Decifrando imagens do passado

RedVC

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De Benfica para o Mundo: os fabulosos irmãos Augusto (parte I)



Os fabulosos irmãos Augusto. Fotografia de uma comitiva do SLB que jogou em Madrid em 1919. Artur à esquerda e Alberto à direita. Na fotografia de grupo vêm-se ao centro Cosme Damião muito bem-disposto e Cândido de Oliveira sentado com os braços cruzados.


Dois irmãos, ambos grandes jogadores, ambos de espírito insatisfeito e carácter turbulento. Mudaram de clube, mudaram de cidade e no caso de um deles até mudou de continente. Apesar disso ficaram para sempre ligados ao universo Benfiquista.

Neste e no próximo texto falaremos dos fabulosos irmãos Augusto, fazendo-lhe uma sincera homenagem. Falaremos de Artur e de Alberto e de algumas das suas aventuras futebolísticas. Porque mais não sabemos...


Benfica, a rural e pacata Benfica

Os dois manos Augusto nasceram em... Benfica! Na altura arredores de Lisboa, localidade pacata, com uma ruralidade ainda muito marcada e onde alguma da burguesia Lisboeta tinha casas de campo.

Artur Augusto era o mais velho. Nasceu na Travessa da Cruz da Era em Benfica no dia 18 de Outubro de 1896. Foi baptizado em 1 de Março de 1897 na Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica.

Alberto João Augusto nasceu dois anos depois, no dia 1 de Agosto de 1898. Seria baptizado em 10 de Abril de 1899 na dita igreja de Nossa Srª do Amparo e pelo mesmo padre. Eram filhos naturais (designação da época para filhos de pais solteiros) de António Augusto Júnior, carpinteiro e de Amélia Maria Rocha. Netos paternos de António Augusto e de Maria Roza (também chamada de Maria do Amparo) e maternos de Manoel da Rocha e Maria d'Assumpção Rocha.

 

O exterior e interior da igreja de Nossa Senhora do Amparo em Benfica. A igreja onde os irmãos Artur e Alberto foram baptizados. Os seus pais moravam em terrenos situados nas traseiras desta Igreja. Fonte: AML.


Os pais dos manos Augusto eram naturais e baptizados em Benfica, moradores "atrás" da dita Igreja de Nossa Senhora do Amparo de Benfica. Com toda a probabilidade os dois irmãos terão crescido nessa primitiva e tranquila localidade de Benfica. Foi esse o seu berço e o seu local da meninice.

Ali, perto estava situada a mítica Quinta da Feiteira, local onde tivemos um belo campo de futebol entre 1907 e 1910. Numa nota pessoal devo dizer que é talvez depois do antigo Estádio da Luz, o campo de futebol que mais me encanta. Como gostaria de ver mais e mais fotografias.

Com grande probabilidade os manos Augustos fizeram parte da horda de miúdos que viam a gente grande jogar futebol ali na Quinta da Feiteira. Um desfile de craques da bola, hoje nomes míticos, que por ali escreveram as primeiras paginas do futebol Português. De Manuel Gourlade a Cosme Damião, de Félix Bermudes aos Catataus, de Couto aos Pinto Basto, de Henrique Costa a Carlos França, de Artur José Pereira a Marcolino Bragança, tantos foram os pioneiros que por ali jogaram lançando as bases do encanto popular para com o futebol em Portugal.

Por aquele campo, antes e depois dos jogos da gente grande, os Augusto e muitos amigos terão certamente dado uns pontapés na bola e gritado "goal". Uma inspiração para as suas vidas que viriam a centrar-se no futebol.



Três aspectos da zona da Quinta da Feiteira e a zona envolvente da Igreja da Nossa Srª do Amparo. Foi por ali que os irmãos Augusto nasceram e cresceram. Por ali viram muitos craques jogar em jogos que os terão inspirado para um vida centrada no futebol.



Equipa suplementar (juvenil) do Sport Lisboa e Benfica, alinhada depois de um jogo com o Sport União Belenense, na Quinta da Feiteira (ver -29- Amor ao clube! (à falta de camisola...). p.6). Os jovens Benfiquistas estão assinalados com números vermelhos. Fonte: AML.




Artur Augusto terá começado a sua carreira no futebol competitivo no CIF, Clube Internacional de Futebol. Ao certo, sabemos que o seu nome consta pela primeira vez de uma lista da 1ª categoria do CIF para o campeonato do ano de 1914-1915. Nesse tempo o CIF começava a perder competitividade, depois de abandono da maior parte dos seus estrangeiros, em particular dos Ingleses, recrutados para a Grande Guerra.



Arthur Augusto na primeira categoria do CIF em 1914. Na lista estão também outros homens que viriam a jogar de Águia ao peito: Carlos Sobral, Luiz Gato, Carlos Guimarães e João Stock. Fonte: Em Defesa do Benfica.


A entrada no SLB foi o grande momento da carreira de Artur. No SLB cumpriria 9 (6+3) épocas. Pelo meio, 2 temporadas no FC Porto e uma breve passagem pelo Carcavelinhos aquando do regresso a Lisboa. Fez ainda algumas aparições noutras equipas tais como por exemplo os Leões de Santarém (em 1920 aquando da final da Taça Agostinho Costa frente à Académica de Coimbra). Mas como se percebe pelos números, foi a camisola do SL Benfica aquele que ele envergou por mais tempo. E seria ao nosso Clube que Artur voltaria para finalizar a sua longa e preenchida carreira. Apesar das suas andanças pelo norte do país, tanto ele como o seu irmão, foram indubitavelmente dois Benfiquistas.



A carreira futebolística de Artur Augusto e as suas conquistas de Águia ao peito (salientados os 4 títulos de Campeão Regional de Lisboa (CL)). Fonte: zero-zero.


Artur era um avançado que evoluía pelo lado direito. Jogador intenso, com muito talento, técnica e visão de jogo. Jogou ao lado de outros grandes jogadores e gradualmente foi desenvolvendo uma polivalência que terá feito a felicidade os seus treinadores. Estreou-se no Benfica na época de 1915-1916, onde segundo nos fez notar Alberto Miguéns, fez o primeiro jogo a 27 de Junho de 1915. Tinha apenas 19 anos de idade, facto que atesta da sua precoce qualidade futebolística. Nesses tempos Cosme Damião fez um conjunto de experiências para avaliar da necessidade de não se retirar da competições e assim jogar ainda mais essa época; o que acabaria por acontecer.

Juntamente com o extraordinário Carlos Sobral, também proveniente do CIF, Artur Augusto foi uma das grandes novidades Benfiquistas para a nova época. Esses dois belos jogadores juntavam-se ao jovem casapiano Cândido de Oliveira para serem as três peças iniciais de uma renovação da equipa que Cosme via como inevitável.

Com essas aquisições, a nossa (excelente) equipa-tipo no Campeonato de Lisboa dessa época foi assim constituída: Stock (guarda-redes), Henrique Costa e Leopoldo Mocho (defesas), Carlos Homem de Figueiredo, Cosme Damião e Cândido de Oliveira (médios), Herculano Santos, Artur Augusto, Francisco Pereira, Carlos Sobral, e Alberto Rio.

Essa época marcou também o fim de carreira como jogador de Cosme Damião. Assim se vê que Artur Augusto por uma época ainda jogou ao lado de Cosme Damião, um privilégio que com certeza o terá marcado.

No final dessa primeira época de Águia ao peito, Artur Augusto e os companheiros conquistaram de forma categórica o Campeonato Regional de Lisboa, arrebatando o título ao SCP, inesperado vencedor no ano passado.

A hegemonia ficaria comprovada com a conquista de mais dois campeonatos regionais, perfazendo assim a conquista do segundo tricampeonato do SLB. Seis títulos em sete anos. Em particular o campeonato de 1917-1918 foi marcante para Artur Augusto pois passou a jogar na mesma equipa com o seu irmão Alberto. Os dois manos Augustos eram terríveis dentro do campo sendo carinhosamente apelidados de "Batatinhas" pelos adeptos Benfiquistas.



A equipa de 1915-1916, primeira época de Artur Augusto no SLB. Da esquerda para a direita: árbitro (de fato), Herculano dos Santos, Manuel Veloso, Cândido de Oliveira, Carlos Sobral, Artur Augusto, Francisco Pereira, Henrique Costa (cap.), José Picoto, Silvestre Rosmaninho, Alberto Rio e Leopoldo Mocho. Nota-se a ausência de Cosme. Estavam em curso as experiências para o pós-Cosme Damião.




Mas depois de seis temporadas em que conquistou quatro campeonatos regionais pelo SL Benfica, Artur tomou duas decisões surpreendentes, a primeira sair do Benfica e a segunda ingressar no FC Porto. Apesar de à época não existir qualquer rivalidade entre as duas colectividades foram decisões surpreendentes uma vez que levavam a uma mudança de cidade e ao abandono do mais popular e vencedor Clube de Lisboa, região onde o futebol nacional estava mais evoluído. Que factores terão influenciado essa decisão?

Apesar de não sabemos a resposta podemos especular que o factor mais importante tenha sido dinheiro uma vez que o SLB não pagava aos seus jogadores. Jogava-se pelo amor à camisola. Mas seria só isso? Nessa temporada de 1920-1921, o nosso Clube perdeu o campeonato regional de Lisboa para o Clube Atlético Casa Pia (CPAC). Uma derrota amarga pois do outro lado estavam muito antigos companheiros que decidiram abandonar o SL Benfica no ano anterior para fundar o CPAC. Terá essa derrota deixado marcas em Artur Augusto? Terá deixado marcas na relação entre Artur e Cosme Damião, o seu treinador e antigo companheiro de equipa? Marcas entre Artur e os seus companheiros? Certo é que decidiu sair para o FC Porto onde jogaria durante dois anos, de 1921 a 1923.



Uma mudança surpreendente no ano de 1921, Artur Augusto de vermelho e Águia ao peito passou a vestir a camisola azul e branca durante dois anos. Mais tarde retornaria à casa mãe.


Pelo FCP, orientado pelo Belga Adolphe Cassaigne, Artur Augusto tornar-se-ia figura destacada da conquista do Campeonato de Portugal de 1921-1922. Essa prova, antecessora da Taça de Portugal, foi o primeiro troféu a nível nacional disputado no nosso País, tendo sido conquistada numa finalíssima contra o SCP. Ganhou também dois campeonatos regionais do Porto, prova que apesar de alguma oposição do Boavista e do Leixões era amplamente dominada pelos portistas.

No campo, ao que parece Artur terá sido colocado numa posição mais recuada, com uma missão defensiva mas também de coordenação dos movimentos colectivos da equipa. Algo que também aconteceu quando regressou ao SLB.



Equipa do FCP em 1921-1922. Artur Augusto está salientado. Fonte: Caderno A Bola.


As conquistas no FCP viriam a ser as últimas da carreira de Artur Augusto. Depois de duas épocas no clube nortenho, Artur regressaria a Lisboa para ingressar ainda que brevemente no Carcavelinhos FC, o aguerrido clube da zona de Alcântara e um dos dois precursores do Atlético Clube de Portugal.

Mas o apelo Benfiquista falaria mais alto. Cosme acabou por aceitar o regresso. E assim logo depois, o veterano de muitas guerras Benfiquistas, voltava ao seu SLB. Apesar de ter apenas 27 anos, Artur já aparentava alguma veterania embora mantivesse intactas as suas virtudes técnicas.



Equipa (penso) de 1924-1925, já depois do regresso de Artur Augusto ao SLB. Nota-se bem a veterania de Artur apesar de ainda não ter 30 anos de idade.


Durante os três anos dessa sua segunda permanência no nosso clube, Artur estava já numa fase descendente da carreira, e embora crescentemente limitado por uma doença dos olhos, foi muito útil à equipa, transmitindo a sua experiência e saber aos companheiros mais novos. Cosme Damião era o treinador do SLB e teria razões para manter a confiança nas capacidades de Artur enquadradas nas suas concepções no futebol dentro e fora de campo.

Mas os tempos mudavam rapidamente. A visão de Cosme de um futebol totalmente amador e romântico, de amor à camisola e que se recusava a pagar por transferências de jogadores, estava já desfasada da realidade. O Clube estava rapidamente a perder competitividade e campeonatos, embora mantivesse a adesão popular. Corríamos por isso riscos de nos tornarmos num novo CIF, definhar e morrer competitivamente. Havia que mudar.

Ao invés, clubes como o SCP, o CFB e até o CPAC, mostravam-se cada vez mais competitivos e ganhadores. O dinheiro circulava, contratavam-se jogadores, o amadorismo era muitas vezes apenas formal.

Para o SLB era mesmo tempo de mudar apesar de Cosme e dos que o rodeavam não estarem prontos para aceitar isso. Perdendo campeonatos e cada vez mais atolados nas dívidas contraídas para a construção do complexo desportivo das Amoreiras, o SLB tinha de assumir roturas dolorosas.

Em 1926 depois de umas atribuladas eleições, Cosme apesar de eleito presidente, renunciava e saía do Clube. Juntamente com Cosme saíram outros homens, incluindo Artur Augusto. Com 30 anos mas provavelmente já debilitado pela doença que o mataria, Artur Augusto passou a ser uma Saudade do nosso Clube. Para sempre.


