– A época não está a correr conforme o esperado. O Benfica já se encontra afastado do título nacional. Qual a justificação para este insucesso?
– Houve altos e baixos. Momentos bons e maus. De qualquer forma, tivemos apenas quatro derrotas e em dois desses jogos as coisas podiam ter-nos corrido melhor. Iniciámos bem o campeonato e tivemos mesmo oportunidade de atingir a liderança. Não nos deixaram...
– Os árbitros não deixaram?...
– Eles erram, tal como nós.
– E os erros deles não explicam tudo...
– Houve muitos problemas com lesões. Nenhuma das equipas que vai à nossa frente teve tantos azares como nós. O que seria, por exemplo, do Sporting, caso o João Pinto ou o Jardel se lesionassem? Nós ficámos muito tempo sem jogadores-chave. Ninguém pode duvidar disso. São problemas que complicam o trabalho de qualquer equipa. Começou logo em Setembro com o Sokota. Ele estava muito bem e contraiu uma lesão gravíssima, da qual ainda hoje recupera. O Mantorras magoou-se também numa altura crucial. O Jankauskas teve de parar quando estava a fazer muitos golos. Mais recentemente, a infelicidade bateu à porta do Simão. Estávamos a utilizar um sistema táctico diferente, ao qual o Simão se adaptava muito bem, dado tratar-se de um jogador muito rápido. Mas contraiu uma lesão grave. Deixou triste a equipa e todos os benfiquistas. Foram azares a mais, que muito complicaram a nossa tarefa. Já sem o Simão, perdemos pontos com o Sp. Braga e Santa Clara. Peço, portanto, às pessoas que gostam do Benfica para continuarem a apoiar-nos e a acreditar em nós. Temos quatro jogos importantíssimos pela frente e tudo faremos para alcançar o nosso objectivo, que é a qualificação para um lugar nas competições europeias do próximo ano.
– Falou em derrotas injustas. A que jogos se referia?
– Com o Boavista, no Bessa. Sofremos um golo muito cedo. Trabalhámos bem e podíamos ter chegado ao empate. Não gosto de falar dos árbitros, mas houve pelo menos uma grande penalidade que ficou por assinalar. O outro foi com o FC Porto, no Estádio das Antas. Estivemos em vantagem no marcador e desconcentrámo-nos. Mas não podemos viver do passado. Há quatro jogos importantíssimos pela frente e temos de vencê-los.
– De qualquer forma, o objectivo era o Campeonato e não a qualificação para as provas da UEFA do próximo ano...
– Sim, mas não conseguimos o primeiro objectivo devido a essa série de infelicidades. Tivemos oportunidade de atingir a liderança em Paços de Ferreira. Depois, no encontro com o Sporting, o Andrade foi expulso injustamente e o nosso adversário beneficiou de uma grande penalidade que não existiu. O objectivo era o campeonato, é certo, mas este ano ganhámos uma grande equipa e um grande treinador para o futuro. Se não fossem as lesões, eu acredito a cem por cento que o Benfica seria campeão.
– Nesse caso, o Benfica justifica mais o terceiro lugar que o FC Porto?
– O Benfica merece mais o terceiro lugar pelas injustiças e pelas dificuldades por que passou. Se analisarmos as carreiras dos dois clubes, o Benfica merece mais um lugar na UEFA que o FC Porto. Sem dúvida.
– O FC Porto está em vantagem em relação ao Benfica. Beneficia dos resultados averbados nos confrontos directos e tem um calendário teoricamente mais fácil. Concorda?
– O nosso calendário é mais difícil que o do FC Porto. No entanto, os próximos jogos deles não serão fáceis, pois recebem o V. Guimarães e vão a Braga. Se vencermos o Paços de Ferreira, iremos a Alvalade com uma motivação ainda maior. Mas é preciso pensarmos, em primeiro lugar, no nosso próximo compromisso. Já estive em clubes mais pequenos e sei que é uma motivação extra defrontar os maiores. De qualquer forma, o FC Porto joga no sábado (amanhã). Se escorregar, teremos a missão mais facilitada no dia seguinte, apesar de não estarmos à espera, obviamente, que a vitória frente ao Paços de Ferreira nos caia do céu.
– Esta luta com o FC Porto dá-lhe uma motivação especial, face ao facto de ter passado seis anos nas Antas?
– A minha motivação é ficar no terceiro lugar, pois o segundo ou o primeiro já não será possível. É lógico que, sendo assim, prefiro ficar à frente ao FC Porto, cuja casa conheço bem.
– E o que ficou a conhecer da casa?
– Em seis anos, conheci pessoas maravilhosas. Fiz amigos e privei com companheiros de equipa com quem aprendi muito numa fase de grande importância para a minha vida. Os jogadores, os treinadores e os adeptos ficaram-me no coração.
