Nuno Gomes em entrevista ao Record

Fonte
www.record.pt
Nuno Gomes: «Acredito que podemos ser campeões» De regresso ao Benfica, o ponta-de-lança garante que está mais obcecado pela conquista do título do que pelo troféu de melhor marcador da I Liga – As suas primeiras imagens no Estádio da Luz, no dia da apresentação, mostram um Nuno Gomes nervoso? É verdade? – Sim, nervoso e tenso, provavelmente porque ainda não estava a acreditar. Os três dias que antecederam o meu regresso a Portugal foram vividos de forma intensa, mas triste, embora por outros motivos. Depois, de repente, vi-me num ambiente de grande alegria, numa situação que esperava há já algum tempo. – ... – Momentos antes de entrar no relvado, ainda no túnel, estava ao lado do Eusébio e do Shéu e não conseguia falar. O coração parecia que me saltava, que me saía do corpo, tal era a emoção e o nervosismo. Jamais esquecerei o que senti naquela altura e, por isso, ficarei eternamente grato a todas as pessoas que, naquela noite, me aplaudiram. Estive durante três anos no Benfica e, infelizmente, não conseguimos ganhar um título nesse período. Mas penso que a forma como os adeptos me aplaudiram é o reconhecimento do meu trabalho e de que não se esqueceram de mim, o que muito me honra. – Quer então dizer que é benfiquista desde pequenino? – Quando era pequeno, defendia sempre a equipa que ganhava. Eu, o meu irmão e os meus primos tínhamos sempre grandes guerras. Éramos uma espécie de vira-casacas. Quando fui para o Boavista, deixei de ter clube e, sendo profissional, comecei a encarar o futebol numa outra perspectiva. Esqueci essa paixão que me acompanhou enquanto miúdo e posso dizer que ainda hoje sinto um enorme carinho pelo Boavista, um clube onde cresci como futebolista e como homem. – E no Benfica? – Estive três anos no Benfica e facilmente me apercebi da dimensão e da grandeza do clube e da sua massa associativa. Essa é uma realidade que qualquer jogador reconhece ao fim de pouco tempo e eu também não constitui excepção. Há, de facto, uma diferença substancial entre o Benfica e os outros clubes que se traduz nessa grandeza, no facto de movimentar multidões e de gerar emoções como em mais lado nenhum. – Pode deduzir-se que, mais do que a vertente financeira, pesou o lado sentimental quando assinou pelo Benfica? – Pesou... Se calhar, antes de assinar pelo Benfica recebi propostas muito mais tentadoras em termos financeiros. Mas o facto de ser o Benfica e de regressar a uma casa que tão bem conheço tinha, forçosamente, de pesar. Por outro lado, senti da parte de Luís Filipe Vieira, gestor do futebol profissional, uma enorme vontade de me trazer para o clube, um desejo que também era extensivo à massa associativa. – ... – Quando se começou a falar, na Imprensa, no meu eventual regresso a Portugal, nunca mais parei de receber mensagens de incentivo e de apoio no sentido de voltar a uma casa que conheço e de que tanto gosto. – É, neste momento, o centro de de mais uma polémica, esta envolvendo FC Porto e Benfica. É ou não verdade que recebeu propostas de outros clubes portugueses? – Esse é um tema pouco importante no actual contexto. Sou jogador do Benfica e essa é uma verdade inquestionável. Quanto ao resto, acho que não devemos estar a criar polémicas e guerras por causa do contrato de um jogador. Pessoalmente, não fui contactado por nenhum clube português a não ser pelo Benfica. Tive várias propostas mas o Benfica, além de ter a minha preferência, foi o primeiro a mostrar interesse e a oferecer-me um contrato. Sempre dei prioridade ao Benfica mas também é verdade que, caso não chegasse a acordo, não poderia, como é óbvio, deixar de jogar futebol. – Alguma vez deixou de acreditar na possibilidade de regressar ao Benfica? – Sempre estive em contacto com os dirigentes da Fiorentina e sabia que, mesmo que o clube ficasse na II Divisão, eu teria de encontrar um novo rumo para a minha vida. E repare que o Benfica foi dos primeiros a tentar o meu empréstimo junto da Fiorentina. Depois, a partir do momento em que foi declarada a falência do clube, o cenário mudou de forma radical, no meu caso e dos meus companheiros, porque nesse dia perdemos muito dinheiro. Assim, numa futura negociação com qualquer clube o meu pensamento teria de ir sempre para a necessidade de recuperar a verba (cerca de 2, 5 milhões de euros) perdida. – Foram difíceis as