Na Selecção Nacional



Os manos Augusto estiveram também num momento chave do futebol em Portugal. Ambos integraram a primeira selecção nacional de Portugal. Esse primeiro jogo da nossa selecção foi disputado a 18 de Dezembro de 1921 contra a Selecção de Espanha, em Madrid, no Estádio Martinez Campos, propriedade do Atlético de Madrid. Ali, os manos Augusto entraram em campo ao lado de outros nomes imortais como Cândido de Oliveira, Ribeiro dos Reis, Vítor Gonçalves e Jorge Vieira, entre outros!

No final uma derrota por 1-3 mas a satisfação de terem conseguido fazer um jogo bem disputado. Satisfação particular também para Alberto Augusto por ter marcado o golo Português. Um golo marcado ao lendário guarda-redes espanhol Zamora!



A primeira selecção nacional de Portugal que em Dezembro de 1921 alinhou em Madrid e perdeu contra a Espanha (1-3). Da esquerda para a direita: Jorge Vieira (SCP), JM Gralha (CPAC), António Lopes (CPAC), António Pinho (CPAC), Ribeiro dos Reis (SLB), Raúl Nunes (secretário-geral União Portuguesa de Futebol), Cândido de Oliveira (CPAC), Artur Augusto (FCP), Vítor Gonçalves (SLB), J. Francisco (SCP), C. Guimarães (CIF) e Alberto Augusto (SLB).



O destaque da jogada de Alberto Augusto que viria a gerar o primeiro golo de sempre da Selecção Nacional de futebol. Marcado por Alberto Augusto e sofrido pelo lendário Zamora. Fonte: BND.



Ficha do primeiro jogo da selecção nacional de futebol de Portugal. Estavam três jogadores do nosso Clube e quatro outros antigos atletas do SL Benfica: Carlos Guimarães António Pinho, Cândido de Oliveira e... Artur Augusto. Fonte: Restos de Colecção


Este facto relevante da história do futebol Benfiquista e Português é também lembrado no nosso Museu Cosme Damião



Para Artur Augusto esse jogo de Madrid acabou por ser o único com a camisola das quinas. E é curioso que apesar de ter feito a maior parte da sua carreira no SLB, chegaria a internacional quando estava no FCP. Aliás, a esse propósito não deixa de ser irónico que os portistas lembram muitas vezes que Artur Augusto foi o seu primeiro internacional Português mas esquecem-se muitas vezes de lembrar de onde veio e para onde regressou. Veio do Benfica e voltou para o Benfica!

Ao invés, Alberto Augusto totalizaria 4 jogos pela selecção nacional, o último dos quais em 24-01-1926, num jogo contra a Checoslováquia (empate 1-1), disputado no Porto, no hoje desaparecido campo do Ameal. Nessa altura Alberto já era jogador do Sporting Clube de Braga.



Fonte: DL, 25-01-1926.


Nesse tempo a selecção fazia poucos jogos, facto que explica um número tão reduzido de internacionalizações. Mas a Alberto ninguém nunca tirará a honra de ter sido o primeiro marcador oficial de um golo com a selecção das quinas. E será dele que falaremos no próximo texto.


Uma festa antes do Adeus.

Artur Augusto faleceu em 24 de Março de 1935. Tinha apenas 39 anos de idade.

Tenho ideia de ter falecido na sua Benfica natal. Cerca de 13 meses antes vestira pela última vez a camisola do Sport Lisboa e Benfica. Nessas festas de Fevereiro de 1934 em que no Estádio das Amoreiras se celebraram os 30 anos do Clube (ver texto -34- Dois dias de festa. p.8).



Artur Augusto (nº 5), já doente, alinhou num desafio entre veteranos Benfiquistas, durante as festas dos 30 anos do SLB. Fonte: digitarq-TT.


Ali, ao lado de Artur Augusto (5) estiveram outros velhos companheiros dos quais destaco Herculano Santos (nº 27), António Pinho (24), Vítor Gonçalves (4) e Jesus Crespo (1). Provavelmente, nesse jogo, Artur Augusto terá vestido pela última vez o manto sagrado. Orgulhosamente vestiu a sua camisola mais querida, pela última vez!

Paz à sua alma.




RedVC

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De Benfica para o Mundo: os fabulosos irmãos Augusto (parte II)

Alberto João Augusto.

Dele há muito que contar. Como veremos, Alberto teve uma vida aventurosa, nómada, com episódios conflituosos dentro e fora do campo. De Benfica a Guimarães, terra onde faleceu, muitas aventuras, trabalhos e conquistas. Um percurso de vida que foi também de São Paulo ao Rio de Janeiro, do Porto a Braga, de Vizela a Guimarães. Muitos campos onde Alberto exibiu a sua excelente qualidade futebolística e vincou a sua forte personalidade.



Ao que parece Alberto Augusto iniciou a sua actividade no Grupo Futebol Benfica e nos Recreios Desportivos da Amadora (desconheço por que ordem). Em 1916-1917, quando contava cerca de 18 anos de idade, Alberto ingressou no SL Benfica onde o seu irmão Artur jogava regularmente na nossa primeira equipa. Como era hábito nesses tempos, estreou-se nas categorias inferiores mas, sinal evidente da sua qualidade e maturidade futebolística precoce, estreou-se pela 1ª categoria logo na época seguinte.



Diversas equipas do SLB onde actuaram os irmãos Alberto e Artur Augusto.


Jogador irrequieto, dotado de grande domínio de bola e de boa capacidade goleadora, Alberto era também conhecido por ter uma personalidade competitiva forte e impulsiva. E isso ficou logo vincado no seu jogo de estreia, disputado no dia 27 de Janeiro de 1918 contra o... SCP. Nesse jogo, Alberto Augusto foi expulso juntamente com o sportinguista Boaventura Silva, um desertor que três anos antes tinha trocado o SLB pelo SCP. O Benfica acabaria por ganhar o jogo por 2-1 mas o jovem Alberto mostrou logo toda a sua fibra.

Alberto passou a jogar de forma regular na primeira categoria conquistando progressivamente a titularidade ao lado do irmão. Os dois irmãos tinham a simpatia do público sendo chamados de "os Batatinhas".

Durante os sete anos que esteve de Águia ao peito, Alberto conquistou dois títulos de Campeão de Lisboa e fez várias digressões a Espanha, tendo numa delas e por necessidade, chegado a actuar a guarda-redes! A sua identificação com o Benfica era forte e o seu futebol muito apreciado, traduzido em alguns golos importantes. Tudo apontava para que permanecesse no Clube durante o resto da carreira.




Equipa do SL Benfica e do Real Madrid CF, em Madrid, no campo do Racing, em 25 de Junho de 1922. Alberto Augusto está assinalado. Fonte: EDB.


Mas em 1924, terá decidido enveredar por uma carreira profissional. Segundo algumas alegações que li, mas que ainda não encontrei documentadas, Alberto terá aceitado um convite do Vitória de Setúbal para fazer uma digressão ao Brasil. Nessa montra acabou por receber convites, deixando um bom cartel das suas capacidades. Não é muito fácil seguir o seu rasto mas eventualmente terá andado pelo Brasil durante dois anos (1926-1928). Jogou primeiro na cidade de São Paulo na Portuguesa Santista e depois no America do Rio de Janeiro (America sem acento!)

A primeira referência que encontrei da presença de Alberto Augusto no Brasil foi a da sua estreia pela Associação Atlética Portuguesa Santista (AAPS) no Domingo dia 14 de Agosto de 1927.



Duas notícias que reportam as estreias de Alberto Augusto na Portuguesa Santista (Agosto 1927) e America-RJ em Março de 1928. Na primeira destas notícias nota-se uma gralha ao chamarem-lhe Carlos Augusto. Fonte: BND



Último jogo de Alberto Augusto na Portugueza Santista e primeiro no America-RJ. Fotne: BND.


Carinhosamente apelidada como a 'Briosa', ou mais vulgarmente conhecida por Portuguesa Paulista, essa agremiação que ainda hoje existe, foi fundada no dia 20 de Novembro de 1917. O seu Estádio, chamado Estádio Ulrico Mursa, foi inaugurado em 5 de Dezembro de 1920, tendo por isso sido o palco onde Alberto Augusto jogou. Foi em tempos rival do Santos FC mas os tempos modernos são difíceis para os dois emblemas.


A Portuguesa Santista (Associação Atlética Portuguesa Santista, clube de São Paulo). Vizinha do grande Santos FC. Fonte: cacellain.com.br. Foto antiga do Estádio Ulrico Mursa, casa da Portuguesa Santista. Fonte: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0171t.htm


Ao serviço desta equipa paulista, no princípio de Março de 1928, Alberto Augusto fez um jogo interestadual contra o America FC, também conhecido pelo America do Rio de Janeiro (America-RJ). Talvez tenha sido nesse jogo que recebeu um convite para se mudar para o Rio de Janeiro.



O America Football Club, clube histórico do Rio de Janeiro, cujo Estádio está situado perto do gigante Maracanã. Fonte: cacellain.com.br


Fundado em 18-09-1904 na zona da Tijuca, durante décadas o America-RJ disputou com o Bangú, o título de 5º grande do futebol carioca. Mas nessa década de 20, o America-RJ estava ao nível dos 4 grandes, Vasco da Gama, Botafogo, Fluminense e Flamengo, tendo-se aliás sagrado campeão estadual em 1913, 1916, 1922, 1928, 1931, 1935 e 1960. Ou seja Alberto Augusto jogou num grande clube carioca da década de 20 e 30, brilhando uma vez mais vestido com camisola vermelha e calção branco. Aliás como à frente se verá, Alberto Augusto era bem identificado com a cor vermelha. Sabem qual era a sua alcunha no Rio de Janeiro? "o Bemfica"!!



Uma imagem extraordinário do Estádio de Campos Salles, casa do America FC durante um jogo em 1928. Ficamos com uma ideia do ambiente onde Alberto Augusto jogou. Note-se a assistência empoleirada no morro. Fonte: BND.


Jogatanas, mulheres e navalhadas

Mas fora do campo Alberto Augusto teria também muito que contar na sua vida Brasileira. Rio de Janeiro, mulheres bonitas, calor e sangue quente... tudo o que é preciso para as coisas descambarem. No princípio de Março de 1928, numa cena extrema de ciúmes, Alberto terá perdido a cabeça e resolvido questões de saias à navalhada.



Fonte: BND


Apesar de todos este alarido, ou Alberto não chegou mesmo a embarcar de regresso a Portugal ou então regressou bem depressa ao Rio de Janeiro pois em Julho desse ano há notícia da sua presença no Rio de Janeiro aquando de um treino efectuado durante a estadia do SCP no Rio de Janeiro. Os sportinguistas jogaram contra o Fluminense (derrota por 1-4) e contra o Vasco da Gama (empate 1-1).

Alberto nunca terá jogado oficialmente de verde e branco ao contrário de alguns jogadores convidados pelos sportinguistas para reforçarem a sua equipa nessa digressão: o luvas-pretas Carlos Alves (Carcavelinhos), António Roquete (Casa Pia AC), e Gustavo (Casa Pia AC, mais tarde nosso jogador). Foi aliás nessa digressão que as camisolas listadas de verde e branco, usadas pelo râguebi do SCP, foram estreadas pelo futebol. Até hoje.



Notícia de treino da equipa do SCP em 13 Julho de 1928 no Rio de Janeiro. Alberto Augusto, indicado como jogador do America-RJ, alinhou nesse treino pela equipa B. Note-se a presença de Roquete e Gustavo (futuro jogador do SLB), ambos jogadores do Casa Pia e de alguns jogadores do Vitória de Setúbal. Fonte: BND.


Quer na Portuguesa Santista quer no America-RJ, Alberto Augusto jogou quer a médio quer a defesa, sendo-lhe reconhecidas excelentes capacidades atléticas e técnicas. Segundo o que se diz, aquando do seu regresso a Portugal, os dirigentes do clube Brasileiro onde estava (presumivelmente o America-RJ) tentaram de tudo para que permanecesse. Munidos de um livro de cheques em branco tentaram até no próprio barco que Alberto ficasse por lá e não fizesse a travessia de regresso. Debalde...



Fonte: BND.



De regresso a Portugal

Em 1928, Alberto Augusto decide regressar a Portugal, radicando-se no Minho e tendo a partir daí feito um interessante e longo trajecto, do qual se apresenta um resumo. Muitos outros detalhes poderão ser lidos no excelente artigo do Sr. Alberto de Castro Abreu, aqui: http://gloriasdopassado.blogspot.pt/2008/06/alberto-augusto.html

A primeira paragem foi o Sporting Clube de Braga, clube onde jogou em dois períodos distintos (de 1925-1926, depois de 1932 a 1934) e onde se tornou o primeiro jogador remunerado da história do Clube, tendo conquistado dois campeonatos distritais. A sua última (quarta) internacionalização aconteceu quando já era jogador do SCB. Seguir-se-iam o FC Salgueiros (1927-1928), o Comercial de Braga (1934-1935) e finalmente Vitória Sport Clube (1935 a 1937). E foi no clube vitoriano que Alberto Augusto fechou a sua carreira como jogador quando já tinha 39 anos de idade. No Vitória de Guimarães mostrou o seu lado ecléctico, praticando outros desportos em particular o atletismo.