– E os dirigentes?
– Foram uma desilusão. O maior desgosto da minha vida. Excepção feita ao sr. Reinaldo Teles, pessoa honesta e pela qual tenho o máximo respeito, os outros dirigentes da SAD do FC Porto não têm qualquer formação. Não respeitam ninguém. Deixaram-me muito triste. São o tipo de pessoas que não contribuem para o bem-estar do futebol português. Tentam desestabilizar os adversários quando as coisas não vão bem no clube deles. Vêm para a praça pública dizer coisas sem pés nem cabeça. Falam, falam, e não dizem nada. Só criam mal-estar.
– Está a referir-se a Pinto da Costa?
– A ele e aos outros membros da SAD. A única excepção é o sr. Reinaldo Teles, um grande homem, com quem ainda falo actualmente. É lamentável que os outros lá estejam. Dei o melhor nessas seis épocas. Não podem apontar-me o que quer que seja. Nem falta de aplicação, nem de trabalho, nem de humildade. Respeitei todos e, nos momentos difíceis daquele clube, dei muitos pontos à equipa, quando precisava de mim. Nestas duas últimas épocas colocaram-me de lado, pois o presidente do FC Porto teve um desentendimento com o meu empresário, o sr. José Veiga. Infelizmente, nestes casos quem paga é sempre o jogador. É triste e não posso concordar com isso. Houve uma grande falta de respeito. Aliás, hoje isso ainda acontece. Esta época voltaram a colocar na equipa B jogadores representados por José Veiga. É necessário uma grande espírito de sacrifício para aguentar o que aguentei no FC Porto. Os últimos dois anos foram horríveis. Pelo que tenho acompanhado – leio jornais e falo com pessoas da cidade –, o FC Porto precisa urgentemente de mudar. Não é necessária uma limpeza de balneário, mas sim uma limpeza a nível directivo. Para bem do futebol.
– Recorda-se de algum episódio em que fosse alvo de uma clara marginalização?
– Joguei no FC Porto, muitas vezes em funções que não eram as minhas (lateral-direito e ponta-de-lança, por exemplo) e dei sempre o máximo. De um momento para o outro, fizeram-me aquilo. É triste. É lamentável. Os episódios foram tantos que as pessoas, se quiserem perceber, tirarão as respectivas ilações. Desde que deixei de jogar, o FC Porto não voltou a ganhar títulos. Não digo isto referindo-me apenas ao meu contributo individual, mas fundamentalmente por aqueles que tiveram de partir entretanto. Alguns deles por razões semelhantes às minhas. De qualquer forma, conheci pessoas que se revelaram importantes na minha vida. De resto, só tenho a lamentar a existência dessas pessoas sem formação. O presidente desiludiu-me. É uma pessoa que não tem respeito por ninguém.
Poucas mexidas no plantel
– Voltando aos assuntos relacionados com o Benfica. Já houve claros indícios de desentendimentos entre os jogadores. Argel zangou-se com Porfírio e Armando. Foi público o desaguisado entre o João Manuel Pinto e Zahovic e observa-se, por vezes, o próprio Zahovic a protestar em pleno relvado com os companheiros. Por exemplo, com Caneira, em Guimarães, e com Armando, nos Açores. Há mau ambiente no balneário?
– Todos querem ganhar e dar o máximo. Em todas as equipas há um, dois ou três jogadores com uma maneira de estar muito própria. Eu, por exemplo, falo muito. Por vezes, é absolutamente necessário dialogar, comunicar, corrigir. Falar é ajudar, é evitar que se repitam erros. Cada um tem o seu temperamento. Eu sou amigo do Za (Zahovic). Trata-se de um jogador muito experiente, que já actuou em grandes clubes europeus. Ele tenta ajudar. Pelo que li, houve problemas no balneário do Benfica em anos anteriores. Esta época isso não aconteceu. Os srs. Manuel Vilarinho e Luís Filipe Vieira estão a gerir muito bem o clube. O grupo é forte, unido e espero que não haja mudanças significativas na próxima temporada. Sou benfiquista e acompanho as notícias do clube. Quando entram 15 elementos e saem outros tantos no final da cada época, como aconteceu nos últimos anos, torna-se complicado desenvolver um trabalho em profundidade. No próximo ano apenas necessitamos da ajuda de um ou dois jogadores.
Do emprego na construção civil à titularidade no Benfica
– Começou a época como suplente, face à natural aposta na dupla formada por Argel e Júlio César. Mas conquistou a titularidade, logo de início, e não mais a perdeu. Esperava vingar no Benfica de forma tão inequívoca?
