Decifrando imagens do passado


RedVC

Obrigado também faneca_slb4ever, sempre atento e sempre apreciador destas histórias  O0

RedVC

#137
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Cosme, o presidente.

3 de Julho de 1938, dia de festa Casapiana!

CERIMÓNIA DA ENTREGA DA NOVA BANDEIRA AO CASA PIA ATLÉTICO CLUBE, NO DIA DAS FESTAS COMEMORATIVAS DO SEU ANIVERSÁRIO.


Fonte: Digitarq


Nessa cerimónia está presente a Direcção do clube Atlético Casa Pia fundado 18 anos antes. Ao lado do seu antigo companheiro, o arquitecto António do Couto que ocupava o cargo de vice-presidente encontra-se o Presidente da Direcção. Um homem alto de figura esguia e inconfundível: Cosme Damião!

De Cosme Damião, dizia Rogério Jonet, um grande Benfiquista já desaparecido: "Foi tudo no clube menos Presidente e porque não quis".

Cosme Damião filho de Cosme Damião, neto de Cosme Damião. Não há aqui nenhum Júlio...

Orfão de pai aos 10 anos foi admitido na Real Casa Pia por pedido de sua mãe que não tinha meios para criar os seus filhos. Da Travessa do Alqueidão para Belém, iniciava-se uma nova e frutuosa vida. O jovem Cosme fez a viagem, tal ganso desprotegido para ser acolhido no regaço da Casa Pia. Na Casa Pia cresceu em corpo e recebeu uma formação e qualificação profissional que lhe permitiu ter um futuro profissional seguro (Administração da Casa de Palmela).

Recebeu também os valores da Honra, da Solidariedade e Honestidade que sempre soube respeitar enquanto desportista. E foram esses valores que juntamente com os seus companheiros, esses pioneiros Gloriosos de 1903-1904, inscreveu no código de honra e conduta do maior clube Português.

De 1904 a 1926, Cosme viveu para o Sport Lisboa e Benfica. Lá foi tudo menos presidente. E porque não quis!

Mas em 1926 sopraram ventos de mudança. O Futebol, o deporto e a sociedade Portuguesa estavam a mudar mas o nosso clube mantinha uma organização alheada dessas mudanças e da progressiva mercantilização do futebol. Afogado em dívidas e perdendo campeonatos em série, a maioria dos sócios decidiu que o clube deveria mudar de rumo. E pela primeira vez teve de dizer não ao seu pai. Teve de dizer não para se adaptar, para continuar a crescer e para ganhar o futuro. Terá sido doloroso mas como qualquer Pai, Cosme não conseguiu afastar-se completamente. Nem quem passou a liderar deixou que isso acontecesse. Por isso de 1931 a 1935 regressaria para ser... presidente da Assembleia Geral.

Mas Cosme foi também presidente de um clube. Não do seu Benfica mas de um outro clube querido. O clube da sua Casa Pia. E facto, de 1936 a 1938 foi presidente do Clube Atlético Casa Pia, instituição fundada em 3/07/1920 por Cândido de Oliveira e seus pares.



Ironia do destino. Logo Cosme que se tinha oposto à criação daquele clube para proteger o seu Benfica. Cosme via nesse projecto de Cândido de Oliveira a partida do maior talento atlético e intelectual que o Sport Lisboa e Benfica tinha nessa altura. A perda de um homem de grande valor e para quem Cosme teria destinado a sua sucessão. Cruel desfecho, perdia-se um homem e atleta valoroso e perdiam-se igualmente muitos mais jogadores, também antigos Casapianos que decidiram sair com Cândido. Foram perdas irreversíveis, agravadas com a perda daí em diante do prolífico viveiro Casapiano.

