Decifrando imagens do passado

RedVC

#195
Citação de: M1904 em 19 de Maio de 2015, 11:17
Sobre o Pantufas, lembro-me quando era pequeno o meu avô contar muitas vezes essa história, segundo a sua versão, o Pantufas limpou a camisola no rabo e mandou ao chão  :bah2:

Mais uma vez, os parabéns pelos textos!  :slb2:


PS- Já agora outra história que o meu avô conta, no Famoso 12-2 ao fcp, no estádio do Campo Grande (vulgo "ilha da madeira" ou "estancia"), o meu avô (jovem na altura) ia com o seu pai apanhar o autocarro para o jogo, quando passaram por um cinema em que estava em exibição um filme sobre boxe ou mesmo um combate, e o meu bisavô preferiu ver o filme pois era aficionado de boxe, em vez do jogo, pois na altura o fcp não era grande coisa... ainda hoje o meu avô tem essa mágoa por ter perdido esse jogo histórico.  :buck2:

Obrigado M1904. Estimo muito essas as tuas palavras pois são de um Benfiquista conhecedor.

Que preciosidade ter um avô! Que preciosidade ainda maior ele contar histórias desse tempo. Realmente foi pena ter perdido esse jogo histórico. Mas certamente o teu avô deve ter outras memórias desses tempos. Se quiseres partilhar este espaço é mesmo para isso. Talvez arranjemos fotografias para ilustrar esses momentos.


RedVC

#196
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Uma escala africana, um desafio histórico.

Hoje vamos decifrar algo especial.

Mas para isso vamos abrir uma excepção. Vamos decifrar não uma fotografia mas sim um recorte de jornal. Isso porque infelizmente não deverá existir um registo fotográfico do que vamos falar. Mas a relevância histórica justifica a excepção.

Vamos olhar para uma notícia da "Folha de São Vicente" no jornal "O Futuro de Cabo Verde".

A notícia faz-nos viajar para a ilha de São Vicente, uma das dez do arquipélago de Cabo Verde. Leva-nos até à bela cidade do Mindelo e até ao vasto campo da Salina. E faz-nos recuar até ao dia 8 de Agosto de 1913.


Nesse dia e nesse local, decorreu um:



"Folha de S. Vicente" no jornal "O Futuro de Cabo Verde" n.º 17-21.Agosto.1913. pág.3. Fonte: Joaquim Saial


A divulgação desta notícia foi feita pelo Sr. Joaquim Saial, autor do excelente blogue Praia de Bote: http://mindelosempre.blogspot.pt/2011/09/0103-primeira-vitoria-do-benfica-no.html.  O blogue é uma janela para o mundo que nos fala da história, das tradições mas também da actualidade de Cabo Verde e em particular da bela cidade do Mindelo. Merece ser visitado. Ao Sr. Joaquim Saial deixo um forte agradecimento pela disponibilização deste recorte.

E manda ainda a justiça que se mencione que a notícia foi igualmente divulgada na página 309 do livro "A imprensa Cabo-Verdiana 1820-1975" de João Nobre de Oliveira.


Então o Benfica jogou em Cabo Verde em 1913!?

Bem... Sim e não. Vejamos o que realmente está por trás deste recorte.

Se olharmos para os detalhes veremos que a situação é um pouco mais complexa mas não menos extraordinária.

Já aqui falamos da Missão Sportiva e Cultural Portugueza no Brasil, ou seja da digressão de uma selecção de jogadores da Associação de Futebol de Lisboa (AFL) ao Rio de Janeiro e a São Paulo. A 26 de Junho de 1913, comitiva Portuguesa embarcou no cais de Lisboa no paquete Drina e chegou ao Rio de Janeiro no dia 10 de Julho.



10 de Julho 1913, chegada da comitiva Portuguesa ao Rio de Janeiro.
De pé, da esquerda para a direita, reconhecem-se: Alberto Lima, João Bentes, ?, António Stromp, Cândido Rosa Rodrigues, Mário Duarte, ?, Francisco Stromp, ?, Eduardo Luís Pinto Basto, Amadeu Cruz, José Domingos Fernandes, Álvaro Gaspar, Henrique Costa, ?, Carlos Homem de Figueiredo, Cosme Damião, Artur José Pereira, Duarte Rodrigues. Em baixo, Boaventura Belo, Carlos Sobral e Luís Vieira.

Depois de um intenso programa desportivo e social, fizeram-se as despedidas e a maior parte da comitiva regressou a Lisboa no paquete Orina. Partiram do Rio de Janeiro no dia 31 de Julho e chegaram a Lisboa no dia 12 de Agosto de 1913.

E assim se percebe que no dia 8 de Agosto, esta gloriosa selecção aproveitou uma escala na ilha de São Vicente, para desafiar por radiograma os ingleses da Western Telegraph destacados em São Vicente, para disputarem um jogo de futebol.



Três aspectos das instalações da Western Telegraph no Mindelo. Princípio do Séc. XX.
   
Também em Lisboa, os ingleses do Carcavellos SC (Cabo Submarino) eram os mais destacados praticantes de futebol. Até 1910 eram quase invencíveis e por isso este desafio Africano faz todo o sentido.

Desconheço o dinamismo desportivo e futebolístico da época em Cabo Verde embora tenha ideia de já ter visto notícias. E aliás, a imagem disponível do Campo da Salina parece denotar um espaço vasto e bem definido, perfeitamente adequado para partidas de futebol daquele tempo.


Campo da Salina. Fonte: Joaquim Saial


E assim no vasto Campo da Salina, onze bravos jogadores Portugueses, liderados por Cosme Damião disputaram um jogo de enorme significado histórico. Tornaram-se os primeiros a disputar sucessivamente jogos na América do Sul e em África. Provavelmente os primeiros Portugueses que, como equipa, jogaram em três continentes.  Com esta notícia sabemos agora que Cosme Damião e alguns dos seus pares jogaram em Portugal, Espanha, Brasil e Cabo Verde. Numa época em que ainda não existia Federação Portuguesa de Futebol... Notável!

Assim, pelo menos onze jogadores Portugueses desafiaram e venceram os mestres ingleses da ilha de São Vicente. E se juntarmos fontes até os podemos identificar. E com boa margem de segurança. Se não vejamos: dos dezasseis jogadores que saíram de Lisboa, cinco não regressaram no Orina. Eduardo Luís Pinto Basto (CIF) e Cândido Rosa Rodrigues (SCP) embarcaram numa pequena comitiva em viagem de recreio para a Argentina. Boaventura Belo e Carlos Sobral (ambos do CIF) decidiram ficar mais alguns dias no Rio de Janeiro. E por último, Luís Vieira (SLB), que encantado com o Rio de Janeiro decidiu ficar por lá. Empregou-se numa casa comercial, jogou no Botafogo do Rio de Janeiro e por lá permaneceu durante alguns anos.

Sobram onze, os onze bravos jogadores que com toda a probabilidade defrontaram os ingleses da Western Telegraph. Foram eles:


A Gloriosa equipa da AFL que jogou no Mindelo no dia 8 de Agosto de 1913.

Ou seja, sete Benfiquistas e quatro Sportinguistas. Não admira que o jornalista tenha escrito que era uma equipa do Sport Lisboa e Benfica...

E para finalizar, não resisto a fazer uma especulação. Na verdade é quase um desejo de que assim tenha acontecido. O primeiro Cabo-verdino que envergou a camisola do nosso clube foi Fortunato Monteiro Levy. Nascido em 21 de Abril de 1888, na Cidade da Praia, ilha de Santiago, Fortunato estreou-se no futebol do nosso clube com apenas 16-17 anos. Foi um dos pioneiros, um dos famosos integrantes da nossa primeira equipa oficial (ver: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/01/um-minuto-de-silencio.html). Entre 1904 e 1907 destacou-se particularmente tendo sido titular indiscutível exibindo-se como um jogador de grande qualidade ("uma maravilha", nas palavras do grande Artur José Pereira). Em Abril de 1907 regressou a Santiago, para junto da família e dos seus negócios e nunca mais regressou à Metrópole.