Uma predominância de camisolas vermelhas. Fotos de diversas camisolas que Alberto Augusto envergou depois dos seus tempos do Benfica. Em cima, Alberto Augusto nas suas passagens pelo SLB e SCB, em baixo no SC Salgueiros e Vitória SC. Fontes: Restos de Colecção, Cromo dos Cromos, Glórias do Passado, entre outras.



Duas das equipas onde Alberto Augusto jogou futebol durante a década de 30: em cima o SCB e em baixo o VSC. Fontes: Glórias do Passado.


No final da época de 1936-1937, dois anos depois da morte do seu irmão Artur, Alberto terminou a sua longa e prestigiada carreira de jogador. Começava o Alberto Augusto treinador.



A carreira futebolística de Alberto Augusto (aceitável apesar de ter alguns erros) e as suas conquistas de Águia ao peito (salientados os 2 títulos de Campeão Regional de Lisboa (CL)). Fonte: zero-zero.



Alberto Augusto, o treinador




Alberto Augusto foi um jogador-treinado desde os seus tempos do Sport Comércio e Salgueiros. Teve uma longa carreira de treinador em que orientou numerosos clubes, principalmente na região do Minho. Conhece-se actividade nos seguintes clubes: Vitória SC, SC Braga, Académico do Porto, AD Fafe, GD Aves, Gil Vicente FC, FC Vizela, FC Porto, Oriental de Lisboa, SL Faro e SC Torreense.

Dotado de grandes conhecimentos do futebol era disciplinado e criterioso, tendo obtido algum sucesso.

Foi no entanto no VSC onde teve mais glórias como treinador, conquistando numerosas provas regionais, tornando-se por isso uma figura importante e querida das gentes vitorianas, (Fonte: http://www.digitaldevizela.com/2009/08/treinador-alberto-augusto-recordado.html). O seu labor e saber ajudaram à transformação do clube vimaranenses que progressivamente se apresentou mais competitivos. Por lá chegou a treinar todas as categorias de futebol.

E seria com Alberto Augusto ao leme do VSC que em 1942 o clube subiria pela primeira vez à 1ª Divisão, entrando para sempre para a história do clube vitoriano. Ficou ligado à primeira participação do Vitoria SC no Campeonato Nacional da 1ª Divisão no ano de 1942. A culminar essa excelente época, o VSC disputaria pela primeira vez a final da Taça de Portugal, tendo eliminando o SCP nesse trajecto. Na final o VSC foi derrotado (0-2) pelo então poderoso CF Belenenses no Campo do Lumiar no dia 12-07-1942. Na época seguinte (1942-1943) ficou também a memória (negra para nós) de um jogo para o campeonato nacional em que em Guimarães, o VSC impôs ao SLB uma derrota por 5-1. Alberto ficaria em Guimarães até 1944-1945.

Mais tarde ingressou no FCP em Julho de 1949, tornando-se o primeiro treinador Português efectivo da história dos azuis e brancos. Aí permaneceu até 28 de Novembro de 1949, depois de uma carreira modesta e sem títulos a assinalar. Talvez o facto mais notável desse período tenha sido quando liderou uma comitiva do FCP que fez uma digressão a Angola, 1 ano antes da nossa (ainda mais longa) digressão.



Campo da Constituição, 1949. A comitiva do FCP apresentando os troféus conquistados na digressão em Angola. Alberto Augusto é o segundo a contar da esquerda.


Faleceu na freguesia de São Paio em Guimarães no dia 20 de Janeiro de 1973. Tinha 75 anos de idade. Paz à sua Alma.


RedVC

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Águias na Guerra (parte IV): "Deste triste viver".

Neuve-Chapelle, França, 9 de Abril de 1918.




Neuve-Chapelle, localidade Francesa, perto de Lille, a cerca de 32 km a sul de Ypres.

De 1915 a 1918 esta região foi palco de combates brutais entre Alemães e tropas aliadas. Neuve-Chapelle quase desapareceu do mapa. Em Abril de 1918, o pouco que restava das batalhas anteriores foi por fim devastado quando os Alemães investiram pelo lado dos Portugueses que por ali estavam instalados desde Fevereiro desse ano. Os Alemães perceberam que esse era o ponto mais fraco da linha de trincheiras da defesa Aliada e investiram brutalmente dilacerando as nossas linhas. A primeira linha defensiva Portuguesa simplesmente desapareceu a segunda linha foi duramente atingida. Centenas, talvez milhares de combatentes Portugueses caíram para não mais se erguerem. Centenas, talvez milhares, de combatentes Portugueses foram feitos prisioneiros e levados para campos de concentração na Alemanha.



Neuve-Chapelle e a região, onde se instalou o CEP.


Ali, nos campos de Neuve-Chapelle juncados de cadáveres, de destroços materiais, de cheiros pestilentos, de miséria humana, dor extrema, morte; ali, alvo, de braços e pernas mutiladas, o "Cristo das trincheiras" era o que restava de um cruzeiro com uma imagem do Cristo Redentor na Cruz.

Os Portugueses que não tinham sido mortos ou feitos prisioneiros, retiraram para linhas mais atrasadas, levando consigo esta imagem destroçada de Cristo. Esta imagem acompanhou-os nas semanas que se seguiram. Àqueles homens mal equipados, amargurados pelas perdas, feridos e abandonados pelas elites políticas, não restava mais do que a fé Cristã, a esperança da sobrevivência e de um futuro feito de dias de Paz e de retorno às suas casas e famílias. O Cristo das trincheiras simbolizava essa fé.



Em cima à esquerda a zona de Neuve-Chapelle onde se situava o cruzeiro com a imagem que viria a ser o "Cristo das trincheiras". À direita uma imagem já depois das primeiras devastações de 1915. Em baixo, soldados Portugueses junto ao cruzeiro em dois momentos, antes e depois da mutilação da imagem após mais bombardeamentos. A fotografia e baixo à direita é de Arnaldo Garcez. Fonte: Portugal1914.org e https://rossellapiccinno.com/2


Nesse mesmo dia de 9 de Abril de 1918, a História da Guerra cruzou-se novamente com a História do SLB quando, em Neuve-Chapelle, José da Cruz Viegas foi feito prisioneiro pelos Alemães. Tinham passado apenas seis dias depois da brutal batalha de La Lys onde milhares de Portugueses tombaram para sempre. José da Cruz Viegas foi um dos que sobreviveu mas passaria mais 8 meses de duras provações antes do regresso a Portugal.

Desses dias de triste viver em campos de concentração Alemães José da Cruz Viegas deixou-nos um registo escrito. Um testemunho impressivo, impressionante. Falaremos hoje desses dias tristes mas falaremos também dos dias felizes de Belém e de Carcavelos. Dessas duas dimensões, militar e desportista teremos um conhecimento maior desta figura de importância decisiva nos primeiros anos da História do nosso Clube.



Militar, cidadão e futebolista do Glorioso. Três facetas da vida de José da Cruz Viegas (Belém 6-08-1881, Lisboa 5-02-1957).



O desportista

A José da Cruz Viegas devemos as cores vermelha e branca no nosso equipamento principal. Desde 1904 que o SLB mantém intocáveis essas cores. Tudo assente na convicção de que a cor vermelha para lá da alegria era também uma cor que ficava na retina nos adversários e nos assistentes.

A José da Cruz Viegas devemos também que o Clube não se tenha inicialmente chamado Grupo de Foot-ball Lisbonense. O seu argumento foi que as siglas GFL podiam ser associadas a Guarda Fiscal de Lisboa.

A José da Cruz Viegas devemos ter contribuído para competitividade e espírito ganhador do nosso Clube. Essa foi uma virtude revelada logo nos primeiros anos do nosso Clube. José da Cruz Viegas foi de 1904 a 1907 o mais frequente titular a defesa direito da nossa equipa principal, lugar que ao que parece desempenhava com qualidade e critério.

   



Três imagens de José da Cruz Viegas em acção em jogos opondo o Sport Lisboa e o Clube Internacional de Futebol. As duas primeiras fotografias foram tiradas no campo da Cruz Quebrada e a terceira nas Terras do Desembargador às Salésias em Belém. Fonte: AML.


A José da Cruz Viegas devemos também a fotografia mais antiga de uma equipa de futebol do Sport Lisboa. A célebre fotografia captada pelo fotógrafo Nazaré Chagas, foi publicada na História do SLB 1904-1954, justamente por ter sido gentilmente cedida aos autores por José da Cruz Viegas. Uma fotografia que muitas vezes revemos no Estádio...







José Cruz Viegas teve o raro privilégio de ter sido simultaneamente um membro do Football Club, a equipa de miúdos de Belém liderada pelos manos Catatau e também de ter sido um aluno externo casapiano (estudou financiado pelo legado de Luz Soriano).

Muito provavelmente apenas por acaso não foi fundador do Sport Lisboa porque no dia 28 de Fevereiro de 1904 estaria ocupado pelos seus afazeres (militares) profissionais. Muito teria ele para nos contar mas infelizmente não existe ou pelo menos não lhe conheço uma única entrevista.




Mas ele esteve lá, como um dos rapazes mais activos antes e depois da fundação, contribuindo para a definição do Ideal, das cores dos equipamentos, do Emblema, do nome, da estruturação e da actividade desportiva inicial do nosso Clube. Militar de carreira, cedo a sua contribuição futebolística para o Sport Lisboa se tornou esparsa. Seria substituído por Henrique Costa, outro grande jogador de Belém.

Em Maio de 1907 com outros sete companheiros cedeu à tentação de se mudar para o recém-fundado e endinheirado SCP. Eram jovens e tinham a ilusão de aumentar o seu estatuto social e de ter o usufruto de condições e luxos raros na época tais como balneário e equipamento desportivo.

O Sport Lisboa, passado o encanto dos primeiros dias não dispunha de meios nem condições para corresponder às aspirações de jovens que aspiravam ter outro estatuto social. O futebol era muitas vezes socialmente reprovado e frequentemente incompreendido. O ricaço e ambicioso SCP representava outra realidade. O acesso a chás dançantes e bailes com meninas de alta sociedade foi o chamariz definitivo.



Uma das primeiras equipas realmente competitivas do SCP. Estão ali oito ex-jogadores do SLB. Apenas Henrique Costa regressaria ao SLB. José da Cruz Viegas jogaria muito pouco tempo, passando depois a ser dirigente do clube.


No SCP terá jogado pouco uma vez mais por via das suas tarefas profissionais. Depois do futebol foi o segundo Presidente do Conselho Fiscal do Sporting Clube de Portugal, substituindo o falecido Dr. Januário Barreto (este último foi o primeiro presidente eleito do Sport Lisboa...). José da Cruz Viegas faria um segundo mandato tendo mais tarde integrado a segunda Direcção de Caetano Pereira, durante a Gerência 1912/13.

Anos mais tarde, depois de se retirar do futebol de competição, e já dedicado à sua carreira militar, José da Cruz Viegas mantinha o seu prestígio no meio desportivo, aparecendo entre a assistência em alguns eventos de maior importância.



Dezembro de 1912, jogo no Campo de Palhavã, disputado pelo SLB e o Racing Club de France. José da Cruz Viegas com o seu uniforme militar de gala esteve sentado ao lado do Dr. Alberto Lima, presidente do SLB e do Embaixador de França em Lisboa mais as respectivas Senhoras. Fonte: Ilustração Portuguesa, Hemeroteca de Lisboa.


Militar


Mas, como dissemos, hoje vamos falar de um tempo dramático da sua vida. Um tempo em que integrado no CEP – Corpo Expedicionário Português, sentiu a fragilidade da vida e experimentou a crueldade humana.




Portugal entrou oficialmente na Guerra em Março de 1916. Sendo militar no activo, iniciava-se um tempo diferente para o (então) Capitão José da Cruz Viegas. Pertencia à 3ª Companhia do Regimento de Infantaria 1 que tinha como lema Ubi Gloria Omne Periculum Dulce cuja tradução poderá ser Onde há Glória todo o Perigo é Doce. Esse Regimento seria duramente atingido no conflito.



Regimento de Infantaria 1 retratado em 1910. Com grande probabilidade José da Cruz Viegas estará ali retratado. Fonte: Arquivo Histórico Militar


José da Cruz Viegas embarcou em Lisboa em 27 de Maio de 1917. Logo em Junho foi louvado por "zelo, inteligência e competência". Entre 10 de Agosto a 1 de Setembro de 1917 baixou ao hospital. Numa forte indicação de ter combatido na linha da frente, em 15 de Outubro a 20 de Novembro voltou a baixar ao hospital, sendo que em Novembro lhe foram dados 30 dias de licença para convalescer. Em Janeiro de 1918 voltaria a ter 30 dias de licença para convalescer;

Regressou a França a 8 Março, assumindo funções de 2º comandante do Batalhão. Um mês depois, a 9 Abril foi dado como desaparecido em combate, mais tarde verificando-se ter sido feito prisioneiro.

Depois de libertado pelos Alemães, apresentou-se em 22 Dezembro tendo-lhe sido dadas ordens para seguir para Portugal por via terrestre. Chegou a Portugal no dia 28 Dezembro. Terminava aí a Guerra para aquele bravo militar.






Prisioneiro de guerra



A notícia na Ilustração Portuguesa da prisão do Capitão José da Cruz Viegas no dia 9 de Abril de 1918. Fonte: Biblioteca Nacional.