E mesmo assim Cosme foi presidente do CACP. Por amor à Casa Pia e talvez por sentir que seria um clube no qual ainda revia os valores do desporto totalmente amador que ele tanto estimava. Aqui está uma outra fotografia do mesmo dia referente ao banquete que se seguiu:

ASPECTO DO BANQUETE DE CONFRATERNIZAÇÃO DOS SÓCIOS DO CASA PIA ATLÉTICO CLUBE, COMEMORANDO O 158º ANIVERSÁRIO DA CASA PIA E O 18º DAQUELE CLUBE.



Fonte: Digitarq


Cosme, enfim presidente.


Foi um dia de festa. Na fotografia de cima podem ver-se alguns jovens casapianos com instrumentos musicais pousados no chão. Na de baixo vemos ginastas femininas que evoluíam graciosamente celebrando a alegria desse dia de festa.

EXERCÍCIOS DE GINÁSTICA, PELA CLASSE FEMININA DO CASA PIA ATLÉTICO CLUBE, NAS FESTAS COMEMORATIVAS DO ANIVERSÁRIO DAQUELE CLUBE


Fonte: Digitarq


Foi igualmente um dia de celebração dos valores Casapianos, presidido pelo maior de todos nós. O homem que foi tudo no Benfica menos presidente. E porque não quis!

Depois do CACP, Cosme viria ainda a ser presidente da Comissão Central de Árbitros onde a sua postura e isenção foram mais uma contribuição valiosa para o Futebol Português.

Quando morreu em 1947 Cosme tinha o respeito de todos os desportistas Portugueses. Mas tinha também aquilo que lhe deveria ser mais precioso. Tinha e terá sempre o reconhecimento e o carinho eterno de todos os Benfiquistas.

Theroux

#138
Grandes textos, desconhecia que tinha sido presidente do Casa Pia. Estive a confirmar e nessa altura eles não jogavam no Campeonato Nacional, o que evitou uma situação muito estranha.

Relativamente ao Arq. António do Couto acrescento que além do papel que teve Casa Pia foi o primeiro capitão do Sport Lisboa, sócio nº1 do Sporting e, a nivel profissional, foi o responsável pela estátua do Marquês de Pombal (juntamente com Adães Bermudes). Se estou a repetir informação que já anda por aqui peço desculpa pela redundância.

RedVC

#139
Citação de: Theroux em 14 de Março de 2015, 23:45
Grandes textos, desconhecia que tinha sido presidente do Casa Pia. Estive a confirmar e nessa altura eles não jogavam no Campeonato Nacional, o que evitou uma situação muito estranha.

Relativamente ao Arq. António do Couto acrescento que além do papel que teve Casa Pia foi o primeiro capitão do Sport Lisboa, sócio nº1 do Sporting e, a nivel profissional, foi o responsável pela estátua do Marquês de Pombal (juntamente com Adães Bermudes). Se estou a repetir informação que já anda por aqui peço desculpa pela redundância.


Obrigado.  O0

Em relação ao monumento onde em breve celebraremos mais um título resta ainda acrescentar o nome do escultor Francisco Santos, outro ex-casapiano, jogador do Sport Lisboa, Lazio e SCP. Foi autor das esculturas do monumento. Morreu ainda antes da inauguração. Dois arquitectos e um escultor.


Francisco dos Santos;
Fonte: Ilustração Portuguesa

Excelente informação relacionada, aqui:

http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2013/05/repto-aos-petardeiros-e-riscadores.html




Inaugurado a 13 Maio 1934



Lorne Malvo

Tivessem os actuais dirigentes desportivos metade da postura, do carácter e dos valores de Cosme Damião, e o futebol português seria um mundo muito melhor. Um exemplo de Homem, e não digo isto por ter sido um dos principais fundadores do Benfica mas sim por todo o seu histórico de vida.

poiudivino




Encontrei esta imagem no facebook do Ricardo Campos (GR da direita, e actual GR da Uniao da Madeira). Estão presentes entre outros João Vilela e o falecido Baião

