(actualizado) Memorial Benfica, Glórias

Bola7

Citação de: VanBasten em 15 de Fevereiro de 2008, 23:39
Só uma correcção...o Fili não era antigo jogador do Partizan, mas sim do Estrela Vermelha de Belgrado, onde é considerado um dos melhores jogadores de sempre e, salvo erro, foi durante muitos anos o melhor marcador de sempre em competições europeias (desconheço se tal record se mantem)...
é verdade sim senhor...

Bola7

Citação de: VitorPaneira7 em 17 de Fevereiro de 2008, 23:49
Quem dera ter visto Eusébio jogar. Já agora um dos favoritos do meu pai o Vitor Martins também está na lista?Muitos dos  mais velhos falam bem dele.
grande jogar..já falei nele muitas vezes...

Redady

Grande Ednilson ... és dos maiores Benfiquistas que já conheci! :slb2:

ednilson

Francisco Ferreira. Guimarães. 23 de Agosto de 1919-1986. Médio.
Épocas no Benfica: 14 (38/52). Jogos: 398. Golos: 34. Títulos: 4 (Campeonato Nacional) e 6 (Taça de Portugal).
Outros clubes: FC Porto. Internacionalizações: 25.




Equipa 1941/1942

Era ainda o tempo do "avante, avante p'lo Benfica, que uma aura triunfante glorifica", estrofe do primeiro hino do clube, da autoria do presidente-atleta Félix Bermudez. Era já o tempo de Francisco Ferreira, que em Guimarães viu nascer o sol, no FC Porto começou a luzir, no Benfica ganhou a luz da fama. Esquerdino nato, vigília fazia na intermediária, tipo lugar-tenência. Não era nenhum assombro de técnica, nenhum estilista do jogo, nenhum abençoado de talento superior. Mas era alguém perfeito no domínio da posição, alguém com sonora voz de comando, alguém que lutava até à exaustão. Era um líder. Incontestado.

Ficou órfão de pai com apenas quatro anos, sendo entregue aos cuidados de uma avó, enquanto a mãe viajou para S. Mamede de Infesta, perto do Porto, na esperança de recompor a vida. Francisco Ferreira tinha o coração a bater-lhe pelo futebol e perdia a noção do tempo nos jogos que disputava na feira do gado. As reprimendas eram tantas que, na puberdade, foi para o Porto, ao reencontro da mãe e... do futebol.

No Campo da Constituição fervilhava-lhe o vicio da bola, destacando-se já nos infantis do FC Porto, clube pelo qual fez o habitual trajecto dos escalões juvenis. A sua índole de lutador, cedo cativou o técnico José Szabo, que o convocaria para a final do Campeonato de Portugal, edição 1936/37. Idilicamente, com apenas 17 anos, campeão se fez, depois do FC Porto ter ultrapassado o Sporting, num movimentado 3-2.

No ano seguinte, refeito de uma moléstia física, reapareceu num confronto frente ao Benfica, que ficou conhecido pelo jogo das metralhadoras, tão pesado era o ambiente. O FC Porto necessitava do triunfo para ser campeão, à turma das águias bastava o empate. Houve igualdade a dois golos. De pronto, sabedor que o clube azul e branco pagava salários principescos para a época, atreveu-se a pedir 300 escudos por mês. Malandro lhe chamaria um dirigente portista. Foi contumélia. No FC Porto, que mais tarde deu o dito por não dito, jamais voltaria a jogar.



Por essa altura, encontrava-se na capital nortenha um indefectível benfiquista, Idílio Nogueira de seu nome. Alertado, levou Francisco Ferreira para a clausura de uma quinta, em Valadares, de lá só saindo, quatro dias depois, com destino a Lisboa. Seguiu-se uma guerra burocrática, que um cheque de 13.500 escudos ajudou a pôr termo. Foi quanto o Benfica pagou ao FC Porto. No horizonte do bom Chico estavam 14 épocas pintadas em tom garrido.

Ultrapassou o meio milhar de jogos, entre particulares e oficiais, rubricando 60 golos. Venceu quatro Campeonatos e seis Taças de Portugal. Com a saída de Francisco Albino, durante nove anos envergou, orgulhosamente, a braçadeira de capitão. Tal como na equipa nacional, que chegou a representar por 25 ocasiões, número muito estimável para a época.



