Mário Wilson, o Velho Capitão

Treinador, (1929-10-17 - 2016-10-03),
Portugal
Equipa Principal: 5 épocas (1975-1976, 1979-1980, 1995-1997), 132 jogos (88 vitórias, 23 empates, 21 derrotas)

Títulos: Campeonato Nacional (1), Taça de Portugal (2), AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão (1)

Sinan


hooligan77

O velho capitão faz hoje 80 anos.
Parabens!!!
:bow2: :bow2: :bow2: :bow2:

Arhamiis


Il Capitano

Ja agora fica aqui a sua entrevista na intergra que deu hoje à abola :

Faz hoje 80 anos. E aceitou abrir o livro das memórias. Fez a sua vida andar para trás. Foi até Lourenço Marques, agora Maputo, onde nasceu; descobriu de novo o cheiro da terra africana, os meninos da rua com quem descobriu a magia do jogo da bola; ouviu chamarem-lhe Corina, o nome que lhe traz lágrimas aos olhos. De Maputo viajou para Lisboa, onde com a camisola do Sporting rendeu Peyroteo, o expoente máximo dos cinco violinos e se sagrou campeão nacional; depois foi até Coimbra, a cidade que fez tão sua como a velha Académica, clube onde jogou e foi treinador, e onde a luta política se fez de manifestações inesquecíveis. Já com o epíteto de Velho Capitão regressou a Lisboa, e se em Coimbra ganhou um amor, no Benfica encontrou o primeiro amor, aquele a quem deu um título de campeão e ao qual nunca negou uma gota de suor. Embrenha-se, então, naquilo que foi o princípio da luta Norte-Sul, o confronto com Pedroto. Reconhece que lhe minaram o caminho. E recorda os dias amargos em que teve de emigrar para Marrocos. A memória persiste na viagem e nela surge de novo o voo da águia. O regresso ao Benfica é o regresso do grande guerreiro, do homem que perdeu uma batalha mas não perdeu a guerra. O futebol português ganha de novo quem nunca usou a traição e o jogo sujo para conquistar pontos. Mas a viagem deste maravilhoso homem no futebol tinha de chegar ao fim. Aconteceu vai para dez anos, no Alverca.
o avô americano
e a avó princesa
É um nome incontornável na história do futebol português. Confessa, ainda hoje, que tem dois amores— o Benfica e a Académica. Mas tudo começou em Moçambique.
— Lembra-se de Moçambique, das primeiras brincadeiras?
— Perfeitamente. Tanto na rua, como nos recreios, manifestava a minha enorme paixão pelo futebol, identificava-me com ele. Quer calçado ou descalço, queria era jogar.
— E o cheiro da terra de África?
— Tenho-o comigo, imortalizei-o na minha memória. E a memória tem-me sido benéfica para coisas que são prioritárias.
— Chegou a constituir uma equipa com os amigos, os «Fura-redes»...
— Isso foi no Alto Maé. Era uma zona de transição, aí já funcionava a sociedade moçambicana. Tive a sorte de ser neto de Henry Wilson...
— Que era americano. E teve uma avó que era rainha...
— Chamávamos-lhe a rainha de Tembe, mas não era bem rainha, era uma princesa, porque era filha de um dos primeiros régulos, que vivia na Catembe. Foi aí que o meu avô, no seu percurso comercial, chegou e a viu. Os régulos tinham filhas que nunca mais acabavam! O meu avô fez uma opção: casar.
— E Henry Wilson...
— Era espectacular. Pegou na minha avó em Tembe e transportou-a para Lourenço Marques. É como ir buscá-la a Almada e trazê-la para Lisboa. Dela teve seis filhos. E educou-os na África do Sul. Isso fez com que aparecesse uma mentalidade diferente em toda a família Wilson. O meu pai também era um dos que ia para lá estudar.
— O seu avô era branco?
— Branquinho! No meu ginásio, o «Mister Wilson», está a minha fotografia, mas para mim é o meu avô que lá está. Há qualquer coisa muito profunda, com raízes espectaculares. Disso não me livro.
— Que fazia o seu pai?
— Quando regressou da Africa do Sul beneficiou da situação privilegiada que o pai tinha. E instalou-se nas oficinas de electricidade e outras que este já possuía. A minha ida para Coimbra tem muito a ver com esta filosofia familiar, com o sentimento de que era preciso estudar, ter cultura, ser independente.
— Jogou numa filial do Benfica, o Desportivo de Lourenço Marques...
— É daí que aparece a minha tendência benfiquista, mais ainda quando começo a ler uma revista, a Stadium. Nessa revista aparecem fulanos africanos, o Paquete, campeão de 100 metros, o Matos Fernandes, campeão barreirista, o Espírito Santo, que era do salto em altura e da velocidade...Todos eles fizeram aparecer em mim esse primeiro amor.
— Mas vem para o Sporting!
— Eu e o Juca éramos da selecção e gozávamos de ser elementos de eleição. Já aí começa a aparecer o Costa Pereira, no Ferroviário. E há um fulano do Sporting, que tinha a papelaria Progresso, que disse: «Estes dois vão para o meu Sporting». E trouxe-nos. Em Lisboa treinava três vezes por semana e ia estudar ali para os lados dos Olivais. Morava na Praça do Chile. O meu pai, pela formação que tinha, sabia que o futebol era coisa passageira.