RedVC

#143
Vale o que vale mas encontrei esta informação no ForaDeJogo acerca dos dois anos em que Baião foi júnior do SLB

Plantel 2003/2004 Júniores
Treinador: Alberto Bastos Lopes
Fernando Alexandre (17)   Benfica B (III)
Manuel Fernandes (17)   Benfica (I)
João Vilela (17)   Benfica B (III)
João Coimbra (17)   Benfica (JUV)
Tiago Gomes (16)   Benfica B (III)
Luís Zambujo (16)   Benfica (JUV)
Manuel Curto (16)   Benfica (JUV)
Hugo Grilo (16)   Benfica (JUV)
Rui Nereu (17)   Benfica (JUV)
Ricardo Campos (17)   Benfica B (III)
Fausto (18)   Louletano (JUN)
Bruno Baião (17)   Benfica B (III)
Tiago Costa (18)   Benfica B (III)
Bruno Carvalho (17)   Benfica (JUV)
Hélio Roque (17)   Benfica B (III)
Ricardo Nunes (17)   Benfica (JUV)
Bruno Costa (16)   Benfica (JUV)
Jorge Almeida (17)   Benfica (JUV)
Tiquinho (17)   Benfica B (III)
Ivo Miranda (17)   Benfica (JUV)
Nuno Veludo (17)   Benfica (JUV)
Éder (17)   Benfica (JUV)
Carlitos Seidi (18)   Benfica B (III)
Diogo Cardoso (17)   Benfica (JUV)
Hélio Freitas (16)   Ginásio Corroios (JUV)

****************************************************

Plantel 2003/2004 Júniores
Fernando Alexandre (16)   Benfica (JUV)
João Vilela (16)   Benfica (JUV)
Tiago Gomes (16)   Benfica (JUV)
Ricardo Campos (16)   Benfica (JUV)
Diogo Martins (17)   Benfica (JUV)
Tiago Costa (17)   Benfica (JUV)
Hélio Roque (16)   Amora (JUV)
Rúben Franco (17)   Benfica (JUV)
Vasco Firmino (17)   Benfica B (III)
Filipe Duarte (17)   Benfica (JUV)
Dani (18)   Atlético CP (JUN)
Tiquinho (16)   Benfica (JUV)
Décio Gomes (17)   Benfica B (III)
Tiago Santos (16)   Benfica (JUV)
Carlitos Seidi (17)   Mercês (JUN)
Sandro (16)   Benfica (JUV)
Alex (18)   Benfica B (III)
Tiago Cerqueira (16)   Benfica (JUV)
Bruno Alves (17)   Benfica (JUV)
Tiago Carvalhinho (18)   Benfica (I)
Óscar Menino (17)   Benfica (JUV)
Bruno Baião (16)   Benfica (JUV)
Francisco Cunha (17)   Benfica (JUV)


José Henrique, Alberto Bastos Lopes e Rui Baião são facilmente identificáveis.
Manuel Fernandes já andava pela equipa A.
No facebook de Ricardo Campos estão algumas identificações:

Em baixo, a contar da esquerda: 2º Tiago Costa, 5º Tiquinho Ferraz, 6º Rui Baião, 7º João Vilela,
De pé, a contar da esquerda Ricardo Campos (g.r.) 9º.

Para os restantes não será propriamente fácil fazer identificações.
Talvez algum antigo júnior desta equipa ande aqui por este fórum.



faneca_slb4ever


Ned Kelly

Estamos sempre a aprender. Não sabia que o Cosme Damião tinha sido presidente do Casa Pia. Obrigado por estes textos e fotos. Um grande Homem, que admiro muito.

Jotenko

Excelente tópico RedVC. Muito obrigado.

RedVC

#147
Obrigado pelos vossos comentários.  O0

Vamos ao 41...