– Sou um lutador e já passei muito na vida. Ir para o Benfica foi uma alegria enorme. É o meu clube do coração, uma instituição muito grande. Pensei que não seria possível lá chegar. Fiquei muito orgulhoso e esforcei-me por esquecer as mágoas sentidas no FC Porto. Sabia que não era fácil chegar à titularidade. Nas Antas, passara a última época na equipa B e, na temporada anterior, quase não tinha sido utilizado. Sem ritmo nem confiança, muito dificilmente poderia lutar com o Argel, que tinha sido contratado ao Palmeiras, e com o Júlio César, jogador de renome que ainda mantém vínculo contratual com o Real Madrid, um dos principais clubes da Europa.
– Mas conseguiu...
– Sim, tive de trabalhar muito. De ganhar ritmo e confiança para poder dar o máximo quando a oportunidade surgisse. Nunca deixei de trabalhar. Fi-lo até aos limites. É que, como disse, já passei por muitas coisas na vida...
– Que coisas foram essas que refere com algum orgulho?
– Não fui um bom aluno. Não prestava qualquer atenção nem dava importância à escola. Em miúdo, já só pensava em futebol. A certa altura, já não fazia sentido que o meu pai estivesse a pagar-me os estudos e eu a faltar constantemente às aulas. Fui trabalhar com ele para a construção civil. Tinha 16 anos. O meu pai é carpinteiro. Faz autênticas obras de arte. Algumas delas tenho mesmo lá em casa. São lindas. No entanto, não ambicionava seguir essa profissão. Era novo e não me adaptava à dureza do trabalho. A construção civil é mesmo uma actividade muito dura.
– Tentou o futebol...
– Era isso que queria fazer na vida. Falei com o meu pai e ele ajudou-me. Levou-me para o Oriental, onde me notabilizei já com 17 anos. O Belenenses apostou em mim e pude, então, iniciar uma carreira. Sempre sonhei com o topo. Fui para o FC Porto, onde permaneci seis anos. As coisas começaram a correr bem, mas, como já referi, as duas últimas épocas foram para esquecer.Transferi-me depois para o Benfica, o meu clube do coração. Gosto muito de futebol e sou ambicioso. Em campo, quero sempre ganhar os lances todos. Se vencemos por 1-0, não descanso enquanto não fazemos o segundo e, depois, o terceiro. Sou um lutador. Só Deus sabe como acabo os jogos e, por vezes, até os treinos. Julgo que foram estes os motivos que me levaram a conquistar um lugar num clube com a grandeza do Benfica.
\"Sporting levado ao colo\"
O jogo de Alvalade servirá, por certo, para ajustar contas com Jardel. Afinal, ele levou a melhor sobre o João Manuel Pinto no lance do segundo golo do Sporting na Luz...
– O Jardel tem sido 80 por cento do Sporting, com todo o respeito que os seus companheiros de equipa me merecem. São excelentes jogadores, ninguém tem dúvidas sobre isso. De qualquer forma, julgo que as equipas que defrontaram o Sporting este ano, e não só o Benfica, foram alvo de algumas injustiças. Aliás, o Sporting tem uma percentagem muito elevada de golos obtidos através de grandes penalidades...
– Está a pretender dizer que os árbitros beneficiariam o Sporting?
– O Sporting é uma grande instituição, um clube que me merece o máximo respeito. Espero que os seus adeptos não me levem a mal, mas penso que o Sporting tem sido levado ao colo. Respeito os árbitros, sei que errar é humano, mas é esta a minha opinião.
- ...
– O Sporting tem uma excelente equipa, mas se se tivesse debatido com as nossas lesões, não estaria no lugar onde se hoje se encontra. Perdemos jogadores muito importantes lá na frente. Que faria o Sporting sem Jardel e João Pinto!?
– Tem preferência pelo campeão?
– Gostava que fosse o Benfica... Não o sendo, penso que o título ficará melhor ao Boavista. Seria o vencedor justo. É a equipa mais lutadora. O Sporting teve, como disse, alguma ajuda.
– Mas o empenho nos jogos com o Sporting e o Boavista será, obviamente, idêntico...
– Claro que sim. Para já, o mais importante é a partida com o Paços de Ferreira. Depois disso pensaremos nas restantes. Para conseguirmos um lugar na Taça UEFA da próxima época, temos de jogar a 200 à hora. A cem não será suficiente.
\"Árbitro disse-me que Jardel o enganou\"
– Ao longo da temporada, os jogadores do Benfica fizeram muito poucas declarações públicas. No entanto, sempre que isso aconteceu, os árbitros foram invariavelmente visados...
