reveriam todos os imortais Benfiquistas de que neste texto se falou. Eles, que que tão maravilhosamente ajudaram a construir o mais querido, o mais brilhante, o Sport Lisboa e Benfica.


E é fácil encontrar muitos mais exemplos de Benfiquistas que sentiram e exprimiram o que é a Mística do Sport Lisboa e Benfica