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RECORD
Ljubinko Drulovic é uma referência do futebol português. Está há 10 anos entre nós, ganhou tudo o que havia a ganhar e já leva mais de 300 jogos na I Liga. Deu um salto inesperado na sua carreira quando, há cerca de um ano, trocou o FC Porto pelo Benfica. Com a mesma vontade e profissionalismo conquistou o seu espaço e até já ostenta a braçadeira de capitão. Quer sempre mais e promete profundas alterações, para melhor, no emblema que agora defende.
– Tudo indica que Jesualdo Ferreira continuará como treinador do Benfica. É a melhor opção?
– Como jogador não me devo pronunciar muito sobre o assunto. Tenho excelentes relações com o treinador, sempre assim foi durante a minha carreira e vai por certo continuar a ser. Sou profissional e respeito. Com Jesualdo, repito, tenho as melhores relações.
– É a tal ideia de continuidade para o Benfica ter melhor rendimento?
– Sempre que se falou do futebol do Benfica nos últimos anos falou-se também no número elevado de jogadores novos. Às vezes, quinze ou mais por época. É difícil fazer um grupo forte nestas condições. É preciso existir tranquilidade, é preciso dar tempo ao tempo e, claro, os jogadores terem valor. Acredito que o Benfica vai ser muito mais forte na próxima época, porque os jogadores estão juntos há mais tempo, conhecem-se melhor. Vão entrar menos elementos no plantel, o que é muito diferente de quando surgem, por exemplo, quinze novos jogadores.
– A época do Benfica não foi nada famosa. Pelas razões que apontou agora ou por outras?
– Ninguém, de certeza absoluta, ficou satisfeito com a época do Benfica e com o 4º lugar. Eu, pessoalmente, gosto muito de ganhar, sou um vencedor por natureza e quero vencer sempre. Odeio perder. Da mesma maneira que digo que ninguém ficou satisfeito, também afirmo que estão reunidas as condições para o Benfica fazer muito melhor. Ficando a maioria destes jogadores, com mais três ou quatro contratações, seremos bastante mais fortes.
– Insisto na mesma questão: o que correu mal ao Benfica?
– Fomos prejudicados, principalmente no início e a meio da temporada, alturas em que se define muita coisa no campeonato. Lembro-me do primeiro jogo com o Varzim, depois dos jogos com o Sporting e o Boavista, por exemplo, em que fomos prejudicados e perdemos pontos importantes. Com eles, se calhar, teríamos oportunidade de chegar ao primeiro lugar e assim ganhar uma motivação extra. Depois, já se sabe, aconteceram lesões a um ritmo impressionante. Jogo futebol há muitos anos e não me lembro de nada igual, até parecia bruxedo. Os jogadores que estavam a atravessar melhor período de forma... lesionavam-se. Foi assim com o Sokota, que jogou pouco, com o Zahovic, mesmo comigo, Mantorras, Cabral, Jankauskas e acabou com o Simão. Tornou-se ainda mais difícil. Reparei nas estatísticas, ao fim da primeira volta, e o Benfica já tinha utilizado 28 jogadores. Isto diz tudo. Era impossível a equipa ter estabilidade.
– Disse que é importante manter a espinha dorsal mas já há jogadores importantes de saída, como o Enke, Caneira, Jankauskas.
– Acho que qualquer deles fez um excelente trabalho. Foram dedicados e profissionais a cem por cento, mas a vida é assim, o futebol também e o Benfica não foge à regra. Entram e saem jogadores. Gostaríamos de contar com eles mas não é possível. Acredito, porém, que os responsáveis do clube estão a trabalhar no assunto e têm as melhores soluções. Virão jogadores para colmatar lacunas e é público que o Benfica quer um lateral-esquerdo, um médio, um avançado. Enfim, são situações absolutamente normais.
– Isso é tudo bonito, mas não se fala muito em reforços sonantes...
– O Benfica não vai comprar só por comprar, não é bom para ninguém. Em minha opinião importa que os reforços joguem logo e que ajudem a equipa. Não sou eu que mando mas acredito que os responsáveis do Benfica vão fazer tudo para que o plantel seja mais forte e equilibrado.
– Entretanto já lá vão oito anos sem ganhar o campeonato. Já pensou que a série se pode prolongar?