Ao serviço da Selecção, em Fevereiro de 1949, disputou um Itália-Portugal (4-1), na cidade de Génova. O comendador Novo, presidente do Torino, a melhor equipa transalpina nessa altura, ficou rendido à prestação de Francisco Ferreira. Tal como o Real Madrid, alguns anos antes, também o clube italiano solicitou os seus ofícios. O presidente do Torino deu-lhe o cartão de visita e apelou a um contacto ulterior. Quando a sua festa de homenagem começava a ganhar contornos, Francisco Ferreira telefonou ao líder do Torino, convidando o melhor conjunto europeu a participar no evento. O Benfica haveria de vencer 4-3. No dia seguinte ao jogo, Novo fez nova diligência para levar Francisco Ferreira até Itália. Infrutífera foi. Poucas horas depois, o avião despenhou-se sobre a basílica de Superga, naquela que foi uma das maiores tragédias do futebol mundial. Francisco Ferreira carregaria a cruz da desventura até ao fim da sua vida.

A 28 de Maio de 1952, na inauguração do Estádio da Antas, participou na espectacular vitória do Benfica (8-2), sobre o FC Porto. Na cabina, anunciou que esse havia sido o seu derradeiro jogo. Só que foram tantos e tão veementes os pedidos para que alinhasse na final da Taça que acabou por concordar.

No Jamor, numa partida diabólica, para muitos ainda a melhor de toda a história da competição, o Benfica bateu o Sporting 5-4, com o providencial golo de Rogério, ao lavar dos cestos. Francisco Ferreira ergueu o troféu.

Vivia-se o presente. Para trás, ficava um dos mais marcantes recrutas do historial do clube do povo. Para o futuro, ficava o exemplo de um dos mais abnegados jogadores de sempre do Sport Lisboa e Benfica.

Mestre

Estas glórias dos anos 30 e 40 são de louvar. Cada dia fico um benfiquista mais esclarecido, obrigado Ednilson.

ednilson

#80
Gustavo Antunes Teixeira. Vila Real. 26 de Dezembro de 1908-1986. Avançado, médio e defesa.
Épocas no Benfica: 7 (32/39). Jogos: 158. Golos: 2. Títulos: 1 (Campeonato Nacional) e 3 (Iª Liga).
Outros clubes: Casa Pia. Internacionalizações: 10.




Equipa 1935/1936

No ano de 1908 nasceram Gustavo Teixeira e Manoel de Oliveira. Em justaposição, mais tarde, produziram filmes que a memória sem custo suporta. O cineasta encontrou na tela o melhor depósito do seu talento, enquanto o futebolista no campo da bola longas metragens fez de elevado quilate.

Ao dez anos de idade, oriundo de Vila Real de Trás-os-Montes, ingressou na Casa Pia de Lisboa, onde se iniciou nas lides do jogo. Até 1932, manteve-se leal às origens. Como casapiano chegou mesmo a internacional, defrontando a Bélgica, em Antuérpia. Por essa altura, era avançado-centro e exímio marcador de golos. Convidado pelo Sporting a integrar a equipa que se deslocou ao Brasil, tinha apenas 20 anos, tão bem jogou que a imprensa brasileira o alcunhou de Pé de Ouro. Alguns anos depois, foi a vez do Benfica requisitar os seus préstimos, para um jogo com o Barcelona, nos festejos do 28º aniversário do clube. Como estrugiu de satisfação, logo a transferência seria consumada.

Em 32/33, passou a estabelecer-se na zona central do terreno. É com Gustavo Teixeira nessa posição que o Benfica se veio a sagrar campeão regional de Lisboa, titulo que lhe escapava à 13 anos. Mais tarde, a antiga glória do clube, Vítor Gonçalves (pai de Vasco Gonçalves, que foi Primeiro-Ministro de Portugal), nele haveria de percepcionar aptidões para defesa-esquerdo. Nessa posição se fixaria até ao abandono da actividade.

Gustavo Teixeira era um notável executante, tornava fácil o difícil. Revelava uma placidez, uma sobriedade no desarme, mas simultaneamente uma contundência, uma rapidez na entrega. Justificou um Campeonato Nacional e três da I Liga. Justificou também, logo aos 25 anos, a braçadeira de capitão. Justificou ainda uma dezena de internacionalizações.

