O treinador que deu os dois últimos títulos aos azuis e brancos recusou renovar contrato e falou a Record sobre a experiência no Dragão, nomeadamente a forma como derrotou o rival nos jogos decisivos...
RECORD – Deixou o FC Porto com dois títulos de campeão e com apenas uma derrota na Liga. Saiu com o dever cumprido?
VÍTOR PEREIRA – Apesar de querer sempre mais, os grandes objetivos das épocas foram conquistados e ainda vencemos duas Supertaças. Queríamos ter ido mais longe na Liga dos Campeões, nomeadamente na última época. O trabalho que fiz deixa-me orgulhoso até por termos perdido apenas uma vez para o campeonato.
Não vejo o FC Porto ir à Luz como o Benfica veio ao Dragão com linhas fechadas e a sair em contra-ataque
R – Uma das expressões que mais utiliza é “posse”. Esse é um dos trunfos das suas equipas? Quais são os outros?
VP – A minha filosofia é simples: só existe uma bola e se nós a tivermos o adversário não a tem, se nós a tivermos o adversário corre atrás dela, se nós a tivermos temos o controlo e a iniciativa do jogo. Quando a perdemos temos de a recuperar o mais rápido possível para voltarmos a dominar. É com base nestes dois grandes princípios que eu trabalho. E gosto e não tenho medo nenhum dos jogos grandes. Tenho orgulho em ser atrevido, mas equilibrado. Não gosto de jogos abertos, com a bola perto das duas balizas. Gosto de equipas organizadas, que defendam e ataquem de forma compacta, uma equipa que esteja sempre posicionada para defender bem e que não permita oportunidades de golo.
R – E mantém essa postura independentemente do adversário ou do estádio onde está a jogar?
VP – Seria contranatura ir à Luz e procurar jogar fechados e contra-atacar porque os jogadores trabalham durante toda a época para dominar, ter bola e pressionar. Não fazia qualquer sentido mudar o nosso trabalho durante uma semana. Não vejo o FC Porto ir à Luz como o Benfica veio ao Dragão com as linhas fechadas e a tentar sair em contra-ataque. O Benfica não joga assim contra as outras equipas. Contra nós adultera tudo, foi isso que vi durante os anos em que estive no FC Porto. Isso pagou-se caro. Há um estigma quando defrontam o FC Porto, há um bloqueio e alteram o seu ADN e a sua forma de jogar.
Se não tivesse adaptado o Hulk nunca teria ganho o primeiro campeonato
R – A culpa é do treinador?
VP – Já disse, mais do que uma vez, que considero o Jorge Jesus um treinador competente. E tudo o que o Benfica fez nestes últimos campeonatos só valoriza o nosso trabalho.
R – Sentiu, em determinadas alturas da época, que tinha um plantel demasiado curto?
VP – Mais do que as minhas palavras, basta olhar para as opções que tive no jogo da Luz, com Castro, Kelvin, Tozé e Sebá no banco, todos muito jovens. Mas trabalhei sempre no FC Porto com jogadores que acreditavam, que queriam estar no clube. Se era importante ter mais soluções, claro que era.
R – Sentiu falta de que tipo de jogadores? Desequilibradores do meio-campo para a frente?
VP – Sim, sim, estivemos sempre muito curtos. Houve duas questões fundamentais: na primeira época, a perda do Falcão no final do fecho do mercado. Foi uma época terrível e se não tivesse adaptado o Hulk a ponta-de-lança nunca tinha ganho aquele campeonato. Não tínhamos qualquer hipótese. Nesta última época, perdemos o Hulk, um jogador com o peso que ele tinha na equipa, e não fomos buscar ninguém. É verdade que o coletivo respondeu à altura. Não sou pessoa de me queixar. Sempre defendi o clube, mesmo prejudicando a minha imagem, mas qualquer treinador quer ter soluções para rivalizar com plantéis como o do Benfica, superapetrechado do meio-campo para a frente. Eles trocavam quatro jogadores e a qualidade era a mesma. Nós tivemos de ir fazendo tudo com muito cuidado.
Basta olhar para as opções que tive na Luz, com Castro, Kelvin, Tozé e Sebá no banco, todos muito jovensR – Em janeiro chegaram Izmailov e Liedson. Foram escolhas suas? Ficaram aquém do que esperava?
VP – Foram os reforços possíveis. Não sou eu que contrato com o meu dinheiro, nem teria para isso. Apresentei soluções ao clube. Uma, duas, três, quatro e o clube viu a sua disponibilidade. Não teve para a primeira, para a segunda, para a terceira... Não me vou imiscuir na capacidade financeira do FC Porto. O Izmailov é um jogador com muita qualidade, mas vinha de não sei quanto tempo sem jogar, precisava de confiança. O Liedson chegou com uma condição física débil. Foi tentando ajudar, não lhe tenho nada a apontar, mas não sou louco. Se eu entendesse que ele podia acrescentar algo à equipa não tenham dúvidas de que tinha jogado mais vezes.