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Um militar futebolista

2 de Maio de 1929, chegada de um grupo de futebolistas madrilenos a Lisboa. Na estação ferroviária do Rossio a comitiva madrilena é recebida por militares Portugueses que integravam a comissão de recepção e organização do Lisboa – Madrid militar, jogo marcado para o dia 5 de Maio. Entre eles estava o Major João da Cruz Viegas (indicado com o nº 5).


Fonte: Digitarq


Mas a nós interessa-nos mais o seu irmão, o Capitão José da Cruz Viegas. Este último tinha menos oito anos de idade e pertencia igualmente à referida comissão. Na fotografia de baixo o Capitão José da Cruz Viegas aparece-nos com o nº 5:


Fonte: Digitarq


Servem estas duas fotografias para ilustrar um aspecto da vidas longas, aventurosas e certamente frutuosas dos irmãos Cruz Viegas e em particular de José da Cruz Viegas no qual centraremos atenções. A sua vida enquanto militar foi no entanto parte da sua história pessoal. A nós interessa-nos mais a sua contribuição para a grande história do Sport Lisboa e Benfica. E não foi pequena...


José da Cruz Viegas não foi um dos fundadores de 1904. Não foi igualmente um dos resistentes de 1907 (antes pelo contrário...) mas foi seguramente um dos mais importantes de entre os nomes ilustres dos primeiros dias do nosso clube.

Se não vejamos: cor, símbolo, nome. Nem mais.

- Vermelho da nossa paixão. A cor que nos electriza por esses campos, que nos alegra o coração e perturba os nossos adversários. A cor da alegria, da vivacidade!

- Águia, animal nobre que encima as nossas cores e o nosso escudo. Que de asas abertas altaneira, forte e orgulhosa segura a nossa divisa.

- Sport Lisboa, o nome. O primeiro nome do nosso clube resultou de uma discussão entre várias propostas. Sabiam que entre outros nomes se chegou a falar com alguma força em "Grupo de Futebol Lisbonense" ou "Grupo de Futebol Lisboa"? Esse(s) nome(s) acabaria(m) por não vingar por se recear que a respectiva sigla GFL pudesse ser confundida com Guarda Fiscal de Lisboa. Quem fez notar esse aspecto? José da Cruz Viegas. Acabaria por se adoptar o nome de Sport Lisboa. Mais tarde, depois da crise de 1907 e da fusão de 1908, viria o nome definitivo: Sport Lisboa e Benfica.

Cor, símbolo, nome. Três elementos críticos da identidade de qualquer clube. Como deixar de prestar homenagem a este homem que apesar de presença fugaz foi importante na história inicial do nosso clube? José da Cruz Viegas foi um nome chave para a definição de todos estes elementos críticos da identidade do maior clube Português! Isto apesar de no dia 28 de Fevereiro de 1904 ele não se encontrar entre os 24 fundadores.

E a esse propósito, já o disse e reafirmo, a fundação do nosso clube foi bem mais complexa do que a história oficial nos diz. Cosme foi um dos fundadores... para esse processo contribuíram muito mais do que 24 homens. Alguns dos que não estavam presentes - ou não assinaram - foram dos mais importantes nos primeiros anos. Um clube não se funda vindo do nada, partindo para o futuro num momento de inspiração súbita. O Sport Lisboa fundou-se fruto das vontades de muitos mais do que 24 homens. Um deles foi José da Cruz Viegas.

Nas palavras imortais de Cosme Damião:
«A ideia de formar o Sport Lisboa não resultou do propósito de constituir um clube em determinadas condições. No nosso bairro, na escola, na corporação a que se pertencia, surgia, de quando em quando, a ideia de um clube. Se fizéssemos um clube nestes moldes? – era pergunta que não se tomaria como impertinente, numa altura em que ainda não havia grandes clubes. Mas não se sucedeu isso com o Sport Lisboa, foi o contrário. Constituído um «team» para jogar com outro mais forte, o bom resultado de um desafio, fazendo reunir numa pequena festa de alegria os jogadores vitoriosos, levou-os a pensar em dar consistência ao «team», transformando-o em clube. Veio primeiro a ideia do jogo, pelo prazer de jogar. A ideia do clube seguiu-se ao prazer do triunfo. Houve desde logo a certeza de que pela união nos podíamos tornar mais fortes. Neste sentimento inicial se pedia a escolha da divisa do novo clube – um por todos, todos por um».


