Fernando Chalana

Avançado, (1959-02-10 - 2022-08-10),
Portugal
Equipa Principal: 12 épocas (1976-1984, 1987-1990), 318 jogos (24745 minutos), 47 golos

Títulos: Campeonato Nacional (6), Taça de Portugal (2), Supertaça (2), AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão (3)
Treinador, (1959-02-10 - 2022-08-10),
Portugal
Equipa Principal: 2 épocas (2002-2002, 2008-2008), 11 jogos (4 vitórias, 3 empates, 4 derrotas)

RS14


immoreofadogperson

Citação de: PSR1993 em 10 de Agosto de 2022, 15:18
No dia em que o 4.º anel recebe mais um dos seus notáveis, recordo as imortais palavras de Camões inscritas n'Os Lusíadas: "Aqueles que por obras valorosas / Se vão da Lei da Morte libertando". Fernando Chalana integra esse acervo de gente que nunca morrerá e viverá eternamente no imenso e glorioso património da alma portuguesa e benfiquista.

Este texto é a minha única memória de Fernando Albino de Sousa Chalana e provavelmente uma das mais marcantes enquanto praticante dessa imensa religião que é o Sport Lisboa e Benfica.

Estávamos a 25 de janeiro de 2010 e uma equipa de "velhas" (e não tão velhas) glórias do Benfica jogava na Luz contra os amigos do Zidane, a contar para a beneficência em favor das vítimas do então recente e violentíssimo sismo no Haiti. Numa extraordinária demonstração de solidariedade, tão característica dos portugueses, acorreram à Luz mais de 50 mil benfiquistas, contando-se igualmente alguns sportinguistas e portistas polvilhados pelas bancadas, uns em busca de reminiscências dos grandes nomes de outrora, outros para ver para crer, qual S. Tomé, a genialidade que a história do futebol cantou aos que iriam agraciar o relvado da Luz com a sua presença.

Na sala de estar da casa dos meus pais, templo do benfiquismo em cada dia de jogo, eu, os meus irmãos e pais aguardávamos o apito inicial, entretidos com as entrevistas às estrelas que dali a pouco menos de uma hora iriam compor uma das mais bonitas sonatas da "nova" Luz. A certa altura surge no ecrã, com o seu familiar sorriso de orelha a orelha, o então portador do n.º 10 do Sport Lisboa e Benfica e mago argentino, Pablo Aimar. A felicidade quase infantil que se via no brilhar dos olhos daquele que era um dos grandes ídolos do futebol mundial era contagiante. Cada expressão corporal e verbal assemelhava-o a uma criança levada à Toys R' Us e a quem lhe fora dito que, durante noventa minutos, podia fazer o que bem entendesse, sem receio de castigos ou represálias. Do alto dos meus púberes dezasseis anos, soltei um ousado "melhor n.º 10 de sempre do Benfica!", ao que o meu pai, até então sossegado no sofá disposto de frente para o ecrã – costumeiramente reservado ao pai de família – replica com "é o quê?!", numa espécie de revolta condescendente com aquela declaração blasfema que acabava de ser proferida debaixo de um teto religiosamente benfiquista. "Então quem é?" – retorqui, vergado à experiência que as palavras e aquele tom de voz castrense deixaram ecoar. "Fernando Chalana!" – responde o meu pai, sem hesitação ou contemplação, como se de um dogma se tratasse, uma verdade insofismável, tão ou mais certa que a morte ou os impostos.

Talvez a minha juventude me tivesse impedido de compreender, naquele momento, a verdadeira dimensão de Fernando Chalana. Para quem estava habituado a ver Pablo Aimar espalhar magia no miolo do Benfica, a elevação de Chalana a um patamar ainda maior que esse parecia-me coisa quase impossível - uma impossibilidade talvez influenciada pela visão que guardava do futebol dos anos oitenta como um futebol obsoleto, do tempo da televisão a cores com granulado, dos festejos estranhos e jogadores com fartos bigodes, cabelos oleosos e ostensivas correntes de ouro. Um futebol longe, no tempo e no espaço, do futebol que sempre conheci.