Será? Será que Fortunato terá vindo de Santiago a São Vicente para estar com alguns dos seus antigos companheiros? Será que ainda fez o gosto ao pé e participou nesse jogo? Quem sabe se um dia não teremos a resposta definitiva?



A equipa que defrontou o Lisbon Football Clube no troféu "Viúva Senna", promovido pelo jornal "Tiro e Sport" em 1906.  Fortunato Levy é o primeiro jogador de pé, à direita. Ao seu lado está Cosme Damião.
Será que se voltaram a encontrar em Cabo Verde? Será que voltaram a jogar juntos?


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A primeira digressão do Benfica a África decorreu entre Junho e Setembro de 1950. Passou por Moçambique, África do Sul, Angola e pasme-se o Congo Belga. Na bagagem 11 vitórias, 1 empate e 4 derrotas, 58 golos marcados e 24 sofridos. Muito desgaste (que se pagaria mais tarde com um fraco campeonato) mas também uma contratação fabulosa: José Águas! Maravilhoso filão Africano! Seria no entanto preciso esperar pelo ano de 2008 para que o Benfica visitasse Cabo Verde pela primeira vez, neste caso a Ilha do Sal. Jogo contra uma Selecção de jogadores do Sal e de S. Vicente. Vitória do Benfica por 2-0.
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ps: dei conhecimento deste artigo à AFL. Como disse, considero que este evento tem uma grande relevância histórica para a AFL e para o futebol Português. Esperemos que conforme me disseram procurem envidar esforços para localizar mais documentação que, caso exista, possa complementar o que aqui se descreveu.



RedVC

#197
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Dois entre doze.

Recentemente publicada por Alberto Miguéns. Equipa sénior do Sport Lisboa e Benfica, 1932/33:


Não é bonita, não é a cores, não tem boa resolução mas é interessante em alguns detalhes.

Para começar temos aqui o detalhe curioso de termos doze jogadores e... nenhum guarda-redes! É possível que a fotografia esteja truncada mas lá que falta um guarda-redes, lá isso falta.

Se não vejamos, em cima da esquerda para a direita:
Albino (med.), Manuel Oliveira (ava.), Rogério Sousa (ava.), Alberto Cardoso (ava.), António Guedes Gonçalves (ava.), Germano Campos (def.), Vítor Silva (ava.) e João Oliveira (med.).

Em baixo:
Augusto Dinis (ava.), João Correia (def.), Luiz Xavier (ava.) e Emídio Pinho (ava.).

Nessa época Dyson já tinha desertado para o SCP por isso se não estou em erro o dono das nossa balizas já era Augusto Amaro. "Ó Amaro onde é que estás?"

É certo que alguns destes jogadores terão jogado em mais do que uma posição mas nenhum que eu saiba foi guarda-redes. Um pequeno mistério interessante.

Interessante também Guedes Gonçalves e o seu sobretudo. Estaria doente?

Depois, outro detalhe. Reparem nas botas com que eles jogavam. Era o tempo das travessas. O tempo dos campos pelados, muitas vezes enlameados. Dos "balneários" rudimentares. Do equipamento que pesava principalmente depois de uma chuvada. Das bolas pesadas que como dizia Julinho magoavam os que ousavam dar cabeçadas. Dos cuidados médicos rudimentares. Era o tempo dos heróis da bola. Do amor à camisola.

Estão na fotografia alguns jogadores com um interessante trajecto Benfiquista. Para além dos que atrás se refere. Os irmãos Oliveira "bananeira" de quem eu desconheço quase tudo mas que tiveram actividade longa e frutuosa no nosso clube. Rogério de Sousa, um internacional A de quem pouco se fala. Luís Xavier, recentemente vindo do Vitória de Setúbal e de quem espero falar num futuro próximo. De Germano Campos, Alberto Miguéns falou recentemente com o vasto conhecimento que se lhe reconhece.  Dos outros pouco sei.

Assim não podendo (e não sabendo...) falar de todos, escolhi dois:


Duas figuras míticas, dois gigantes do nosso clube.



Albino, o tempero

Temos aqui uma das mais antigas senão a mais antiga imagem de Francisco Alves Albino. Tão novinho... Alto, esguio, seco de carnes e de rija têmpera. Um Beirão, vindo de Tortosendo, vila do concelho da Covilhã para o Benfica justamente nesse ano de 1932/1933. Nascido em 2 de Novembro de 1912, Albino iniciou a sua vida desportiva no Sport Tortosendo e Benfica. O Sport Tortosendo e Benfica, 4ª filial do Sport Lisboa e Benfica foi fundado em 1922. Foi portanto fundado quando Albino tinha 10 anos de idade. Ou seja o jovem Albino viu nascer o clube. E a ele aderiu e por lá começou a dar os pontapés na bola. Era pois já desde essa altura e de forma inerente, um Benfiquista de alma e coração.

Albino estreou-se na primeira categoria do Benfica com 20 anos. É essa a idade com que está na fotografia. Segundo fontes de Tortosendo, Albino veio para Lisboa cerca de três anos antes, com apenas 17 anos. Segundo o jornal Record terá sido logo aos 15 anos. O que é certo é que a sua estreia na equipa principal ocorreu nesse ano de 1932. Que nesse tempo era difícil chegar ao pé dos campeões. Albino era um campeão, teve de lutar e assumir a dedicação e por isso a sua hora chegou.

Mais informação, aqui:

http://www-tortosendo.blogspot.pt/2013/11/benfica-o-tortosendense-francisco-alves.html

e aqui:

http://www.record.xl.pt/Futebol/Nacional/1a_liga/Benfica/interior.aspx?content_id=171049

Albino honrou-nos de águia ao peito durante 13 épocas até 1944/1945. Da sua terra Natal trouxe o seu talento, a sua abnegação, humildade e garra. Trouxe também como Alberto Miguéns nos explicou a sua implacável aversão desportiva ao Sporting. Os dérbis que disputou contra o Sporting da Covilhã não lhe podiam deixar outro sentimento.


O grande Albino. Celebrado Campeão. "Arrabenta lagartos".

Ganhou assim a fama de "arrebenta lagartos" que dos andrades trataria o Chico Ferreira alguns anos depois! Albino é uma figura mítica, um jogador que todos os Benfiquistas deviam conhecer e recordar.

Depois de 13 épocas gloriosas teve a sua merecida festa de despedida já no Estádio do Campo Grande.


Campo Grande, 13-05-1945. Festa de despedida de Albino. Nesse dia o SCP venceria por 3-1...
Fonte: Vedeta ou Marreta

Nesse dia de 13 de Maio de 1945, 5 dias após o final da II Guerra Mundial na Europa, Albino foi homenageado num jogo contra o seu adversário de estimação, o Sporting Clube de Portugal. E enfim, dessa vez ganhariam os lagartos.

Mas era tempo de festa. Melhor, era tempo de um misto de festa e tristeza. Nesse dia e com todo o merecimento, Albino teve direito uma sentida e calorosa festa de despedida com discursos de homenagem de três outros gigantes do nosso clube: Félix Bermudes (por sinal presidente do clube nessa época), Ribeiro dos Reis e Ferreira Bogalho.

E como os Benfiquistas têm memória, conforme lembrado recentemente pelo facebook do Museu Cosme Damião, Albino seria homenageado uma vez mais em 30 de Dezembro de 1973. Tinha nessa data 61 anos de idade mas mantinha uma grande vitalidade. Foi homenageado no Pavilhão do Estádio da Luz no iniciativa do jornal O Benfica. Do programa da festa fizeram parte um jogo de andebol feminino e três partidas de futebol (iniciados, seniores e veteranos). Na vitória do Sport Lisboa e Saudade sobre os veteranos do Vitória de Setúbal, por 5-2, Albino foi autor de um dos golos. Note-se por motivos que falarei um dia destes, esta escolha do Vitória de Setúbal faz todo o sentido para a época em que jogou Albino.

Aqui estão dois excelentes textos acerca do enorme Albino:

http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/03/arrabenta-com-eles-albino-parte-i.html

http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/03/arrabenta-com-eles-albino-parte-ii.html



Vítor Silva, o Cabecinha de Ouro

Depois está também Vítor Silva com a sua boina. A tal que pode ser vista no museu.