Como atrás se disse, José da Cruz Viegas foi feito prisioneiro em Neuve-Chapelle pelos Alemães no dia 9 de Abril de 1918. Deixou-nos um registo escrito desses dias tristes e duros. Um testemunho impressivo, impressionante.

A utilização desse testemunho neste texto obriga a dar os devidos créditos ao excelente trabalho de investigação individual da Drª Maria José Monteiro de Oliveira, que sobre a orientação da Professora Doutora Maria Fernanda Rollo, produziu uma tese de Mestrado em História Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa. Esse trabalho chamado "Deste triste viver: Memórias dos prisioneiros de guerra Portugueses na primeira guerra mundial" tem um conjunto criterioso e excelente de testemunhos de combatentes que honraram a Pátria num conflito cruel e mortífero. O testemunho do então Capitão José da Cruz Viegas, ficou documentado no Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHDMNE), Lisboa; 3º Piso, Arm. 7, Maço 181, vol. I.

O testemunho do então Tenente José da Cruz Viegas foi um dos escolhidos pela Drª Maria José. Como veremos foi uma escolha acertada que ilustra bem a crueldade desses dias. Na tese fica também ilustrado o espírito de luta, a insatisfação, a esperança, a acção e a coragem reveladas por muitos dos bravos homens do CEP. Essas foram sempre a marca do nosso Povo, e também do grande Clube que ele ajudou a fundar: o Sport Lisboa e Benfica.

Fica por isso aqui expresso um obrigado à Drª Maria José Monteiro de Oliveira e os parabéns pelo seu excelente trabalho académico que pode e deve ser lido aqui: https://run.unl.pt/bitstream/10362/7324/1/CORPOTESE.pdf

Para não tornar o texto ainda mais longo não falarei muito do contexto histórico sugiro a leitura dos três textos publicados anteriormente nesta temática: -105-, -106-  e -107- Águias na Guerra (parte I, II e III) (p.30).


O testemunho pessoal




O capitão de Infantaria 1 José da Cruz Viegas, foi capturado em Neuve-Chapelle a 9 de Abril de 1918.



A Batalha de Neuve Chapelle em Março de 1915. Fonte: static.artuk.org


Tinha 37 anos. Durante dois dias caminhou, juntamente com outros prisioneiros portugueses, em direcção a Lille. Nada comeu, nem a escolta deixava que os habitantes das populações que atravessou lhe estendessem um bocado de pão.

A primeira refeição, no dia 11, foi uma "sopa salgada com carne de cavalo em mau estado". Serviu, pelo menos, para recuperar alguma energia. José Viegas não chegou a entrar na fortaleza de Lille, por onde passaram muitos expedicionários antes de serem transferidos para os campos de internamento. Na estação ferroviária da cidade, embarcou num comboio rumo a Rastatt – para uma viagem de três dias, cada grupo de 20 oficiais tinha direito a "um pão negro e um balde de marmelada de quatro quilos".

Já no campo de Rastatt, a alimentação era "deficientíssima" – nunca comeu tanta beterraba como quando esteve preso na Alemanha. Às vezes, boiava na sopa "peixe podre" que alguns prisioneiros, desesperados, engoliam. Muitos foram parar à enfermaria com "enterite".

Depois, ainda teve de passar pelo "vexame" do depilatório: "No banho estava um soldado prisioneiro russo com um caldeiro cheio de um líquido cáustico esverdeado, cuja base devia ser arsénico, e que pintava toda a parte cabeluda do corpo dos oficiais, aplicando-nos um forte depilatório." O objectivo, segundo os alemães, era evitar a propagação de parasitas, mas José Viegas não acreditava nisso, considerando que os guardas queriam apenas humilhar os presos.




Prisioneiros Portugueses no campo de concentração Alemão. Fonte: Bundesarchiv


O capitão permaneceu pouco tempo em Rastatt. Transferiram-no para Uchter Moor, onde a água era imprópria para consumo. José Viegas apercebeu-se disso mesmo quando a sua camisa branca saiu amarela do tanque de lavagem das roupas. Mas a sua passagem por Uchter Moor foi breve, pois aguardava-o mais um campo de oficiais: Breesen.

Aqui, as barracas possuíam vários quartos e em cada um deles dormiam quatro prisioneiros. As "retretes tinham um sistema de fossa a descoberto que era despejada para uma carroça por meio de bomba de ar comprimido". E os resíduos eram vazados junto às vedações do campo, pelo que os presos respiravam um ar "pestilento".




Batalha de La Lys, Abril 1918. Prisioneiro de Guerra Português examinado por um oficial Alemão em no campo de concentração de Fourmies.


Breesen pôs à prova a capacidade de resistência de José Viegas. Pouco tempo depois de ali ter chegado, o capitão de infantaria não aguentou mais as "humilhações" e as "privações". E fugiu. Ainda conseguiu saltar as vedações e vaguear um ou dois dias, mas os alemães, no seu encalço, depressa o recapturaram.

O castigo foi a dobrar: durante cinco dias encarceram-no numa cela, juntamente com presos de "delito comum", na prisão da cidade de Lübeck; e quando regressou a Breesen esteve 17 dias em "regime celular" (primeiro num compartimento exíguo sem qualquer luz e depois numa pequena divisão com uma janela).




Esperando pelo rancho.




"O Glorioso somno" gravura de Menezes Ferreira.



Uma enfermeira no Cemitério Militar Português de Neuve-Chapelle, Março de 1919. Fonte: portal La Grande Guerre.



Os que sobreviveram. Repatriamento por mar de antigos prisioneiros de guerra Portugueses. Muitos outros regressaram por via terrestre entre Dezembro de 1918 e Janeiro de 1919. Fonte: Ilustração Portugueza, Edição semanal do jornal O SÉCULO, II Série, n.º 676, 3 de Fevereiro de 1919


José da Cruz Viegas sobreviveu. Regressou a Portugal por via terrestre e tornou-se uma figura prestigiada no Exército Português chegando à patente de Major. No entanto nunca esqueceu o seu lado de desportista. E de facto durante vários anos esteve ligado a jogos de futebol entre militares Portugueses e Espanhóis como por exemplo Lisboa vs Madrid (e vice versa).

Não se pense que eram jogos de interesse menor. Antes pelo contrário pois para além da enorme popularidade do futebol nos depois países também por se realizarem numa era de exacerbados nacionalismos e regimes ditatoriais.

Mas disso se falará num outro dia. E muito haverá para contar.


Epílogo

A memória do "Cristo das trincheiras" perdurou.

Em 1958, 40 anos depois do fim da Guerra, o governo Português pediu ao Estado Francês que lhe fosse oferecido o mítico Cristo. Este pedido foi gentilmente anuído e a imagem veio para Portugal ficando, desde 8 de Abril de 1958, exposta na "Sala do Capítulo" do Mosteiro da Batalha, por cima dos túmulos de dois "Soldados Desconhecidos e da "Chama da Pátria".

Uma sentida e justa homenagem a tantos heróis desconhecidos que deram a vida em nome da Pátria. Honra aos militares e à Instituição militar.




Túmulo do Soldado Desconhecido. Mosteiro da Batalha, sala do Capítulo. Fonte: https://portugalglorioso.blogspot.pt
http://www.360portugal.com




alfredo

comovente! obrigado por nos proporcionares com uma vista diferente da vida que era entao.

RedVC

Citação de: alfredo em 12 de Junho de 2017, 08:39
comovente! obrigado por nos proporcionares com uma vista diferente da vida que era entao.

Obrigado alfredo.
A memória e a gratidão são dois sentimentos nobres que o indivíduo e a sociedade devem ter. Nessas bases se assenta quer um País quer um Clube mais justo. A construção do futuro deve sempre assentar no conhecimento, na ambição, na justiça, na fraternidade mas também nesses outros dois sentimentos. Fico feliz porque acho que no SLB os últimos anos têm trazido uma considerável progressão na nossa consciência colectiva também assente na memória e gratidão aos nossos Ases do passado. Esta é mais uma peça, mais uma contribuição.
Abraço

adepto645

Citação de: RedVC em 12 de Junho de 2017, 08:59
Citação de: alfredo em 12 de Junho de 2017, 08:39
comovente! obrigado por nos proporcionares com uma vista diferente da vida que era entao.

Obrigado alfredo.
A memória e a gratidão são dois sentimentos nobres que o indivíduo e a sociedade devem ter. Nessas bases se assenta quer um País quer um Clube mais justo. A construção do futuro deve sempre assentar no conhecimento, na ambição, na justiça, na fraternidade mas também nesses outros dois sentimentos. Fico feliz porque acho que no SLB os últimos anos têm trazido uma considerável progressão na nossa consciência colectiva também assente na memória e gratidão aos nossos Ases do passado. Esta é mais uma peça, mais uma contribuição.
Abraço

Descobri este tópico hoje. E por este andar, não vou conseguir trabalhar. 
Isto é "apenas" fenomenal.
Agradecer e muitoooo ao RedVC por este fantástico trabalho e disposição para partilhar todas estas histórias e acontecimentos do Benfica.
Sem querer abusar da tua generosidade, ficaria deveras feliz se pudesses continuar com estes pedaços de cultura benfiquista.

Um muito obrigado!

RedVC

Citação de: adepto645 em 14 de Junho de 2017, 14:14
Citação de: RedVC em 12 de Junho de 2017, 08:59
Citação de: alfredo em 12 de Junho de 2017, 08:39
comovente! obrigado por nos proporcionares com uma vista diferente da vida que era entao.

Obrigado alfredo.
A memória e a gratidão são dois sentimentos nobres que o indivíduo e a sociedade devem ter. Nessas bases se assenta quer um País quer um Clube mais justo. A construção do futuro deve sempre assentar no conhecimento, na ambição, na justiça, na fraternidade mas também nesses outros dois sentimentos. Fico feliz porque acho que no SLB os últimos anos têm trazido uma considerável progressão na nossa consciência colectiva também assente na memória e gratidão aos nossos Ases do passado. Esta é mais uma peça, mais uma contribuição.
Abraço

Descobri este tópico hoje. E por este andar, não vou conseguir trabalhar. 
Isto é "apenas" fenomenal.
Agradecer e muitoooo ao RedVC por este fantástico trabalho e disposição para partilhar todas estas histórias e acontecimentos do Benfica.
Sem querer abusar da tua generosidade, ficaria deveras feliz se pudesses continuar com estes pedaços de cultura benfiquista.

Um muito obrigado!

Muito obrigado pelas tuas palavras adepto645  O0

Hoje em dia já me é difícil parar. Tempo? Vai-se arranjando pois também tenho uma vida profissional embora às vezes não pareça...

Vou em 157 textos e daqui a pouco publico outro. Isto é algo que nunca imaginei quando coloquei o primeiro (por sinal bem simples). Vou descobrindo, aprendendo e partilhando. Nota-se bem que nos primeiros textos sabia muito menos do que hoje vou sabendo. Mas o SLB é um mundo bem maior do que imaginamos. Há dimensões, pessoas, cruzamentos, ligações e surpresas em cada canto. Há 113 anos de História e muito para descobrir. Quanto mais conheço mais suspeito que existe. E há várias coisas que ambiciono e que ainda não consegui.

Tenho para aí uma vintena de histórias imaginadas e uma outra dezena já iniciada. Por vezes não publico porque falta um ou outro elemento crítico que sei que existe mas que não está disponível na net e eu não tenho disponibilidade para ir a bibliotecas e de tempo para as procurar.

Partilhar é fundamental pois Ser Benfiquista para além de ser um orgulho é também um privilégio e uma responsabilidade. Cada um pode contribuir para o Clube. Eu tenho gosto por fazer isto, outros têm outras capacidades e interesses. É claro que faço isto por satisfação pessoal mas também para que outros possam descobrir mais motivos de orgulho e satisfação em Ser Benfiquistas.

Passado, presente e futuro. O SLB é tudo isso. Os homens passam, o Clube é eterno.


RedVC

#652
-158-
Águias na Guerra (parte V): veterano de guerra.

Estação do Rossio, 19 de Julho de 1930.


Fonte: digitarq-TT


Um grupo de militares e de antigos combatentes fazem uma recepção de boas-vindas ao Tenente-Coronel Fred W. Abbot, presidente da FIDAC.



Fonte: DL 19-07-1930.


Entre os dignitários que receberam este antigo combatente da Primeira Guerra Mundial encontrava-se o Capitão Júlio Ribeiro da Costa, um grande Benfiquista que oito anos depois assumiria a presidência do nosso Clube.



Ostentando as insígnias a sua patente, o Capitão Júlio Ribeiro da Costa esteve presente na recepção.


Três dias depois o presidente da FIDAC foi apresentar cumprimentos ao General José Vicente de Freitas, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Júlio Ribeiro da Costa (nº 1) esteve também presente desta vez trajando à civil.



O presidente da FIDAC cumprimentando o presidente da CML. Identificam-se: 1 – Capitão Júlio Ribeiro da Costa; 2 - Dr. F. Caiola; 3 – Com. Sousa Lopes; 4 – General José Vicente de Freitas (presidente CML); 5 – Tem-Cor Fred W. Abbot (presidente FIDAC); 6 – Mad. Shirley Pereira; 7 – Major A. Feio; 8 – Cor. M. Ferreira; 9; 10 - Com F. Lopes; 11 - Dr. J. Kopke; 12 – A. Prostes da Fonseca. Fonte: digitarq-TT.