Aos 31 anos, padecia de um grave problema num joelho, que lhe fez abortar algumas épocas mais na ribalta. Nem por isso esmoreceu. Bancário de profissão, manteve-se ligado ao Benfica. Não raras vezes, era vê-lo fazer o trajecto da Rua do Ouro, onde trabalhava, às sedes ou campos do clube, onde se sentia confortado.

Gustavo Teixeira é fundador do Sport Lisboa e Saudade, tendo elaborado o normativo da antigas glórias do clube. Foi como escrever uma causa própria. Ele que jamais havia sido castigado enquanto futebolista, campeão do fair play se fez também.

Respeitado como poucos, Gustavo Teixeira transporte deu sempre aos ideais desportivos. E à divisa do seu Sport Lisboa e Benfica.

ednilson

#81
Hélder Marino R. Cristóvão. Luanda, Angola. 21 de Março de 1971. Defesa.
Épocas no Benfica: 7 (92/97 e 2002/2004). Jogos: 227. Golos: 15. Títulos: 1 (Campeonato Nacional) e 3 (Taça de Portugal).
Outros Clubes: Estoril, Corunha, Newcastle, Paris Saint-Germain e Larissa. Internacionalizações: 35.




Equipa 1994/1995

Quando partiu, em 1997, para o Desportivo da Corunha, Hélder estaria longe de admitir que durante a sua prolongada ausência (cinco anos) e um possível retorno à casa-mãe (dois anos), o Benfica, logo o mais ganhador dos clubes de toda a existência do futebol em Portugal, apenas mais um troféu adicionasse à sua galeria. E mesmo esse, a Taça de 2003/2004, com o contributo do jogador de origem angolana, suplente não utilizado no Jamor, mas interprete da caminhada de sucesso em vários dos embates antecedentes.

Ao Benfica chegou no defeso da temporada 92/93, proveniente do Estoril, clube que o conduziu à primeira internacionalização. Tinha apenas 21 anos, e esquentava de ambição, nada susceptível foi de se inferiorizar com as presenças de Mozer, William, Samuel e Paulo Madeira no conjunto, esse ano liderado pelo croata Tomislav Ivic (nas oito primeiras jornadas) e por Toni. Dois pontos apenas ditaram que o Campeonato escapasse para o FC Porto, mas Hélder acabaria por ser o atleta mais utilizado e ajudou mesmo a pintar de vermelho a Taça de Portugal.



Um ano volvido, novo registo vitorioso. O Nacional de 93/94 adoptou também a cor rubra, de novo com Hélder entre os que actuaram com mais regularidade. Por esse altura, ameaçava no mínimo a candidatura a melhor central português, condição que foi mantendo, pese a sombra do então portista Fernando Couto. Sucediam-se as convocatórias (35 no total) para a turma das quinas do defesa-goleador que, naquele épico Sporting-Benfica (3-6), ilustrou a sua clarividência ofensiva com um fulminante tiro certeiro. Era um defesa de todo-o-terreno. Possante e corajoso. De técnica refinada, capaz de envergonhar companheiros ou adversários, supostamente mais criativos, que actuavam nos terrenos intermediários. Competente no jogo aéreo, divertia-se nas incursões, tantas vezes bem sucedidas, pela área oposta.

Em Espanha e na Inglaterra, mesmo flagelado por impedimentos físicos, não deixou de provar toda a sua galhardia. Natural, portanto, o regresso ao Benfica, durante dois anos, o último dos quais no prestigiante estatuto de capitão. O espanhol José António Camacho confiou-lhe a liderança da cortina defensiva. Não renovou o contrato no termo da época 2003/2004, por desinteresse dos responsáveis encarnados, mas foi acolhido pelo Paris S. Germain. Pode Hélder orgulhar-se de ter chegado ao Centenário como o mais laureado dos jogadores do Benfica em actividade.

ednilson

Izaías Marques Soares. Vitória, Brasil. 18 de Outubro de 1963. Avançado.
Épocas no Benfica: 5 (90/95). Jogos: 177. Golos: 71. Títulos: 2 (Campeonato Nacional) e 1 (Taça de Portugal).
Outros Clubes: Rio Ave, Boavista, Coventry e Campomaiorense.