Boina de Vitor Silva, exposta no Museu Cosme Damião.

Vítor Marcolino da Silva é pelos relatos da época um dos melhores avançados de sempre do futebol Português. Sem espinhas. Mestre Cândido de Oliveira foi peremptório acerca disso: "Vitor Silva foi a mais prodigiosa intuição para o futebol que jamais conheci". Reparem na sua altura... Não impressiona por isso pois não? Bem, o que é certo é que ficou conhecido por "cabecinha de oiro". A sua intuição e impulsão explicavam a alcunha.

Pelo ar


Benfica - Carcavelinhos. Vítor Silva e Carlos Alves, o primeiro luvas pretas.

ou pelo chão, nada o parava:


A sua qualidade ficou aliás salientada em 1931 aquando da vinda da poderosa equipa do Vasco da Gama a Portugal. Os Brasileiros esmagaram mas Vítor Silva brilhou e ficou patente que a sua classe em nada ficava atrás dos Brasileiros. Um fora de série.

É pena que ainda não existam novidades sobre a sobrevivência de um filme sobre essa deslocação dos Brasileiros a Portugal. Nesse filme estarão imagens em movimento de Vítor Silva e seus companheiros, jogando de águia ao peito. Serão as únicas. Como gostaria de o ver. Mas temo o pior... Ainda assim parecem existir gravações em filme de Vítor Silva enquanto jogador da Selecção Portuguesa.

Vítor Silva, jogou nove épocas, mais de 20 mil minutos de águia ao peito. Marcou uma mudança de paradigma no nosso clube depois da era de Cosme Damião. Foi a primeira contratação da nossa história! Contratação cara (15 contos de reis) mas que valeu todos os tostões pagos. Tivesse Cosme Damião continuado ao leme do nosso clube após as eleições de 1926, provavelmente Vítor Silva nunca teria jogado de águia ao peito. Ironias da história...

Carregava a equipa num tempo onde geralmente não abundava a qualidade. Fez parte da selecção olímpica de Portugal de 1928. Talvez a melhor selecção do futebol Português até à década de 40. Estreou-se bem novo, logo aos 18 anos mas foi forçado a abandonar a carreira com apenas 27 anos. Não havia alternativa. Vítor Silva fazia um jogo e tinha de ficar muitos dias a recuperar pois o seu joelho inchava para além do que era razoável. Diagnóstico: joelho de água. Lesão do menisco. Naquele tempo uma simples operação ao menisco era algo fora das possibilidades da medicina desportiva! Reparem na fotografia, reparem no joelho esquerdo de Vítor Silva... Que desperdício.

E reparem nesta já da época seguinte:

Sport Lisboa e Benfica, 1933/1934,
De pé, esquerda para a direita: Júlio Silva, João Correia, Gustavo Teixeira, Augusto Amaro, João Oliveira, Pedro Silva. Agachados: Domingos Lopes, Luís Xavier, Vítor Silva, Carlos Torres, Eugénio Salvador.
Note-se as travessas nas botas de Luís Xavier. Note-se o joelho esquerdo de Vítor Silva. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Vítor Silva foi um mito. É um mito. As décadas passam mas dele se deve ter sempre a imagem de um grande jogador, de um grande Benfiquista. Um fora de série. Dele se dizia no Diário de Lisboa:
"O segredo da popularidade de Vítor deve-se, além da sua natural simpatia à sua maneira de jogar, malabarista, viva, de artista de circo. Era um gato a brincar com uma bolinha... O público deixava-se encantar pelas suas jogadas e elas outro intuito não tinham do que encanta-lo!... Vítor teve jogadas que ficam para sempre. Os seus "goals", de cabeça, em vôo, quando a bola parecia já ter fugido, electrizavam o público, admirador ou não."


Fonte: Vedeta ou Marreta

Nesse dia Vítor silva insistiu que fosse o seu pequeno filho a dar o pontapé de saída. Terá sonhado que um dia ele chegasse à primeira equipa do seu querido Benfica? Tanto quanto sei seria preciso esperar pela família Águas. Mas em todo o caso ficou a ternura do momento. Equipado a rigor





Alguns outros interessantes detalhes sobre a carreira desportiva de Vítor Silva:
http://vedetaoumarreta.blogspot.pt/2010/12/n203-vitor-silva.html

RedVC

#198
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Dois sadinos, duas Saudades.

Vamos hoje partir de uma fotografia retratando uma equipa do Vitória Futebol Clube de regresso de uma curiosa digressão internacional na década de 20.

O Vitória Futebol Clube, clube geralmente conhecido por Vitória de Setúbal foi fundado em 20 de Novembro de 1910 estando entre os seus fundadores Jorge Augusto Sousa, um fundador do Sport Lisboa (ver capítulo -23- Um nome ilustre nos primórdios do futebol sadino.) As ligações são assim muito antigas. Esta fotografia marca um outro capítulo, cerca de duas décadas depois, dessas relações.

A fotografia está datada de 1927-08-17, e tem a seguinte legenda: "Os componentes dos Onze de honra do Vitória Futebol Clube, regressados a Lisboa, tendo realizado nas Canárias uma série de encontros".

A fotografia retrata assim a chegada da comitiva sadina composta pelo menos por 20 integrantes. Entre os jogadores podemos reconhecer dois que depois ingressariam – em tempos distintos - no Sport Lisboa e Benfica:  Aníbal José e Luís Xavier.



Fonte: Digitarq


Relativamente à digressão sadina para já não encontrei muita informação disponível. Não é fácil. Mas ainda assim sei que os sadinos jogaram entre outros com o Marino Fútbol Club da Gran Canaria fundado em 1905 e extinto em 1949. Terão feito mais jogos mas a informação parece não estar acessível.



Jogador poderoso, jogador de raça e de qualidade, atributos que lhe valeram chegar a internacional A. Foi um centro-campista que jogava na zona central, lugar antes como agora de grande importância para a transição ofensiva e para o apoio aos centrais. Não sei ao certo quantos jogos internacionais fez mas sei que fez várias viagens ao exterior e que há registo fotográfico disso num tempo em que o Benfica tinha não mais de 3-4 jogadores e ser chamados regularmente à Selecção: António Pinho, Vítor Silva, Jorge Tavares e Aníbal José. Já iam longe os tempos do Tamanqueiro, outra grande figura.

No Benfica, Aníbal José estreou-se no dia 11 de Novembro 1928 num jogo contra o Carcavelinhos que terminou empatado 0-0. Fonte: http://serbenfiquista.com/jogo/carcavelinhos-0-x-0-sl-benfica-1.


Em cima: Ralph Bailão, Artur Dyson e Luís Costa. No meio: João Correia, Aníbal José e Pedro Ferreira. Em baixo: Augusto Dinis, Emiliano Sampaio, Vítor Silva, João Oliveira e Manuel Oliveira. Fonte: Em Defesa do Benfica.

Há várias histórias relatando o seu voluntarismo. Por exemplo, num jogo no campo do Porto, é ainda hoje acusado de ter carregado o portista Norman Hall ao ponto de este ter ficado KO. Isto eventualmente a pedido de Vítor Silva... Eram tempos em que se dava e levava. Estou certo que Aníbal deveria levar também muitas "medalhas" para casa. Depois há o episódio contra o Vasco da Gama, em 1931 em que andou pegado com um Brasileiro.


Aníbal José disputando um lance com um homem do Vasco da Gama.


Aníbal José deixaria o Benfica pouco depois, no final da época de 1931/1932 tendo o seu último jogo sido disputado em 29 de Maio de 1932 contra o Luso FC. Empate a duas bolas.



Depois temos Luís Xavier Júnior. Chegou de Setúbal em 1931 e deixou o Benfica em 1939. Um avançado vivo e que teve fases goleadoras. Jogou no Glorioso por oito épocas fazendo mais de 200 jogos pelo Benfica Nas fotografias de equipa percebe-se que devia ter uma personalidade viva, alegre, contagiante.


Em cima: Francisco Gatinho Augusto Amaro e Gustavo Teixeira (capitão); No meio: Albino, Lucas e Gaspar Pinto; Em baixo: Fernando Cardoso, Luís Xavier, Carlos Torres, Rogério de Sousa e Valadas. Fonte: Em Defesa do Benfica.