Assim, o elemento decisivo foi a paixão pelo jogo partilhada por muitos jovens jogadores e o gatilho foram os desafios contra o grupo dos Pinto Basto no final do ano de 1903. Nesses meses que antecederam a fundação, as conversas terão certamente abordado questões concretas tais como as cores, nome e simbologia do novo clube. No dia da fundação estou certo que esses elementos já estariam numa fase avançada de evolução.

Alguns miúdos de Belém, companheiros de futeboladas com José da Cruz Viegas (à paisana). Nota-se a diversidade de equipamentos, entre eles as camisolas da Casa Pia e do Liceu Pedro Nunes.


Filho de Belém, José da Cruz Viegas estudou na Casa Pia como aluno externo a expensas do legado de Luz Soriano. Teve aliás uma posição interessante pois terá praticado o futebol não apenas no(s) grupo(s) da Casa Pia mas também com alguns outros miúdos de Belém, filhos de famílias mais abastadas e  que mais tarde integraram o grupo dos Catataus. por exemplo, na fotografia de cima, José da Cruz Viegas está à paisana, junto de outros filhos de Belém, companheiros de futeboladas. Entre eles dois jovens: Cândido Rosa Rodrigues (Catatau) fundador do nosso clube e João Bentes. Mais tarde ambos jogariam no SCP.


Pouco depois, no dia 1 de Janeiro de 1905, com a idade de 23 anos, José da Cruz Viegas foi integrante da primeira equipa do nosso clube. No campo das Salésias, contra o Sport Clube Campo de Ourique, ao lado de Emílio de Carvalho e à frente de Pedro Guedes, ele lá estava no primeiro jogo e na primeira vitória do nosso clube.


José da Cruz Viegas é o primeiro de pé a contar da esquerda.



José da Cruz Viegas no princípio de 1907
depois de um jogo contra o CIF, Clube Internacional de Futebol.

Mas em Maio de 1907 o Sport Lisboa chegou a um ponto de quase rotura. À fragilidade económica e de instalações adicionou-se a dramática perda de 8 jogadores para o novo e ambicioso SCP. José da Cruz Viegas era um dos jogadores que pela idade e posição social via já com apreensão as precárias condições que eram oferecidas pelo nosso clube. Viria a aceitar a proposta de José de Alvalade e com sete companheiros lá foi jogar de branco para o Sítio das Mouras. Outros tempos, a génese de uma velha rivalidade.

No entanto por via das exigências da sua vida profissional, José da Cruz Viegas veio a ter participações competitivas intermitentes quer na nossa equipa quer depois no SCP. Mais tarde e tal como o seu irmão, viria a integrar o corpo expedicionário Português que combateu na I Guerra Mundial. Sabemos que em Maio de 1917 embarcou como capitão de Batalhão para França, tendo pouco depois vindo a ser ferido em combate. Viria a receber um louvor por zelo e pela inexcedível inteligência e competência profissional com que exerceu o seu posto.

Em 9 de Abril de 1918, o seu batalhão sofreu uma forte ofensiva das tropas Alemãs que desencadearam a batalha de La Lys. Nessa batalha morreram centenas, eventualmente milhares de Portugueses (não encontrei um número sólido) e terão sido feitos milhares de prisioneiros. José da Cruz Viegas foi um desses prisioneiros. Outros não tiveram a mesma sorte. Entre as baixas dessa brutal batalha encontra-se o nome do Tenente Vidal Pinheiro, futebolista do FCP. Concluída e Grande Guerra, José da Cruz Viegas viria a ser libertado e a regressar a Portugal no final de 1918.