— Quantos irmãos tem?
— Comigo somos seis.
— Todos formados?
— Os mais novos é que vieram para Portugal formar-se. Eu, um que é psiquiatra e outro que é radiologista, viajámos para cá e é por causa dos estudos que deixo o Sporting, quando tinha acabado de ser campeão nacional. E vou para a Académica. Em Coimbra instalo-me na «república» onde estava o Almeida Santos, já com o meu irmão lá.
— Em Moçambique era conhecido por Corina!
— Corina! Isso aparece de uma forma curiosa. Quando nasço, entra em voga em Moçambique uma música portuguesa. Ainda hoje a canto: «Corina, Mário morreu»E como tive o nome de Mário, a minha madrinha chamava-me de Corina.
— Ainda o conhecem por Corina?
— Quando dizem Corina sei que estou a falar com um moçambicano. Da velha guarda, pois claro!
Campeão no Sporting
e vai para Coimbra
— Não veio contrafeito para o Sporting, rival do seu Benfica?
— Não, porque a minha base era os novos horizontes que Portugal me abria. Mais, vinha para substituir o Peyroteo, um dos cinco violinos. A clubite doentia nunca foi muito apanágio meu. Continuo a ter os meus dois amores (Benfica e Académica), mas libertei-me cedo da forma doentia de sentir e dizer «sou deste e não posso ver os outros».
— A viagem para Portugal levou um mês, não foi?
— Viemos no Mouzinho de Albuquerque, eu e o Juca. O Juca era um bonitão, de uma elegância fantástica, ainda por cima de raça branca. Era um dos engatatões nessa viagem. Nos bailaricos lá estava o Juca. Nós, os africanos de côr, ainda que eu tivesse uma estatura agradável, éramos segregados, punham-nos de parte de forma violenta.
— Chega a Alvalade com 19 anos, para substituir um ídolo, também moçambicano.
— E fui o melhor marcador do Sporting logo no primeiro ano e o segundo melhor do campeonato (o Julinho, do Benfica, ficou em primeiro) e campeão nacional na segunda época. Mas quando apareci, creio que nem fiz os jogos todos, não entrei logo de caras.
— Como é que passou a defesa-central?
O Sporting vai jogar uma Taça Latina e lesiona-se o Passos. Não tinham outro defesa-central, eu até era polivalente e disseram-me: «É menino para fazer o lugar do Passos?» Claro, disse que sim. E aceitei, porque antes, na despedida do Peyroteu, num jogo particular, puseram-me a defesa-central e eu abri o livro. Foi no Sporting que comecei nesse lugar. Quando vou para a Académica já vou com a sensibilidade do lugar. Não estranhei ocupar essa posição.
Na académica com ajuda do ministro
— É verdade que a sua transferência para Coimbra meteu a ciunha do ministro da Educação?
— É verdade, em absoluto. Havia a famosa Lei de Opção, mas porque eu era estudante, o ministério abriu um precedente que me beneficiou. Depois apareceram outros jogadores, como o Peres, que se transferiram da mesma forma.
— Em Coimbra começa a viver num ambiente subversivo, contra o regime fascista...
— Antes vivi com o Agostinho Neto, em Lisboa. Tinhamos uma intimidade profunda. Nós, os africanos, não nos libertávamos do espírito de independência. Nessa altura reunia com Agostinho Neto, Mário Miranda, Marcelino dos Santos (que fez atletismo comigo) e outros ligados à Guiné e a Cabo-Verde. Juntávamo-nos na Praça do Chile à 2ª feira, era infalível, e íamos numa romaria até aos Restauradores. Em Coimbra junto-me a Chipenda e ao Araújo. Eles acabam por fazer a sua luta, mas entra em acção a PIDE e são presos. Depois são libertados, um pouco por minha influência. Os da PIDE chamaram-me, porque era o capitão da Académica e disseram-me: «Estes tipos queriam fugir e a gente apanhou-os a caminho da Figueira da Foz. É importante que o Capitão faça com que eles abandonem essa ideia. E diga ao Chipenda, que se quiser, deixamo-lo ir fazer os exames que tem marcados na universidade» E foi mesmo, no Mercedes da PIDE, com chaufer e tudo. Mais tarde dá-se um conflito académico de monta, que origina a paragem do campeonato por uma jornada, como forma de protesto contra a colonização. Surgem os militares e somos chamados à Praça da República para definir a nossa posição. Fui o primeiro a ser ouvido, maisd uma vez por ser o capitão. «O senhor joga ou não joga?», perguntaram-me. «Desculpem, mas preciso de falar à parte com os jogadores», respondi. Juntámo-nos todos numa sala e falei: «Temos tempo para as nossas lutas, não vamos suicidar-nos colectivamente. Acho que devemos dizer que vamos jogar. E o Chipenda,o Araújo, o N'dalo França e os demais disseram que sim. Mais tarde fugiram e entraram na luta da independência.
— Em Coimbra passa a ser o Velho Capitão...