– Houve várias injustiças ao longo da época. Eu compreendo os árbitros e tenho a certeza que não erram de propósito. Em campo, tenho o hábito de falar com eles e vamo-nos conhecendo. Lembro-me que no jogo com o Sporting, quando foi assinalada a grande penalidade após o lance de Caneira com Jardel, garanti ao juiz da partida, o sr. Duarte Gomes, que não tinha existido qualquer falta. Ele respondeu-me: \"Para mim, foi `penalty´. Houve um empurrão\". Disse-lhe que ele iria dar-me razão da próxima vez que nos encontrássemos. Foi o que aconteceu. No jogo seguinte (V. Setúbal-Benfica) deu-me razão. Disse-me que Jardel o enganou. No estrangeiro, os árbitros também erram. Errar é humano. Aliás, durante a temporada em curso apenas não cumprimentei um árbitro no final de uma partida...
– Quem, quando e porquê?
– O sr. João Vilas Boas, precisamente no último encontro, frente ao Santa Clara. Ele nunca deixou os jogadores dialogarem com ele. Por exemplo, com árbitros como o sr. Vítor Pereira e o sr. Duarte Gomes, há sempre possibilidade de diálogo. Fazemo-lo em tom respeitoso e ajudamo-nos mutuamente. Este tipo de conduta é boa para o futebol.
\"Jesualdo tem equipa na mão\"
– A mudança de treinador teve repercussões no desempenho da equipa?
– Toni é um grande benfiquista e um grande homem. Jesualdo Ferreira é também um excelente técnico. As coisas melhoraram com ele, pois beneficiou dos reforços contratados no período de abertura do mercado de transferências, em Janeiro. Gostei muito de trabalhar com ambos.
– Jesualdo Ferreira pode sair no final da época. Se o Benfica não obtiver o terceiro lugar, muito dificilmente permanecerá no cargo...
– Essa é um decisão que cabe à Direcção tomar. Não vou, por motivos óbvios, debruçar-me sobre isso. Temos uma equipa de treinadores bastante bom. Jesualdo Ferreira percebe muito de futebol e promove a formação de um grupo bastante unido. Tem os jogadores na mão, pela forma como lida com todos eles. Corrige-nos os erros e sabe lidar connosco. Estamos muito contentes com ele, assim como estávamos com Toni. São dois grandes homens.
\"Não espero ir ao Mundial\"
– A sua presença na fase final do Mundial é impossível? Ou ainda sonha com uma chamada à selecção?
– Fiquei marcado pelas duas últimas épocas ao serviço do FC Porto. Não joguei, pelo que não pude aspirar a uma convocatória para os jogos da fase de apuramento. Por outro lado, o seleccionador nacional, António Oliveira, tem um lote muito bom de jogadores à sua disposição. Ficaria feliz com uma chamada, mas, sinceramente, não estou à espera, até porque Portugal está muito bem servido.
– Já não vai a tempo, é isso?
– Conheço bem António Oliveira. Dificilmente me chamará. Se tivesse jogado nas duas últimas épocas, talvez pudesse participar na fase de apuramento e estar, agora, a sonhar com o Mundial. Neste momento, o jogo com o Paços de Ferreira é o mais importante para mim. A selecção tem muitos e bons jogadores, capazes de dar, no Mundial, uma grande alegria a todos os portugueses.
\"Orgulho de ser subcapitão\"
– É a primeira época ao serviço do Benfica e já é o subcapitão de equipa. Não é uma situação muito normal...
– Tínhamos o Meira, o Robert Enke e o Drulovic. De um momento para o outro, o Meira foi-se embora, o Robert deixou de jogar e o \"Drulo\" passou a ser o capitão. Fiquei muito orgulhoso, quando, a certa altura, vi na ficha de jogo que estava como subcapitão.
– É um privilégio para quem assume o benfiquismo?
– É bom sentir que fazemos parte da história. Quem não gostaria de ser subcapitão, ou mesmo em alguns casos, capitão do Benfica? Fico feliz e muito orgulhoso, mas o meu objectivo principal é ser campeão numa destas quatro épocas de contrato.
Computador substitui pintura
– Continua a pintar nos tempos livres?
– Raramente. Realizava alguns trabalhos de pintura a óleo. Tenho mesmo alguns quadros lá em casa. Cheguei a colocá-los numa exposição e ofereci a verba angariada com a respectiva venda a uma instituição de caridade. Costumava dedicar-me a essa actividade no período que passei no Porto. Estava longe da família e tinha mais tempo disponível. Agora pratico menos.
– O que faz, então, depois dos treinos?
– Tenho a minha família toda perto de mim e prefiro dedicar-lhe o meu tempo livre. Adoro dar passeios com os meus filhos, por exemplo. Pode dizer-se que substituí o pincel pelo computador. Adoro navegar na \"net\" e executar alguns trabalhos, nomeadamente de fotografia. O computador é uma máquina que fascina qualquer pessoa. Eu não fujo, obviamente, à regra. Sou mesmo um fanático da Internet.