Luís Xavier terá feito um dos seus últimos jogos com a camisola do Vitória de Setúbal no Estádio das Amoreiras não contra o Benfica mas contra o Vasco da Gama. Jogo na quinta-feira, 30 de Julho de 1931 que foi interrompido por causa do nevoeiro. Não seria reiniciado ficando o resultado final em 1-1. Luís Xavier estreou-se na nossa equipa contra o Casa Pia em 16 de Outubro de 1932. Empate 0 - 0 http://serbenfiquista.com/jogo/chelas-f-x-f-sl-benfica


O clube Sadino precedeu o Barreirense Futebol Clube nas décadas de 60 a 80, como o fornecedor de bons jogadores para o Benfica. O melhor viveiro de jogadores além Tejo que o Benfica teve. Foram muitos e bons. Por exemplo um outro que não está na fotografia - penso estar um irmão dele - , chamado Francisco Rodrigues. Um avançado goleador.

O Vitória Futebol Clube é um grande clube. Teve a sua época áurea nos anos 60 e 70 mas agora luta tenazmente para sobreviver e que com altos e baixos vai sempre formando novos talentos para o futebol Português.

Voltaremos a Setúbal.

RedVC

#199
-55-
Dois Casapianos num barco sadino.

E vamos agora a uma outra fotografia em que nos aparece mais uma equipa do Vitória Futebol Clube. Desta vez embarcada de partida para uma digressão ao Brasil.

Entre os jogadores sadinos identificamos Luís Xavier que dois anos depois partiria para as Amoreiras para jogar no Benfica.

Mas curiosamente identificamos também dois grandes Casapianos. Um deles veio depois a ser uma Saudade Benfiquista e o outro... bem já lá vamos.

A fotografia está datada de 17 de Julho de 1929 e legendada como "Partida, para o Brasil, do Vitória Futebol Clube".


Comitiva Sadina de partida para as Canárias. Note-se o detalhe de alguns jogadores/dirigentes estarem acompanhados de mulheres. Fonte: digitarq

Naquele tempo era comum que as equipas Portuguesas que iam jogar ao estrangeiro se reforçassem temporariamente com alguns elementos emprestados por outros clubes. Isto aliás já vinha de muito longe (lembrem-se da rábula de alguns lagartos acharem que a fotografia de 1910 em que em Huelva Cosme Damião envergou a camisola deles era sinal que o que ele queria mesmo era ser lagarto... Que tristeza. Que estupidez. Que ignorância.). Tudo isso tendo como objectivo conseguir vir a representar da melhor forma possível o nosso País no estrangeiro. E assim foi até pelo menos à década de 50.

E assim não é de estranhar que encontremos dois jogadores emprestados pelo Casa Pia Atlético Clube. Um deles viria a ser um defesa internacional A e capitão do Benfica, o outro guarda-redes ra já um inernacional A consagrado e veio a ter uma ligação bem mais fugaz ao Benfica. Mas lá iremos.


Grande atleta, grande personalidade. Transmontano, natural de Vila Real, nasceu em 26 de Dezembro de 1908. Foi jogador da Casa Pia, companheiro de António Roquete entre 1925 e 1931.

Chegou às Amoreiras em 1931 com a idade de 23 anos. Em 1934 com apenas 26 anos e com outros companheiros bem mais antigos no clube já era capitão de equipa o que só se explica pela sua personalidade. No Benfica faria um total de 229 jogos, com quatro golos apontados.

Estreou-se no Benfica no dia 13 de Novembro de 1932 num jogo contra o Carcavelinhos. Ganhamos por 4 – 2. Nesse jogo o Sadino Luís Xavier marcou 3 golos. O outro foi marcado por uma figura algo misteriosa que me desperta curiosidade: Octávio Policarpo. Fonte: http://serbenfiquista.com/jogo/sl-benfica-4-x-2-carcavelinhos-1

Jogador esquerdino, jogou por isso a defesa esquerdo mas também a central. Jogador de classe que sabia sair a jogar e colocar a bola à distância. Vestiu a camisola das quinas por 10 vezes mesmo num tempo em que a selecção não fazia muitos jogos. E claro, também ali acabou por assumir o estatuto de capitão.


Gustavo, capitão num Particular entre Portugal e Espanha, Lisboa, 5 de Maio de 1935


Gustavo como capitão da selecção num jogo contra a Alemanha no dia 24 de Abril de 1938.
À porta da II Guerra Mundial.


Em 1938 terminou a sua carreira como capitão do Benfica e da selecção nacional. Tinha um problema no joelho e nota-se que já tinha ganho peso. Era bancário de profissão. Foi fundador do Sport Lisboa e Saudade. Foi ainda Seleccionador Nacional de juniores em 1962/63.


Gustavo Teixeira, capa "Sporting", Jornal Desportivo de Janeiro de 1938. Apesar do nome este foi o primeiro jornal desportivo bissemanário portuense. Fonte: Arquivo Municipal do Porto.

Gustavo foi um dos grande capitães de sempre do Benfica. Pertence a uma linha de excelência de grandes jogadores do nosso clube e da selecção nacional. Está nessa galeria. Paz à sua alma.



António Roquete


Nasceu em 1906. Foi um grande guarda-redes da Casa Pia e da Seleção Nacional entre 1926 e 1933. Foi internacional A por 16 vezes tendo sido o guardião das redes da nossa equipa Olímpica de 1928. Eram só craques e ele era outro. Pepe, Vitor Silva, Tamanqueiro, Carlos Alves, Jorge Vieira, Pinho, etc.

Chegou a ser eleito o melhor guarda-redes de sempre do futebol Português. Foi jogador de um só clube, o Casa Pia Atlético Clube. Não obstante, como aqui vemos fez uma digressão ao Brasil com vestindo a camisola do Vitória Futebol Clube. Mas já um ano antes tinha feito uma outra com o Sporting justamente ao Brasil. Aliás, nota de rodapé esta digressão sportinguista haveria de marcar a história do clube pois pela primeira vez jogaram com aquele equipamento "riscado".


Em 24 de Março de 1929, Portugal e França defrontam-se em Paris no Stade des Colombes. Uma camara acompanha Roquete e assimpodemos ter uma imagem da sua elegância e atenção ao jogo. A França venceria por 2-0.

https://www.youtube.com/watch?v=Xd-YSfCOPY0


Captura de imagem do filme acima apresentado. Lá está Roquete tendo no seu lado esquerdo o inconfundível Tamanqueiro e Carlos Alves, o avô de João Alves e primeiro luvas pretas e no seu lado direito entre outros o infeliz Pepe. Se virem o filme poderão ainda ver dois Benfiquistas, Vítor Silva e a sua inconfundível boina e o excelente defesa António Pinho.

Mas curiosamente tanto António Fernandes Roquete e Gustavo Teixeira já eram internacionais por Portugal...em natação. De facto em 1926 participaram no I Portugal-Espanha, classificando-se em 3.º lugar nas provas que disputaram. Assim o constatamos neste documento de origem Casapiana: http://www.casapia-ac.pt/Palmares.pdf.

E por fim há uma surpresa. António Roquete, jogador de um só clube para além dos jogos com a camisola sadina e a sportinguista acabou por fazer também um jogo pelo... Benfica.

Nem mais. Uma única vez pelo Benfica e em circunstâncias especiais. No Estádio das Amoreiras, no dia 21 de Abril de 1935, a pedido do seleccionador nacional, Cândido de Oliveira Roquete substitui Amaro na baliza do Benfica. Cândido de Oliveira queria testar a forma física de Roquete sabendo que ele não jogava pela selecção desde 1933 e que não jogava por um grande clube. Aproveitou um jogo do Benfica com um adversário austríaco, o Wacker.


Fonte: Diário de Lisboa, 21 Abril 1935.

E como se portou Roquete?


Fonte: Diário de Lisboa, 21 Abril 1935.