A FIDAC, ou Federação Inter Aliada de Antigos Combatentes, foi uma organização internacional de combatentes veteranos das forças Aliadas formada na ressaca da Primeira Guerra Mundial. Incluía a Legião Britânica, a Legião Americana, e organizações de veteranos de diversos outros países como Polónia, Bélgica, Jugoslávia, Itália, Roménia, Portugal, entre outros.

Fundada em 1920, a FIDAC pretendia discutir os problemas dos veteranos, consciencializando as sociedades e governos para ajudá-los na sua reintegração, promovendo cuidados de saúde e reabilitação para os ajudar. Pretendia também contribuir para a Paz entre os países e inclusivamente garantia bolsas de estudo a estudantes. A FIDAC organizava regularmente desde 1923 diversos congressos e esta visita visava justamente preparar um congresso que dois anos mais tarde decorreu em Lisboa.



Cerimónia pública realizada no dia 4-09-1932 no Terreiro do Paço com a participação dos antigos combatentes Portugueses no congresso da FIDAC. Fonte: digitarq-TT.


Mas serve este episódio para falarmos de Júlio Ribeiro da Costa, uma das grandes figuras do Sport Lisboa e Benfica nas décadas de 20 e de 30. Um Homem nobre e uma dedicação de uma vida ao nosso Clube.



Júlio Ribeiro da Costa
(Condeixa-a-Nova, 30-12-1895 - Lisboa, 21-09-1992)


Nasceu na freguesia de Condeixa-a-Nova, concelho de Coimbra, às 2h30 da manhã do dia 30-12-1895. Filho de Ernesto Ribeiro da Costa, negociante e de Maria da Conceição Rodrigues Casa Nova, governanta de casa e natural de Coimbra. Os seus pais casaram em Santos-o-Velho em Lisboa, estando aí radicados. Assim, o pequeno Júlio cresceu na cidade de Lisboa.

Ter-se-à iniciado para o futebol no Liceu Pedro Nunes, tendo depois entrado para as categorias inferiores do SLB. O seu registo como sócio informa que a sua admissão no Clube ocorreu em 9-11-1912, ou seja quando tinha 17 anos de idade.



O Liceu Pedro Nunes por volta de 1911. Por aqui o jovem Júlio Ribeiro da Costa terá começado a dar os primeiros pontapés na bola. Fonte: AML.

No SLB percorreu todas as categorias do futebol. Foi um jogador que ocupava espaços defensivos e teve uma carreira essencialmente nas categorias inferiores. Terá jogado apenas 3 desafios na primeira categoria em 1914/15 e 1916/17. Em 1915-1916 jogou na 2.ª categoria, indício que a competitividade era forte e de que Cosme Damião, o Capitão-Geral tinha muita possibilidade de escolha.



A terceira e 4ª categoria do Clube em 1914-1915. Apesar de ter feito um jogo pontual na 1ª categoria, Júlio Ribeiro da Costa servia o Clube com galhardia e amor ao Clube onde Cosme Damião, o seu Capitão Geral determinava., Assim o fez durante toda a sua vida.



A equipa da 2ª categoria de 1914-1915 do SLB. Júlio Ribeiro da Costa está assinalado. Sentado à sua frente está Ribeiro dos Reis. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Equipa do SLB posando com uma equipa Inglesa com quem disputou um jogo de beneficência em 18-10-1914. Descubram Cosme Damião! Fonte Em Defesa do Benfica.


Entre 1916 e 1921 voltou a Coimbra agora para estudar na Universidade. Aí também praticou futebol na Associação Académica de Coimbra muito por acção do seu antigo companheiro Augusto da Fonseca Júnior que, como ele, viria a ser presidente do Sport Lisboa e Benfica. Em Março 1920 chegou mesmo a enfrentar o SLB (vitória do nosso Clube por 8-1).

Ao que nos diz Alberto Miguéns, Júlio Ribeiro da Costa terá tido divergências com um seu colega nos estudos em Coimbra. Esse colega chamava-se António de Oliveira Salazar e essas divergências explicam que a futura carreira militar de Júlio Ribeiro da Costa tenha sido sempre limitada na progresso. Salazar ter-lhe-á dito "De capitão não passarás". Fonte: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2014/10/nem-um-quanto-mais-dois-presidentes-so.html



Alusão à passagem de Júlio Ribeiro da costa por Coimbra e pala AAC, Fonte: Rua Larga (10-01-1959).


Em 1921 já depois de regressar a Lisboa, Júlio reforçou a sua ligação ao Clube onde as suas qualidades profissionais e pessoais eram reconhecidas por Cosme Damião e pelo presidente Bento Mântua. Ocupou assim cargos em estreita ligação com a equipa de futebol principal do Clube.



O plantel do SLB que fez a digressão à Madeira em Abril de 1022. Júlio Ribeiro da Costa está à esquerda de Cosme Damião. Fonte: Museu Cosme Damião.


Ao longo da sua vida associativa foi ocupando os mais diversos cargos no Clube tais como segundo-secretário da Assembleia Geral, vogal da Direcção, suplente da Direcção, vice-presidente da Direcção, membro da Comissão de Iniciativas e Propaganda, da Comissão de Ginástica, da Comissão de Honra do Novo Parque de Jogos, da Comissão de Concessão de Distinções Honoríficas, entre outras. Em 1930-31 foi eleito presidente de Assembleia Geral da Associação de Hóquei em Patins.

Júlio Ribeiro da Costa viria mais tarde a ser vice-presidente da Assembleia Geral do SLB, cargo que desempenhou entre 1935 e 1938. Em 1938 viria finalmente a ser eleito presidente do Sport Lisboa e Benfica. Eleito porque o nosso Clube sempre foi um Clube que fez da Democracia o processo de eleição dos seus corpos dirigente. Bem distinto daqueles que sempre quiseram ser nossos rivais. Júlio Ribeiro da Costa converteu-se assim no 16º presidente da História do nosso Clube, com mandato exercido entre 31/07/1938 a 01/08/1939.



A notícia do DL referente à Assembleia Geral onde Júlio Ribeiro da Costa foi eleito presidente do SLB.


Como se diz na sua biografia no sítio oficial do Clube, no seu mandato iniciaram-se as modalidades do bilhar (1938) e do voleibol (1939). Era um homem combativo cuja defesa do Clube fazia com dotes oratórios apreciáveis. Nesses mandatos enfrentou polémicas com oponentes no meio desportivo nacional, tendo também a oposição de importantes figuras do regime político. Entre esses conflitos destacou-se as polémicas desportivas com o FCP na época 1938-1939, onde teve uma posição de coragem e defesa intransigente do Clube.

Certo é que essas polémicas acrescidas das convicções políticas fizeram que Júlio Ribeiro da Costa, um republicano e maçon durante toda a sua vida, não se recandidatasse ao cargo de presidente do Sport Lisboa e Benfica. Terão sido esses os motivos pessoais que o levaram a não se candidatar a mais mandatos. O Clube acima de qualquer homem.

Depois da presidência, viria ainda a assumir outros cargos no clube tais como a presidência da Assembleia Geral. Nesse cargo esteve aliás associado a um dos marcos mais importantes da História do Clube quando a 6 de Maio de 1940 se decidiu em Assembleia Geral a passagem das Amoreiras para o Campo Grande. O Clube tinha sido expropriado pelo Estado do seu complexo desportivo das Amoreiras e na emergência optou-se por ocupar um campo abandonado uns anos antes pelo SCP, o "campo 28 de Maio" que passaria a chamar-se "Estádio do Sport Lisboa e Benfica", mais conhecido por "Estádio do Campo Grande" ou até a "Estância de madeiras".

Foi também Editor do nosso jornal em 1942, cujo Director foi o grande Senhor e Benfiquista que foi o Dr. José de Magalhães Godinho




Outro acontecimento marcante onde esteve envolvido é-nos relatado pelo DN: "Ficou para sempre ligado à suspensão dos corpos gerentes em 1944, devido a um golo invalidado ao clube no desafio contra o Belenenses, apontado por Rogério, e que nos daria o empate. Na altura era secretário-geral da Direcção, tendo sido castigado pela Federação Portuguesa de Futebol. Face à flagrante injustiça, que teria algo de político pelo meio, à excepção do tesoureiro, Dr. Vicente de Melo, toda a Direcção se solidarizou com ele, acabando todos os seus membros por serem punidos com três meses de suspensão." Fonte: http://www.dn.pt/dossiers/desporto/benfica/os-presidentes/interior/capitao-julio-ribeiro-da-costa-1004352.html


Todas estas contribuições foram sendo reconhecidas pelo Clube. E assim muito justamente a 10 de Abril de 1962, a Assembleia Geral distinguiu-o com o galardão de "Águia de Prata". Em 1986, chegaria a sócio n.º 1 tendo sido agraciado com o anel de platina. Em 1991 a Assembleia Geral do Clube conferiu-lhe por fim a maior distinção do Clube com a atribuição da Águia de Ouro. Nada mais justo.



A linha de sucessão dos sócios nº 1 do Sport Lisboa e Benfica. Júlio Ribeiro da Costa foi o quinto da linha. Fonte: Museu Cosme Damião.


Quando aos 94 anos de idade era o sócio nº 1, o sócio nº 2 era um seu amigo de longa data, companheiro de equipas do SLB ainda na década de 10, o Senhor Rogério Jonet.





Os dois homens foram muito justamente reconhecidos pelo Clube durante a presidência de João Santos.



Cerimónia de atribuição dos anéis de platina a Rogério Jonet (sócio nº 2) e Júlio Ribeiro da Costa (sócio nº1) em 28 de Fevereiro de 1988. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Também ao nível do Estado Português as suas meritórias contribuições no plano desportivo, militar, social e político foram reconhecidas quando a 19 de Maio de 1984 foi feito Oficial da Ordem da Liberdade pelo presidente Ramalho Eanes, outro militar.
Faleceu em 21-09-1992 na freguesia de Alcântara. Tinha 97 anos de idade.

Quão notável foi esta vida. Nasceu no século XIX, viu a queda da monarquia, participou a I Guerra Mundial (em África), viu a emergência do Estado Novo, a II Guerra Mundial, as bombas atómicas, a construção e queda do muro de Berlim e da cortina de aço, a Guerra Colonial, o 25 de Abril, a entrada na CE. E no plano desportivo, não participou na fundação do SL (muito novo) mas viu o crescimento do SLB, jogou com Cosme Damião, colaborou com grandes Benfiquistas servindo o Clube, foi presidente do SLB, viu e celebrou as conquistas das Taça Latina e as duas Taças dos Campeões, viu e falou com Álvaro Gaspar, Ribeiro dos Reis, Vítor Silva, Espírito Santo, Francisco Ferreira, Rogério, Águas, Coluna, Eusébio, Néné, Bento, Chalana, e tantos, tantos outros. Viu, sentiu e participou na conquista da glória planetária do SLB. Gloriosos 97 anos tão cheios de vida, garra, resistência, raça, enfim de Benfiquismo.

De tudo o que atrás se expôs fica registado que Júlio Ribeiro da Costa foi um Homem de qualidades extraordinárias. Um Benfiquista que amou e prestigiou intensamente o seu Clube.

Está sepultado no Talhão dos Combatentes do Cemitério do Alto de São João



Paz e Honra à sua memória. Que descanse em Paz nesse quarto anel onde brilham para sempre as luzes dos Ases do Passado.




RedVC

#653
-159-
Loio e o fim do Feitiço



Fonte: BND


No passado como no presente os novos jogadores chegam ao nosso Clube carregados de promessas e ilusões. Certos das suas capacidades e prometendo fazer figura alguns acabam por nunca cumprir as expectativas. No fracasso defraudam as suas expectativas, as expectativas dos treinadores e as dos adeptos. Não é fácil vencer no maior Clube Português.

Alguns, como é o caso de que hoje falaremos, chegam mesmo a enganar o olho clínico de mestres do futebol. Para além do homem, que nos merece total respeito, falaremos hoje de um jogador que é simultaneamente uma curiosidade histórica e que exemplifica que para um jogador triunfar no SL Benfica é preciso não apenas ter virtudes técnicas e físicas mas também ter outras qualidades reunidas, alguma sorte, e acima de tudo muito garra.

Falaremos também do seu tempo e da conturbada época desportiva em que ele jogou de Águia ao peito. A época do fim do feitiço.


Loio, emigrante e campeão juvenil Carioca

Rui Loio da Costa, filho de Joaquim Loio da Costa e Maria da Conceição nasceu na vila de Nelas e, com a idade de dois anos, emigrou com os pais e um irmão para o Brasil onde viria a nascer uma irmã. No Brasil radicaram-se em Bento Ribeiro, bairro do Rio de Janeiro, local onde o seu pai explorou um bar. Depois do pai falecer, Loio assumiu o negócio da família interrompendo os estudos (pretendia ser médico)

Mas também havia o futebol na sua vida. Em 1963, Loio integrou inicialmente as escolas do America-RJ. No ano seguinte transferiu-se para o CR Flamengo muito por influência do pai que era adepto dos rubro-negros. Fez assim a sua formação nos juvenisdo CR Flamengo em 1964 e 1965, tendo sido campeão carioca de juvenis em 1965.