Texto: «Record»
– Houve altos e baixos. Momentos bons e maus. De qualquer forma, tivemos apenas quatro derrotas e em dois desses jogos as coisas podiam ter-nos corrido melhor. Iniciámos bem o campeonato e tivemos mesmo oportunidade de atingir a liderança. Não nos deixaram...
– Os árbitros não deixaram?...
– Eles erram, tal como nós.
– E os erros deles não explicam tudo...
– Houve muitos problemas com lesões. Nenhuma das equipas que vai à nossa frente teve tantos azares como nós. O que seria, por exemplo, do Sporting, caso o João Pinto ou o Jardel se lesionassem? Nós ficámos muito tempo sem jogadores-chave. Ninguém pode duvidar disso. São problemas que complicam o trabalho de qualquer equipa. Começou logo em Setembro com o Sokota. Ele estava muito bem e contraiu uma lesão gravíssima, da qual ainda hoje recupera. O Mantorras magoou-se também numa altura crucial. O Jankauskas teve de parar quando estava a fazer muitos golos. Mais recentemente, a infelicidade bateu à porta do Simão. Estávamos a utilizar um sistema táctico diferente, ao qual o Simão se adaptava muito bem, dado tratar-se de um jogador muito rápido. Mas contraiu uma lesão grave. Deixou triste a equipa e todos os benfiquistas. Foram azares a mais, que muito complicaram a nossa tarefa. Já sem o Simão, perdemos pontos com o Sp. Braga e Santa Clara. Peço, portanto, às pessoas que gostam do Benfica para continuarem a apoiar-nos e a acreditar em nós. Temos quatro jogos importantíssimos pela frente e tudo faremos para alcançar o nosso objectivo, que é a qualificação para um lugar nas competições europeias do próximo ano.
– Falou em derrotas injustas. A que jogos se referia?
– Com o Boavista, no Bessa. Sofremos um golo muito cedo. Trabalhámos bem e podíamos ter chegado ao empate. Não gosto de falar dos árbitros, mas houve pelo menos uma grande penalidade que ficou por assinalar. O outro foi com o FC Porto, no Estádio das Antas. Estivemos em vantagem no marcador e desconcentrámo-nos. Mas não podemos viver do passado. Há quatro jogos importantíssimos pela frente e temos de vencê-los.
– De qualquer forma, o objectivo era o Campeonato e não a qualificação para as provas da UEFA do próximo ano...
– Sim, mas não conseguimos o primeiro objectivo devido a essa série de infelicidades. Tivemos oportunidade de atingir a liderança em Paços de Ferreira. Depois, no encontro com o Sporting, o Andrade foi expulso injustamente e o nosso adversário beneficiou de uma grande penalidade que não existiu. O objectivo era o campeonato, é certo, mas este ano ganhámos uma grande equipa e um grande treinador para o futuro. Se não fossem as lesões, eu acredito a cem por cento que o Benfica seria campeão.
– Nesse caso, o Benfica justifica mais o terceiro lugar que o FC Porto?
– O Benfica merece mais o terceiro lugar pelas injustiças e pelas dificuldades por que passou. Se analisarmos as carreiras dos dois clubes, o Benfica merece mais um lugar na UEFA que o FC Porto. Sem dúvida.
– O FC Porto está em vantagem em relação ao Benfica. Beneficia dos resultados averbados nos confrontos directos e tem um calendário teoricamente mais fácil. Concorda?
– O nosso calendário é mais difícil que o do FC Porto. No entanto, os próximos jogos deles não serão fáceis, pois recebem o V. Guimarães e vão a Braga. Se vencermos o Paços de Ferreira, iremos a Alvalade com uma motivação ainda maior. Mas é preciso pensarmos, em primeiro lugar, no nosso próximo compromisso. Já estive em clubes mais pequenos e sei que é uma motivação extra defrontar os maiores. De qualquer forma, o FC Porto joga no sábado (amanhã). Se escorregar, teremos a missão mais facilitada no dia seguinte, apesar de não estarmos à espera, obviamente, que a vitória frente ao Paços de Ferreira nos caia do céu.
– Esta luta com o FC Porto dá-lhe uma motivação especial, face ao facto de ter passado seis anos nas Antas?
– A minha motivação é ficar no terceiro lugar, pois o segundo ou o primeiro já não será possível. É lógico que, sendo assim, prefiro ficar à frente ao FC Porto, cuja casa conheço bem.
– E o que ficou a conhecer da casa?
– Em seis anos, conheci pessoas maravilhosas. Fiz amigos e privei com companheiros de equipa com quem aprendi muito numa fase de grande importância para a minha vida. Os jogadores, os treinadores e os adeptos ficaram-me no coração.