Roquete fez assim os seus 90 gloriosos minutos de águia ao peito. Glorioso por um jogo. E segundo os jornais fez boa exibição. Mesmo assim não voltaria à baliza nacional. Já eram tempos de Amaro e Azevedo (scp). Ou seja Roquete deixou de jogar pela selecção com 27 anos. Havia já capacidade de escolha. Havia também o que hoje continua a existir: os jogadores de clubes pequenos estão sempre em desfavor para os de clubes grandes.

Terminada a sua carreira desportiva António Fernandes Roquete veio depois entrar para a polícia política PVDE. Este ligado de forma directa a vários casos tenebrosos. Mais tarde tentou afastar-se desse lado negro emigrando para Moçambique onde fez carreira na Polícia. Tentou de forma activa apagar esse lado da sua vida mas não o conseguiu. Depois do 25 de Abril veio a ter alguns problemas. Falecer em Dezembro de 1995. Tinha 89 anos de idade. Foi uma grande figura desportiva e Casapiana e essa sua faceta desportiva deve ser lembrada. As outras facetas da sua vida ficam para a avaliação de cada homem segundo os seus valores e convicções.



ps: mais recentemente deparei-me com esta notícia do jornal "A Manhã" datado de 4 de Agosto de 1929


Daqui se percebem mais alguns detalhes. Foram também na comitiva um outro Benfiquista, o Tamanqueiro Raúl Figueiredo (que apesar do que lá se escreve já tinha retornado ao Olhanense). Carlos Alves, avô de João Alves foi outro. Alves tal como Roquette e Gustavo Teixeira tinha estado no Rio de Janeiro no ano anterior com o... Sporting. Eram outros tempos.


RedVC

Estes artigos são um gosto que tenho de moderar pois há muitas outras coisas para fazer. Mas são também terapia.

Acabei de ver que em A Bola "diamante" (a que eu não tenho acesso) falam da Taça Lisboa e publicaram uma interessante montagem:




Esta aqui faz parte do artigo -12- Uma Taça e dois pioneiros (I), publicado em 25 de Outubro de 2014.



É bom ver que há leitores para além do SB.

RedVC

#202
-56-
Revisitando o Campo Grande.

Lembram-se?
 



Hoje vamos olhar para uma nova fotografia pertencente ao acervo do AML. E é notável, apesar dos danos infligidos pelo tempo e pelo bolor. Dá-nos detalhes que nos revelam um pouco mais do que era o nosso complexo desportivo no Campo Grande. Ora vejam:


Fonte: AML


Bonita, não é?

Mais de seis décadas depois e com material gráfico escasso, a esmagadora maioria dos Benfiquistas não tem um conhecimento mínimo sobre o que era o nosso complexo desportivo no Campo Grande. E no entanto, apesar da modéstia que exibia era também um monumento à obra, persistência e paixão Benfiquista!

Em 23 de Junho de 1940 o Sport Lisboa e Benfica fazia o seu último jogo no Estádio das Amoreiras. Fomos escorraçados. Era um rude golpe no mais popular clube Português. As Amoreiras representavam a casa própria, a primeira que o Benfica tinha tido capacidade de erigir. Começou devido ao sonho e diligência de Cosme Damião. E foi sua última obra. Foi a concretização do seu sonho e do sonho de tantos e tantos dos primeiros Benfiquistas. Mais informação aqui:
http://www.slbenfica.pt/pt-pt/estadio/estadiosanteriores/estadiodasamoreiras.aspx

Inaugurado em 1925, o campo das Amoreiras foi usado apenas durante 15 anos aquele que era um Estádio feito para durar décadas e décadas. Fomos escorraçados de lá por um Estado intransigente e déspota, que não nos pagou sequer o que lá investimos. O Benfica teve que encontrar uma nova casa à pressa e a única solução viável foi ocuparmos um campo que o SCP tinha abandonado pouco tempo antes. Por falta de condições... Imagine-se ficar com um campo que durante mais de duas décadas foi a casa do SCP... Pior ainda, era ficarmos porta com porta com o rival.

E aquilo que poderia ter sido desalento e uma regressão perigosa foi afinal tornado em orgulho e um renascer do nosso clube. Obra feita, com contribuição e fundos colectivos como só os Benfiquistas conseguem. O Campo Grande foi remodelado, expandido e alindado em escasso tempo. E que espanto, quando foi inaugurado em 5 de Outubro de 1941 era ainda melhor do que o Estádio do Lumiar! E foi a nossa casa até 1954, data da inauguração do Estádio da Luz.

E assim, explicado o contexto, vamos olhar e tentar decifrar esta imagem. Para isso tive a decisiva ajuda de Alberto Miguéns  :bow2:. Então vamos lá:

___________________________________________________________________

1 – Estádio do Campo Grande, campo principal.
Ao contrário do que pensava, o Campo Grande já era conhecido por "estância de madeiras" desde o tempo em que era ocupado pelo SCP. O Campo Grande tinha um terreno pelado com bancadas de madeira e nota-se também que tinha uma rede no topo das bancadas.
De acordo com Alberto Miguéns, os sócios do Benfica ocupavam três bancadas (de madeira) com uma capacidade de cerca de 10 mil lugares. Existiam ainda mais 2 mil reservados para venda de bilhetes a não sócios. Havia ainda um peão (de pedra) para o público que formava um talude que permitia instalar bancadas para assistir às actividades que decorriam no campo anexo. Ao que parece para além do que em baixo se fala existiria ainda uma carreira de tiro.

2. Campo anexo ou Campo Grande-A
Usado para o Andebol de 11, Râguebi, Hóquei em Campo e Futebol/Formação.

3. Court ténis
Não se vê aqui mas pode ver-se na fotografia inicial; mas por trás da Churrasqueira existia ainda o nosso campo de basquetebol. Tinha uma qualidade inferior e não tinha bancadas, tendo por isso servido basicamente para treinos.

4. Portão principal
Não se vê na fotografia mas penso que era por aqui.

5. Portão secundário
Confrontava para o Estádio de Alvalade...

6., 7., 8. Edifícios de apoio
Parecem pelo menos três. Eventualmente quatro. Um deles servia como balneário, outro era para o guarda do campo. Nele se guardavam os apetrechos para cuidar do piso e engalanar o campo para poder jogar.

Aqui vê-se melhor:



9. Bancadas do campo anexo
Uma solução engenhosa. Dá ideia que existiam espaços interiores por baixo dessas bancadas.

10. Pista de cinza
Inaugurada no final de 1946. Tinha seis pistas.

11. Estádio de Alvalade
Inaugurado em 1956. A fotografia foi portanto tirada nessa data ou pouco depois.

12. Alameda das Linhas de Torres
Uma artéria que ganhou ainda maior importância a partir destes anos em que se edificaram os dois Estádios. Na década de 50 novo facto relevante com a instalação da RTP nas suas cercanias.

13. Sanatório Popular de Lisboa
também designado Sanatório de D. Carlos I. Em 1975 foi rebaptizado Hospital Pulido Valente.
___________________________________________________________________


Detalhe a detalhe, a descoberta gradual de fotografias do Campo Grande permite-nos ter outra compreensão e orgulho relativamente ao que os nossos antecessores foram capazes de fazer em tão difíceis circunstâncias. Gostaria que o mesmo acontecesse com as Amoreiras e com os campos ainda mais antigos. Quem sabe o que anda por aí...

E assim o que nos diz a aventura do Campo Grande? Diz-nos que o Benfica nunca se rendeu. E que apesar de andar de campo em campo, a gastar recursos em casa dos outros, sempre se reergueu para cumprir o seu destino: ser o maior de Portugal. Diz-nos que fomos solidários, inventivos, generosos e apaixonados. E soubemos sempre honrar a memória dos nossos fundadores e antecessores.

Ressoam sempre as palavras do maior de todos nós: Houve, desde logo, a certeza de que, pela união, nos podíamos tornar mais fortes.




Theroux

Citação de: RedVC em 25 de Junho de 2015, 20:52


RedVC, por falar em património, por acaso sabes que ligação existiu entre o clube e um Parque de Campismo na Costa da Caparica?

RedVC

Citação de: Theroux em 25 de Junho de 2015, 21:38
Citação de: RedVC em 25 de Junho de 2015, 20:52


RedVC, por falar em património, por acaso sabes que ligação existiu entre o clube e um Parque de Campismo na Costa da Caparica?