Em cima, da esquerda para a direita: Marrinho, Ivan, Gilson, Itamar, Derci e Rui Português (Loio). Em baixo: Clair, Juarez, João Daniel, César Maluco e Rodrigues. Fontes: Revista do Esporte nº 342 – Setembro de 1965. www.tardesdepacaembu


Conhecido como Rui ou Rui Português, Loio era um defesa polivalente podendo desempenhar funções de lateral direito, defesa (zagueiro) central e lateral esquerdo.



Assim foi definido o jovem Rui Loio ou Rui Português nos seus tempos de juvenil do CR Flamengo. Fonte; BND


Surgiu então o empresário José da Gama, já habituado a trazer craques Brasileiros para a Europa (foram por exemplo os casos de Didi para o Real Madrid, Evaristo para o Barcelona e Altafini para o Inter, entre outros). José da Gama viu ali uma oportunidade e mediou a transferência de Loio do CR Flamengo para o SL Benfica.

Depois de um processo que envolveu alguma polémica, o jovem Português e o empresário aproveitaram-se de um descuido burocrático do Flamengo para ficar com o passe do jogador livre, podendo por isso negocia-lo para qualquer outro clube. José Gama olhou para o mais alto que podia quando propôs o jogador ao SL Benfica, na altura a melhor equipa Europeia com quatro finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus disputadas nos últimos cinco anos.




Notícia da Revista do Esporte que anuncia a contratação de Loio pelo SLB. Fonte: BND.


Fiel às suas tradições de só contar com jogadores Portugueses o SL Benfica viu nesse negócio uma boa oportunidade de negócio ao contratar este Português formado num prestigiado Clube carioca. Faltava o parecer técnico positivo. E esse acabou por vir do mais credenciado treinador da nossa História. Foi Béla Guttmann, o feiticeiro Húngaro que estava de regresso ao SL Benfica, que avalizou positivamente esta contratação .




"O homem é bom. Podem contratar". Fonte: Revista do Esporte; BND


Loio chegou a Lisboa em 28-09-1965, tendo treinado no Estádio da Luz durante umas duas semana, período findo o qual e com o parecer positivo de Guttmann, os dirigentes do SLB avançaram para a contratação. O seu passe custou 300 mil escudos ao SL Benfica, uma verba já considerável para a época, sendo 100 mil para o jogador. O contrato foi rubricado por 1 ano, tendo o salário mensal sido estabelecido em 4 mil escudos. Ou seja Loio chegou com algum estatuto para o maior Clube Português com o título de ser júnior do Flamengo e avalizado por Guttmann. No Clube foi recebido de braços aberto sendo desde logo alcunhado de Loio Brasileiro de Nelas.


No SL Benfica

O céu parecia o limite para o jovem Loio que desde logo colocava a chegada à Selecção Nacional como a próxima meta. Para o jovem Loio havia agora que justificar essas ambições no seio do plantel mais competitivo da História do Glorioso.



Loio já com o manto sagrado dando conta das suas expectativas. Fonte: Revista do Esporte; BND


No SLB vivia-se um tempo paradoxal de grandeza mas também de apreensão. Depois de nos últimos três anos a nossa equipa de futebol ter sofrido duas derrotas em finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus, a Direcção do Clube reconhecia que havia que ter outra capacidade na sua orientação técnica. O SL Benfica continuava a ter a melhor equipa europeia mas era preciso recuperar a estrela vencedora, voltando a ter uma mais-valia técnica, táctica e mental no banco. A solução foi voltar a contar com o mago Húngaro, o feiticeiro que nos tinha levado ao bicampeonato Europeu.



De novo juntos, Eusébio, o genial pantera-negra e Béla Guttmann, o feiticeiro, cidadão do Mundo e carismático treinador. De novo juntos mas tudo era diferente.


E assim em 1965-1966, época antecedendo o Mundial de Inglaterra, o SLB estava a apostar forte na renovação do título de campeão nacional para finalmente conquistar o tetracampeonato mas acima de tudo em voltar a triunfar na Taça dos Clubes Campeões Europeus. A solução foi a mais simples e a mais óbvia, e também aquela que mais entusiasmou os Benfiquistas: o regresso de Béla Guttmann!

Para convencer Béla Guttmann seria certamente necessário muito dinheiro e também leva-lo a ir contra um princípio orientador da sua vida como treinador de futebol: nunca ficar num Clube por mais de dois anos e se possível sair sempre quando estava por cima. O dinheiro apareceu e isso juntamente com a atracção pela mística e natureza ganhadora do SLB acabaram por convencer o feiticeiro Húngaro a regressar ao local onde foi feliz. Guttmann no entanto subestimou as diferenças no SLB. O Clube e os jogadores tinham mudado. Provavelmente também Guttmann já não seria o mesmo.

Infelizmente como se viria a ver foi uma época frustrante. Em ano de Mundial o SL Benfica perdia mais uma oportunidade de chegar ao tetracampeonato. Ao contrário de todas as expectativas, com derrotas inesperadas, essa época terminava carregada de conflitos entre jogadores e técnico, e com a parda do título nacional para um SCP liderado por... Otto Glória.

Uma derrota, diga-se, apesar do campeonato ter estado à nossa mercê. Depois de um mau início de campeonato com uma derrota na Luz contra o SCP por 2-4, o SLB iria na segunda volta ganhar a Alvalade por 2-0. Mas uma derrota em Guimarães colocar-nos-ia atrás dos verdes por apenas um ponto, distância que persistiu até final.

E se no ataque Eusébio seria o melhor marcador do campeonato com 25 golos, a par de Figueiredo do SCP, terá sido na defesa que se acumularam as razões maiores do fracasso. Na baliza Costa Pereira estava em final de carreira, tanto que acabaria por não ir ao Mundial de Inglaterra. Os seus suplentes Melo e Nascimento - e jogaram os dois - não convenceram.

Na defesa, Cavém, Cruz e Augusto Silva foram os laterais que cumpriram com a qualidade que lhes era reconhecida. O problema maior esteve no centro da defesa. Apesar de Raúl Machado e Germano terem sido os titulares mais frequentes, notava-se já um desgaste principalmente em Germano. Ainda com a sua enorme classe a veterania e o final de carreira aproximavam-se. Os seus suplentes eram Calado e Jacinto, que apesar do seu valor jogaram pouco, nunca estabilizarando a equipa.  Loio e Severino, as outras alternativas simplesmente não jogaram.


https://youtu.be/Bh-va6aU8Mw
Derrota por 2-4 na Luz no jogo da primeira volta.


https://www.youtube.com/watch?v=eRWoX-KtBaM
Segundo golo (Torres) da vitória por 2-0 em Alvalade no jogo da segunda volta


Na Europa depois de uma eliminatória desafogada contra o Dudelange e de um aperto tremendo contra o Levski de Sófia, veio uma eliminatória tremenda contra o Manchester United. Em Inglaterra o SLB começou bem marcando um golo por José Augusto (nesse dia jogando com o número 10) mas depois de encaixar 3 golos acabou apenas por reduzir para 2-3. Tudo em aberto para o jogo na Luz.


https://www.youtube.com/watch?v=GwfpfHeK6Tc
Jogo da primeira volta com a derrota em Old Trafford por 2-3


Só que na Luz viria uma impensável derrota por 1-5. Correu tudo mal com um inacreditável score de 0-3 ao intervalo. Nada se salvou nesse dia e tanta coisa mudou.

Apesar de em 1968 o SLB ainda ter chegado a uma final em Wembley justamente contra este Manchester United, e de até ter estado quase a vencer, os observadores com maior clarividência futebolística perceberam que algo mudou para sempre. Caia a aura de invencibilidade de Guttmann e surgia também a ideia de que o SLB após 4-5 anos deixava de ser a melhor equipa Europeia. Ainda viria um segundo fôlego no final da década de 60 mas começava inexoravelmente o fim da grande equipa dos anos 60.




https://www.youtube.com/watch?v=ZkIcYWE9xlc
O jogo do desastre contra o Manchester United na Luz. Derrota por 1-5. George Best marca mais um golo a Costa Pereira. Nesse dia, Coluna, Augusto Silva e Germano foram impotentes para parar o genial galês.



Uma das equipas do SL Benfica escalada por Béla Guttmann no princípio de 1966. Muita qualidade individual mas que não evitou tempos difíceis. De pé, da esquerda para a direita: José Augusto, Germano. Cruz, Raúl. Cavém e Melo. Em baixo: Augusto Silva, Nélson, Torres, Coluna e Simões.





Rui Loio chegou assim ao SLB numa época de turbilhão. Talvez aí se tenha começado a explicar o seu trajecto de fracasso. Talvez num outro tempo tivesse jogado mais e sido mais feliz. A competitividade no plantel era tremenda. Como defesa central tinha como competidores directos no plantel, os já citados Germano, Raúl, Jacinto, Severino e Humberto Fernandes. Como lateral esquerdo tinha a concorrência de Cruz e até caso fosse necessário de Cavém. O Benfica tinha um plantel vasto para responder às exigências das apostas nacionais e estrangeiras.

O único jogo oficial de Loio pelo SLB seria para a Taça de Portugal e viria a proporcionar uma vitória amarga pois representou a perda de mais uma competição nesta época. O adversário era o SC Braga que parecia acessível apesar de uma inacreditável derrota na primeira mão por 1-4 num jogo em que não contamos com Eusébio (ver: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19651966/taca-de-portugal/1966-04-09/sc-braga-4-x-1-sl-benfica). Um desfecho incrível pois as duas equipas enfrentaram-se também na Taça de Portugal, no ano anterior, tendo na altura o SLB vencido com um agregado de 13-1 (vitória em Braga por 4-1 e depois na Luz por 9-0)!



Excertos da crónica do jogo SCB 4 -SLB 1 disputado em 10-04-1966. Fonte: DL de 11-04-1966


Assim, mesmo com uma derrota impensável na primeira mão acreditava-se que na segunda mão e com o regresso do pantera-negra a reviravolta era possível. Infelizmente nesse Domingo dia 17-04-1966, no Estádio da Luz, na segunda mão dos quartos-de-final da Taça de Portugal, o SL Benfica venceu o SC Braga por apenas 3-1 (ver: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19651966/taca-de-portugal/1966-04-16/sl-benfica-3-x-1-sc-braga).

Foi uma vitória de Pirro. Frustrante e inexplicável eliminação. Certo é que esse SC Braga onde pontificava o excelente Perrinchon viria a chegar à final da Taça de Portugal onde venceu o Vitória de Setúbal por 1-0 com golo do dito jogador Argentino. Essa eliminação não era apenas mais uma tremenda desilusão para os adeptos mas também mais uma frente de tensão e conflito no interior do nosso Clube. Havia que mudar.

As crónicas desse jogo da Luz indicam que foi um jogo de nervos em que apesar de tudo terá sido possível que o SLB tivesse chegado à vitória por números que lhe dessem o apuramento. Contando com Eusébio, algo que não aconteceu na primeira mão, o SLB foi marcando.

Loio começou mal o jogo, mostrou-se nervoso e foi de um erro seu que se originou o golo Bracarense, que alargava a vantagem dos forasteiros para 5-1. Mesmo assim ainda havia tempo e apesar do jogo mais em força e esforço do que em talento e classe, o SLB marcou dois golos na primeira parte com a chancela de Eusébio. Mesmo com a expulsão de Jacinto depois de ter perdido a cabeça de forma desnecessária, a vinte minutos do final da partida quando Torres marcou o 3-1 acreditou-se que o Benfica conseguiria a reviravolta. Estranhamente e até ao fim do jogo o SCB jogou calmamente e o SLB continuou nervoso. Neste cenário o marcador não sofreu alterações e a derrota e a eliminação concretizaram-se.


 



Excertos (editados de diversas páginas) da crónica de Dinis Machado. A fotografia de Loio dá o destaque à sua participação no jogo. Fonte: DL de 18-04-1966.


No final ficou ainda mais exposta a má forma da equipa Benfiquista. A expulsão de Jacinto, a incapacidade física da maior parte dos jogadores e uma certa anarquia táctica explicaram o insucesso. Nem Eusébio apesar dos dois golos que marcou, nos valeu nesse dia.

Nesse final de época os estilhaços já eram muitos e assim pouco depois a Direcção do Clube fez o impensável ao despedir Béla Guttmann. Infelizmente o treinador não poupou nas palavras na hora da despedida.




Fonte: A Bola 5-05-1966


Infelizmente também o treinador teve resposta de diversos jogadores que não compreenderam nem aceitaram estas críticas segundo eles feitas de forma cínica e injusta por parte de Guttmann.

Foi triste a despedida do treinador de maior sucesso do SLB. Estou certo que algum tempo depois todos os envolvidos lamentaram as declarações feitas no calor das emoções. Acusações duras e impensáveis no SLB.

Felizmente o tempo fez emergir a doçura dos dias bons e atenuou estes tempos mais difíceis. E logo a Guttmann que tinha por lema não ficar muito tempo nem voltar aonde tinha sido feliz.



Fonte: DL 5-05-1966.


Na época seguinte o SLB optava pelo regresso de Fernando Riera, decisão que originou mais um regresso que trouxe situações complicadas. Mas, para Loio a aventura no SLB tinha chegado ao fim.


Epílogo

O que terá acontecido a Loio depois do SLB? Tentei procurar mas encontrei apenas a informação num jornal Brasileiro de que o seu empresário tentou coloca-lo num Clube Francês e mais tarde no CF "os Belenenses". Se assim foi não tenho elementos que o confirmem.