negociações? – As negociações não foram fáceis nem difíceis. Foram, como disse Luís Filipe Vieira, seis horas de trabalho. – É verdade que nunca teve muita vontade de sair do Benfica? – Sempre disse, quando saí, há dois anos – e sempre deixei bem claro – que apenas o fiz perante o cenário que me foi apresentado, como se fosse um acto consumado. Perante os números envolvidos, qualquer ser humano não diria que não. Repare que foram necessários dois dias para eu e a Fiorentina chegarmos a um acordo, o que quer dizer que a minha vontade de sair não era muita. – Sente que foi empurrado para sair pelo então presidente Vale e Azevedo? – Não fui empurrado. É preciso não esquecer que a decisão final foi minha. Eu tinha uma cláusula de rescisão no valor de 3,2 milhões de contos e o Benfica teria de me libertar se surgisse uma proposta. Foi isso que a Fiorentina fez e eu optei pela mudança porque a proposta era, de facto, irrecusável, para mim e para o Benfica. – Acha que o Benfica pode corresponder à onda de euforia que se criou em volta da equipa? – Se fizermos uma análise individual, pode dizer-se, com legitimidade, que o Benfica tem um lote de jogadores de classe acima da média. Cabe agora não só ao treinador mas principalmente aos jogadores formar um bom grupo e uma boa equipa. Os jogadores, sozinhos, não ganham; os nomes e as camisolas não bastam. Só um plantel forte e coeso é que pode conseguir alguma coisa. O grupo é jovem, tem alguns jogadores já experientes, muitos deles internacionais e, por isso, acredito muito nesta equipa. Como também acredito que o Benfica pode ter uma equipa ganhadora para largos anos. – E não lhe parece complicado gerir um grupo com tantas estrelas? – É sempre complicado gerir um plantel, porque há jogadores que sobressaem mais do que outros. Foi assim no passado, é no presente e continuará a ser no futuro. É a lei da vida. Eu defendo que não se devem colocar os interesses pessoais acima dos interesses e dos ideais do colectivo. Se a equipa ganha, toda a gente lucra e não podemos pensar cada um para si. Sempre pensei desta forma e irei tentar manter esta postura. – Com tantos reforços, pode pensar-se no regresso aos títulos? – Eu acredito que o Benfica pode ser campeão. Mas também sei que Sporting, FC Porto e Boavista, todos com excelentes equipas, pensam da mesma forma. Tenho a certeza de que temos equipa para ser campeões mas não estou certo, nem podia, de que o vamos ser. O importante é manter a regularidade ao longo da época para não defraudarmos as expectativas que estão a ser criadas. Com os reforços e com todos os jogadores que transitaram da época passada, vejo grandes potencialidades neste plantel. E se não formos campeões estaremos a formar uma equipa. – Até que ponto é importante um bom início de campeonato? – É importantíssimo começar bem, até para justificar esta onda de euforia que se tem vivido até agora. O primeiro jogo, com o Marítimo, é fundamental, a despeito de nada definir. Mas pode mudar muita coisa, no seio da equipa e ao nível dos adeptos. Não ganhar os primeiros jogos significará perder fulgor e poderá conduzir a um enfraquecimento psicológico do grupo. – Que lhe parece o calendário? – Temos de jogar contra todos, fora e em casa. O facto de defrontarmos os três grandes fora pode, em caso de bons resultados, ser benéfico para nós. Na segunda volta, conseguindo os mesmos êxitos, podemos ganhar alguma vantagem. – O Sporting, sem João Pinto e sem Jardel, parte mais fragilizado. Ou não? – O Sporting conta com um excelente plantel mas é claro que o João vai fazer falta. Sem querer magoar os restantes jogadores, ninguém pode negar que muito do que o Sporting conseguiu na época passada foi à custa do João Pinto e do Jardel. Vão fazer muita falta mas se o Sporting conseguir manter-se lá em cima até Outubro, então é um sério candidato. – Se o Jardel não jogar a sua vida, em matéria de golos, fica facilitada... – O Jardel é suficientemente maduro para tomar as decisões que achar melhor e não me compete a mim abordar questões que dizem respeito à sua vida. Admiro-o como jogador e como pessoa e acho que faz falta ao Sporting e ao futebol português, porque é sinónimo de golos e de espectáculo. Só espero que decida o mais rápido possível porque considero-o um dos melhores finalizadores. – Mas não nega que persegue um fito: conquistar o prémio de melhor marcador