– E os dirigentes?
– Foram uma desilusão. O maior desgosto da minha vida. Excepção feita ao sr. Reinaldo Teles, pessoa honesta e pela qual tenho o máximo respeito, os outros dirigentes da SAD do FC Porto não têm qualquer formação. Não respeitam ninguém. Deixaram-me muito triste. São o tipo de pessoas que não contribuem para o bem-estar do futebol português. Tentam desestabilizar os adversários quando as coisas não vão bem no clube deles. Vêm para a praça pública dizer coisas sem pés nem cabeça. Falam, falam, e não dizem nada. Só criam mal-estar.
– Está a referir-se a Pinto da Costa?
– A ele e aos outros membros da SAD. A única excepção é o sr. Reinaldo Teles, um grande homem, com quem ainda falo actualmente. É lamentável que os outros lá estejam. Dei o melhor nessas seis épocas. Não podem apontar-me o que quer que seja. Nem falta de aplicação, nem de trabalho, nem de humildade. Respeitei todos e, nos momentos difíceis daquele clube, dei muitos pontos à equipa, quando precisava de mim. Nestas duas últimas épocas colocaram-me de lado, pois o presidente do FC Porto teve um desentendimento com o meu empresário, o sr. José Veiga. Infelizmente, nestes casos quem paga é sempre o jogador. É triste e não posso concordar com isso. Houve uma grande falta de respeito. Aliás, hoje isso ainda acontece. Esta época voltaram a colocar na equipa B jogadores representados por José Veiga. É necessário uma grande espírito de sacrifício para aguentar o que aguentei no FC Porto. Os últimos dois anos foram horríveis. Pelo que tenho acompanhado – leio jornais e falo com pessoas da cidade –, o FC Porto precisa urgentemente de mudar. Não é necessária uma limpeza de balneário, mas sim uma limpeza a nível directivo. Para bem do futebol.
– Recorda-se de algum episódio em que fosse alvo de uma clara marginalização?
– Joguei no FC Porto, muitas vezes em funções que não eram as minhas (lateral-direito e ponta-de-lança, por exemplo) e dei sempre o máximo. De um momento para o outro, fizeram-me aquilo. É triste. É lamentável. Os episódios foram tantos que as pessoas, se quiserem perceber, tirarão as respectivas ilações. Desde que deixei de jogar, o FC Porto não voltou a ganhar títulos. Não digo isto referindo-me apenas ao meu contributo individual, mas fundamentalmente por aqueles que tiveram de partir entretanto. Alguns deles por razões semelhantes às minhas. De qualquer forma, conheci pessoas que se revelaram importantes na minha vida. De resto, só tenho a lamentar a existência dessas pessoas sem formação. O presidente desiludiu-me. É uma pessoa que não tem respeito por ninguém.
Poucas mexidas no plantel
– Voltando aos assuntos relacionados com o Benfica. Já houve claros indícios de desentendimentos entre os jogadores. Argel zangou-se com Porfírio e Armando. Foi público o desaguisado entre o João Manuel Pinto e Zahovic e observa-se, por vezes, o próprio Zahovic a protestar em pleno relvado com os companheiros. Por exemplo, com Caneira, em Guimarães, e com Armando, nos Açores. Há mau ambiente no balneário?
– Todos querem ganhar e dar o máximo. Em todas as equipas há um, dois ou três jogadores com uma maneira de estar muito própria. Eu, por exemplo, falo muito. Por vezes, é absolutamente necessário dialogar, comunicar, corrigir. Falar é ajudar, é evitar que se repitam erros. Cada um tem o seu temperamento. Eu sou amigo do Za (Zahovic). Trata-se de um jogador muito experiente, que já actuou em grandes clubes europeus. Ele tenta ajudar. Pelo que li, houve problemas no balneário do Benfica em anos anteriores. Esta época isso não aconteceu. Os srs. Manuel Vilarinho e Luís Filipe Vieira estão a gerir muito bem o clube. O grupo é forte, unido e espero que não haja mudanças significativas na próxima temporada. Sou benfiquista e acompanho as notícias do clube. Quando entram 15 elementos e saem outros tantos no final da cada época, como aconteceu nos últimos anos, torna-se complicado desenvolver um trabalho em profundidade. No próximo ano apenas necessitamos da ajuda de um ou dois jogadores.
Do emprego na construção civil à titularidade no Benfica
– Começou a época como suplente, face à natural aposta na dupla formada por Argel e Júlio César. Mas conquistou a titularidade, logo de início, e não mais a perdeu. Esperava vingar no Benfica de forma tão inequívoca?
