Decifrando imagens do passado

Baron_Davis


RedVC

Citação de: Baron_Davis em 09 de Outubro de 2022, 20:15


Perdemos na final, contra o Athletic Bilbao. Ficou 1-2, após prolongamento.
Ganhamos no ano anterior ao Penarol por 3-0
Troféu mítico pela sua dimensão e beleza e pelo histórico impressionante de equipas e jogadores que por lá passaram. Sediado em Cadiz.

https://www.campeoesdofutebol.com.br/ramon_carranza.html

RedVC

#1262
-334-
El Trotamundos (parte I): na mobilidade, há bênção


Dia 19 de julho de 1959, Estádio Nacional.


O treinador José Valdivielso entre os vencedores da Taça de Portugal de futebol em 1958-59.


A equipa principal de futebol do Sport Lisboa e Benfica celebra a conquista de mais uma Taça de Portugal, a 13ª da sua História, após vencer o Futebol Clube do Porto por 1-0 (ver: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19581959/taca-de-portugal/1959-07-19/sl-benfica-1-x-0-fc-porto).

A vitória ficou selada com um golo de Cavém, marcado logo aos 12 segundos de jogo! Cavém marcou o golo decisivo mais rápido de sempre das finais da Taça de Portugal!


https://www.youtube.com/watch?v=6cMnMGbPAB8


A temporada de 1958-59 não foi fácil, pois perdeu-se o título de campeão nacional, justamente para o FCP. No entanto, naquele final de tarde, o Benfica foi mais forte e impôs a superioridade que, por vicissitudes diversas, o treinador Otto Glória e a sua equipa não tinham conseguido demonstrar durante a temporada.


Mas, Otto Glória não nos aparece na fotografia...


É que o treinador brasileiro estava de saída do Clube e, alegando que o seu contrato tinha expirado em 30 de junho, decidiu que não orientaria a equipa nos jogos disputados para lá daquela data!

Como solução de recurso, a direção Benfiquista incumbiu essa difícil tarefa, a José Alberto Valdivielso, até então treinador das camadas jovens do Clube.

Foi uma situação ainda mais corajosa do que a nomeação de Fernando Caiado, quando substituiu Béla Guttmann, para orientar "apenas" o jogo da final da Taça de 1961-62.

Valdivielso foi um profissional de futebol dedicado e competente, muito sabedor do seu ofício, e que, durante quase 10 anos (≈1953-1962), contribuiu decisivamente para os primeiros anos de profissionalização do futebol do Sport Lisboa e Benfica e para a formação de novos jogadores no Clube.

Valdivielso tem uma interessante história de vida, parte da qual dedicada ao nosso Clube. Aliás, o Benfica foi o Clube em que ele permaneceu mais tempo durante todo o seu trajeto desportivo.

A importância da sua passagem pelo Glorioso merece ser lembrada e elogiada. Dessa forma, mesmo assumindo lacunas explicadas pela escassez de informação, neste e nos próximos dois textos, iremos tentar divulgar factos relevantes dessa vida.


José Alberto Valdivielso, "el trotamundos", expressão espanhola que quer dizer "o viajante do mundo".


Argentino e "trotamundos"




José Alberto Valdivielso nasceu em Sán Martin, Buenos Aires, Argentina, no dia 16 de setembro de 1919. Filho de pai espanhol e mãe argentina, o pequeno José Alberto cresceu na sua cidade natal, cedo mostrando interesse pelo futebol.



Registo de batismo de José Alberto Valdivielso


Na mobilidade, há bênção...

Há um velho provérbio que nos diz: "Na mobilidade, há bênção"...

Ao que parece, desde cedo, Valdivielso incorporou esse lema de vida, transitando de clube em clube, de cidade em cidade, sempre procurando o melhor para a sua carreira. Ao permanecer cerca de 10 anos por cá, o Benfica seria uma pequena exceção nessa vida de itinerância.

Aos 18 anos, Valdivielso jogava no Central Argentino, um pequeno clube da sua localidade natal, e cujo futebol sénior, amador, militava no terceiro escalão. Seis meses depois, e por 500 pesos, foi transferido para o Club Sportivo Dock Sud, agremiação sediada na cidade de Avellaneda, e que então militava no segundo escalão.

Apenas 10 meses passados, regressou a Buenos Aires, para ser contratado pelo famoso San Lorenzo de Almagro, a troco de mil pesos e de dois jogadores. O San Lorenzo de Almagro era, e continua a ser, um dos 5 grandes clubes argentinos de futebol.