da I Liga... – Não nego. Mas não estou obcecado por isso. Posso até dizer que estou mais obcecado pelo título do que por ser o melhor marcador da I Liga. Mas sendo eu ponta-de-lança e estando novamente no Benfica, numa equipa com excelentes jogadores que podem proporcionar aos avançados muitos golos, considero que posso lutar por esse troféu. – Vai ter forte concorrência na equipa... – A concorrência é saudável e depende sempre do treinador, do esquema táctico, de se jogar com um ou dois pontas-de-lança... – Como prefere jogar? Com um ou com dois? – Com dois. Mas esta é uma ideia pessoal. Se fosse treinador era assim que jogava. Como não sou... Acho que se cria mais oportunidades. Mas também há jogos em que mais vale jogar com um. Estreia pode ser frente ao Celta Parece que foi ontem mas já passaram quase três anos. O Benfica perdeu em Vigo por números invulgares (7-0) e Nuno Gomes estava presente no desastre. Agora, depois da passagem pela Fiorentina, pode fazer a sua estreia amanhã, em Vila do Conde, frente ao mesmo Celta. – Foi um dos piores jogos, não só da minha carreira como da história do Benfica. É dos tais resultados que só podem voltar a acontecer daqui a muitos anos. Deixou marcas profundas no plantel e nessa época nunca mais fomos capazes de esquecer esse pesadelo. Nuno Gomes admite não estar ainda no seu melhor mas manifesta o desejo de voltar a jogar o mais rapidamente possível. – É verdade que não estou, nem podia estar, a cem por cento. Mas estou a caminhar para a minha forma ideal. Não sei se posso actuar 90 minutos mas de uma coisa tenho a certeza: estou com grande vontade de jogar, agora só depende do treinador. Infelizmente, apesar de ter trabalhado em Itália, com a Fiorentina, não o fiz nas condições ideais em termos psicológicos. «Benfica é hoje um clube mais organizado» Nuno Gomes esteve dois anos na Fiorentina (onde ganhou apenas uma Taça de Itália) e é natural que encontre substanciais diferenças entre o Benfica dessa altura e aquele que veio encontrar agora. – Sinto que o Benfica está muito melhor organizado. E quando falo de organização, é a todos os níveis. Quando saí, a SAD ainda não estava constituída e hoje vejo que há muito mais coerência naquilo que se diz. Há uma grande vontade para resolver os problemas e, ao contrário do que sucedia num passado recente, os jogadores não têm de estar a ler jornais para saber se esta ou aquela dívida já está liquidada. Nuno Gomes acredita que há agora muito mais tranquilidade para os profissionais executarem o seu trabalho. – Os jogadores são contratados para jogar e não para falar sobre questões financeiras, como tantas vezes aconteceu. Agora há pessoas com capacidade para essas funções específicas. Já o ano passado, quando estive na Luz a recuperar de uma lesão, me tinha apercebido das mudanças. «Por minha vontade não saio do Benfica» Nuno Gomes tem contrato com o Benfica para os próximos quatro anos e admite, sem dificuldade, a despeito de ter apenas 26 anos, que gostaria de terminar a carreira na Luz. – É verdade que gostava de terminar a minha carreira no Benfica, onde passei três anos fabulosos. Estou de regresso mas acima de tudo não quero pensar que esse dia vai chegar. Espero que, pelo menos, esteja longe. O estrangeiro será sempre uma possibilidade dentro de um ano mas Nuno Gomes não parece muito receptivo à ideia. – Por minha vontade não saía. Estou no clube que gosto, sou bem tratado, estou em casa, no meu país. Um dia o Estádio da Luz vem abaixo As mudanças também são extensivas ao património. "Por um lado é gratificante ver como as obras no novo estádio aumentam de dia para dia. Mas também é um vazio muito grande ver aquela bancada derrubada. Até já perguntei no balneário qual é a sensação num jogo a sério." Crise do futebol vista do outro lado Nuno Gomes está identificado com a crise que o futebol atravessa. "O que se passou com a Fiorentina serve de alerta e devia ser motivo de reflexão. Mas a crise é generalizada e abrange outros sectores da sociedade, talvez durante mais dois ou três anos. É tempo de puxar o travão." Tempo de poucos reencontros No espaço de dois anos muita coisa mudou no Benfica. Neste seu regresso à Luz, dois anos após ter assinado com a Fiorentina, Nuno Gomes reencontra apenas três conhecidos dos seus tempos. São eles Andrade, Nuno Santos e Moreira, que já treinava com o grupo principal.