Há 50 anos, o Benfica dá um recital de bola à equipa mais prestigiada do planeta com golos de José Augusto, Eusébio-2, Simões e Coluna
O Porto está na Liga dos Campeões. O Sporting joga a Liga Europa. E então o Benfica? Pois, a equipa de Jesus só ganha um jogo em seis e abandona a Europa em Dezembro, como em 2008. E agora? É jogar as provas internas. E não só. Afinal, um clube vive sempre do passado. Há datas memoráveis, daqueles históricas, irrepetíveis. A de 24 de Fevereiro de 1965 é uma delas, claramente.
É a noite em que o Benfica ganha 5-1 ao Real Madrid. Cinco-um. Xiii, g'anda abada. É a 1.a mão dos quartos-de-final da Taça dos Campeões 64-65, na Luz. Que festival, que tratado, que resultado. Uma manita. Uma quê? Estiquem lá uma das vossas mãos. Já está? Cinco dedos, certo? Os espanhóis chamam a isto uma manita, o de sofrer (ou marcar) cinco golos. Depende da perspectiva. Nunca o Benfica repete a façanha. E o Real Madrid? Embrulha outros cinco de Hamburgo, Kaiserslautern e M'Gladbach (todos da RFA) e ainda um outro do Milan. Mas o Benfica é pioneiro nesta arte da manita. Espantoso. Quem vê o arraso? Oitenta mil espectadores na Luz.
A RTP ainda não está para essas andanças. A prová-lo, a grelha do dia com abertura às 18h45, Telejornal às 18h47, TV Escola às 19h00, TV Educativa - Educação Física pelo professor João de Moura e Sá às 19h25, TV Educativa - Francês pela professora Yvone Lemoine, Culinária com Maria de Lurdes Modesto às 20h15, Telejornal às 21h00, Boletim meteorológico às 21h25, TV Motor às 21h30, Sétima Arte com o filme "Dois Contra o Mundo" (Clark Gable, Spencer Tracy e Caldette Colbert orientados por George Cukor), Telejornal às 23h45, Meditação às 23h50 e Fecho às 23h55.
ESPIÕES Nada de nada sobre o Benfica-Real Madrid. Só vê quem lá está, in loco. Na véspera, o treino do Real Madrid é animado. Tudo porque os espanhóis fintam os jornalistas. Confirmam o treino para as 20h00 mas apresentam-se no relvado meia-hora antes. Todo bien, todo bien, sin problema. A ver os madridistas em acção, numa espécie de rabia, dois espiões muito atentos. Um é Coluna, de pé, com guarda-chuva. O outro é Eusébio, sentado ao fundo de um camarote na tentativa de passar despercebido. Ambos apercebem-se da fragilidade do adversário. Então?
Num oito contra oito a meio-campo, os defesas marcam cinco golos aos médios/avançados. A festa é imensa e apenas atenuada por um golo de Gento. Acaba 5-1. E então? Outra vez? Cinco-um é o resultado da moda. Diz-nos José Augusto, em directo do Barreiro. "Ó Rui, foi mais um daqueles resultados a que estávamos habituados. Naquele tempo, bastava começar bem para começarmos a jogar à grande e à portuguesa."
cabummm E é verdade, sim senhor. No início dessa época, o Benfica faz uma série de três resultados gulosos: 7-0 ao Braga, 6-0 no Restelo, 6-0 ao Torreense e 5-0 ao Le Chaux-de-Fonds. Com o Real Madrid, a equipa do treinador romeno Elek Schwartz dá água pela barba ao pentacampeão europeu (hexa em 1966, um ano depois do desastre na Luz).
Quem abre a lata é precisamente José Augusto. "Uma descida rápida pelo lado direito e apareci a cabecear para o golo." Aos nove minutos de jogo, apenas. Eusébio encarrega-se de fixar o resultado ao intervalo em 3-0, aos 12 e 25 minutos. Ninguém segura o Pantera Negra. Já acontecera isso mesmo na final da Taça dos Campeões em 1962 (bis no 5-3) e nessa pré-época (2-1 em Cádiz, no Torneio Ramón Carranza).
Na segunda parte, "o Amancio reduz", conta José Augusto, "mas nós reagimos com categoria", por Simões (75') e Coluna (87'). Até parece um treino, 5-1. O benfiquismo está de parabéns. O país idem idem. Com notável mau perder, o húngaro Puskas queixa-se do árbitro inglês Howley, enquanto o emblemático presidente Santiago Bernabéu aplaude o Benfica com uma nuance: "Há noites assim, cada tiro, cada perdiz."
À saída do estádio da Luz, a agitação é muita mas non troppo. Diz José Augusto. "Assino mais autógrafos agora do que quando era jogador." Tsc tsc tsc. E a segunda mão? Ganha o Real Madrid por 2-1 e passa o Benfica. "Sabes como fomos para Madrid, ò Rui? De autocarro." O mesmo que circularia pelas ruas de Lisboa, em Maio, na ressaca da final perdida para o Inter, em Milão (1-0 de Jair).
Sim, nós sabemos que é "cada tiro, cada melro", mas o presidente Santiago Bernabéu adopta esta curiosa versão
Benfica, 5 Real Madrid, 1. Cada tiro, cada perdiz
Fonte
ionline