– Sou um lutador e já passei muito na vida. Ir para o Benfica foi uma alegria enorme. É o meu clube do coração, uma instituição muito grande. Pensei que não seria possível lá chegar. Fiquei muito orgulhoso e esforcei-me por esquecer as mágoas sentidas no FC Porto. Sabia que não era fácil chegar à titularidade. Nas Antas, passara a última época na equipa B e, na temporada anterior, quase não tinha sido utilizado. Sem ritmo nem confiança, muito dificilmente poderia lutar com o Argel, que tinha sido contratado ao Palmeiras, e com o Júlio César, jogador de renome que ainda mantém vínculo contratual com o Real Madrid, um dos principais clubes da Europa.
– Mas conseguiu...
– Sim, tive de trabalhar muito. De ganhar ritmo e confiança para poder dar o máximo quando a oportunidade surgisse. Nunca deixei de trabalhar. Fi-lo até aos limites. É que, como disse, já passei por muitas coisas na vida...
– Que coisas foram essas que refere com algum orgulho?
– Não fui um bom aluno. Não prestava qualquer atenção nem dava importância à escola. Em miúdo, já só pensava em futebol. A certa altura, já não fazia sentido que o meu pai estivesse a pagar-me os estudos e eu a faltar constantemente às aulas. Fui trabalhar com ele para a construção civil. Tinha 16 anos. O meu pai é carpinteiro. Faz autênticas obras de arte. Algumas delas tenho mesmo lá em casa. São lindas. No entanto, não ambicionava seguir essa profissão. Era novo e não me adaptava à dureza do trabalho. A construção civil é mesmo uma actividade muito dura.
– Tentou o futebol...
– Era isso que queria fazer na vida. Falei com o meu pai e ele ajudou-me. Levou-me para o Oriental, onde me notabilizei já com 17 anos. O Belenenses apostou em mim e pude, então, iniciar uma carreira. Sempre sonhei com o topo. Fui para o FC Porto, onde permaneci seis anos. As coisas começaram a correr bem, mas, como já referi, as duas últimas épocas foram para esquecer.Transferi-me depois para o Benfica, o meu clube do coração. Gosto muito de futebol e sou ambicioso. Em campo, quero sempre ganhar os lances todos. Se vencemos por 1-0, não descanso enquanto não fazemos o segundo e, depois, o terceiro. Sou um lutador. Só Deus sabe como acabo os jogos e, por vezes, até os treinos. Julgo que foram estes os motivos que me levaram a conquistar um lugar num clube com a grandeza do Benfica.
\"Sporting levado ao colo\"
O jogo de Alvalade servirá, por certo, para ajustar contas com Jardel. Afinal, ele levou a melhor sobre o João Manuel Pinto no lance do segundo golo do Sporting na Luz...
– O Jardel tem sido 80 por cento do Sporting, com todo o respeito que os seus companheiros de equipa me merecem. São excelentes jogadores, ninguém tem dúvidas sobre isso. De qualquer forma, julgo que as equipas que defrontaram o Sporting este ano, e não só o Benfica, foram alvo de algumas injustiças. Aliás, o Sporting tem uma percentagem muito elevada de golos obtidos através de grandes penalidades...
– Está a pretender dizer que os árbitros beneficiariam o Sporting?
– O Sporting é uma grande instituição, um clube que me merece o máximo respeito. Espero que os seus adeptos não me levem a mal, mas penso que o Sporting tem sido levado ao colo. Respeito os árbitros, sei que errar é humano, mas é esta a minha opinião.
- ...
– O Sporting tem uma excelente equipa, mas se se tivesse debatido com as nossas lesões, não estaria no lugar onde se hoje se encontra. Perdemos jogadores muito importantes lá na frente. Que faria o Sporting sem Jardel e João Pinto!?
– Tem preferência pelo campeão?
– Gostava que fosse o Benfica... Não o sendo, penso que o título ficará melhor ao Boavista. Seria o vencedor justo. É a equipa mais lutadora. O Sporting teve, como disse, alguma ajuda.
– Mas o empenho nos jogos com o Sporting e o Boavista será, obviamente, idêntico...
– Claro que sim. Para já, o mais importante é a partida com o Paços de Ferreira. Depois disso pensaremos nas restantes. Para conseguirmos um lugar na Taça UEFA da próxima época, temos de jogar a 200 à hora. A cem não será suficiente.
\"Árbitro disse-me que Jardel o enganou\"
– Ao longo da temporada, os jogadores do Benfica fizeram muito poucas declarações públicas. No entanto, sempre que isso aconteceu, os árbitros foram invariavelmente visados...