— Foi a alcunha que mais perdurou. Porquê? Porque em Coimbra fui o eterno capitão, pela minha postura e maneira de ser. Era capitão na Académica quem tinha as habilitações mais elevadas. Até que apareceu Cândido de Oliveira e o Oscar Tellechea e disseram. «Não, o fulano que tem o perfil de capitão que nós imaginamos é Mário Wilson.» E fui capitão para sempre.
«Mestre Cândido era um catedrático»
— Conheceu Mestre Cândido. Como era o homem, o treinador?
— Tive um convívio extremamente forte com ele. Foi sempre impecável. Ia para o hotel Astoria, onde vivia e falávamos horas a fio de futebol. Era um homem de grande dignidade, que gostava do bom convívio. Era uma delícia ouvi-lo. E era profundo, humano e inteligente no que defendia. Foi um dos catedráticos do futebol. Havia um grupo de doutores no café Arcádia que requisitava o Cândido e ele presidia a essas reuniões como um autêntico catedrático, com um domínio cultural impressionante sobre tudo o que se passava.
— Iniciou a sua carreira de treinador como adjunto dele, não foi?
— Sim, ainda era jogador, quando fui seu adjunto.
— Em 1963 acaba como jogador. Passa a adjunto de Otto Bumbel, depois de Janos Biri e de Mário Imbelloni e a fechar este ciclo é adjunto de Pedroto.
— Quando o Pedroto sai é que eu assumo o lugar de treinador da Académica. O Pedroto era intratável. Tinha atitudes que roçavam o racismo. Ele queria sempre ser o big boss.
«Pedroto era ele, ele e só ele»
— As grandes lutas Norte-Sul começam entre Pedroto e Wilson. E são lutas duras...
— São, são... Mas em Coimbra eu era o Capitão e os jogadores andavam à minha volta, pouco ligavam ao Pedroto. Eu era o espírito académico, o Pedroto era ganhar, ganhar...tinha uma determinação própria, um pouco a destoar daquele ambiente de Coimbra.
— Pedroto deixa a Académica por dar uma punhada num jornalista de Coimbra, não é?
— Exactamente. Ele foi acumulando pequenos ódios. Tinha coisas tal como o Pinto da Costa,de uma determinação inabalável. Uma das máximas do Pedroto era: «Morrer por morrer, que morra o meu pai, que é mais velho». Isto era Pedroto.
— Ia falar da saída de Pedroto...
— O Porto foi jogar a Coimbra e esse tal jornalista, depois do jogo, escreveu: «Este jogo antes de começar já estava perdido.» O Pedroto não esperou, foi ao café onde se reuniam os teóricos, viu o jornalista e perguntou-lhe: «Foi você que escreveu isto?». — «Fui, porquê?» E Pedroto respondeu-lhe com um soco nos queixos. Isto era Pedroto.
Chega ao Benfica
para ser campeão
— Para Mário Wilson, «Eusébio, Matateu e Figo foram os melhores jogadores portugueses que vi jogar, mas Ronaldo já está no mesmo patamar», conforme nos confessa. A entrevista é entrecortada por confissões avulsas, fala-se de Toni, «o meu filho branco, que fui buscar a Mogofores para começar a jogar nos juniores da Académica», de Artur Jorge, que continua «de relações frias comigo, quando fui a casa dele pedir a sua opinião sobre o que devia fazer na altura em que ele saiu do Benfica e me disse sem hesitações para aceitar a proposta que me haviam feito». E fala-se de muito mais. Mas o Benfica era tema obrigatório e é do Benfica que passamos a falar. Benfica que aparece na vida de treinador de Mário Wilson na época de 1975/76. Já tinham ficado para trás a Académica, Belenenses, Tirsense e Vitória de Guimarães e 21 anos de grande aprendizagem no ofício. O Velho Capitão tinha então 46 anos e ei-lo nos braços do seu primeiro e grande amor. Mas não foi fácil, nada fácil a passagem para a Luz.
— Estava em Guimarães há quatro épocas, quando Romão Martins o foi buscar para treinar o Benfica. E é o primeiro treinador português campeão na Luz.
— Foi um salto nessa altura, mas ele impôs-me uma coisa fantástica. E disse-me: «O Capitão vai para o Benfica, mas vai ganhar o mesmo que ganha no Vitória. Porque o Benfica é o Benfica.» Disse-lhe que ia pensar. Estava a almoçar quando toca o telefone. Tinha contado à minha mulher, e quando toca o telefone disse ao meu filho mais velho, o Mário, que já sabia do convite: «Olha, vou dizer que não». «Ó pai, não faça isso, é o Benfica!», gritou-me ele. E cheguei ao telefone e disse ao Romão Martins: «Olhe, estava para dizer que não, mas vou aceitar. Mas não gostei!» Entretanto ganho o campeonato e o Romão Martins vem para mim e diz-me: «Sim senhor, vai continuar. E vai continuar com um aumento de 50 por cento no ordenado.» E disse lhe: «Aumento não, um aumento do que não ganhava. Por isso quero dizer-lhe que vou para o Boavista!»
— Mas volta ao Benfica mais algumas vezes, já era conhecido como o bombeiro de serviço.
— Depois volto, mas não como bombeiro. Foram de novo buscar-me a Guimarães. E ganho a Taça de Portugal, em 1979/80. Mais tarde, sim, ganho outra Taça, como bombeiro, a tal do very-ligth. Vou depois para o Alverca, volto de novo ao Benfica e acabo a minha carreira no Alverca, com o Luís Filipe Vieira.