– Não acredito. Oito anos já é muito tempo, tempo demais para um clube como o Benfica. Da nossa parte vamos procurar ganhar já o próximo campeonato, apesar de estarmos cientes das dificuldades. Mas com a força dos adeptos e com maior estabilidade estão reunidas as condições para lutarmos pelo título e sermos campeões. Há mais equipas com o mesmo pensamento mas o desejo do Benfica é enorme. Já disse que estou habituado a ganhar e quero ser campeão na Luz.
– Por falar em campeão: custou muito sair do Porto para Lisboa?
– É também por isso que digo que esta segunda época no Benfica vai ser mais fácil para mim, porque já estou habituado ao clube, à cidade, já conheço tudo o que me rodeia. Ainda por cima sei que as pessoas confiam em mim, fui escolhido para capitão. Por outras palavras, tenho condições para fazer uma grande temporada, vou preparar-me bem e devolver a confiança que em mim depositaram.
– Há muitas diferenças entre o FC Porto e o Benfica. Costuma dizer-se que nas Antas sabe-se pouca coisa, que a Luz é um livro aberto...
– Existem diferenças, é claro. São clubes diferentes e cidades muito diferentes. Ao princípio até pensei que Porto e Lisboa não eram do mesmo País. Estive no FC Porto durante sete anos e meio e foi espectacular. A minha carreira teve grandes momentos. Tenho orgulho do passado, só isso, porque estou há 10 anos em Portugal e já fiz mais de 300 jogos na I Liga, são números que falam por mim, de enorme regularidade. Tenho mais de trinta partidas por época e é difícil pedir mais. Sinto-me contente comigo próprio pelo que tenho feito no futebol português e não quero ficar por aqui.
– Quando chegou à Luz foi visto como "um que vinha do Porto", mais o Zahovic, Argel, João Manuel Pinto...
– Falo por mim: fui bem recebido e não tive problemas. Em Portugal existe este clima de "guerra", mas são situações normais e já outros jogadores têm saído do Benfica para o Sporting e para o FC Porto e vice-versa. As pessoas devem habituar-se mais a esta ideia.
– Passou a actuar de modo diferente, com outras referências?
– Quando os jogadores se conhecem tudo é mais fácil e cada um sabe o que o outro vai fazer. Custou ao início, depois a meio da época entraram novos elementos, enfim, não é fácil entrar assim numa equipa que ainda por cima quer ganhar tudo. Mas penso que esta época serviu sobretudo como modelo para muitos de nós.
– Não gostou de ser muitas vezes substituído...
– Acho que é normal. Repare que estive lesionado durante três semanas mas tinha começado bem o campeonato. Claro que às vezes se perde um pouco o ritmo, que se joga menos bem, mas penso que às vezes podia jogar os 90m, embora respeite as opções do técnico. E compreendo que há questões tácticas às quais não se pode fugir.
– Já não faz muitos "piques", mudanças de velocidade?
– Tenho um espelho em casa e não minto a mim próprio. Essas coisas não dependem da idade mas sim do momento de forma. Quando estou bem fisicamente acho que jogo da mesma maneira, mas não é fácil manter sempre o mesmo ritmo.
– Imaginava poder ser já o capitão do Benfica?
– É uma grande satisfação saber que as pessoas confiam em mim. Um capitão tem de ser uma pessoa séria, um profissional íntegro. Esta época foi o Meira, depois o Enke, e quando eles não jogaram fui eu o capitão, mesmo quando o Toni era o treinador. É uma responsabilidade que assumo e não fujo disso. Gosto do futebol, está dentro de mim e não sei viver sem ele.
– Pronto para continuar?
– Tenho mais um ano de contrato com o Benfica, o que vai suceder depois logo se vê. Como já disse, quero ganhar mais. Quero ser campeão pelo Benfica e o importante é não ter lesões.
Mais bonito da vida são as filhas
Drulovic está há dez anos em Portugal. Chegou para o Gil Vicente e não tardou a mudar-se para as Antas. O resto do percurso é conhecido e a sua afeição ao nosso País também, de tal modo que o jugoslavo até pensa radicar-se por cá e admite naturalizar-se, abrindo mais uma vaga de extracomunitário no Benfica. Tem duas filhas, ambas nascidas em Portugal, a Catarina, de 7 anos, e a Jovana, de... 12 dias.