Depois, na temporada 1943-44, Valdivielso parece ter transitado pelo Chile, Equador, Perú e México.... Terá jogado, entre outros, nos mexicanos do UA Moctezuma de Orizaba e no Atlas de Guadalajara.

Na temporada 1944-45, parece ter regressado a Buenos Aires, mas, por impedimentos vindos dos regulamentos de novas inscrições, acabou por viajar para a Venezuela, onde conseguiu um contrato com o Loyola SC de Caracas, clube pertencente ao Colégio dos Jesuítas da capital venezuelana.



Março de 1945, passagem de Valdivielso pelo Rio de Janeiro, em trânsito para Caracas.


Valdivielso era um dos apenas três profissionais do plantel do Loyola SC, que na altura ostentava o título de bicampeão venezuelano de futebol. A temporada não parece ter corrido bem, tendo o Loyola SC perdido o título, e Valdivielso saído do clube, ao que parece de forma bastante turbulenta. Não seria a última vez.



Valdivielso nos venezuelanos do Loyola SC


Por volta de 1946, Valdivielso chegou à Europa, a Espanha, num tempo em que por lá começavam a ser permitidas as inscrições de jogadores e treinadores estrangeiros. Como referimos nos textos anteriores, nas décadas de 40 e 50, o futebol argentino estava na moda, muito por via das impressionantes digressões, na Europa, de alguns dos seus grandes clubes.



O San Lorenzo de Almagro era uma potência futebolística durante a década de 40


Em Portugal, ficaram famosas as apresentações do San Lorenzo de Almagro em 1947 (ver: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/Periodicos/Stadium/1947/N218/N218_master/StadiumN218_1947.PDF) e do Boca Juniors e do Independiente em 1953.

Já em Espanha, Valdivielso ingressou então no Racing de Santander, que na altura militava na segunda divisão espanhola. Em Santander, Valdivielso distinguiu-se como um excelente jogador, mesmo apesar dos fracos resultados desportivos nessa temporada do Racing.

Assim se explica que, na temporada seguinte de 1947-48, Valdivielso tenha sido contratado pelo Atlético de Madrid, tornando-se o primeiro argentino a integrar os quadros dos colchoneros.



Valdivielso incluído numa coleção de cromos espanhola de 1948-49.


Por Madrid permaneceu durante duas temporadas, jogando mais na primeira do que na segunda temporada.



De 1947 a 1949; durante duas temporadas, Valdivielso foi colchonero.


Jogava numa posição média no campo, sendo considerado como um jogador muito técnico, cerebral e disciplinado, mais forte nas tarefas ofensivas do que defensivas. Verdade ou não, ficou também com a fama de ter introduzido, pela primeira vez, a "rabona" no futebol espanhol. Para além disso, Valdivielso gostava também da componente tática do futebol, mostrando capacidades precoces como organizador tático e pensador de jogo. Estava ali já o germe da sua carreira de treinador.



Um artigo do jornal "Marca", de setembro de 1947, onde se salientava o perfil de Valdivielso e o seu interesse pela componente tática do jogo.



Nas suas duas temporadas como colchonero, Valdivielso parece ter feito um total de 25 partidas, marcando dois golos. A sua principal conquista foi a "Copa del Presidente de la Federación Española de Fútbol de 1947" (ver: https://los50.es/la-copa-del-presidente-de-la-federacion-espanola-de-futbol-de-1947-el-cuarto-de-los-treinta-y-tres-titulos-del-club-atletico-de-madrid/

Num determinado momento parece que terá até ponderado a possibilidade de se naturalizar espanhol, -à semelhança de outros argentinos que jogaram nas seleções de Espanha, França e Itália. Aparentemente não terá concretizado essa eventual intenção.
No início de 1949, apesar de rumores de um forte interesse dos franceses do Saint-Étienne, Valdivielso transferiu-se para o Real Zaragoza, que por ele terá pago a então substancial verba de 125.000 pesetas. Tornou-se então o primeiro estrangeiro da história do clube e, na altura, o mais bem pago.



Integrando o plantel do Real Zaragoza 1950-51


Também em Saragoça, jogaria mais na primeira temporada, não permanecendo por lá mais do que duas temporadas. Em meados de 1951 estava pronto para novas aventuras. Mantinha-se o padrão de vida de "trotamundos"...