Seja como for durante o tempo em que foi nosso jogador Rui Loio terá com certeza dado o seu melhor. Azar ou simplesmente incapacidade para singrar num Clube com tantas exigências e a viver uma época de equívocos e tensões, talvez simplesmente não tenha havido o bom senso de lhe dar mais tempo e oportunidades.

Mas estou certo que anos depois, passadas as amarguras das derrotas e dos jogos que não jogou estou certo que Loio terá guardado recordações boas para o resto da sua vida. Ninguém alguma vez lhe tirou as glórias de ter vestido o manto sagrado e treinado com alguns dos melhores jogadores que o nosso Clube e País tiveram o privilégio de ter.




RedVC

#654
-160-
A semente da Farmácia Franco


O texto de hoje é uma recordação e homenagem à memória a um homem esquecido.
É também um primeiro tempo para começar a por em ordem algumas mistificações que se enraizaram na mente de alguns divulgadores que se consideram especialistas mas que denotam falta de estudo e falta de modéstia. A Gloriosa História obriga-nos e irá obrigar-nos sempre a muito estudo e a relacionar factos, cruzar pessoas e acontecimentos. Dá trabalho...

O problema desses "especialistas" é que vão reproduzindo incorrecções (alguns até inventam novas) enganando os que os ouvem, todos os que os lêem os seus textos. Infelizmente a fundação do Sport Lisboa tem sido alvo de muito disparate e falta de estudo e de reflexão.

A figura de que vamos falar dá muito para falar e reflectir. Vamos falar de um jovem, de uma família prestigiada, natural de Belém. Uma figura esquecida mas que como se verá merece amplamente esta evocação.



Fonte: Tiro Civil 15 Julho de 1899


José Honorato de Mendonça Júnior.

Um rosto juvenil pois na altura dessa fotografia, José Honorato teria aproximadamente 16 anos.

Nascido em Belém em 27 de Setembro de 1883, José Honorato nasceu no seio de uma prestigiada família de militares. Assim, no período de em 1093-1904, nos meses decisivos para a fundação do nosso Clube, este rapaz tinha cerca de 20 anos. José Honorato foi um dos frequentadores habituais da Gloriosa Farmácia Franco. Ele esteve lá. Ele participou. Antes e depois do dia 28-02-1904.

Dito pela boca de Daniel dos Santos Brito, este Mendonça fez parte dos treinos pioneiros de 1903-1905 e é minha convicção que apenas por acaso não fez parte do núcleo de fundadores do nosso Clube. Dele falaram Mário de Oliveira e Rebelo da Silva na sua obra de referência História do SLB 1904-1954:



Fonte: História do Sport Lisboa e Benfica 1904-1954 de Mário Oliveira e Rebelo da Silva. Edição de autores.


Elucidativo. Trata-se pois de alguém decisivo para o entusiasmo que mediou o antes e o imediatamente depois da fundação do Sport Lisboa. Alguém que foi activo e apenas por uma ironia da História não ficou imortalizado como merecia.


Mas quem era José Honorato Mendonça?


A família Honorato de Mendonça

Como atrás e disse, José Honorato Mendonça Júnior nasceu em 27-09-1883, em Belém. Filho do General José Honorato Mendonça (1844 - 1923) e de Maria Guilhermina Nunes (1855-1926), era neto do General Honorato Zuzarte José de Mendonça (1817-1885), um prestigiado ajudante de campo do Rei D. Luis e mais tarde do Rei D. Carlos. O seu pai, o general José Honorato de Mendonça foi também ajudante de campo honorário do Rei D. Carlos e mais tarde de D. Manuel II (fonte:  http://mossamedes-do-antigamente.blogspot.pt/2010/07/mocamedenses-ilustres-honorato-jose.html).



O avô paterno e o pai de José Honorato de Mendonça Júnior.


A sua mãe, Maria Guilhermina da Silva Nunes (1855-1926), era proprietária da herdade do Monte da Barca em Coruche, http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=193305. José Jr. Teve mais cinco irmãos, ao que sei todos nascidos em Belém. José Honorato de Mendonça Júnior era o quinto filho. Algumas outras ligações interessantes para membros desta família:

http://ciclosdotempo.blogspot.pt/2013/12/pinto-da-franca-zuzarte-de-mendonca-e.html

http://geneall.net/pt/forum/114912/familia-zuzarte-de-mendonca/

http://mossamedes-do-antigamente.blogspot.pt/2010/07/mocamedenses-ilustres-honorato-jose.html


De "boas famílias", e guarda-livros de profissão, José Honorato veio a casar em 17-02-1908 com Maria Antonieta Duff Burnay, natural de Alcântara. Nesse casamento estiveram quer membros da família da noiva, os Burnay, quer alguns dos homens chave da Farmácia Franco, desde os donos Ignácio José Franco (2º Conde do Restelo) e o seu irmão Pedro Augusto Franco Júnior, ambos farmacêuticos, até ao médico da Casa Real e também funcionário da Farmácia Franco, o Doutor António de Azevedo Meirelles. Estiveram também familiares de fundadores do Sport Lisboa, tais como os Severinos Alves e familiares da família Franco como os Carrilho Garcia. Relações de parentesco e amizade explicam as presenças ilustres nesse casamento.



Casamento de José Honorato de Mendonça Júnior em Fevereiro de 1908. Fonte: digitarq-TT


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Sobre a fundação do Sport Lisboa

Meus caros amigos Benfiquistas:

quando alguns "especialistas da nossa praça vos falarem que o Sport Lisboe e Benfica foi fundado por pobres miúdos de pés descalços, RIAM-SE na cara deles.

Para o grande público que não estuda é perfeitamente admissível mas para especialistas que têm por dever estudar e verificar o que dizem é algo que deixou de ser aceitável. Existem dados que devidamente verificados e ponderados permitem perceber que não foi assim.

O Sport Lisboa e Benfica teve tal como hoje desde o início gente de todas as classes sociais, bolsas e níveis de escolaridade. O Sport Lisboa e Benfica teve desde sempre lugar para todos os homens de boa vontade, amantes do desporto e da sã convivência e do respeito pelos seus adversários.

O Sport Lisboa e Benfica foi fundado por miúdos de Belém e por alguns miúdos antigos alunos casapianos. O único trintão era Manuel Gourlade e a esmagadora maioria tinha menos de 23 anos. A componente maioritária era constituída por miúdos moradores na Rua de Belém e na Rua da Junqueira. Muitos deles pertenciam a famílias da média e alta burguesia.

Entre os fundadores havia de tudo inclusivamente gente ligada a famílias com apelidos como Burnay, Empis, Severino Alves, Francos, Mendonça. Havia famílias que tinham banqueiros, empresários, industriais, conselheiros, altos funcionários da casa real, médicos e militares mas também pilotos marítimos, vaqueiros, pedreiros, carpinteiros, carroceiros e pequenos comerciantes. Havia de tudo. Todos se entenderam, todos irmanaram em prol de um Ideal. Em prol de um grande Clube que nasceu em Belém e para o Mundo.

O nosso Clube foi depois enriquecido do ponto de vista desportivo e organizativo com diversas camadas de casapianos, operários e técnicos do Arsenal da Marinha e todo o tipo de de cidadãos que se converteram em sócios, quer praticantes de desporto quer simpatizantes.

Clube de pés descalços? RIAM-SE na cara dos especialistas/ignorantes que vos disserem isso.

O Clube tinha pouco recursos porque foi fundado por miúdos que apesar de tudo não tinham a bolsa dos pais. Não tinham um avô que dava rios de dinheiro a um neto birrento e conflituoso. Mas tinha miúdos-homens de valor que não desistiam perante as dificuldades. Aqueles que desistiam foram para o... clube do neto e do avô, ali para os lados do Lumiar.



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Mas voltando a um desses Gloriosos miúdos, voltando a José Honorato, deve-se dizer que este jovem era também um homem activo na sociedade dessa vila de Belém, antigo concelho do distrito de Lisboa. Assim se compreende que em 1910 nos apareça num grupo de cidadãos envolvidos nas festividades por ocasião das comemorações do centenário de nascimento do grande Historiador Alexandre Herculano (que foi o 1º presidente da CM Belém e um ilustríssimo Português com direito a ter o seu túmulo nos Jerónimos).



Fonte: AML.


Identificam-se ainda alguns homens relevantes desse tempo como o ditador João Franco (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o_Franco) e o famoso Bulhão Pato (sim... o das ameijoas; https://pt.wikipedia.org/wiki/Raimundo_Ant%C3%B3nio_de_Bulh%C3%A3o_Pato). Estarão lá outros homens relevantes mas agora não será tempo para mais identificações.


O Grupo Pátria

Outro dos aspectos curiosos da curta vida de José Honorato foi a sua paixão pelo Tiro Deportivo. Começou a praticar essa modalidade no Colégio Arriaga.



Fonte: Tiro Civil.



Palácio do Marques da Ribeira à Junqueira onde funcionou o Colégio Arriaga. Fonte: ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt.


Fonte: Restos de Colecção.



Note-se que o Colégio Arriaga, situado na Rua da Junqueira onde moraram diversos pioneiros e fundadores do nosso Clube, tinha uma componente desportiva onde também se incluiu o futebol. Ao que sei defrontou o Sport Lisboa em alguns jogos e com certeza teve elementos que "abasteceram" as nossas equipas em treinos e em jogos.

José Honorato viria depois a continuar a sua bem sucedida carreira de praticante dessa modalidade integrado num dos mais prestigiados grupos da época, o Grupo Pátria. Nesse grupo estavam tão somente nomes ligados aos primeiros anos do nosso Clube, e entre eles muito provavelmente o nosso fundador António Severino Alves.



José Honorato de Mendonça integrando o Grupo Pátria na modalidade de Tiro Desportivo ao lado do nosso fundador António Severino Alves. Fonte: Tiro e Sport nº 279.


Em 1928, mais de uma década depois da sua morte, o sector do Tiro Desportivo lembrava José Honorato com a instituição de uma competição com atribuição de uma Taça com o seu nome.



Fonte: O Tiro Nacional, nº 303



Os tempos de Glorioso

A consciência da importância da figura de José Honorato leva-me a um dos mistérios que subsiste por explicar. Quem seria o homem vestido de branco que aparentemente arbitrava o jogo (treino?) entre membros Sport Lisboa e Casapianos nas Terras do Desembargador, algures em 1904 ou 1905? Uma das primeiras e mais famosas fotografias captadas durante um jogo do Sport Lisboa. Até hoje tinha uma teoria, agora tenho duas possibilidades.




O médico António de Azevedo Meireles ou José Honorato Mendonça Júnior? Podemos admitir qualquer um. Dois homens respeitados e dois apaixonados pelo jovem jogo de foot-ball association.


José Honorato e presumo alguns dos seus irmãos, era um entusiasta do futebol e do nosso Clube. E de facto, uns anos mais tarde aparece descrito numa das páginas mais brilhantes do jovem Clube, quando vencemos uma vez mais os mestres Ingleses do Carcavellos Club, desta vez na nossa casa, na Quinta da Feiteira em 23-01-1910. A reportagem de 24-01-1910, publicada no Diário Ilustrado, dá uns detalhes interessantes antes do jogo:



Fonte: BND


O jornal noticiava que entre a assistência estavam;



Ou seja tínhamos, entre outros:

- as três principais figuras da Farmácia Franco (2º Conde do Restelo, seu irmão e o Dr. Azevedo Meireles).

- O Dr. Januário Barreto, antigo casapiano e primeiro presidente eleito no Sport Lisboa.

- Ernesto Rodrigues (sportinguista...) amigo de infância e parceiro de lides teatrais de Félix Bermudes.

- Alfredo Silva devia ser o industrial da CUF (Lisboa, 30 de junho de 1871 — Sintra, 22 de agosto de 1942)

- José da Cruz Viegas, o homem que definiu as cores e o nome inicial do nosso Clube.

- Pedro Del Negro um dos pioneiros mais ilustres e que liderava o Campo de Ourique Foot-ball Club.

- membros de prestigiadas famílias de pioneiros ingleses no futebol Português.

E claro a família Mendonça  onde deveria com certeza estar José Honorato e alguns dos seus irmãos.

Um conjunto de personalidades ilustres dos primeiros dias de Belém e que acompanharam o nosso Clube para Benfica. Se Sport Lisboa para Sport Lisboa e Benfica. Para mais detalhes ver Texto "4- Os mestres Ingleses na Feiteira (página 1)".
E aliás, se olharmos para um outro jogo sensacional, que se disputou entre as mesmas equipas dois meses depois, podemos distinguir aspectos interessantes na assistência:




Algumas identificações do dia do grande jogo de Março de 1910 contra o Carcavellos Club. Mais de 8000 pessoa na Quinta da Feiteira. O 2º Conde do Restelo e Manuel Gourlade estavam entre a assistência. Provavelmente ali ao lado terá estado José Honorato de Mendonça. Fonte: AML.


Nesse jogo juntaram-se ao redor desse mítico campo de Benfica cerca de 8000 pessoas para assistir a um Sport Lisboa e Benfica contra os mestres Ingleses do Carcavellos Club. Mais detalhes desse jogo podem ser lidos no texto "-68- Desforra Inglesa em tempo de Monarquia. (p.21)".