Pierluigi Colina apita para começar o jogo, cai o pano para a galáctica partida e pouco mais de trinta minutos depois tudo aquilo que achava conhecer de futebol e do Benfica desmorona-se.

À passagem do minuto 32, o marcador mostrava 2-1 para o Benfica e faziam-se as primeiras alterações. Do lado do Benfica, o "speaker" anunciava a saída de Giorgos Karagounis, um dos ilustres gregos a vestir a camisola vermelha e branca, e anunciava a entrada daquele homem de 1,65m, de meias formosamente esticadas, camisola enfiada para dentro dos calções, cabelo aerodinamicamente penteado e bigode já não tão farto quanto o que lhe valera o epíteto de "Chalanix", mas de um grisalho temperado e impecavelmente aparado.

Entrava, com o número 10, Fernando Chalana, e o Estádio da Luz foi abaixo. Nas bancadas, mostravam-se miúdos e graúdos em eufórica ovação, alguns com camisolas de rivais, outros com a lagriminha no canto do olho, recordando o ídolo de infância, "o futebol em estado puro", nas justas palavras de Pedro Ribeiro. Em campo, Luís Figo abraçou Chalana como se tivesse abraçado o futebol em si, prestando-lhe uma imediata vénia, repetida pelas transmissões televisivas em câmara lenta. Na FoxSports argentina, os comentadores falavam na merecida reverência ao "Señor Chalana", numa "cancha" que contava com astros do futebol como Zidane, Hagi, Kaká, Pauleta, Barthez, Laudrup, Popescu, ou o próprio Figo. Na sala de estar da casa dos meus pais - e imagino que em muitas outras salas de estar por esse Portugal fora -, o meu pai levantava-se para aplaudir a entrada do melhor n.º 10 da história do Sport Lisboa e Benfica.

Diz-se dos jogadores de futebol que, quando nascem para o desporto-rei, tratam a bola por tu e não precisam sequer de meter a vista para onde querem que vá parar. O toque de bola de Fernando Chalana podia já não ser o que em tempos havia sido, mas notava-se a léguas que era um toque predestinado, assustador de tão gentil que era, um amigo de longa data da redondinha, com quem não havia espaço para rodriguinhos. Os seus 50 anos impunham respeito aos adversários, que se aproximavam com a cautela que a idade impunha e que (pelo menos assim quero pensar) o receio de um drible inesperado aconselhava.

Ao minuto 41, Fernando Chalana recebe a bola na linha e em ato contínuo é maldosamente rasteirado por Dani Alves. O tribunal da Luz não perdoou o crime de lesa-Chalana e coroou o infrator com estrondosa vaia, replicada a cada vez que o brasileiro tocava no esférico. "Filho da p..." – exalava o meu pai entredentes, amaldiçoando a insolência de Dani Alves, que depressa estendeu a mão a Chalana para o levantar e em seguida curvou as mãos fletidas em direção ao chão, no clássico gesto de mergulho. Chalana esboçou um sorriso de perdão, porventura consciente que, mesmo somando mais umas quantas voltas ao Sol, dificilmente Dani Alves teria outra opção que não a falta.

Com o fim da primeira parte, Fernando Chalana recolheu ao balneário e não regressou para o segundo tempo. Saiu como sempre jogou, viveu e será lembrado: humilde, genial, amigo do seu amigo. Marcou a vida dos que com ele privaram e daqueles que o viram pisar os relvados. Para mim, foram quinze minutos que me mudaram para sempre: Pablo Aimar continuou a ser o meu n.º 10 favorito, mas já não era o melhor n.º 10 de sempre do Benfica.

Até sempre, Pequeno Genial!

Magnífico texto, que me emocionou. Obrigado por tão eloquente e sentida partilha.

Até sempre, Chalana.

o_bEnFiQuIsTa


rdasmt

Obrigado Chalana. Que dor do caralho. És e serás sempre Benfica. Para sempre, um de nós. Obrigado...  :cry2: :slb2:

Slbttotosalvio

Citação de: JoséTorres em 10 de Agosto de 2022, 16:29
O Chalana era destro.