As quatro temporadas espanholas de Valdivielso. Fonte: https://www.bdfutbol.com/j/j10449.html


Aqui chegando, tenho um hiato de conhecimento da parte final da sua carreira de jogador. Pelas declarações que lemos, numa entrevista da década de 50, parece que ainda terá jogado no Brasil e em Itália...

Por volta de 1952, terá iniciado a sua carreira de treinador, chegando a Portugal, eventualmente na sequência de um interesse do GD Estoril-Praia, mas acabaria por ser contratado pelo Benfica. Presumo que terá sido contratado inicialmente para orientar as camadas jovens do Clube, ou eventualmente como preparador físico. O que é certo é que na temporada 1953-54 assumiria o comando da equipa principal de futebol do Benfica.

No próximo texto falaremos da passagem de Valdivielso pelos quadros do Sport Lisboa e Benfica.



Nota: fonte privilegiada de material apresentado neste texto, foi obtida aqui: https://twitter.com/i/events/1261392078686355459


RedVC

#1263
-335-
El Trotamundos (parte II): uma entrada turbulenta

Dia 19 de julho de 1959, Estádio Nacional. Final da Taça de Portugal de 1958-59.
Sport Lisboa e Benfica 1 – Futebol Clube do Porto 0.
Uma outra fotografia, um outro ângulo.


O treinador José Valdivielso entre os vencedores da Taça de Portugal de futebol em 1958-59.


Sugestão de leitura de uma ótima evocação desta grande vitória Benfiquista:

https://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2017/07/1-2-3-4-5-6-7-8-9-10-11-e-12-segundos.html


A final dos bancos "renovados"


Valdivielso no banco de suplentes, após a expulsão de Mário João... Fonte: DL0


Como mencionamos no texto anterior, Otto Glória já não se sentou no banco do Benfica nessa final. Aliás já não se tinha sentado em todos os jogos antecedentes disputados após 30 de junho de 1959, o dia em que o seu contrato tinha expirado.

É que, naquela temporada de 1958-59, a disputa dos quartos e das meias finais da Taça de Portugal foi marcada para o mês de julho. E, como as eliminatórias eram disputadas a duas mãos, isso significa que a tarefa de Valdivielso até à desejada final, foi a de orientar a equipa em 4 jogos de alta tensão e risco.

Nos quartos de final eliminamos o Belenenses (3º classificado nesse campeonato de 1958-59) por 1-3 e 3-0, e nas meias-finais, eliminamos o Sporting (4º classificado) por 1-2 e 3-1! Foi um caminho muito duro, mas bem-sucedido.

Curiosamente, na final também no banco do FCP não estava sentado o treinador principal dessa temporada, ou seja, Béla Guttmann! O húngaro também estava de saída do FCP! Segundo alguns, estava demissionário, mas segundo o próprio, o seu contrato já tinha expirado.

Nesse dia, Guttmann até esteve nas bancadas a assistir ao jogo, dizendo que estava... de férias e que nos dias seguintes iria passar uma temporada a Zurique! Resta dizer que nessa altura os rumores já diziam que Béla Guttmann estava de saída para o Benfica! E assim seria.



Otto Glória (1917-1986) e Béla Guttmann (1899-1981), representavam o passado e o futuro do Benfica, nessa final da Taça de Portugal de 1958-59.


Ora, Béla Guttmann tinha chegado ao FCP uns 9 meses antes, em 1 de novembro de 1958. Chegou com a temporada já a decorrer e encontrou uma equipa descrente, em crise de resultados. Mas, sem receios, operou uma verdadeira revolução na equipa titular e no modelo de jogo, conseguindo o milagre de guindar os portistas ao título, conquistado apenas pela diferença de 1 golo...

Pelo caminho, os portistas beneficiaram de algumas goleadas esquisitas e arbitragens condizentes, mas ainda hoje a generalidade dos seus adeptos replica as fantasias do chamado "caso Calabote". Replicam como se fosse verdade. Replicam, como se não tivesse sido em Torres Vedras, onde o Porto jogava nessa jornada final, que se deram expulsões decisivas para o desfecho do jogo e do campeonato! Mentir mil vezes para dar uma ilusão de verdade...

Foi neste contexto, de relações tumultuosas entre clubes e treinadores, que Valdivielso liderou a equipa Benfiquista. A Taça de Portugal de 1958-59 seria o seu único título nacional ao serviço do Benfica, em equipas seniores. Um percurso que se iniciou em 1953-54, temporada que por merecer destaque, será desenvolvida neste texto.