Equipa 1993/1994

Com "z" e não com "s", assim manda escrever o bilhete de identidade do cidadão brasileiro, mais tarde luso-brasileiro, Izaías Marques Soares, nascido em Vitória. No sitio certo, dir-se-á. Na hora certa também, considerada a fulgurante carreira do jogador, que permaneceu cinco épocas no Benfica, depois das experiências, em sol português, no Rio Ave e no Boavista.

Izaías foi bem um exemplo de constante empatia com a exigente massa adepta do Glorioso. Era o protótipo do jogador que deixava tudo em campo. O resultado de uma equação composta por nervo, sentimento e... golo. Não sendo ponta-de-lança deferiu 71 remates certeiros em 177 jogos na equipa principal do Benfica, chegando mesmo (91/92 e 92/93) a situar-se no cume dos goleadores.

Logo no primeiro ano de berço vermelho, sagrou-se campeão nacional, sob a ordens de Eriksson. Com Veloso, Ricardo, Vítor Paneira, Paulo Sousa, Valdo, Jonas Thern, Rui Águas e César Brito, cujos os golos, nas Antas, sublinharam uma das mais deliciosas empreitadas do clube, em jogo carregado de dramaticidade. Na época imediata, a revalidação do titulo escapou, mas já não a visibilidade internacional. Em Londres, mais até na capital inglesa, Izaías maravilhou, em partida da Liga dos Campeões, com o Arsenal, apontando dois golos decisivos, que obrigaram os britânicos a baixar a grimpa.



Era então figura irrecusável no xadrez benfiquista. A plateia dispensava-lhe aplausos, ele retribuía com arrancadas fulgurantes e bolas no fundo das redes. Sugeria estar ligado à electricidade. A sua irrequietude e, mais ainda, as suas explosões, não poucas vezes, parecia coisa sobrenatural. Marcou presença na final da Taça de 93, ganha (5-2) ao Boavista, cotando-se como uma das unidades de melhor produção no titulo de 94, praticamente garantido (6-3) em Alvalade, onde não deixou de assinar e em duplicado o seu ponto de honra.

De forma imprevista, foi dispensado após uma época colectivamente cinzenta, na direcção técnica de Artur Jorge, mas nem por isso evidenciou sinais de amolecimento.

Ao fazer a ponte, de forma ainda que involuntária, entre as últimas conquistas mais arrebatantes do clube e a fase de menor fulgor competitivo, Izaías acabou por marcar, no Benfica, um território, que a história não apaga. Ele que nasceu em Vitória e para a vitória.

ednilson

Jacinto José M. G. Santos. Matosinhos. 28 de Janeiro de 1941. Defesa.
Épocas no Benfica: 9 (62/71). Jogos: 165. Golos: 10. Títulos: 7 (Campeonato Nacional) e 2 (Taça de Portugal).
Outros clubes: Leixões. Internacionalizações: 5.




Equipa 1966/1967

Jacinto é nome de planta com flores vistosas e perfumadas. Jacinto é também nome de jogador. Do jogador do Benfica. Jacinto Marques pontificou, nos anos 50, na defensiva encarnada. Poucos anos depois, outro Jacinto, Jacinto Santos, igualmente defesa, desabrochou. E cresceu em tons berrantes, durante quase uma década. Como a tal flor da planta que lhe deu nome, perfumado e vistoso.

Apresentou-se ao grande publico da bola em Matosinhos, no Leixões. Com 20 anos, partiu na direcção da Luz, tendo o conterrâneo Raul Machado, ligeiramente mais velho, por companheiro também de trajectória. Encontrou os bicampeões da Europa. Viveu a sensação do pega-lá-dá-cá com Eusébio, Coluna, Germano, Águas. De mentalidade operária, esmerou-se a trabalhar. Não chegou. Nos quatro primeiros anos, foi remetido à subalternidade, que a coisa ali era séria.