Não. Infelizmente não. Tenho guardadas algumas fotografias interessantes mas ainda não explorei o tema. Uma vez mais penso que Alberto Miguéns é a pessoa indicada para responder a essa pergunta.

Esta é uma das fotografias, infelizmente com marca de água:



Infelizmente não encontro as outras. Quando encontrar coloco aqui. Pode ser que alguém venha a acrescentar qualquer coisa interessante.

RedVC

#205
-57-
A vida Paulista de Bella Guttman

1 de Março de 1957, Manoel Raymundo, o presidente do São Paulo Futebol Clube apresenta Bella Guttman a Gino Orlando, grande avançado do São Paulo:


Assinado o contrato:

Começava uma nova etapa do treinador Húngaro, verdadeiro cidadão do mundo



Prédio onde Béla Guttmann morava, na Rua do Arouche:



Mas como chegou Guttman a este momento, como chegou a São Paulo?

Guttman chegou ao Brasil em Janeiro de 1957. Quase por acidente, após ter recebido um convite da grande equipa do Hónved que estava em digressão no Brasil. Na verdade era mais uma fuga de que uma digressão... Nessa grande equipa Húngara que pelos tristes acasos da história nunca a viria a ser campeã europeia, incluíam-se os grandes Koczis, Puskas e Czibor. Estavam também outros jogadores como Grosics, o excelente guarda-redes que até pertencia aos quadros do Tatabanya. Os Húngaros estavam no Brasil a convite do Flamengo mas também por recusarem voltar à sua pátria que então vivia dias negros com a invasão soviética. Desterrados, viviam dias de indefinição quanto ao futuro, continuando a fazer o que melhor sabiam: jogar futebol.



Fonte: Correio da Manhã


Guttman já antes tinha sido treinador do Hónved o clube do exército.  Em 1947-1948 1949, sobrevivente ao nazismo, ao contrário de seu irmão morto num campo de concentração, Guttman treinou o Hónved quando este ainda se chamava Kispest. Saíria em rota de colisão com Puskas. Foi também treinador da selecção Húngara. Esteve no centro dos acontecimentos, vendo por isso o nascimento e a desintegração das grandes equipas do Hónved e da selecção Húngara. Uma das maiores de sempre. Hoje por vezes não se toma consciência mas a Hungria já teve a melhor selecção nacional de futebol do mundo. A infeliz final do mundial de 1954 evitou a consagração mundial de uma geração dourada de jogadores. Uma geração que humilhou a Inglaterra por 3-6 em pleno estádio de Wembley. Depois a invasão soviética evitaria que os Húngaros ainda tivessem equipas competitivas para lutar pela Taça dos Clubes Campeões Europeus. Quase todos os grandes jogadores Húngaros se dispersariam por grande equipas Europeias, tendo o Real Madrid e Barcelona sido os mais afortunados.

Mas ironia, mais uma ironia ou então chamemos-lhe mais uma maldade da história, os Húngaros tiveram dificuldades inclusivamente para concretizar alguns jogos. A Federação Paulista pressionada pela CBD e esta pela FIFA, chegou a proibir os jogos agendados pelos Húngaros com equipas Paulistas, entre elas o Santos onde despontava Pelé.


Fonte: Tribuna da Imprensa


O Hónved num famoso jogo contra o Flamengo do Rio de Janeiro. Puskas em grande plano..


Passada essa digressão a diáspora leva-los-ia a diferentes equipas mas Guttman ficou no Brasil a convite do São Paulo. E como seria de esperar, Guttman veio a ter um papel marcante e inovador:


Não deixando de mostrar de forma clara o seu pensamento:

"Sempre me interessou que o ataque fizesse mais gols do que obrigar a defesa a não os sofrer. Não me desgosta nada que o adversário marque três ou quatro gols, desde que a minha equipe marque quatro ou cinco...", declarou Guttmann, em 1962, durante entrevista ao jornal português A Bola. Algo que já era possível de notar desde os tempos de São Paulo: "Cada equipe precisa de ter um sistema próprio, adaptado às características dos jogadores. E assim como um alfaiate não faz o mesmo feitio para um corcunda ou para um homem normal, do mesmo modo um treinador não pode dar a todas as equipes o mesmo figurino de jogo".

No Brasil, Guttman foi visto como um treinador de feitio difícil mas exigente exigente. foi também visto como um verdadeiro pedagogo num meio em que era difícil garantir a disciplina e a exigência competitiva:


Com inovações nos treinos, principalmente nos fundamentos, Guttmann ensinou a todos os jogadores do time paulista como cobrar faltas, chutar bem uma bola no gol, e mostrou que o foco deveria ser sempre na objetividade e na precisão. Nada de fintas e jogadas que não levassem a lugar nenhum. O importante era o gol. Quanto mais, melhor. Uma característica de Guttmann nos tempos de São Paulo foi desenhar alvos com números para os jogadores acertarem com seus chutes, uma espécie de paredão do chute ao alvo. Esse símbolo básico de fundamento permanece até hoje no centro de treinamentos do tricolor.

Fonte: http://imortaisdofutebol.com/2013/04/12/tecnico-imortal-bela-guttmann/

E como em tantos outros locais Guttman sagrar-se-ia campeão. Campeão Paulista, um campeonato muito difícil. Campeão Paulista sucedendo ao Santos que tinha sido bicampeão antes da chegada do feiticeiro Húngaro:


Aqui, Guttman e a sua equipa, posando para a posteridade:

Mas cumprindo um padrão de comportamento que mostrou ao longo da sua vida, Guttman decidiu partir. Rescindia com o São Paulo:

Contrato rescisão:

E despediu-se como se vê de forma amigável:

Era tempo para novas aventuras.

Segundo se diz, Guttman deixou no Brasil um legado futebolístico importante. Pelo que li, parece existir uma corrente de opinião que Guttman terá sido o pai do 4-2-4 Brasileiro. É dito que nessa passagem pelo São Paulo, Guttman acabou por ter um papel indirecto na conquista da primeira Copa do Mundo pelo Brasil na Suécia em 1958.  Terá deixado como herança o 4-2-4, sistema adoptado por Vicente Feola, o grande mas improvável treinador de um dos mais esplendorosos escretes canarinhos, que daria o primeiro título mundial ao maior país da Lusofonia:

https://tardesdepacaembu.wordpress.com/tag/hungaro-bela-guttmann/



Djalma Santos, Zito, Vicente Feola e Pelé. Suécia, 1958


Bellini, Vicente Feola, Gilmar e a Taça Jules Rimet, Súecia, 1958.

Esse sistema viria a ser interpretado com pleno sucesso por esse magnífico escrete marcando a letras de ouro a história do futebol. Mas como o feiticeiro dizia, o segredo foi também adaptar o esquema às características dos jogadores. E entre eles despontava um jovem negro com um talento nunca visto: Edson Arantes do Nascimento. Uma das lenda maiores do futebol.

E para onde decidiu ir Guttman? Especulou-se que iria para um clube carioca mas no final acabou por mudar de forma radical. Em Novembro de 1958, escolheu a cidade do Porto...


Fonte: Correio da Manhã, 5 de Novembro de 1958

Detalhe delicioso. Nesta notícia diz-se que questionado sobre o que conhecia do futebol Português Guttman diria que "Naturalmente que vi jogar, no Brasil o quadro do Benfica e pareceu-me uma grande equipe". E sobre isto comentava o jornalista "essa opinião parece pouco alentadora para seus novos empregadores, que se negam a reconhecer o Benfica como um grande quadro".


É... eu acho que Guttman quando veio para Portugal já a tinha fisgado... Era um feiticeiro e já "sabia" que seria grande no Benfica. Estava escrito. Apesar da porta de entrada ter sido (por sinal até bem sucedida) no Porto a glória suprema tinha inevitavelmente que vir no Benfica:





Tempos de lenda.


E realmente como é o futebol, como é a vida... Como uma decisão pode mudar tudo. Em 18 de Agosto de 1960, o jornal Ultima Hora dizia que Guttman tinha sido sondado pelo Vasco da Gama para assinar contrato e mudar-se para o Rio de Janeiro.