Com a chegada de Béla Guttmann, Valdivielso regressaria ao seu extraordinário trabalho de formador de futebolistas e treinador das camadas jovens do Benfica. Seguir-se-iam anos extraordinários para o Benfiquismo!



Uma entrada turbulenta


José Alberto Valdivielso assinou pelo Sport Lisboa e Benfica no dia 2 de fevereiro de 1954.
Segundo a documentação oficial do Clube, nessa altura, Valdivielso foi contratado para o cargo de treinador adjunto e para a "categoria júnior", ou seja, para orientar as camadas jovens.

No entanto, pelo menos alguma imprensa deu conta que Valdivielso foi contratado para assumir as funções que até então tinham sido assumidas pelo Conselho Técnico que dirigia o futebol do Benfica. Foi contratado porque Ribeiro dos Reis e José Simões, as duas principais figuras desse Conselho Técnico tinham apresentado a sua demissão.



Fonte: DL, 4 de fevereiro de 1954


Até então, a orientação do nosso futebol era feita por um Conselho Técnico liderado por António Ribeiro dos Reis, coadjuvado por José Simões, antigos jogadores e duas grandes figuras do Benfiquismo. Como treinador de campo tínhamos Alfredo Valadas, coadjuvado por Francisco Ferreira.

Essa equipa técnica vinha já da temporada anterior, tendo sido nomeada logo após a saída do argentino Alberto Zozaya, com a exceção de Alfredo Valadas, que regressou ao Clube no início da temporada de 1953-54.



A equipa técnica que liderou o futebol Benfiquista no princípio da temporada de 1953-54


Só que, apesar de ser uma estrutura de homens de inexcedível Benfiquismo e conhecimentos futebolísticos, nem por isso obteve resultados satisfatórios. E, nem por isso, a contestação dos adeptos deixou de se fazer sentir....

Mas as demissões não se ficaram por aí, pois Francisco Ferreira resignaria ao seu cargo de treinador adjunto, logo no dia 8 de fevereiro. Apenas Alfredo Valadas se manteve no cargo de treinador de campo até ao final da temporada, altura em que saiu para treinar o DC "O Elvas".

Com o ingresso de Otto Glória, a 21 de junho de 1954, e devidamente coadjuvado por José Valdivielso, entraria em curso a mudança do futebol Benfiquista para o profissionalismo e para a adoção de novos métodos de treino e de preparação de jogos.

A temporada de 1953-54 foi, portanto, uma época de transição para uma outra realidade, em que com a introdução do profissionalismo, o Benfica estabeleceu em definitivo a sua grandeza nacional e internacional.

Assim, chegados aqui, interessa falar do contexto dos primeiros dias – turbulentos - de Valdivielso, no Benfica, até para que no final se possam comparar as realidades do Clube, uma década depois.

E em tudo o que vai dizer, deve também perceber-se como o presidente Ferreira Bogalho não pode ser considerado "apenas" o "Homem do Estádio". É que para além das infraestruturas, Bogalho criou também as bases desportivas do Benfica Europeu. O segredo foi identificar os homens certos para essa missão gigantesca, ou seja, Otto Glória e José Valdivielso. E se o primeiro é plena e justamente lembrado e reconhecido, o segundo é hoje um quase desconhecido dos Benfiquistas. É contra esse desconhecimento que estes dois textos são feitos. Feitos em memória e em reconhecimento à obra de José Valdivielso.


Uma época de desilusões e despedidas



Os 25 jogadores utilizados no campeonato nacional de 1953-54. Dispostos de cima para baixo e da esquerda para a direita por ordem decrescente de utilização.


José Alberto Valdivielso estreou-se a orientar o plantel principal de futebol do Benfica no dia 7 de fevereiro de 1954. Disputava-se então a 16ª ronda de um campeonato com 26 jornadas. Nesse dia, no Campo Grande, vencemos o Vitória de Setúbal, por 9-0, com 4 golos de José Águas, que tinha regressado pouco tempo antes, após debelar uma lesão prolongada.

Só que, quando Valdivielso assumiu o cargo de treinador principal, o Benfica já tinha cinco derrotas e três empates, ou seja, tinha perdido pontos em metade dos jogos disputados.... E na jornada anterior tínhamos sido goleados em Braga por 0-5, e descido para o 5º lugar, com 6 pontos de atraso para o SCP.