XHITA


pmbc

Parabéns velho Capitão :drunk:
e muita saúde para ver o BENFICA CAMPEÃO :metal:

rambo

Parabéns Mário Wilson - Um SENHOR ao longo da sua vida... :bow2:

flsb


Ruud


nightcrowler


The Eagle 10

Parabéns!!!  a um grande nome da história do nosso clube!!!  :bow2: :bow2: :bow2:

XHITA






MÁRIO WILSON: Parabéns, capitão! 

Veio de Moçambique para o Sporting com 19 anos e para substituir Peyroteo nos cinco violinos.
Como treinador levou a Académica ao segundo lugar no campeonato (66/67).
Foi o primeiro português a ser campeão no Benfica (75/76).

Entrevista de Carlos Rias



Faz hoje 80 anos. E aceitou abrir o livro das memórias. Fez a sua vida andar para trás. Foi até Lourenço Marques, agora Maputo, onde nasceu; descobriu de novo o cheiro da terra africana, os meninos da rua com quem descobriu a magia do jogo da bola; ouviu chamarem-lhe Corina, o nome que lhe traz lágrimas aos olhos. De Maputo viajou para Lisboa, onde com a camisola do Sporting rendeu Peyroteo, o expoente máximo dos cinco violinos e se sagrou campeão nacional; depois foi até Coimbra, a cidade que fez tão sua como a velha Académica, clube onde jogou e foi treinador, e onde a luta política se fez de manifestações inesquecíveis. Já com o epíteto de Velho Capitão regressou a Lisboa, e se em Coimbra ganhou um amor, no Benfica encontrou o primeiro amor, aquele a quem deu um título de campeão e ao qual nunca negou uma gota de suor. Embrenha-se, então, naquilo que foi o princípio da luta Norte-Sul, o confronto com Pedroto. Reconhece que lhe minaram o caminho. E recorda os dias amargos em que teve de emigrar para Marrocos. A memória persiste na viagem e nela surge de novo o voo da águia. O regresso ao Benfica é o regresso do grande guerreiro, do homem que perdeu uma batalha mas não perdeu a guerra. O futebol português ganha de novo quem nunca usou a traição e o jogo sujo para conquistar pontos. Mas a viagem deste maravilhoso homem no futebol tinha de chegar ao fim. Aconteceu vai para dez anos, no Alverca.