Fonte: Ultima Hora, 18 de Agosto de 1960[/color]

Guttman era campeão Português pelo Benfica repetindo o feito do ano anterior com o Porto. Mas estava ainda para vir a glória Europeia. Estava ainda para vir aquele ganho de trezento contos...

Guttman declinou gentilmente o convite dizendo:
"A única possibilidade seria a do Benfica me liberar... Mas não acredito nisso. De resto sinto-me bem no clube. Estou satisfeito com o Benfica e com a Direção que parece estar satisfeita comigo. Não seria fácil abandonar esse grande clube".

Ainda bem que assim foi. Havia História para escrever. Lendas para fabricar.

Obrigado Feiticeiro,



Fontes diversas:

http://spfc.terra.com.br/news.asp?nID=124501

http://trivela.uol.com.br/bela-guttmann-o-terceiro-e-ultimo-mestre-hungaro-transformar-o-futebol-brasileiro/

http://www.sousaopaulofc.com.br/wiki/hist%C3%B3ria_do_morumbi

http://www.jogosdosaopaulo.com.br/despedida-bela-guttmann/

http://www.literaturanaarquibancada.com/2014/07/bela-guttmann-uma-lenda-do-futebol.html

http://trivela.uol.com.br/honved-o-esquadrao-hungaro-que-revolucionou-o-futebol/

http://www.spfc1935.com.br/2010/12/sao-paulo-decada-de-60.html

http://imortaisdofutebol.com/2013/04/12/tecnico-imortal-bela-guttmann/


RedVC

#207
-58-
Um encontro Americano.


Verdadeiramente inesperada.

Esta fotografia, o encontro e as personalidades envolvidas. De quem hoje vamos falar.

Um exemplo de como do nosso Glorioso clube podemos partir para o mundo. Partir para a Arte, para grandes feitos da Aviação e para a política. Para falar de duas figuras, duas grandes personalidades.

A foto de um encontro Americano de dois pioneiros:


Fonte: revista "Para Todos", 1924.


É... Voltamos hoje ao nosso efémero mas Glorioso Manuel Mora. Um dos nossos primeiros guarda-redes a par de outros nomes Gloriosos como Pedro Guedes, José Rosa Rodrigues, Manuel Gourlade e Joáo Carvalho Persónio.


Manuel Mora,
(Lisboa 19/03/1884 - Rio de Janeiro 1/04/1956),
envergando a Gloriosa camisola de flanela vermelha

Como já antes falei, Mora emigrou para a Argentina em 1907 e por volta de 1910 radicou-se no Brasil. Lá, foi um reputado, um muito reputado desenhador de moda, cartofilista, pintor, jornalista, criador de orquídeas, entre outros interesses e talentos. Tudo isso e tudo o mais que não sabemos. Aos poucos vamos recuperando pequenos pedaços.

Aqui, aparece-nos numa fotografia verdadeiramente inesperada. Manuel Mora com a sua família – presumo mulher, dois filhos e dois gatos - junto de um nome ilustre: José Manuel Sarmento de Beires, um nome pouco conhecido à excepção daqueles que têm a paixão da aviação e dos seus gloriosos pioneiros. Neste país, em que isso é "só" quase o sinónimo de citar Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

Assim, começando num pioneiro do Benfica, vamos encontrar uma fotografia de um encontro Americano, em Oakland entre a família de Mora e um importante pioneiro da aviação e uma figura da política das décadas de 20 e 30, com alguns episódios interessantes de ligação ao desporto.

Tanto quanto julgo saber - a publicação não dá detalhes - esta Oakland é uma cidade do estado da Califórnia que está em frente e ligada à cidade de San Francisco pela famosa ponte San Francisco–Oakland Bay Bridge (construção iniciada em 1933 e concluída em 1936). Oakland foi uma cidade ligada a actividades pioneiras da aviação, por exemplo o correio aéreo logo desde 1912. Também em 1927-1928 seria local de partida de alguns dos primeiros voos transoceânicos.


A San Francisco–Oakland Bay Bridge depois de concluída, por volta de 1936. Quando Mora e Beires se encontraram ainda não existia. No 1º plano está a cidade São Francisco. Oakland está na margem mais distante.


Oakland teve logo desde o século XIX alguns milhares de Portugueses lá radicados. Aliás nessa mesma cidade, na década de 20 (não encontrei uma data concreta) foi erigida um monumento de homenagem ao Português João Rodrigues Cabrilho, que tem a fama de ter sido o primeiro Europeu a lá chegar. Mais tarde, já na década de 40, o ministro António Ferro ainda prometeu doar outra estátua a Oakland mas que depois de muita polémica acabou por ser colocada em Point Loma, San Diego. Hoje é monumento nacional da América. (detalhes: http://www.loc.gov/rr/hispanic/portam/chronology.html). Ou seja alguns factos que talvez possam explicar o encontro de dois Portugueses nessa cidade no ano de 1924.


Vamos assim falar desta duas figuras. Brevemente, claro está, tendo em conta a dimensão das suas vidas e obra.


Manuel Mora

Manuel Mora foi nas suas próprias palavras, discípulo de dois nomes superiores das Artes em Portugal: o pintor e aguarelista Roque Gameiro e o caricaturista Jorge Colaço. Mora ainda antes de emigrar chegou a fazer alguns trabalhos na Ilustração Portugueza. No entanto Portugal era pequeno demais para a sua ambição e sede de aventura. Partiu para os grandes espaços, para conhecer as paisagens, os sons, os cheiros e a riqueza cultural dos povos coloridos da América do Sul. E aí trabalhou como artista, sozinho ou associado a outros artistas. Destacou-se particularmente como desenhista de moda de uma das grandes casas de moda e comércio do Rio de Janeiro: o Parc Royal.




Em cima a grande loja do Parc Royal no Rio de Janeiro.
Em baixo uma das criações de Mora para essa casa. Nota-se a assinatura característica do grande desenhista.



O Parc Royal foi fundado em 1873 por um Português, José Vasco Ramalho Ortigão, tendo depois sido liderado por Vasco Ramalho Ortigão que foi patrão de Mora e que reconhecia o talento de Mora. No principio da década de 20 há notícia de que foram em viagem de negócios a Paris, cidade de referência da Arte e dos negócios associados à moda.

Essa loja do Parc-Royal viria a desaparecer num incêndio pavoroso no ano de 1943. Mas durante esses 70 anos foi uma glória da elegância e requinte da moda carioca.
Mais informação, aqui: http://modahistorica.blogspot.pt/2015/05/breve-historia-do-parc-royal-um.html


Entre muitos trabalhos, Mora desenhou muitas capas para diversas revistas de cultura e actualidades sociais e políticas Brasileiras. Numa dessas, dando eco e homenageando o grande feito de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Mora desenhou uma capa alusiva:


No Brasil, Manuel Mora teve uma carreira longa, prestigiada e produtiva. Há muito material por aí mas infelizmente a maior parte dos seus originais a cores desapareceu no incêndio que consumiu os arquivos do Parc Royal.

Mora morreu em Abril de 1956, rodeado pela sua família, na sua casa da Ilha do Governador. Nessa altura a ilha era um local de exuberante e deslumbrante beleza natural e isolamento. Um local tão propício para um artista e onde seguramente Mora se inspirou para desenhar e partir para o mundo.

E numa dessas paragens, num local improvável, 32 anos antes, Mora encontrou Sarmento de Beires.


Sarmento de Beires

Muitos dos elementos biográficos seguintes são adaptados deste excelente artigo a quem faço vénia e recomendo leitura atenta: http://altimagem.blogspot.pt/2012/03/primeira-travessia-aerea-nocturna-do.html

José Manuel Sarmento de Beires, nasceu em Lisboa, freguesia da Lapa, a 4 de Setembro de 1892.  Mas seria no Porto, local onde viria a assentar praça em Setembro de 1909, que se deu um acontecimento marcante da sua vida. Foi nessa cidade que viria a conhecer o Brasileiro Alberto Santos-Dumont, o «Pai da Aviação» (cidade onde viveram a mãe e três irmãs do grande pioneiro Brasileiro). Deste encontro disse Sarmento de Beires: "Foi talvez esse o momento decisivo do meu destino."