Assim, depois de derrotas com o VFC (Setúbal), Académica de Coimbra, FCP, SCP e SC Braga, o título de campeão era uma miragem. Em campo, as nossas equipas revelavam notórias limitações, com pouco entendimento nos diversos sectores. Havia descrédito e tensão. Tinha havido também um caso grave de indisciplina, que resultou na suspensão interna de Félix Antunes, logo na 3ª jornada.

Infelizmente, até ao final da temporada, apesar de algumas melhorias, o Benfica continuaria a fazer um campeonato irregular, com mais duas derrotas e três empates, terminando em 3º lugar, a 11 pontos do SCP e a 4 pontos do FCP.

No balanço, percebe-se que 1953-54 foi uma época de afirmação de novos jogadores como Fialho (vindo do Sport Lisboa e Bissau), Francisco Palmeiro (GD Portalegrense) e de Francisco Calado, Salvador (ex-juniores), mas também de ocasos, como o já citado Félix. Outros, como Rogério Pipi, Moreira, Rosário, Mário Rui, Fernandes, teriam aqui a sua última temporada, embora a maioria até tivesse jogado muitas vezes.

E foi neste cenário de maus resultados desportivos e de profundas mudanças, que a direção Benfiquista teve o discernimento de não dispensar os serviços de Valdivielso, valorizando o seu profissionalismo e conhecimentos. Essas enormes capacidades de trabalho foram muito bem usadas em benefício do Clube, passando a treinar as camadas jovens, e a dar apoio de campo ao novo treinador. E, nos anos seguintes, Otto Glória, primeiro, e Béla Guttmann, depois, beneficiariam muito do apoio de Valdivielso.



Sport Lisboa e Benfica, plantel campeão nacional de 1956-57. José Valdivielso está assinalado ao meio, por trás de Otto Glória.


Nos seus tempos de trabalho conjunto, Valdivielso dizia que tinha uma perfeita camaradagem com o Otto Glória, e que isso servia maravilhosamente para o bem do Clube.



Fonte: BND


Também com Béla Guttmann, estabeleceu uma boa colaboração, de tal forma que, como nos disse Alberto Miguéns (ver: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2020/05/ha-60-anos-na-india.html), foram indicações de Valdivielso que levaram o húngaro a aceitar a reformulação da política de formação do quadro de reservas para 1960-61, privilegiando os jogadores formados nas camadas jovens e não jogadores contratados a outros clubes.



Uma das fornadas de José Valdivielso


Valdivielso era então uma peça chave no departamento de futebol, e sabia bem da qualidade que estava a ajudar a apurar, no seu labor diário. Sabia que os jovens jogadores dessa fornada deveriam manter-se reunidos em benefício do Benfica.

Ao mesmo tempo, Valdivielso era também um divulgador dos seus conhecimentos técnicos e táticos, publicando artigos no nosso jornal.


Fonte: jornal "O Benfica"


Mas, talvez a mais importante contribuição de Valdivielso tenha sido a sua ação como formador de novos jogadores que enriqueceram as nossas equipas principais.

No próximo texto falaremos, brevemente, dessa faceta



RedVC

-336-
El Trotamundos (parte III): forjador de campeões


Um artigo de "O Benfica Ilustrado", revista do Clube


Artigo de "O Benfica ilustrado" salientando o trabalho de José Valdivielso na formação.


Durante os quase 10 anos que permaneceu no Benfica, José Valdivielso ganhou cerca de uma vintena de títulos nacionais, orientando as equipas das camadas jovens. Só em juniores, entre 1954-55 e 1961-62, em 9 campeonatos possíveis, o Benfica conquistou 7, ficando os restantes 2 para o SCP (ver: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2014/02/formacao-made-in-slb.html).



Valdivielso com o plantel de juniores, campeão nacional em 1956-57. Alguns como Mendes, Humberto Fernandes e Ramalho, chegariam à equipa principal.


Muito desse sucesso vinha não apenas dos conhecimentos técnicos que punha ao serviço da melhoria individual dos atletas e coletiva das equipas, mas também pela ambição que colocava nas competições. Era intratável, exigindo sempre que se lutasse pela vitória, e que os seus atletas lutassem como "homens".