"A minha família é só mulheres", diz a sorrir. "Toda a gente gostaria de ter um rapaz e eu não fujo à regra, mas estou muito bem assim e gosto muito das minhas filhas e da minha esposa. Assisti agora ao parto da Jovana e fiquei impressionado. Quem nunca viu deve ver, é algo maravilhoso. De tal modo que tenho vontade de ter mais filhos, é a coisa mais bonita da vida", garante o jogador.
O clã Drulovic mora no Restelo, a filha Catarina anda na escola e... vivem felizes. "Tenho uma casa no Porto mas vou comprar uma aqui em Lisboa", conclui.
A mesma alegria do primeiro dia
Drulovic garante jogar futebol até poder. "Quando fiz 300 jogos pensei logo em chegar aos 400", graceja. "Não sei quantos mais farei, mas quero fazer uma grande época no Benfica, isso é ponto assente".
Depois... "vou continuar ligado ao futebol, vivo para ele. Não sei mesmo se poderia viver sem futebol. Aos 33 anos sou um jogador satisfeito, considero a minha carreira bonita, até porque quando cheguei ao Gil Vicente vinha do zero, mas espero dar ainda muita coisa à modalidade".
Sem saber qual a função que irá abraçar quando pendurar as chuteiras, Drulovic promete sempre duas coisas: paixão e trabalho. "Mais a alegria que tenho como se fosse o primeiro dia".
De resto, no trajecto entre o restaurante A Cápsula e o Padrão dos Descobrimentos, onde decorreu a entrevista, "Drulo" foi saudado por quase todos quantos com ele se cruzaram. Um caso de popularidade.
Dupla desilusão com o Mundial
A Jugoslávia de Drulovic falhou o Mundial que está a decorrer no Japão e na Coreia. O primeiro comentário do benfiquista sobre o tema mostra desilusão:
"Sempre acreditei poder estar neste Mundial. Foi uma enorme desilusão. Escapou a oportunidade mas acho que alguns jogadores da Jugoslávia mereciam a honra de actuar no torneio".
A análise do primeiro jogo de Portugal, da derrota com os Estados Unidos, obrigou Drulovic a continuar a falar de desilusão:
"Sinceramente esperava que Portugal ganhasse, mas também sabia que certos jogadores não atravessam o melhor momento de forma, não estão lá muito bem fisicamente. E alguns desses jogadores são preponderantes na maneira de jogar de Portugal. Os Estados Unidos marcaram muito cedo, ficaram confiantes e estiveram muito bem na primeira parte. Era difícil para Portugal conseguir recuperar totalmente".
Um amigo para todas as ocasiões
Chama-se Sinisa Dimitrijevic o personagem que "contracena" com Drulovic na imagem de cima. Um compatriota que tem acompanhado de pertíssimo a carreira do jogador, radicado no nosso País há nove anos e que agora, mesmo a 300 km de distância (vive no Porto), não perde a oportunidade de visitar "Drulo". Para o jogador do Benfica, "é o amigo de todas as ocasiões".
Uma carreira de sucesso
EM BARCELOS
Drulovic chegou a Barcelos e ao Gil Vicente na época de 92/93. Fez 32 jogos e obteve 10 golos. Na época seguinte, em 12 partidas apontou 7 tentos...
NAS ANTAS
...até que o FC Porto o contratou, a meio dessa época. Pelos dragões fez mais 21 jogos e marcou mais 11 golos, confirmando a aposta do clube.
PENTACAMPEÃO
Nas cinco temporadas seguintes sagrou-se pentacampeão. Anos de ouro nas Antas, sempre a jogar, a marcar e, sobretudo, a assistir Jardel.
INTERNACIONAL
Ao serviço da Jugoslávia foi sempre peça influente na selecção (33 presenças). Um indiscutível cá e lá, com 58 jogos e 11 golos pelos dragões nas provas europeias.
NO BENFICA
Em 2001/02 surge no Benfica, depois de não chegar a acordo com o FC Porto para renovar. Fez 31 jogos, 5 golos e foi o sexto mais utilizado do plantel.