Primeiro precisa de decidir o que é, na realidade, um determinado jogador nuclear.
Não considero Jesus um especialista em mind games e até acredito que o treinador do Sporting tenha dito o que disse por achar que era verdade. Mentira não seria, mas mais do que o conteúdo o que estava em causa era a forma e o tom com que foi dito.
O Benfica tinha mostrado poucas mudanças, e as que existiam eram circunstanciais ao facto de não ter Salvio, Maxi e, depois, Lima. O técnico do Sporting acreditava que ia jogar contra si próprio e sublinhou a ideia. O pior das declarações é que davam a entender que Rui Vitória tinha feito pouco do seu trabalho. Ao dizer «cheguei ao Sporting e mudei tudo» ou mesmo o «o cérebro já não está lá», Jesus atirou com todos os olhares para cima do seu sucessor.
O treinador do Benfica optou (bem) por não responder, antes e depois do encontro. Se na sala de imprensa manteve-se impávido e sereno, na preparação do encontro poderá não ter sido bem assim e tomou mesmo algumas decisões discutíveis. Discutíveis são todas sim, mas umas mais do que outras.
Não sei se o líder dos encarnados mudou de ideias nas horas anteriores à partida, se este era ou não o plano A, se se deixou levar ou não por Jesus, se teve ou não medo do Sporting ou se o desaire com o Monterrey fez com que voltasse a torcer o nariz ao 4x4x2 ou a um 4x4x2 com dois avançados mais puros, mas a verdade é que algumas das suas opções saíram no sentido contrário à ideia de que nada tinha mudado.
Primeiro na direita, com o jovem Nélson Semedo – e aqui deve reconhecer-se a coragem do técnico, com o miúdo a corresponder na medida do possível. Depois, na esquerda, na manutenção da aposta em Sílvio, e Eliseu e Marçal de fora. À frente, com Fejsa e Samaris lado a lado e Talisca a aparecer um pouco mais à frente a ligar com Jonas, que já se tinha mostrado bem menos perigoso durante a digressão quando aí deixado sozinho. Ola John também foi aposta, uma vez que Carcela apresenta-se lesionado (tal como Salvio, há bastante tempo). Jesus, que parecia ter já desistido de Talisca pelo menos como grande aposta, viu assim renovada a fé no seu D’Artagnan – uma corrupção da expressão original, eu sei, mas permitam-me este pequeno pecado –, por parte do sucessor. Já Pizzi, outra das suas boas ideias, ficou no banco.
O Benfica falhou na pressão à saída de bola do rival – ao que parecia destinado se a ideia era fazê-lo com Talisca –, e que seria uma das suas supostas fragilidades, e no plano oposto teve inúmeras dificuldades para construir, também pela forma como o internacional olímpico brasileiro foi facilmente anulado, mas ainda pela falta de Pizzi, um jogador que Rui Vitória não vê ainda bem como médio centro. Atrás, Fejsa recuperou muitas bolas para entregá-las mal logo depois e Samaris não conseguiu criar espaço à sua volta. O ataque viveu muito (talvez em demasia) do que Ola John foi conseguindo criar, dos esforços de Jonas e de três arranques excelentes de Gaitán já quando a equipa perdia.
Falar depois é obviamente mais fácil. Não sabemos se com outro 11 o Benfica teria vencido ou não a Supertaça, mas analisando o plano de jogo dos encarnados parece evidente que falhou a vários níveis. Sobretudo, no meio-campo, onde talvez residisse a chave da partida do Algarve.
A derrota é justa, o Sporting foi melhor, apesar de os encarnados terem conseguido criar as suas chances. A boa notícia para Rui Vitória é que o Sporting não parece (nem poderia) estar assim tão distante. Mas já parte à frente e, aparentemente, com uma sede enorme e a encher o balão de confiança.
Os encarnados só agora parecem tomar as suas decisões de mercado, já com a época em andamento e depois da digressão americana. Rui Vitória terá rapidamente de tomar as suas (e talvez já devesse ter tomado algumas) e assentar as próprias ideias.
É obviamente defensável que o treinador oscile entre dois sistemas: o 4x4x2 e o 4x2x3x1, e eventualmente o 4x3x3. Neste momento, a julgar pelas contratações mais recentes (Mitroglou e Raúl Jiménez), porque existe Jonas – e não faz sentido desperdiçar o melhor jogador da última Liga ou adaptá-lo a uma posição contranatura – e porque, a nível interno, serão poucos os jogos a precisar de grande contenção, o primeiro esquema parece ser aquele a ser mais vezes usado, embora não o tenha sido de forma tão vincada na Supertaça.
Mas se é como parece, Rui Vitória precisa de tomar uma decisão nuclear: o que é mesmo Pizzi para si? Porque Fejsa e Samaris juntos de início podem até ser uma ideia nova, mas não parece brilhante. E se não confia no internacional português o clube terá de ir também ao mercado nessa posição, depois de ter atacado a frente de ataque e procurar ainda um lateral-esquerdo (um problema crónico, se Eliseu e Marçal não chegam, como aparenta) e um extremo. É muito para resolver ainda.
Manter o que está bem é, como disse e bem Jesus, sinal de inteligência. Sobretudo, acrescento eu, se na altura não for possível fazer algo melhor. Acredito que não o fosse no passado domingo. Se o discurso para fora parece bem decorado e estabilizado, é para dentro agora que o treinador tem de se virar. E não pode esperar muito mais tempo.
P.S. A derrota na Supertaça fez sublinhar ainda mais a dependência que o Benfica tem da criatividade de Gaitán. Sem o argentino no plantel, o fosso aumentará (pelo menos) para o rival de domingo. Como ele, sabe-se, não há assim tantos disponíveis para comprar.
P.P.S. Mitroglou fez um par de treinos, foi convocado e entrou na segunda parte do encontro com o Sporting. Jonathan Rodríguez, que fez toda a pré-época, jogou uns quantos encontros na digressão e é visto como nome de futuro, não saltou do banco. O grego «não iria resolver os problemas da equipa com dois ou três dias» de trabalho, como reconheceu o treinador, mas será que o uruguaio com bem mais não teria algo a acrescentar? Que mensagem passa o técnico ao jovem e ao resto dos seus jogadores?
LUÍS MATEUS