Fonte: Almanaque Republicano

Portugueses prisioneiros de guerra em 1918. Fonte: Bundesarchiv


Oficiais portugueses prisioneiros em Breesen procedendo à limpeza da louça e talher após acabarem a refeição.
Fonte: http://www.momentosdehistoria.com/

Passada a Guerra, e mantendo-se na vida militar, José da Cruz Viegas pode assim voltar à sua paixão pelo futebol. O seu envolvimento na realização deste jogo Ibérico entre militares assim o demonstra.

Faleceu em Lisboa em 1957 com a idade de 76 anos. Nessa sua longa vida teve oportunidade de ver e participar em muitas transformações na vida social e desportiva Portuguesa. Viu o crescimento do SCP e do SLB. Não mais os pequenos clubes onde ele teve a oportunidade de jogar mas antes realidades à escala nacional. Teve ainda a oportunidade ver a grande vitória do Benfica na Taça Latina. Com que sentimentos terá vivido essa primeira grande vitória internacional de um clube Português? E logo do clube que ele ajudou a fundar. Não sei se morreu sportinguista mas sei que foi um homem com diversas contribuições importantes para o nosso clube. Merece por isso ser recordado com respeito como um dos pioneiros de coração nobre que deram o melhor das suas capacidades e inteligência para esse período tão frágil, tão belo e tão decisivo como foram os anos de 1903-1907.


RedVC

#148
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Um cartaz e duas despedidas.

Hoje o nosso ponto de partida é um cartaz. No fundo trata-se de um menu humorístico de um convívio do Sport Lisboa. Remete-nos a 5 de Abril de 1907.


Nesse dia despediam-se dois jogadores, Fortunato Levy e Manuel Mora. Dois gloriosos pioneiros do Sport Lisboa. Era o fim da primeira versão do Sport Lisboa. Iniciava-se a sangria que havia de colocar em causa a sobrevivência do próprio clube.

Vamos olhar para cada um desses jogadores. O primeiro remete-nos para uma fotografia de um ilustre cabo-verdiano quando já era um ancião:


Fortunato Monteiro Levy, nascido em 1 de Abril de 1888, na cidade da Praia, ilha de Santiago. Filho de Bento Levy e de Paula da Conceição Monteiro. Faleceu na sua terra natal em 31 de Dezembro de 1969, com 81 anos de idade.


Viveu grande parte da vida na sua terra natal onde se terá dedicado ao negócio de família.


Tanto quanto se sabe os anos passados em Lisboa foram curtos e apenas durante a sua juventude, provavelmente para fazer os seus estudos liceais. Tempo curto mas suficiente para ganhar a imortalidade como um dos gloriosos pioneiros do nosso clube. E não apenas de futebol. De facto, embora não saibamos ao certo quando chegou a Lisboa sabemos que durante esse período escolar Lisboeta, o jovem Fortunato interessou-se pelo desporto e em particular pelo ciclismo e pelo futebol. Nos anos em que ainda só existia Sport Lisboa. Entre 1904 e 1907, o nosso clube terá tido actividade nas modalidades de futebol (primordial), ciclismo e atletismo. No caso do ciclismo por via de Fortunato Levy.

Diz-se assim que Fortunato terá sido o primeiro ciclista do clube. É provável que assim tenha sido porque existe referência de Fortunato ter participado em duas provas de competição velocipédica no dia 11 de Junho de 1906 no velódromo de Palhavã. O jornal Tiro e Sport notícia uma série de corridas no velódromo de Palhavã nos dias 17, 22, 24 e 29 de Junho de 1906. Entre as provas e vencedores lá está o nome de Fortunato Levy em duas corridas de 1000 metros, a primeira no dia 17 de Junho e a segunda no dia 29 de Junho. Diz a crónica que em representação do G.S.L., Grupo Sport Lisboa. Penso, sem ter a certeza, de já ter visto uma fotografia de Levy a competir neste dia mas infelizmente não a guardei.