Em 66/67, braço dado com a titularidade, finalmente marcou pontos. Nascimento à baliza, Cavém à direita, Cruz à esquerda, ao lado de Raul Machado compunha o eixo na estrutura base da defensiva benfiquista. Estava-se no rescaldo do Inglaterra 66. Sem a tutelar presença de Germano, surpreendentemente cedido ao Salgueiros. No ano imediato, Jacinto apareceu no onze da final europeia, ante o Manchester United. Só no prolongamento haveria de baquear (4-1) o Benfica, orientado pelo eterno Otto Glória. Desvaneceu-se a hipótese peregrina  de ser campeão no mais importante certame mundial a nível de clubes.

Ainda deambulou à direita, com a entrada em cena de um jovem que respondia pelo nome de Humberto Coelho. Foi em 68/69, na sua última grande época no clube. Eficiente na marcação, lesto no desarme, já menos no jogo aéreo, veloz e autoritário na posse de bola, não era um defesa, era o defesa.

Permaneceu nove anos na Luz. Tem adscritos sete Campeonatos e duas Taças. Quando o vermelho sobressaia no colorido nacional, uma mão cheia de contributos deu à equipa portuguesa. Despediu-se a 13 de Setembro de 1970, com a CUF (1-0), na Catedral, era já Jimmy Hagan o treinador.

Jacinto Santos talvez não tivesse atingido o brilhantismo de alguns dos seus companheiros de rota. Nem tanto lhe fora pedido. Mas sempre lhe é devido um lugar VIP na tribuna dos notáveis do Benfica.

Mestre

Ednilson, com toda a franqueza, nesta fase de resultados e exibições apenas venho ao forum e escrevo neste magnifico tópico.

Desde a última vez fui brindado com 2 jogadores qu tive o prazer de ver jogar, Hélder e Izaías )eu era dos que escrevia com S). Do primeiro guardo a alcunha que o meu pai lhe pôs - o srgento - pela forma autoritária com que jogava, pela bravura com que se batia com as nossas cores. Não esquecer, os sargentos são a trave de qualquer estrutura militar.

De Izaías tanto já se escreveu mas é sempre bom lembrar o célebre 3-3 nas Antas, o 1-3 em Londres, o 5-2 da taça contra o Boavista, o 2-3 no Bessa, enfim, tantos jogos onde deixou a sua marca. Merecia melhor tratamento pela direcção da altura, era daqueles que encarnava a verdadeira mística benfiquista.

ednilson

#85
Germano de Figueiredo. Lisboa. 23 de Dezembro de 1932-2004. Defesa.
Épocas no Benfica: 7 (60/67). Jogos: 131. Golos: 6. Títulos: 4 (Campeonato Nacional), 2 (Taça de Portugal) e 2 (Taça dos Campeões).
Outros clubes: Atlético e Salgueiros. Internacionalizações: 24.




Equipa 1961/1962

Quando Vinicius de Moraes escreveu "tristeza não tem fim, felicidade sim", não consta que se inspirasse em Germano. Talvez até jamais o tivesse conhecido. Mas aquele olhar melancólico, cheio de humanidade; aquele rosto austero, anunciando à vida inclemência; aquele porte rígido, transporte de aflições ou até raivas, era Germano, personalidade singular.

Nos seus tempos, infanto-juvenis, logo recebeu golpes pungentes. Perdeu o pai, três anos depois a mãe, entregue aos carinhos de uma irmã mais velha ficou. Talvez por essa altura só o futebol, embrionária paixão, lhe resgatasse a alma.

Nasceu no pitoresco bairro de Alcântara, de raízes populares, em 1932, por coincidência ano em que Salazar iniciou funções como Presidente do Conselho. O Atlético Clube de Portugal, por quem veio a suspirar, ainda não existia, era Carcavelinhos e União de Lisboa, mais tarde sim, deu-se a fusão, nascendo uma das mais emblemáticas agremiações desportivas. Era também Carlos Baptista, o seu ídolo, de Alcântara, é claro, nele encontrou o apelo pela bola, pelo jogo, pelo futebol.

Em 1947, Germano começou a militar nos infantis do Atlético. Optou pela baliza, guarda-redes seduzia-o, mas o treinador, esse mesmo, Carlos Baptista, referência maior do ainda miúdo, nele achou redutor a defesa das redes e metamorfoseou-o avançado-centro. O ciclo estava, porém, incompleto. A defesa-central se quedaria. Conclusivamente.