O avô americano e a avó princesa

É um nome incontornável na história do futebol português. Confessa, ainda hoje, que tem dois amores— o Benfica e a Académica. Mas tudo começou em Moçambique.

— Lembra-se de Moçambique, das primeiras brincadeiras?
— Perfeitamente. Tanto na rua, como nos recreios, manifestava a minha enorme paixão pelo futebol, identificava-me com ele. Quer calçado ou descalço, queria era jogar.

— E o cheiro da terra de África?
— Tenho-o comigo, imortalizei-o na minha memória. E a memória tem-me sido benéfica para coisas que são prioritárias.

— Chegou a constituir uma equipa com os amigos, os «Fura-redes»...
— Isso foi no Alto Maé. Era uma zona de transição, aí já funcionava a sociedade moçambicana. Tive a sorte de ser neto de Henry Wilson...

— Que era americano. E teve uma avó que era rainha...
— Chamávamos-lhe a rainha de Tembe, mas não era bem rainha, era uma princesa, porque era filha de um dos primeiros régulos, que vivia na Catembe. Foi aí que o meu avô, no seu percurso comercial, chegou e a viu. Os régulos tinham filhas que nunca mais acabavam! O meu avô fez uma opção: casar.

— E Henry Wilson...
— Era espectacular. Pegou na minha avó em Tembe e transportou-a para Lourenço Marques. É como ir buscá-la a Almada e trazê-la para Lisboa. Dela teve seis filhos. E educou-os na África do Sul. Isso fez com que aparecesse uma mentalidade diferente em toda a família Wilson. O meu pai também era um dos que ia para lá estudar.

— O seu avô era branco?
— Branquinho! No meu ginásio, o «Mister Wilson», está a minha fotografia, mas para mim é o meu avô que lá está. Há qualquer coisa muito profunda, com raízes espectaculares. Disso não me livro.

— Que fazia o seu pai?
— Quando regressou da Africa do Sul beneficiou da situação privilegiada que o pai tinha. E instalou-se nas oficinas de electricidade e outras que este já possuía. A minha ida para Coimbra tem muito a ver com esta filosofia familiar, com o sentimento de que era preciso estudar, ter cultura, ser independente.

— Jogou numa filial do Benfica, o Desportivo de Lourenço Marques...
— É daí que aparece a minha tendência benfiquista, mais ainda quando começo a ler uma revista, a Stadium. Nessa revista aparecem fulanos africanos, o Paquete, campeão de 100 metros, o Matos Fernandes, campeão barreirista, o Espírito Santo, que era do salto em altura e da velocidade...Todos eles fizeram aparecer em mim esse primeiro amor.

— Mas vem para o Sporting!
— Eu e o Juca éramos da selecção e gozávamos de ser elementos de eleição. Já aí começa a aparecer o Costa Pereira, no Ferroviário. E há um fulano do Sporting, que tinha a papelaria Progresso, que disse: «Estes dois vão para o meu Sporting». E trouxe-nos. Em Lisboa treinava três vezes por semana e ia estudar ali para os lados dos Olivais. Morava na Praça do Chile. O meu pai, pela formação que tinha, sabia que o futebol era coisa passageira.

— Quantos irmãos tem?
— Comigo somos seis.

— Todos formados?
— Os mais novos é que vieram para Portugal formar-se. Eu, um que é psiquiatra e outro que é radiologista, viajámos para cá e é por causa dos estudos que deixo o Sporting, quando tinha acabado de ser campeão nacional. E vou para a Académica. Em Coimbra instalo-me na «república» onde estava o Almeida Santos, já com o meu irmão lá.

— Em Moçambique era conhecido por Corina!
— Corina! Isso aparece de uma forma curiosa. Quando nasço, entra em voga em Moçambique uma música portuguesa. Ainda hoje a canto: «Corina, Mário morreu»E como tive o nome de Mário, a minha madrinha chamava-me de Corina.