Mas a notoriedade veio um pouco antes e veio por via do futebol. No dia 1 de Janeiro de 1905, nas terras do Desembargador, às Salésias, com apenas 16 anos de idade, Fortunato fez parte da primeira equipa registada por um jornal. Nesse dia o Sport Lisboa debutava contra o Sport Clube de Campo de Ourique, uma das melhores equipas desse tempo. Vitória por 1-0, golo de Silvestre da Silva marcado a... Manuel Mora Pois... nesse dia Mora estava do outro lado mas em breve viria a ser nosso guarda-redes.


Fotografia de jogo entre o Sport Lisboa e o CIF, Clube Internacional de Futebol nas Terras do Desembargador. Este era o verdadeiro derby daqueles tempos. Talvez disputado já mesmo no ano crítico de 1907. Fortunato está à esquerda observando os seus colegas em activa disputa da bola. Dos nossos jogadores temos da esquerda para a direita:
Fortunato Levy, David da Fonseca, Albano dos Santos, Daniel Queiroz dos Santos e José da Cruz Viegas.
Fonte: Arquivo Muncipal de Lisboa.

Mas voltanto a Fortunato, nessa equipa ocupou o lugar de half-back à direita, jogando num meio campo ocupado ao centro pelos atlético César de Mello e à esquerda pelo enérgico e jongleur António Couto. Um meio campo de força, talento e experiência. Com apenas 16 anos (!) Fortunato não tinha a última das qualidade dos outros. Fortunato era aliás o mais novo de uma equipa com predominância de trintões. Nessa época a idade era um posto, e assim para o jovem Fortunato integrar a equipa teria que ter qualidades futebolísticas convincentes. E de facto das suas capacidades disse-nos o grande Artur José Pereira no jornal "os Sports" em 1 de Julho de 1940:

Médio esquerdo do Sport Lisboa. Se jogasse hoje, o Levy seria o expoente máximo do futebol peninsular. Tinha aproximadamente um metro e oitenta de altura. Bastante negro. Delgado, fortíssimo, ginasta completo. Exímio no dribbling, pontapé fortíssimo. Uma maravilha.

Sugestivo. Isto depois de estarem passados mais de 30 anos sobre as suas fugazes mas talentosas aparições com a gloriosa camisola de flamela vermelha! Pela descrição e pela sua posição em campo parece-me uma perfeita definição de um ilustre antecessor do nosso glorioso bicampeão Europeu, o Sr. José Augusto.

Mas a vida não pára. Cerca de 2 anos depois Levy regressava à terra Natal e assim, em 5 de Abril de 1907, era tempo de dizer adeus. Mas não foi o único. E isso leva-nos de volta ao ponto de partida. Se Fortunato Levy regressava a Cabo Verde, Manuel Mora partia para a Argentina.


Manuel Mora e Fortunato Levy

O cartaz é delicioso quanto a ressaltar as duas figuras. Um guarda-redes de mãos gigantes e um jogador de raça negra. Não há dúvidas. Representam Mora e Levy:


O cartaz revela aliás o entusiasmo e criatividade que abundava no clube e naqueles convivas. Não sabemos quem foi o autor do cartaz mas realmente candidatos não faltavam. Afinal entre esses gloriosos jogadores tínhamos artistas de diversas áreas. Tínhamos pintores, arquitectos, escultores, cinzeladores...