Incrível a quantidade de pessoas que acha que ele era canhoto, mesmo quando jogava.
Era um ambidestro puro, o homem dominava, fintava e rematava com os dois pés.

rdasmt

https://youtu.be/dxNHENhnYug Pedro Ribeiro... Impossível um gajo não se emocionar foda-se...

Águia1954

#1851
   Em primeiro lugar esta não é a minha conta, é a que criei para o meu pai este ano para ele poder acompanhar algumas novidades do clube que um dia me apresentou.

Pedi-lhe para a usar, e peço já desculpa por me desviar do assunto mais importante, porque ontem, durante o calor do jogo e perante o enésimo erro do GR que ocupa a baliza do Sport Lisboa e Benfica, desabafei entre vocês em quase modo de desespero e classifiquei a personagem como "cagalhão grego". Um moderador, tal professora da primária dos anos 80, com a sua régua de madeira, sem o mínimo de bom senso, sem perceber o contexto que rodeava a situação, resolveu que era motivo suficiente para me deixar "longe" desta família durante 3 dias! Enfim!

O avatar que escolhi para a conta do meu pai, na altura que lhe criei a conta, é este que está ali, o genial Fernando Chalana.
Escolhi-o porque foi o meu pai que mo apresentou, tal como apresentou este clube único que amo desde que nasci!

Já um dia partilhei aqui no fórum que uma das memórias mais antigas que tenho de infância foi ver na Luz um Benfica x Sporting em 1983. Consigo descrever esse dia do início ao fim, como se tivesse sido ontem, e nesse jogo, quem decidiu foi este imortal que dá nome ao tópico, da maneira que só ele sabia.  :smitten:

Não tenho a mínima dúvida que uma das maiores razões por me ter apaixonado por este clube e por este desporto, foi a magia deste ENORME jogador. Sentava os adversários só com os olhos, uns diziam que era canhoto, outros diziam que era destro, mas o que é um facto é que a magia estava no corpo todo! O puro futebol de rua num relvado!

Ensinou-me desde criança, que o manto sagrado é para os melhores dos melhores e talvez por isso seja tão exigente com quem o veste e não ter paciência para a mediocridade. Há uns 15 anos, tive o privilégio de lhe apertar a mão e de lhe dizer que tinha sido o melhor que vi de bola no pé, e mantenho, foi o melhor jogador português que vi ao vivo!

Hoje quando ouvi na notícia na rádio enquanto conduzia caiu-me tudo, fiquei praticamente com o cérebro dormente, e essa sensação durou o dia todo, foi como ter perdido alguém próximo, e à minha mente vieram imagens deste craque a escrever poemas com uma bola nos pés e voltei a ser o puto sentado nas bancadas de pedra do antigo Estádio da Luz!

Um imortal, um dos maiores de sempre que vestiram o manto sagrado!

Obrigado, Chalana, por tudo o que me deste, que nos deste e até sempre!

   :cry2: :cry2: :cry2: :cry2: :cry2: :cry2: :cry2: :cry2: :cry2:
                                                 
                                                                                                                               
   -Mittelstürmer-


dellacosta

Descansa em paz, Pequeno Genial.
Farás para sempre parte da nossa história.




Até sempre, Eterno 10.

Mozerovic

Perdeu se uma lenda e uma referência.do Benfiquismo.

(Dificilmente haverá mais "Chalanas" neste futebol onde um jogador diferenciado mal acaba a primeira época vem logo os milhões da treta.)

Riesk

tivesses jogado nesta era do youtubes e afins e rivalizavas com o messi!

descansa em paz campeão!

SLBRulez

DEP, mais um lenda que se foi.

lorZ


pasfomp


FKS

Eterno Chalana.

Serás sempre, e para sempre, parte daquilo que é o nosso Benfica.

Descansa em paz Pequeno Genial.

HB

#1859


A singela homenagem do Insónias ao Chalana.