— Ainda o conhecem por Corina?
— Quando dizem Corina sei que estou a falar com um moçambicano. Da velha guarda, pois claro!

Campeão no Sporting e vai para Coimbra

— Não veio contrafeito para o Sporting, rival do seu Benfica?
— Não, porque a minha base era os novos horizontes que Portugal me abria. Mais, vinha para substituir o Peyroteo, um dos cinco violinos. A clubite doentia nunca foi muito apanágio meu. Continuo a ter os meus dois amores (Benfica e Académica), mas libertei-me cedo da forma doentia de sentir e dizer «sou deste e não posso ver os outros».

— A viagem para Portugal levou um mês, não foi?
— Viemos no Mouzinho de Albuquerque, eu e o Juca. O Juca era um bonitão, de uma elegância fantástica, ainda por cima de raça branca. Era um dos engatatões nessa viagem. Nos bailaricos lá estava o Juca. Nós, os africanos de côr, ainda que eu tivesse uma estatura agradável, éramos segregados, punham-nos de parte de forma violenta.

— Chega a Alvalade com 19 anos, para substituir um ídolo, também moçambicano.
— E fui o melhor marcador do Sporting logo no primeiro ano e o segundo melhor do campeonato (o Julinho, do Benfica, ficou em primeiro) e campeão nacional na segunda época. Mas quando apareci, creio que nem fiz os jogos todos, não entrei logo de caras.

— Como é que passou a defesa-central?
O Sporting vai jogar uma Taça Latina e lesiona-se o Passos. Não tinham outro defesa-central, eu até era polivalente e disseram-me: «É menino para fazer o lugar do Passos?» Claro, disse que sim. E aceitei, porque antes, na despedida do Peyroteu, num jogo particular, puseram-me a defesa-central e eu abri o livro. Foi no Sporting que comecei nesse lugar. Quando vou para a Académica já vou com a sensibilidade do lugar. Não estranhei ocupar essa posição.

Na Académica com ajuda do ministro

— É verdade que a sua transferência para Coimbra meteu a ciunha do ministro da Educação?
— É verdade, em absoluto. Havia a famosa Lei de Opção, mas porque eu era estudante, o ministério abriu um precedente que me beneficiou. Depois apareceram outros jogadores, como o Peres, que se transferiram da mesma forma.

— Em Coimbra começa a viver num ambiente subversivo, contra o regime fascista...
— Antes vivi com o Agostinho Neto, em Lisboa. Tinhamos uma intimidade profunda. Nós, os africanos, não nos libertávamos do espírito de independência. Nessa altura reunia com Agostinho Neto, Mário Miranda, Marcelino dos Santos (que fez atletismo comigo) e outros ligados à Guiné e a Cabo-Verde. Juntávamo-nos na Praça do Chile à 2ª feira, era infalível, e íamos numa romaria até aos Restauradores. Em Coimbra junto-me a Chipenda e ao Araújo. Eles acabam por fazer a sua luta, mas entra em acção a PIDE e são presos. Depois são libertados, um pouco por minha influência. Os da PIDE chamaram-me, porque era o capitão da Académica e disseram-me: «Estes tipos queriam fugir e a gente apanhou-os a caminho da Figueira da Foz. É importante que o Capitão faça com que eles abandonem essa ideia. E diga ao Chipenda, que se quiser, deixamo-lo ir fazer os exames que tem marcados na universidade» E foi mesmo, no Mercedes da PIDE, com chaufer e tudo. Mais tarde dá-se um conflito académico de monta, que origina a paragem do campeonato por uma jornada, como forma de protesto contra a colonização. Surgem os militares e somos chamados à Praça da República para definir a nossa posição. Fui o primeiro a ser ouvido, maisd uma vez por ser o capitão. «O senhor joga ou não joga?», perguntaram-me. «Desculpem, mas preciso de falar à parte com os jogadores», respondi. Juntámo-nos todos numa sala e falei: «Temos tempo para as nossas lutas, não vamos suicidar-nos colectivamente. Acho que devemos dizer que vamos jogar. E o Chipenda,o Araújo, o N'dalo França e os demais disseram que sim. Mais tarde fugiram e entraram na luta da independência.