Durante toda a década de 50, José Valdivielso foi a grande figura da formação do Benfica, dando continuidade a uma tradição longa de formação de jogadores de forma a abastecer a equipa principal. E, como lembrava, já na década de 70, pelas suas equipas jovens passaram futuras grande estrelas do futebol Benfiquista, e não só, tais como: António Simões, Cruz, Santana, José Henrique, José Torres, Gervásio, Melo, Guerreiro, Humberto Fernandes, e tantos outros....

Valdivielso seria reconhecido, e até condecorado quer pelo Benfica quer pela Federação Portuguesa de Futebol.


Uma tradição que vinha de longe


Equipa juvenil de 1910, no campo da Feiteira, Benfica


A formação de novos jogadores, apostando em equipa de camadas jovens, foi desde cedo uma preocupação do Clube. logo na primeira década da nossa História, Manuel Gourlade e Cosme Damião, estruturaram um modelo de organização desportivo que passava por 4 categorias, mas também de equipas juvenis que dentro das limitações da época, aproveitavam o grande interesse da juventude para a prática do futebol.

A ideia era, por um lado, assegurar uma fonte de recrutamento larga a partir da qual seria selecionada e premiada a qualidade, com a ascensão dos melhores até à equipa principal, e por outro lado inculcar a Mística e os Valores do Clube através do exemplo e da convivência com elementos veteranos.

A satisfação dessas necessidades era tanto mais fundamental quanto se pensa que para além da ambição e exigência competitiva do Clube, ainda havia a tradição de jogar apenas com jogadores portugueses, algo que só mudou no final da década de 70 do século XX.

É certo que, na década de 50, quando Valdivielso chegou, o Benfica estava também a iniciar um aproveitamento bem maior e mais profícuo do viveiro das então colónias ultramarinas. No entanto, de que valeria recrutar bem se depois não se fizesse bem o aproveitamento desse talento? Foi também aí que Valdivielso deu inestimável contribuição ao Benfica.



Os novos recrutas da temporada de 1954-55, posam com o treinador José Valdivielso. Nota-se a presença de 3 jogadores vindos das colónias: Costa Pereira, Naldo e Coluna...



Assim, ao longo das décadas, com altos e baixos, houve uma linha de continuidade nas apostas da formação no SL Benfica, mesmo aquando da profunda reformulação da estruturação competitiva das competições do futebol em Portugal, como foram as que ocorreram na década de 30.

Esta aposta continuada explica que grandes nomes da História do SL Benfica estejam associados à formação ao longo das décadas: Ribeiro dos Reis (década de 30), János Biri (40), José Valdivielso (50), Ângelo Martins (60 e 70) Fernando Caiado (80), Néné (90) e Jaime Graça (00).

Apesar de estes terem sido, provavelmente, os nomes mais destacados da longa tradição de formação no Sport Lisboa e Benfica, é preciso dizer que muitos outros deram e dão valiosa contribuição. Antes como agora, esse é um sector que deve ser privilegiado e acarinhado por todos os Benfiquistas.


Tempo de despedidas

Em 9 de janeiro de 1962, Valdivielso apresentaria a sua demissão do Benfica, por motivos que desconheço. Essa saída precedeu a de Béla Guttmann, que saiu em 7 de junho desse mesmo ano, poucos dias depois de se sagrar bicampeão europeu. Chegava ao fim uma grande dupla técnica da História do Sport Lisboa e Benfica. O Benfica soube ser grato a quem o bem serviu, e o grande presidente Maurício Vieira de Brito foi um dos intérpretes dessa gratidão.



Valdivielso a receber manifestação pública de apreço por parte do presidente Maurício Vieira de Brito


Valdivielso seria substituído por Fernando Cabrita, que alguns meses mais tarde, juntamente com Fernando Caiado, passaria também a dar apoio técnico ao chileno Fernando Riera. Na essência, o organigrama de sucesso da orientação técnica do futebol Benfiquista mantinha-se, mas agora com outros protagonistas.



As mudanças da orientação técnica do futebol Benfiquista. Fonte: Em Defesa do Benfica


Eram tempos de mudança para o Benfica, e no caso de Valdivielso, era o regresso à sua vida de trotamundos. Uma vez mais, trotamundos.


Novos rumos

Depois do Benfica, em 1962-63, Valdivielso aceitou um convite para assumir o comando da equipa de futebol do Sporting da Covilhã, que na altura tinha baixado para a II divisão. A decisão torna-se mais compreensível quando se percebe que na altura os serranos tinham diversos jogadores proveniente dos quadros do Benfica, alguns dos quais tinham lá chegado por via da transferência do guarda-redes Rita para a Luz. Valdivielso conhecia muito bem esses jogadores.