Uma transcrição mais ou menos fiel do texto do cartaz:

Menu
Kick de sahida
Bola fora acompanhada de free kick
Goal-keeper assado com purée de penalties
Back d'Arrayolos com schots e dibblings
Refreee arreliado com os competentes linemen
Jogadores com várias equipes
Half-back à vontade
OB. não se permitem rasteiras
Pinhões e falhanços diversos - Forward sem medo
Que bom jogo!!! e Levy líquido
Trrri... trri... trri... (apito final)
Em seguida serão erquidos hurrahs
pelos players que tenham feito
o maior número de goals
Ao fazer as contas vae tudo
à defeza
O desafio termina com moitas palmas e abraços



Mas falemos de Manuel Mora. Nasceu em 19 de Março de 1884. Foi considerado o melhor guarda-redes da sua época. Sabe-se pouco sobre eles antes de chegar ao nosso clube, algures ainda durante o ano de 1905 uma vez que, como atrás se disse, no dia 1 de Janeiro de 1905 ainda estava no Sport Clube Campo de Ourique. Era companheiro do médio Albano dos Santos que com ele fez a viagem para Belém. Os melhores atraem os melhores. Manuel Mora viria ainda a fazer 3 épocas com a camisola vermelha. Literalmente porque aparece sempre com as mesmas cores das envergadas pelos seus companheiros.

Pelo que se sabe em 1907 o destino de emigração de Mora foi a Argentina. Um pouco mais tarde radicou-se no Brasil onde viria a fazer carreira e ganhar notoriedade na ilustração e cartofilia. Colaborou com revistas de arte, cultura, moda, mundanidades. Fez exposições. Viajou bastante numa procura comum aos artistas de todos os tempos, para se actualizar e perceber as tendências modernistas de seu tempo. Fez trabalhos para revistas e também para organismos oficiais tais como o Departamento de Turismo da Municipalidade do Rio de Janeiro. Notoriedade feita por via do seu grande talento. Ora verifiquem:

http://www.brasilcult.pro.br/rio_antigo2/manuel_mora/bem_vindo.htm

Deixo aqui a transcrição mas merece uma visita:

MANUEL MÓRA
Coleção: Paulo Bodmer
Texto: Marcelo Del Cima
    O lugar que ocupa Manuel Móra na cartofilia brasileira é, sem dúvida, de singular importância no contexto geral dos temas que a compõem. Em 1934, Móra, que já havia realizado alguns desenhos especialmente para cartões-postais, concebeu uma série de 8 cartões coloridos para o Departamento de Turismo da Municipalidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal que o tornaria reconhecidamente nosso único grande ilustrador de postais. O conjunto de bandeiras e figuras femininas, laureando os turistas, homenageando os laços do Brasil com a Argentina, os Estados Unidos, a França, a Alemanha, a Itália, a Inglaterra, a Espanha e Portugal é hoje apreciado e cobiçado por todos os colecionadores e apreciadores do belo, e documentam para sempre o estilo do notável artista. Manuel Móra nasceu em Portugal a 19 de março de 1884. Pintor ativo no Rio naturalizado brasileiro, desde o início dos anos 20, fez ilustrações para numerosas capas de revistas nacionais como Para Todos, Cinearte e O Cruzeiro. Para o Parc Royal dedicou grande parte de sua vida e muitas de suas belas criações, até o incêndio do Magazine em 1943 - fato que talvez justifique o desaparecimento dos originais da maioria de suas ilustrações. Durante o período do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas, em 1937, Móra colaborou com o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Seus desenhos foram, também, admirados nos convites dos famosos bailes de Carnaval do Teatro Municipal, do Rio de Janeiro. Vítima de tuberculose pulmonar, faleceu no Rio, em 1° de abril de 1956.


Com este texto ficamos ainda a saber que Mora faleceu em 1956 com 72 anos de idade. Terá regressado de forma passageira e breve a Portugal em trânsito para Paris. Mas isso são detalhes para um outro dia.



Dois nomes grandes dos primórdios do nosso clube. Duas estrelas que brilharam de forma fugaz mas com beleza e intensidade.

Lorne Malvo

Já tinha lido algures algumas coisas sobre Fortunato Levy, mas sobre o Mora não sabia nada.

Sempre a aprender com o RedVC.