— Em Coimbra passa a ser o Velho Capitão...
— Foi a alcunha que mais perdurou. Porquê? Porque em Coimbra fui o eterno capitão, pela minha postura e maneira de ser. Era capitão na Académica quem tinha as habilitações mais elevadas. Até que apareceu Cândido de Oliveira e o Oscar Tellechea e disseram. «Não, o fulano que tem o perfil de capitão que nós imaginamos é Mário Wilson.» E fui capitão para sempre.

«Mestre Cândido era um catedrático»

— Conheceu Mestre Cândido. Como era o homem, o treinador?
— Tive um convívio extremamente forte com ele. Foi sempre impecável. Ia para o hotel Astoria, onde vivia e falávamos horas a fio de futebol. Era um homem de grande dignidade, que gostava do bom convívio. Era uma delícia ouvi-lo. E era profundo, humano e inteligente no que defendia. Foi um dos catedráticos do futebol. Havia um grupo de doutores no café Arcádia que requisitava o Cândido e ele presidia a essas reuniões como um autêntico catedrático, com um domínio cultural impressionante sobre tudo o que se passava.

— Iniciou a sua carreira de treinador como adjunto dele, não foi?
— Sim, ainda era jogador, quando fui seu adjunto.

— Em 1963 acaba como jogador. Passa a adjunto de Otto Bumbel, depois de Janos Biri e de Mário Imbelloni e a fechar este ciclo é adjunto de Pedroto.
— Quando o Pedroto sai é que eu assumo o lugar de treinador da Académica. O Pedroto era intratável. Tinha atitudes que roçavam o racismo. Ele queria sempre ser o big boss.

«Pedroto era ele, ele e só ele»

— As grandes lutas Norte-Sul começam entre Pedroto e Wilson. E são lutas duras...
— São, são... Mas em Coimbra eu era o Capitão e os jogadores andavam à minha volta, pouco ligavam ao Pedroto. Eu era o espírito académico, o Pedroto era ganhar, ganhar...tinha uma determinação própria, um pouco a destoar daquele ambiente de Coimbra.

— Pedroto deixa a Académica por dar uma punhada num jornalista de Coimbra, não é?
— Exactamente. Ele foi acumulando pequenos ódios. Tinha coisas tal como o Pinto da Costa,de uma determinação inabalável. Uma das máximas do Pedroto era: «Morrer por morrer, que morra o meu pai, que é mais velho». Isto era Pedroto.

— Ia falar da saída de Pedroto...
— O Porto foi jogar a Coimbra e esse tal jornalista, depois do jogo, escreveu: «Este jogo antes de começar já estava perdido.» O Pedroto não esperou, foi ao café onde se reuniam os teóricos, viu o jornalista e perguntou-lhe: «Foi você que escreveu isto?». — «Fui, porquê?» E Pedroto respondeu-lhe com um soco nos queixos. Isto era Pedroto.

Chega ao Benfica para ser campeão

Para Mário Wilson, «Eusébio, Matateu e Figo foram os melhores jogadores portugueses que vi jogar, mas Ronaldo já está no mesmo patamar», conforme nos confessa. A entrevista é entrecortada por confissões avulsas, fala-se de Toni, «o meu filho branco, que fui buscar a Mogofores para começar a jogar nos juniores da Académica», de Artur Jorge, que continua «de relações frias comigo, quando fui a casa dele pedir a sua opinião sobre o que devia fazer na altura em que ele saiu do Benfica e me disse sem hesitações para aceitar a proposta que me haviam feito». E fala-se de muito mais. Mas o Benfica era tema obrigatório e é do Benfica que passamos a falar. Benfica que aparece na vida de treinador de Mário Wilson na época de 1975/76. Já tinham ficado para trás a Académica, Belenenses, Tirsense e Vitória de Guimarães e 21 anos de grande aprendizagem no ofício. O Velho Capitão tinha então 46 anos e ei-lo nos braços do seu primeiro e grande amor. Mas não foi fácil, nada fácil a passagem para a Luz.