O Sporting da Covilhã disputava então a zona norte da II Divisão (então dividida em três zonas), um campeonato muito competitivo. Mas, no final de janeiro, no final da 1ª volta, Valdivielso renunciaria ao cargo, alegando que o plantel não lhe dava condições para fazer um trabalho em profundidade. Renunciou de forma litigiosa e atribulada, isto apesar dos serranos estarem em 3º lugar, a apenas dois pontos da liderança... (fonte: https://www.historiascc.com/index.php?option=com_content&view=article&id=633:2014-10-28-13-06-04&catid=34:treinadores&Itemid=195).



Sporting da Covilhã, 1962-63. A sublinhado estão antigos recrutas do Benfica.


E, extremando a sua vontade de correr mundo, a etapa seguinte seria nos antípodas, pois Valdivielso aceitou um convite do Canterbury FC, clube então baseado em Sidney (https://en.wikipedia.org/wiki/Canterbury_Bankstown_FC)!

Mais tarde, regressaria à Venezuela, para orientar o Deportivo Galícia, onde se sagrou campeão nacional da I divisão, em 1964 (https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%BAtbol_Club_Deportivo_Galicia). E pela Venezuela parece que terá ocupado outros cargos e, presumo, terá residido até à sua morte.


Tempo de memórias



Valdivielso aquando da sua visita a Lisboa, em janeiro de 1971


Em janeiro de 1971, quando era professor de futebol no Instituto do Desporto na Venezuela, e desfrutando de um período de férias em Portugal, Valdivielso visitou o nosso Clube. Fez também algumas declarações relevantes a diversos jornais portugueses, onde lembrava a sua colaboração com o Glorioso:

"Estive quase dez anos no Benfica em todas as categorias e fui o treinador da "primeira categoria" que conquistou a Taça de Portugal em 1959. "No Benfica fui forjador de vedetas e tive miúdos que foram e ainda são gente no futebol, casos do Simões, Cruz, Santana, José Henrique, Gervásio, Melo, Guerreiro, Humberto e tantos outros".

E assim, no final desta evocação, como não lembrar algumas declarações mais antigas, que nos remetem ainda para o extraordinário ano de 1955, num tempo em que Valdivielso estava ao serviço do nosso Clube há menos de dois anos....




Valdivielso sabia bem o que falava. É que chegou quando o Clube vivia a empolgante epopeia da construção do Estádio da Luz! Aventura única, que lhe deu a imagem perfeita da grandeza única do Sport Lisboa e Benfica!

E, se compararmos, Valdivielso entrou no Benfica com o Clube em profunda crise desportiva e quando saiu o Clube estava prestes a sagrar-se bicampeão europeu de futebol. É indesmentível que Valdivielso teve uma quota importante nessa transformação competitiva do Clube. A sua ação merece ser lembrada. A sua memória merece ser honrada.


José Alberto Valdivielso faleceu em 8 de abril de 1996, com a idade de 74 anos.

Paz à sua alma. Honra à sua memória!




José Valdivielso (1919-1996)

Obrigado, José Valdivielso!

Baron_Davis


dsdsds44

Este tópico é simplesmente incrível.

Sempre que aqui passo fico sem palavras para descrever o trabalho do user RedVC.

RedVC

Citação de: dsdsds44 em 09 de Novembro de 2022, 08:41
Este tópico é simplesmente incrível.

Sempre que aqui passo fico sem palavras para descrever o trabalho do user RedVC.

Obrigado, dsdsds44  O0

Nos próximos tempos não haverá mais textos, mas outra coisa está em marcha.

dsdsds44

Citação de: RedVC em 09 de Novembro de 2022, 08:54
Citação de: dsdsds44 em 09 de Novembro de 2022, 08:41
Este tópico é simplesmente incrível.

Sempre que aqui passo fico sem palavras para descrever o trabalho do user RedVC.

Obrigado, dsdsds44  O0

Nos próximos tempos não haverá mais textos, mas outra coisa está em marcha.
Vou estar atento.

Eu é que tenho que agradecer porque aprendo bastantes coisas com os teus textos.

