A resposta das autoridades, desportivas e civis, aos acontecimentos de Guimarães só dá razão a José António Camacho, o espanhol especialista em dizer o óbvio: em Portugal vive-se uma crise de autoridade.
A Comissão Disciplinar agiu depressa, mas mal. Aplaude-se a suspensão preventiva do Municipal de Guimarães, condena-se o comunicado. Acusar a polícia naqueles termos e chamar energúmenos aos adeptos é simples de mais e sintoma de perda da indispensável serenidade. Esperava-se da CD uma postura «de Estado», não a utilização de linguagem que baixa ainda mais o nível de tudo isto.
A mesma CD decidiu aplicar aos jogadores que iniciaram os incidentes a inacreditável pena de um jogo de suspensão. Castigo idêntico a quem vê dois cartões amarelos na mesma partida!
O governo andou depressa ao chamar o presidente da Liga. Para quê? Apenas para ocupar espaço na comunicação social, fazendo passar a ideia de que está atento e actua. A realidade é bem diferente. O governo nada pode fazer. E mesmo que pudesse não fazia. Afinal, os presidentes das Liga e da Federação são do mesmo partido, o que dificulta sempre estas coisas.
O mesmo governo anunciou para Fevereiro uma lei que, diz, vai permitir que os adeptos arruaceiros sejam afastados dos estádios. Uma boa ideia? Sim, tão boa que já existe há anos em outros países e, diz um deputado do Partido Socialista, também já é aplicável em Portugal. Segundo Laurentino Dias, nos anos 70 um juiz de Vila Verde decidiu que um adepto deveria apresentar-se no posto da GNR local em dias de jogo da sua equipa. O Secretário de Estado do Desporto ainda não chamou o major para discutir este tema.
A polícia ainda não foi capaz de analisar o vídeo do Estádio D. Afonso Henriques e identificar todos os intervenientes nos desacatos. Ou se o fez nada disse.
Pimenta Machado veio dizer que a culpa é do árbitro e que tudo o que sucedeu em Guimarães foi provocado. Seria grave se hoje em dia ainda alguém levasse a sério o presidente do Vitória de Guimarães, seguramente o maior especialista em humor negro do país.
Para piorar, o médico do Vitória acusou o médico do Boavista de ligar a cabeça ao guarda-redes William para nos enganar a todos. A Ordem dos Médicos nada diz?
Cada dia que passa o rescaldo do fim-de-semana piora. Na segunda-feira tínhamos um treinador de cabeça perdida (Mourinho), um dirigente exaltado (Bettencourt), jogadores indisciplinados (Vitória e Boavista) e adeptos que não gostam de futebol mas vão aos estádios (os de Guimarães). Hoje temos também um governo que tenta fazer de nós parvos, um presidente da Liga todo contente porque desta vez a Comissão Disciplinar agiu depressa, uma Comissão Disciplinar que utiliza linguagem imprópria e decide mal, uma polícia incapaz de nos garantir que os adeptos mal comportados estão identificados, um presidente de clube que há muito deveria estar proibido de o ser e um médico que acusa outro.
No meio de tudo isto, o Estádio da Luz viveu uma noite de emoção. Muito bonita a homenagem de todos a Fehér, notável o respeito dos que participaram no jogo. Sem faltas absurdas, sem simulações desonestas e sem anti-jogo foi evidente a qualidade do futebol praticado. Inacreditável que tenha sido necessário alguém morrer em campo.