– Houve várias injustiças ao longo da época. Eu compreendo os árbitros e tenho a certeza que não erram de propósito. Em campo, tenho o hábito de falar com eles e vamo-nos conhecendo. Lembro-me que no jogo com o Sporting, quando foi assinalada a grande penalidade após o lance de Caneira com Jardel, garanti ao juiz da partida, o sr. Duarte Gomes, que não tinha existido qualquer falta. Ele respondeu-me: \"Para mim, foi `penalty´. Houve um empurrão\". Disse-lhe que ele iria dar-me razão da próxima vez que nos encontrássemos. Foi o que aconteceu. No jogo seguinte (V. Setúbal-Benfica) deu-me razão. Disse-me que Jardel o enganou. No estrangeiro, os árbitros também erram. Errar é humano. Aliás, durante a temporada em curso apenas não cumprimentei um árbitro no final de uma partida...
– Quem, quando e porquê?
– O sr. João Vilas Boas, precisamente no último encontro, frente ao Santa Clara. Ele nunca deixou os jogadores dialogarem com ele. Por exemplo, com árbitros como o sr. Vítor Pereira e o sr. Duarte Gomes, há sempre possibilidade de diálogo. Fazemo-lo em tom respeitoso e ajudamo-nos mutuamente. Este tipo de conduta é boa para o futebol.
\"Jesualdo tem equipa na mão\"
– A mudança de treinador teve repercussões no desempenho da equipa?
– Toni é um grande benfiquista e um grande homem. Jesualdo Ferreira é também um excelente técnico. As coisas melhoraram com ele, pois beneficiou dos reforços contratados no período de abertura do mercado de transferências, em Janeiro. Gostei muito de trabalhar com ambos.
– Jesualdo Ferreira pode sair no final da época. Se o Benfica não obtiver o terceiro lugar, muito dificilmente permanecerá no cargo...
– Essa é um decisão que cabe à Direcção tomar. Não vou, por motivos óbvios, debruçar-me sobre isso. Temos uma equipa de treinadores bastante bom. Jesualdo Ferreira percebe muito de futebol e promove a formação de um grupo bastante unido. Tem os jogadores na mão, pela forma como lida com todos eles. Corrige-nos os erros e sabe lidar connosco. Estamos muito contentes com ele, assim como estávamos com Toni. São dois grandes homens.
\"Não espero ir ao Mundial\"
– A sua presença na fase final do Mundial é impossível? Ou ainda sonha com uma chamada à selecção?
– Fiquei marcado pelas duas últimas épocas ao serviço do FC Porto. Não joguei, pelo que não pude aspirar a uma convocatória para os jogos da fase de apuramento. Por outro lado, o seleccionador nacional, António Oliveira, tem um lote muito bom de jogadores à sua disposição. Ficaria feliz com uma chamada, mas, sinceramente, não estou à espera, até porque Portugal está muito bem servido.
– Já não vai a tempo, é isso?
– Conheço bem António Oliveira. Dificilmente me chamará. Se tivesse jogado nas duas últimas épocas, talvez pudesse participar na fase de apuramento e estar, agora, a sonhar com o Mundial. Neste momento, o jogo com o Paços de Ferreira é o mais importante para mim. A selecção tem muitos e bons jogadores, capazes de dar, no Mundial, uma grande alegria a todos os portugueses.
\"Orgulho de ser subcapitão\"
– É a primeira época ao serviço do Benfica e já é o subcapitão de equipa. Não é uma situação muito normal...
– Tínhamos o Meira, o Robert Enke e o Drulovic. De um momento para o outro, o Meira foi-se embora, o Robert deixou de jogar e o \"Drulo\" passou a ser o capitão. Fiquei muito orgulhoso, quando, a certa altura, vi na ficha de jogo que estava como subcapitão.
– É um privilégio para quem assume o benfiquismo?
– É bom sentir que fazemos parte da história. Quem não gostaria de ser subcapitão, ou mesmo em alguns casos, capitão do Benfica? Fico feliz e muito orgulhoso, mas o meu objectivo principal é ser campeão numa destas quatro épocas de contrato.
Computador substitui pintura
– Continua a pintar nos tempos livres?
– Raramente. Realizava alguns trabalhos de pintura a óleo. Tenho mesmo alguns quadros lá em casa. Cheguei a colocá-los numa exposição e ofereci a verba angariada com a respectiva venda a uma instituição de caridade. Costumava dedicar-me a essa actividade no período que passei no Porto. Estava longe da família e tinha mais tempo disponível. Agora pratico menos.
– O que faz, então, depois dos treinos?
– Tenho a minha família toda perto de mim e prefiro dedicar-lhe o meu tempo livre. Adoro dar passeios com os meus filhos, por exemplo. Pode dizer-se que substituí o pincel pelo computador. Adoro navegar na \"net\" e executar alguns trabalhos, nomeadamente de fotografia. O computador é uma máquina que fascina qualquer pessoa. Eu não fujo, obviamente, à regra. Sou mesmo um fanático da Internet.
Texto: «Record»