Baron_Davis


RedVC

Citação de: Baron_Davis em 22 de Novembro de 2022, 23:30


25 de maio de 1988



Tanta falta nos fez Diamantino
Talvez a equipa que jogou contra o AC Milan dois anos depois, vencesse estes holandeses

RedVC

#1271
-337-
Dia da Luz

Dia 1 de dezembro de 1954. Inauguração do Estádio do Sport Lisboa e Benfica.
Passam hoje 68 anos desse que se celebrou esse dia da Luz!




O General Craveiro Lopes, presidente da República de Portugal, impõe a condecoração da Medalha de Mérito Desportivo.

Uma das muitas emoções que encheram o coração dos Benfiquistas nesse grandioso dia da Luz!

Nesse ano o Clube celebrava 50 anos desde a sua fundação. Um Clube que nasceu com parcos recursos, reunindo meninos pobres, ricos, e remediados, de todas as condições sociais, e que depois de tantas glórias, conquistadas entre alegrias e tristezas, tinha enfim, uma nova casa. Tinha, enfim, um parque desportivo que refletia a sua grandeza passada e presente, e que era compatível com o seu indisputado estatuto de maior Clube de Portugal.

Um Estádio, carinhosamente chamado pelos seus adeptos de "ESTÁDIO DA LUZ" e que nas cinco décadas seguintes se tornou parte indissociável da grandeza futebolística que projetou o Sport Lisboa e Benfica ao estatuto de um dos gigantes da Europa.

E foi naquele dia 1 de dezembro de 1954 que ele surgiu aos olhos dos Benfiquistas. Alvo, simples, belo, arrebatador, inesquecível.




A Catedral quase pronta para ser inaugurada em 1 de dezembro de 1954.



Como esquecer a descrição que nos deixaram Mário de Oliveira e Rebelo da Silva, a propósito desse que foi um dos dias mais brilhantes do Benfiquismo?


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A emocionante condecoração do estandarte pelo Chefe de Estado


Com o desfile de velhos e novos Benfiquistas, que pela primeira vez pisaram a terra batida que ladeia o magnífico relvado do novo Estádio, terreno que lhes pertence, por fazer parte do monumento grandioso que oferecemos ao Benfica, no ano comemorativo das suas Bodas de Ouro, ficou assinalada mais uma das muitas páginas da grandiosa epopeia Benfiquista.

No relvado, depois de terminado o desfile, ficaram os porta-bandeiras de todos os Clubes que nele tomaram parte.

De repente, bandeiras ao alto, todos se puseram em movimento até ao próximo da tribuna presidencial, ficando à frente o estandarte do Benfica e a sua Guarda de Honra. O Chefe de Estado, acompanhado pelo Ministro da Educação Nacional, e por outras individualidades, concedeu a suprema honra de descer ao relvado a fim de colocar no estandarte do Benfica a Medalha de Mérito Desportivo.

Seguidamente o Chefe de Estado ficou em continência, prestando ao símbolo do Clube a maior honra que lhe poderia ser concedida: a continência do Chefe de Estado.

Mais um momento de delírio foi vivido no Estádio. Os "vivas", o agitar das bandeiras, as lágrimas a correrem mais uma vez pelas faces de onde não tinham desaparecido ainda os sinais da alegria e da comoção, eram o testemunho de um quadro extraordinário, que mal se pode reproduzir nestas páginas, por maior que seja a nossa vontade.

In "História do Sport Lisboa e Benfica 1904-1954".

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Um outro ângulo do momento da imposição da condecoração.




A Medalha de Mérito Desportivo atribuída ao nosso Clube em 26 de novembro de 1954 e imposta pelo chefe de Estado no nosso estandarte, no dia da inauguração do Estádio do Sport Lisboa e Benfica.



Honrai agora os Ases que nos honraram o passado.



Viva, viva o Sport Lisboa e Benfica



Alexandre1976

Que foto espetacular da nossa antiga Catedral no dia da inauguração.

RedVC

Citação de: Alexandre1976 em 01 de Dezembro de 2022, 18:16
Que foto espetacular da nossa antiga Catedral no dia da inauguração.

Alexandre, na verdade, essa foto (que eu colori) é dos últimos dias em que o Estádio estava a ser construído, antes da inauguração.

Uma foto do dia da inauguração é esta




Mas, como conta Helena Águas, no livro de homenagem ao seu pai, ainda o Estádio da Luz estava a ser construído, quando já tinha bancadas, muitos sócios iam em romaria para lá e festejaram golos do Benfica, noutros campos, à medida que iam ouvindo os relatos!

À Benfica!