Nesse dia perdemos o jogo mas nem por isso deixou de ser uma manifestação de vitalidade e popularidade do maior Clube Português. Fomos desde o início o Clube com mais adesão popular. O mais querido, o mais acarinhado.



Um adeus precoce

José Honorato Mendonça Júnior teve uma vida breve. Faleceu em 24-02-1914 em Monte da Barca, concelho de Coruche, numa das propriedades da sua família (materna). José Honorato faleceu apenas com 31 anos, afogado durante umas inundações do rio Tejo.



Fonte: rgpsousa.blogspot.pt/


Fonte: Google Maps


Honra à sua memória.

Que descanse em Paz.





RedVC

#655
-161-
O primeiro Luís F. Vieira


Baía da Guanabara, Rio de Janeiro, princípio do seculo XX. Uma paisagem de sonho.


Fonte: Brasiliana Fotográfica.



Foi nesta cidade então ainda mais maravilhosa do que hoje, que durante três anos, Luís Viera, um dos nossos grandes pioneiros, viveu e jogou futebol. Foi em boa verdade o primeiro Luís F. Viera da história do Benfica.




Luís Francisco Vieira, jogador do CR Botafogo (1914-1917). O primeiro Luís F. Vieira da nossa História... Fonte: BND.


É de Luís Francisco Vieira, e também da sua aventura carioca que hoje iremos hoje falar. Iniciei este texto há muitos meses e embora não esteja ainda na forma e com os conteúdos como gostava ainda assim tem conteúdos que julgo interessante partilhar.



A Gloriosa Belém, forja de campeões

Nascido entre os anos 1887 e 1888, algures no triângulo Alcântara – Belém – Ajuda, Luís Francisco Viera cresceu nessa zona de bairros populosos e onde o futebol Português teve alguns dos seus episódios pioneiros mais importantes e fascinantes.

Em 1903, nos meses que antecederam a fundação do nosso Clube, com apenas 15 anos, Luís Vieira ainda não tinha estatuto embora já tivesse muito futebol nas pernas. Algumas décadas mais tarde, citando de memória, Daniel Santos Brito, um dos fundadores do nosso Clube, reconheceu Luís Viera como um dos homens (ou melhor dizendo miúdos) que andaram pelos areais de Belém nas primeiras trocas de bola do mítico Belém Foot-ball Club, o primeiro clube dos irmãos Rosa Rodrigues.

Em 1904, já depois da fundação do Sport Lisboa, Viera continuou a aparecer nos treinos e a participar nos jogos das categorias inferiores do Sport Lisboa. Apesar dos seus méritos futebolísticos era ainda muito novo e estava longe de ter o estatuto dos que preenchiam a primeira e a segunda categoria. Por isso integrou a terceira categoria do Sport Lisboa entre 1905 e 1907, uma equipa que reunia nomes fundamentais da nossa fundação e da nossa História: Gourlade, Meireles, Corga, Costa, Monteiro, Teixeira, Mocho, entre outros.

Felizmente existe uma fotografia em que o muito jovem Viera nos aparece, com o manto sagrado nesses tempos onde tudo começou. Nessa fotografia, que tive o enorme prazer de tentar decifrar, ficou imortalizada uma equipa da 3ª categoria do Sport Lisboa. É a única fotografia conhecida de uma equipa do Sport Lisboa alinhada nas míticas terras do Desembargador às Salésias, local seminal, local onde começamos esta Gloriosa caminhada que já perfaz mais de 113 anos.



A terceira categoria do Sport Lisboa algures no tempo entre 1905 e 1907, alinhado nas Terras do Desembargador às Salésias. Na baliza estava o grande Manuel Gourlade. Luís Vieira aparece-nos como médio à esquerda embora nesse tempo decaísse preferencialmente pela direita. Fonte: AML.


Interessa dizer que nessa equipa estavam, em boa verdade, vários dos homens fundamentais para garantir o futuro da nossa primeira equipa na década seguinte. Homens que liderados por Cosme Damião (que nessa altura liderava o meio campo da 2ª categoria) nos levaram à conquista de muitos campeonatos e a sensacionais digressões por Espanha e Brasil. Luís Vieira foi um dos mais importantes.

A progressão futebolística de Luís Viera acompanhou a aventura de junção do Sport Lisboa com o Grupo Sport Benfica, a mudança para a Quinta da Feiteira em Benfica e depois com a casa às costas, para uma multiplicidade de outros terrenos de jogo. Luís Vieira foi ganhando nome e melhorando o seu desempenho. Foi ganhando estatuto e títulos. Muitos títulos.



Luís Viera ao centro com a bola numa das famosas equipas do Sport Lisboa e Benfica que conquistou campeonatos seguidos e a adesão e carinho popular maioritário. Tempos de lenda com Luís Viera no centro do nosso ataque. De pé, esquerda para a direita, Henrique Costa, Cosme Damião, Alfredo Machado, Carlos Homem de Figueiredo, Artur José Pereira. Sentados, Germano Vasconcelos, António Costa, Luís Vieira, J. Domingos Fernandes e Virgílio Paula. Falta Francisco Belas. Fonte: EDB.



Luís Viera como avançado-centro a massacrar a defesa do SCP. Cosme Damião lá atrás. Carrega Benfica! Fonte: EDB.


Também integrado nas nossas equipas, Luís Vieira participou em diversas digressões à Galiza, ao País Basco, a Madrid e à Catalunha. As nossas equipas deixaram sempre uma excelente impressão.



Fonte: EDB.



A aventura Brasileira

A titularidade indiscutível de Luís Viera no campeão SL Benfica acabou por tornar natural a sua inclusão na convocatória para a Missão Sportiva e Cultura Portugueza ao Brasil (ver textos 46 e 47, páginas 12 e 13, respectivamente).



Os oito Benfiquistas da convocatória de 16 jogadores que integraram a Missão Cultural e Sportiva da AFL que foi ao Brasil em Julho-Agosto de 1914. Fonte: História do SLB 1904-1954 de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva. Edição de autor.




A comitiva Portuguesa à chegada ao Rio de Janeiro em Julho de 1914.



O Estádio do CR Botafogo, um aspecto do jogo e a formação da AFL que 1914 disputou o jogo contra o Botafogo (vitória 1-0). De pé, Carlos Homem de Figueiredo, Eduardo Luiz Pinto Basto, Henrique Costa. A meio: José Domingos Fernandes, Cosme Damião, Boaventura Belo. Sentados: António Stromp, Arthur José Pereira, Luís Vieira (assinalado), Francisco Stromp e João Bentes. Fonte: BND.


A equipa Portuguesa teve uma intensa digressão quer no aspecto desportivo quer no aspecto social em terras do Rio de Janeiro e de São Paulo. Viera exibiu-se com grande destaque na equipa Portuguesa e assim acabou por receber convites de diversos clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nessa altura os colossos do futebol eram o Botafogo, o Fluminense e o America. Em São Paulo reinavam o Paulistano (antecessor do Sõa Paulo FC) e o Mackenzie.




Os cinco grandes Clubes do Rio de Janeiro do princípio do século XX. Nessa altura apenas Botafogo, Fluminense e America tinham equipas de futebol. Os outros dois, Flamengo e Vasco da Gama eram ainda e apenas gigantes dos desportos náuticos. Fonte: Tico Tico,BND.


Vieira optou por ficar e por jogar no CR Botafogo, o primeiro Clube que manifestou o interesse na sua contratação. Curiosamente já nessa época o Clube de Regatas Botafogo era como hoje ainda é, carinhosamente apelidado pelos seus adeptos como o... GLORIOSO! Era mesmo ali que devia jogar Luís Viera. E foi ali que 23 anos mais tarde também jogou o grande Rogério Pipi!



Notícia da permanência de Luís Vieira no Brasil. As saudades já apertavam... Fonte: Em Defesa do Benfica.



Trinta e quatro anos depois quando se colocou a hipótese de uma digressão do SLB ao Brasil e em Rogério Pipi, um jornal Brasileiro lembrou aos seus leitores a presença de Luís Viera. Esqueceram-se de José Bello... Fonte: BND.


De facto Luís Viera, não foi o primeiro futebolista a jogar no Brasil. Tanto quanto é do meu conhecimento foi o segundo no Brasil e o terceiro a jogar num Clube estrangeiro.




A entrada de Luís Vieira no Botafogo ficou marcada por polémica desde cedo, pois logo em Setembro de 1914, depois de uma vitória do Botafogo sobre o rival Fluminense por 1-0, surgiram duvidas quanto à sua inscrição: Luíz Vieira ou Luíz Pereira? Rivalidades cariocas!


A polémico e o grande jogo do Botafogo 1 – Fluminense 0, um dos primeiros senão mesmo o primeiro jogo de Luís Vieira com a camisola do Botafogo. Fonte: Acervo Botafogo e BND.


Mas tudo lá se resolveu e Luís Vieira fez a sua carreira de 3 anos no clube carioca. E pelos jornais e pelos registos fotográficos percebe-se que até jogou bastante.



Exemplos de notícias de jogos do CR Botafogo onde aparece nomeado Luiz Vieira. Fonte: BND.



Diversas fotografias do Português e Benfiquista Luís Vieira integrado nas equipas do CR Botafogo, sempre um dos mais importantes Clube cariocas. Fonte: BND.



Diversos aspectos do complexo desportivo do Botafogo cerca de 1914. Por ali andou e jogo o nosso Luís Vieira. Fonte: Acervo Botafogo.


Nesse tempo o Clube carioca vivia um grande momento pois tinha no ano anterior, em 1913, inaugurado a sua sede e Estádio na General Severiano.



Algumas das maravilhosas paisagens cariocas de que Luís Viera desfrutou. Fonte: BND.


Apesar da atracção da vida tropical, das mulheres bonitas e das paisagens maravilhosas que desfrutava, no princípio de 1917, Luís Viera estava carregado de saudades e assim decidiu regressar a casa e ao seu SLB. Cosme recebeu-o de braços abertos e Luís ainda jogou mais dois anos apesar da equipa já não contar com muito dos seus antigos companheiros. Agora era o tempo de Cândido de Oliveira, Ribeiro dos Reis, Carlos Sobral, Jesus Crespo, entre tantos outros.



Luís F. Vieira, o Belenense


Terminada a carreira de futebolista Luís Viera afastou-se gradualmente do SLB. Foi sempre um filho de Belém e assim em nostalgia dos tempos áureos da sua juventude, foi um dos que cedo se juntou à volta do sonho de Artur José Pereira quando em 1919 se fundou o CFB. Luís Viera envolveu-se na vida associativa e dirigente do novo Clube, tendo entre 1922 e 1924 sido o terceiro homem a assumir a presidência da Direcção do CFB. Sucedeu  a Reis Gonçalves que vinte anos antes tinha ajudado a fundar... o Sport Lisboa!


Lista dos presidentes do CFB. Fonte: Belenenses Ilustrado



Retrato de Luís Vieira, presidente da Direcção do CFB. Foi presidente durante 1 mandato de 1922 a 1924. Infelizmente parece que o CFB só tem esta fotografia horrível para homenagear um seu presidente. Fonte: site oficial do CFB: http://www.osbelenenses.com/clube/lista-de-presidentes/



Mas em boa verdade o CFB teve outras grandes figuras do desporto e da vida social e militar entre os seus presidentes. Senão vejamos, entre muitos outros:

• Francisco Reis Gonçalves (1920/1922),
oficial da Marinha, liderou uma Junta Directiva logo após a fundação do CFB, tornar-se-ia o 2º presidente do Clube. Mais importante vinte anos anos antes foi um dos 24 fundadores do nosso Clube.

• João Luís de Moura (1925/1931),
na sua época foi um muito importante militar e governante do nosso país. Homem ligado ao movimento desportivo e associativo de Portugal. 

• Francisco Mega (1935/1938, 1939/1941, 1950/1954),
um importante dirigente desportivo em Portugal no seu tempo

• Américo Thomaz (1944),
almirante e futuro presidente da República.

• Acácio Rosa (1949),
filho de João Rosa, outro presidente do CFB e um dos mais importantes presidentes e sócios da história do CFB


Curiosamente algumas décadas mais tarde Luís Vieira fazia declarações como sendo um Benfiquista. Uma situação interessante e que merecerá um dia – caso os elementos disponíveis permitam – uma nova reflexão.



Glorioso Luís Viera, para sempre Glorioso. Foi um dos mais importantes e eficazes avançados da nossa História. Um jogador-pioneiro de importância fulcral nas primeiras duas décadas deste grande Clube que é o Sport Lisboa e Benfica.

Paz à sua alma. Honra à sua memória.



JJ SLB

Este tópico é realmente Imortal! Obrigado!

RedVC

Citação de: JJ SLB em 23 de Julho de 2017, 00:29
Este tópico é realmente Imortal! Obrigado!

Muito obrigado pelas palavras simpáticas  O0

Feito para honrar o SL Benfica, para os Benfiquistas, pela paixão que nos une.  :slb2:

alfredo

#658
Citação de: JJ SLB em 23 de Julho de 2017, 00:29
Este tópico é realmente Imortal! Obrigado!
bem, mesmo andando sempre em cima, acho que merece mesmo ser um tópico imóvel.
aos moderadores: podem equacionar este tópico para que se torne imóvel. já pelo trabalho e esforco posto aqui acho que merece, quanto mais pelas informacoes incluídas.

tcondeco

excelente!!!!! Obrigado pelo trabalho!