Para além dos outros detalhes biográficos descritos no artigo supra-citado, Sarmento de Beires viria a destacar-se pelas longas travessias aeronáuticas que constituíram feitos notáveis na época. Duas delas, realizadas em 1924 e 1927, foram particularmente celebradas e elevaram-no à condição de herói nacional:



1924, Travessia Vila Nova de Milfontes a Macau.
Em cima, Sarmento de Beires com os seus companheiros da aventura Transatlântica. Aos comandos do "Pátria".
Em baixo, com o seu companheiro de viagem Brito Pais, em apoteótica recepção pelos Lisboetas.



Outra fotografia de homenagens a Brito Pais e Sarmento de Beires.
Em primeiro distingue-se também o Almirante Gago Coutinho



1927, 1ª Travessia Aérea Nocturna do Atlântico no famoso hidroavião «Argos»


Junto a Sarmento de Beires e seus companheiros do hidroavião Argos pode identificar-se com a sua bengala, o presidente do Brasil Washington Luís
Fonte: National Air and Space Museum, Smithsonian Institution.

Detalhes fascinantes, aqui: http://ex-ogma.blogspot.pt/2013/11/hidroaviao-argos-em-alverca-1927.html

No auge da glória Sarmento de Beires foi promovido a Major em 7 de Abril de 1924. O regime contava certamente com esta figura para solidificar a sua implantação.


26 de Outubro de 1927. Sarmento de Beires entre a elite. Recepção a Ruth Elder (1902-1977), actriz e pioneira da aviação Norte-Americana. Entre outros está o General Óscar Carmona. Fonte: Digitarq.


Mas os heróis manifestam-se não apenas pelos seus feitos como também por serem consequentes com os seus valores e ideias. E assim foi com Sarmento de Beires. Era um democrata, um herói, e também um homem do seu tempo, um homem que estava contra a instauração de um regime ditatorial no seu País.

E assim, em 1928 esteve envolvido numa tentativa de golpe de estado contra o regime que emergia desde a revolução do 28 de Maio de 1926. Em fuga, Beires refugiou-se em França. O regime Português que quatro anos antes o tinha elevado a herói, tirou-lhe a patente e demitiu-o da Instituição Militar. Sarmento de Beires passou a ser mais um dos heróis proscritos.


Sarmento de Beires era um homem de fibra. Não vergava. E assim em 1931 esteve envolvido num outro golpe de estado, novamente malogrado:
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2010/12/revolta-de-26-de-agosto-de-1931.html


Tragicamente, numa acção armada em que tentou bombardear o forte de Almada, a bomba caiu por engano no largo da Vila de Almada causando várias vítimas civis. Hoje é o Largo da vítimas de 26 de Agosto de 1931. Trágico.

Seria preso em 1934 e depois de um julgamento no tribunal marcial da Trafaria seria condenado a 7 anos de exílio e à perda dos direitos cívicos por 10 anos. O regime punia duramente os líderes da revolta. Apenas em 1974 seria novamente confrontado com outra acção militar.



Um aspecto do julgamento de Sarmento de Beires, na Trafaria. [Identificados no álbum:] Henrique Ribeiro e Sarmento de Beires. Fonte: Digitarq

No seu exílio, Beires percorreu destinos diversos: Espanha, França, Indochina. Em 1935 chegaria ao Brasil onde gozava de grande prestígio na comunidade Portuguesa. Aí manteve uma activa vida civil. Foi jornalista, escritor, tradutor e com certeza terá privado mais vezes com Manuel Mora.


Mas na verdade era um regresso. Como se compreende, Sarmento de Beires era já desde 1927, um nome prestigiado em terras do Brasil. E com manifestações imortalizadas desse prestígio.

De facto, em Abril de 1927, no auge da sua glória e enquanto ainda era bem visto pelo Regime Português, Sarmento de Beires foi o convidado de honra do Clube de Regatas Vasco da Gama na inauguração do seu novo estádio de São Januário. O clube dos Portugueses no Rio de Janeiro prestigiava assim a Pátria da língua Portuguesa e um dos seus filhos dilectos.



Fonte: Revista "O Malho", Abril 1927





Longo foi o percurso. E, apenas em 1951, Sarmento de Beires seria finalmente amnistiado. Apenas nessa data lhe foi concedido o regresso a Portugal. E só em 1972, já depois da morte de Salazar, seria reintegrado na Força Aérea Portuguesa com atribuição da patente de Coronel.


José Manuel Sarmento de Beires faleceu em Lisboa no dia 8 de Junho de 1974.
Escassas semanas depois de se abrirem, por fim, as portas da Liberdade.


A Ditadura

Sabes a vida que levo
desde o dia em que te vi
Ou preso ou então na rua,
a conspirar contra ti.

Mais uma que se perdeu,
não vale a pena chorar.
Tanta vez hei-de bater-me,
que acabarei por ganhar.


Sarmento de Beires, Abril de 1931
Versos escritos no tecto da sua cela, na prisão de Angra do Heroísmo.


Paz à sua Alma.
Honra à sua memória.




VitorPaneira7

#208
Excelentes artigos REDVC mas alguns erros em relação a Bella Guttman, eu já discuti isso noutros tópicos, muito devido à alusão de haver uma ligação entre a formação da Hungria de 1954 e a mitica equipa do Honved dos anos 50.Ele não esteve no nascimento da equipa e não foi figura central, só se envolveria mais tarde , principalmente de forma solidária, com o Honved arranjando tournés para uma equipa que pretendia arranjar dinheiro para as famílias dos jogadores que se encontravam isoladas numa Hungria pós revolução de 1956 e vítima de invasão soviética .

Guttman orientou o Kispest entre 1947 e 48 e saiu em conflito com Puskas em 1948. Em 1949 encontava-se em itália no Pádova e quem esteve no centro dos acontecimentos assumindo o Honved como equipa do Exército e o controlo da selecção húngara foi Gustav Sebes, é ele ,usando o poder político do recém eleito partido comunista, que  vai buscar os melhores jogadores dos rivais MTK e Ferencvaros, não Bella Guttman, para construir mágicos magiares.

Tal como Bella Guttman é apologista do 4-2-4 e usa esta como táctica base de ambas as equipas.

É um mito que se criou há algum tempo que Guttman teve influência na construção da míticas equipas do Honved e da Hungria, quando na verdade foi tudo obra de Sebes, em conjunto com Kalmar que foi colocado no clube, e da sua influência na máquina de Estado. Há que relembrar que estas míticas equipas foram construídas entre 1949 e 1954, nesse período Guttman andava por Itália, onde orientou em 1949 o Padova e depois durante alguns anos treinou o Triestina e o Ac Milan.

Bella Guttman teve um papel importante transportando as suas ideias de 4-2-4 por onde passou e enquanto Sebes estabelecia o 4-2-4 na hungria, o feiticeiro foi o principal divulgador e impulsionador fora da Hungria orientando no Brasil, Itália e Portugal. São papéis diferentes mas de grande importância.

PS - Em itália em 28 de julho de 1949 Guttman assina pelo Pádova
http://www.padovasport.tv/lunedi-amarcord/l-avventurosa-vita-di-bela-guttmann-lo-stregone-del-benfica-che-passo-anche-per-padova-10320

site oficial do Honved com indicação de que Guttman orientou só até 1948 e foi susbtituido pelo pai de Puskas e depois sucedido por Kalmar.
http://www.honvedfc.hu/tartalom/73

Gustav Sebes, Biografia e existem outras fontes de como usou o poder político para formar as equipas
http://www.fifa.com/classicfootball/coaches/coach=61688/index.html

RedVC

Óptimas notas, que muito agradeço, VitorPaneira7.

Penso ter sido um misto de má interpretação minha e de fontes igualmente com algumas incorrecções.

Fica ainda assim a ideia do trajecto de vida fantástico de Guttman e da trágica e acidentada vida de todos aqueles que estiveram envolvidos nas diversas equipas Húngaras das décadas de 40 e 50. As ideias e a personalidade de Guttman tiveram uma contribuição que merece sempre ser lembrada e reconhecida.