Quis o destino que se estreasse na equipa de honra do Atlético e logo frente ao Benfica. Ocupou o lugar de Armindo, defesa duro e experimentado, cuja lesão obrigou Janos Biri a chamar o jovem Germano. Venceu o Benfica, por 4-3. No rescaldo, nada em desabono do debutante. Mesmo assim, foi relegado para as reservas, que a idade não ajudava. Só que na segunda volta, ainda no Campo Grande, em grande jogou, titular se afirmou, logo Salvador do Carmo o fez internacional, frente à Áustria, quando substituiu o magoado Cabrita, marcou a estrela Orkwie e, naquele empate, se afirmou em definitivo.



A desdita não lhe dava tréguas. Em novo suplicio mergulhou. O pré-aviso foi uma constipação. Coisa pouca parecia. Em Braga, jogou debaixo dos rigores do Inverno minhoto e sentiu-se mal no fim da contenda. Como arribou um pouco, não se demitiu de fazer a digressão pela Turquia e pela Egipto, ao serviço da equipa nacional. Seguiu-se Madrid, com a farda da Selecção de Lisboa, em jogo organizado por um tal Carmen Franco, mulher do ditador espanhol. A virose que há muito transportava revelar-se-ia, sobretudo nas horas infindas, no aeroporto da capital espanhola, com a comitiva a desesperar por um avião de regresso.

Já em Lisboa, enfermo, deu entrada no Santa Maria. Acusou pleurisia líquida, que curou mal, para o Sanatório do Caramulo haveria de ir, gorando-se a já acertada transferência, por 400 contos para o Atlético e 100 para Germano, a caminho de Alvalade. Ultrapassado o infortúnio, com a resposta afirmativa dos revigorados pulmões, ainda chegou a tempo de comemorar, na Tapadinha, o titulo nacional da II Divisão. E de rumar ao Benfica. Coluna, Águas, Costa Pereira, Cavém e tantos outros receberam o novel recruta sem parcimónia. Estávamos em 60/61. Campeão nacional, o Benfica preparava-se para revalidar o titulo e flores tentar fazer na Taça dos Campeões. Béla Guttmann, nesse particular, era o mais optimista.

Sabia-se que, um ano antes, pedira para que fosse exarado no novo contrato 200 contos de prémio em caso de triunfo na prova máxima dos clubes europeus. "Oh homem, ponha até mais 100!", terá dito um incrédulo dirigente. Guttmann não se fez rogado. E pôs.

Provavelmente, terá sido essa, a de 60/61, a melhor temporada do centenário Benfica. A primeira das sete de Germano. Ao Campeonato juntou-se o maior dos desideratos, o titulo europeu. Só que a Taça falhou, porque naquele jogo com o Vitória de Setúbal, apesar de haver já Eusébio, não havia mais titulares, de partida estavam para Berna, onde o Barcelona os esperava, tudo devido a um ridículo regulamento. E ainda hoje se fala da protecção das instâncias do futebol ao Benfica. Balelas, isso sim!

Com um Costa Pereira seguro, um Germano imperial, um Coluna autoritário, um José Augusto estonteante, um Águas concretizador, mais os outros, todos os outros companheiros de jornadas épicas, lá foi o Benfica, para conforto nacional, ultrapassando, sucessivamente, opositores como o Hearts, o Ujpest, o Aarhus, o Rapid e o Barcelona. No Estádio Warkdorf, na Suiça, no último dia de Março de 1961, pela primeira vez uma equipa lusa arrebatava o titulo europeu. Na manhã seguinte, o Mundo acordava muito mais... português.



Foi uma final comovente e sortuda para o Benfica. Kubala, Kocsis e Czibor eram do melhor que até então a Europa havia visto. Germano e seus pares da defensiva, não poucas vezes, viram-se em bolandas para os travarem. Valeu a solidariedade, valeu a mística. E Germano foi dos primeiros a fazer profissão de fé.

No ano imediato, igual cometimento. Frente ao Real Madrid, o Benfica bisava, transformando-se na mais famosa equipa do Velho Continente. Com o inevitável concurso de Germano, com Eusébio e Simões ainda na flor da juventude. Tudo eram rosas para o central encarnado, cujo futebol, de tão perfumado, aromava todas as veredas que atravessavam a aldeia da bola.