— Estava em Guimarães há quatro épocas, quando Romão Martins o foi buscar para treinar o Benfica. E é o primeiro treinador português campeão na Luz.
— Foi um salto nessa altura, mas ele impôs-me uma coisa fantástica. E disse-me: «O Capitão vai para o Benfica, mas vai ganhar o mesmo que ganha no Vitória. Porque o Benfica é o Benfica.» Disse-lhe que ia pensar. Estava a almoçar quando toca o telefone. Tinha contado à minha mulher, e quando toca o telefone disse ao meu filho mais velho, o Mário, que já sabia do convite: «Olha, vou dizer que não». «Ó pai, não faça isso, é o Benfica!», gritou-me ele. E cheguei ao telefone e disse ao Romão Martins: «Olhe, estava para dizer que não, mas vou aceitar. Mas não gostei!» Entretanto ganho o campeonato e o Romão Martins vem para mim e diz-me: «Sim senhor, vai continuar. E vai continuar com um aumento de 50 por cento no ordenado.» E disse lhe: «Aumento não, um aumento do que não ganhava. Por isso quero dizer-lhe que vou para o Boavista!»

— Mas volta ao Benfica mais algumas vezes, já era conhecido como o bombeiro de serviço.
— Depois volto, mas não como bombeiro. Foram de novo buscar-me a Guimarães. E ganho a Taça de Portugal, em 1979/80. Mais tarde, sim, ganho outra Taça, como bombeiro, a tal do very-ligth. Vou depois para o Alverca, volto de novo ao Benfica e acabo a minha carreira no Alverca, com o Luís Filipe Vieira.



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África do Sul gritou «Corina»

Na Africa do Sul, num jogo em que participava, ainda jogava em Moçambique, o público levantou-se a gritar «Corina, Corina». « Sim, sim... Havia um intercâmbio forte entre os dois países. Ainda joguei na Africa do Sul, num clube bairrista que se chamava Atlético, um clube de africanos, onde o meu irmão, Isidoro Wilson, era o presidente.» E quando Mário ia à África do Sul « o Isidoro requisitava-me e ao meu irmão, o Bili, para jogarmos. Fazíamos jogos só entre africanos negros, nunca com os boers, os holandeses ou os assimilados.» Era já a luta contra o apartheid que se assumia. «Nesses jogos só apareciam os africanos de sangue. E um dia, num jogo desses, de repente, nas bancadas, todos se levantaram em coro, a gritar «Corina, Corina». Foi inesquecível, arrepiante. Lá trabalhavam muitos moçambicanos nas minas de diamantes e de ouro, apaixonados pelo futebol.

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«Pedroto minava, mas há minar...»

A guerra entre os dois grandes treinadores fez história no futebol português.

A guerra com José Maria Pedroto marcou o seu percurso de treinador. « Ele era insultuoso. Como homens éramos muito diferentes. Mas tinha, de facto, um conhecimento do terreno maravilhoso, uma raça terrível. Mas não era sociável, era egocentrista, era ele,ele e só ele. Minava as coisas para tirar partido delas, mas nem sempre com ética, porque há minar e minar. Mas, reconheço-o, foi um dos grandes treinadores portugueses.» Essa guerra levou-o a emigrar. «Sou banido da l Divisão. «Este gajo não pode treinar mais», foi o que os donos do futebol disseram entre eles. Comecei a sentir-me sozinho, desapoiado. Tive de ir para Marrocos, para o FAR de Rabat.»



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O ataque de choro e os impostos

Não foi capaz de ir a tribunal contra a Académica; os milhares de contos que a reforma viu fugir.

Na Académica, o seu segundo amor, esteve dois anos sem receber um ordenado. Com os jogadores também não cumpriam. Prometeram-lhe que pagariam numa terça-feira. Mário Wilson comunicou isso mesmo ao plantel. Veio a terça, a quarta... dinheiro nem vê-lo. Os jogadores olharam para Wilson, como que a perguntar: «Como é Capitão, também você?!» E o treinador pagou aos jogadores do seu bolso. Mas a Académica esqueceu-se de Mário Wilson. E este colocou um dos seus amores em tribunal. Quatro jogadores foram suas testemunhas. Na véspera da ida a tribunal, à noite, sozinho com os seus pensamentos, o Velho Capitão teve um ataque de choro. Era a sua Académica. «Fui ter com os jogadores e mandei-os embora— a Académica não merecia aquilo. Ficaram espantados a olhar para mim. E não fui a tribunal, nem recebi o dinheiro.»

No Benfica, o primeiro e grande amor de Wilson, aconteceu um pouco do mesmo. «Quando fui tratar da minha reforma não tinha descontos feitos, o Benfica falhara. E acabei por ter de pôr do meu bolso alguns milhares de contos.» Amores são amores e Mário Wilson agora só quer é paz e... amor.


XHITA

Já agora, parabéns!  :bow2:


Blitz