Germano manteve-se imperturbável. A fama e os louvores não buliram com aquela postura característica. Continuava a cultivar a diferença. Até nos estágios, por essa altura saturantes, porque muito prolongados. Conta Eusébio que "o Germano andava quase sempre com um livro debaixo do braço, enquanto nós, nas concentrações, só líamos jornais e revista". De tal sorte, que a língua viperina, mas carregada de humor, de Mário João, não tardou a alcunhá-lo de "Mister Book", para insatisfação do visado. "Ainda por cima eram sempre livros com mais de 500 páginas", completa Ângelo, sem muito puxar pela memória. Do álbum de recordações, lugar destacado para Germano. Tão igual no apego à bola, tão diferente nas (outras) opções de vida. Mas sempre simpático, que introvertido não é sinonimo de arrogante.

Perdida a terceira final consecutiva, frente ao AC Milan, sem Germano, sempre a padecer de lesões, afastado por Riera, a 27 de Maio de 1965 abria-se ao Benfica a hipótese de garantir o tricampeonato da Europa. Um temporal diluviano abatera-se sobre Milão, chegando a temer-se a realização do embate. O árbitro foi o suíço Gottfrield Dieusf que, um ano depois, estaria envolvido naquela controvérsia que até hoje dura, a da validação do terceiro golo da Inglaterra à Alemanha, no Mundial de 66.

O Inter abriu o activo, por intermédio do brasileiro Jair. Costa Pereira aprendeu talvez a dizer frango em italiano, tão mal batido foi. Abalado, macambúzio, lesionou-se e o frágil alicerce anímico insusceptibilizou também a recuperação. Foi assim que, aos 12 minutos da metade complementar, na impossibilidade de proceder a substituições, Germano calçou a luvas, ocupou lugar entre os postes e... defendeu tudo. Porém, não chegou, que a linha avançada, essa, demasiado abúlica, não conseguiu desfeitear o guardião transalpino.



Perdia-se assim aquela que o Benfica apelidou de taça da vergonha, disputada no terreno do adversário, coisa engendrada no silêncio dos bastidores, de nada valendo a justa contestação encarnada.

Durante um ano mais, Germano continuou a exibir-se ao melhor nível. Para trás ficava o calvário das lesões, que lhe havia tolhido a alma. Estávamos na antecâmara do Mundial de Inglaterra. Convocado foi e, mais importante ainda, era o capitão da equipa, sinal de incontestável liderança. Contudo, na mais brilhante operação do futebol português a nível de selecções, apenas se mostrou num jogo, o da vitória, por 3-0, com a turma nacional búlgara.

Quando regressou de Inglaterra, soube que estava na lista de dispensas de Fernando Riera. Apopléctico ficou, confrontada com a (má) nova. Poderia ter retaliado. Nessa altura ou mesmo pela vida fora. Mas não. Muitos anos depois, foi possível recolher-lhe uma das raras declarações, justamente sobre o homem que da Luz lhe deu guia de marcha: "Fernando Riera foi um grande treinador, uma pessoa amável, profundo conhecedor do futebol, incapaz de cometer injustiças no relacionamento com os jogadores". Também por aqui se explica esse traço incomum do seu temperamento.

Ao Benfica regressaria, a meio da época 67/68, quando Otto Glória reassumiu a liderança do futebol, substituindo Riera. Integrou como adjunto a equipa técnica da final europeia, de Wembley, ante o Manchester United. Mergulhou, depois, Germano, num silêncio quase permanente. E numa ausência dolorosa até à sua morte, ocorrida, por sardonismo, no ano do Centenário. Dele ficou rico legado.

Elvis the Pelvis


46Rossi


Mestre

Tenho partilhado este tópico com o meu pai, nos jantares que vou fazendo com ele semanalmente. A semana passada perguntava-me se o Germano ainda não tinha aparecido, ele que foi um dos maiores exemplos de esforço, respeito e pilar da mística benfiquista. Pelo que li agora, um grande senhor.

Bravo Ednilson.

VitorPaneira7

Profeta  :cry2: que grande jogar sempre de peito aberto chamasse o adversário Arsenal ou Amora.