Decifrando imagens do passado

Ned Kelly

Muito obrigado por estas histórias da nossa história.

RedVC

Obrigado Ned  O0



Boa festas para todos e que 2015 seja Benfiquista e Campeão!

RedVC

#77
-26-
Araújo: uma carreira que ficou por fazer

Durante algum tempo procurei uma fotografia de melhor qualidade e lá a encontrei.



Serve então para fazer uma pequena evocação de um jogador cuja infelicidade pessoal inviabilizou aquilo que poderia ter sido uma grande carreira. Decifrando uma imagem.

Médio.José Simões Ferreira de Araújo,nasceu em Coina a 28 de Setembro de 1958.Depois de ter representado a Cuf, transferiu-se em 1978-79 para o Barreirense, onde alinhou dois anos antes de rumar para o Benfica, onde permaneceu três épocas,abandonando o futebol devido a gravíssima lesão,quando tinha 25 anos.Voltaria para clubes secundários nomeadamente em 1987-88 quando representou os Pescadores da Costa da Caparica na segunda divisão.
Fonte: http://jogadoresdobarreirense.blogs.sapo.pt/5730.html


Um quase desconhecido para a maioria dos Benfiquistas mas na altura era colocado ao nível de um seu colega no Barreirense, Carlos Manuel, o Carlão, situação que permite perceber o que poderia ter sido.

Chegou ainda à seleção de esperanças em 1978/79. Ao seu lado reconhecem-se alguns nomes de ilustres Benfiquistas tais como Jorge Silva e Carlos Manuel e Folha (em baixo) e Pereirinha e Fidalgo em cima:

Em cima: Francisco Silva,Tobica,Pereirinha,Fidalgo,Olavo,Nelito
Em baixo: Araujo,Jorge Silva,Carlos Manuel,Folha,Alexandre Alhinho.



Nesta imagem Araújo integra uma equipa do FC Barreirense onde estavam também Jorge Martins, Pavão, Frederico e Carlos Manuel que também passaram pelo Benfica. O filão do Barreiro era então um dos maiores viveiros de craques para o Benfica..



Aqui já no Benfica à civil e a ladear outros gloriosos jogadores do valioso filão do Barreiro:
José Luis e Diamantino em cima; Bento, Oliveira, Chalana e Carlos Manuel em baixo:



Uma evocação merecida para um jogador cuja infelicidade pessoal nos privou de mais um craque do SLB. Também destas histórias se faz a grande história do Glorioso.


RedVC

#78
-27-
A primeira águia

Hoje é especial. Hoje tenho o prazer e orgulho de colocar aqui informação inédita sobre uma figura fundamental da história do nosso clube. Para isso vamos partir de uma fotografia já conhecida:



É uma imagem triste de um homem no ocaso da vida.

É a última imagem conhecida de Manuel Gourlade, a primeira águia.

Que idade teria? Não sabemos. Aliás deste homem conhece-se pouco. O que se conhece é basicamente aquilo que reuni aqui: http://serbenfiquista.com/forum/imortais/manuel-gourlade/

Trata-se de material divulgado em diversos livros e que basicamente reportam o que foi dito por Daniel Santos Brito e Cosme Damião em duas entrevistas que deram já numa fase avançada das suas vidas. Nessas entrevistas faziam justiça à figura pioneira e à acção decisiva de Gourlade. Deixavam claro que tinha sido um homem generoso, voluntarista, e com uma acção fundamental para a fundação e sobrevivência de um clube pobre mas cheio de homens de fibra e talento.

Depois de 1908-1909 Gourlade quase desapareceu. Do meu conhecimento, e como Alberto Miguéns recentemente mostrou, apenas a notícia de ter sido uma das pessoas citada por jornais em 1915 aquando do funeral de Álvaro Gaspar. Depois mais nada à excepção das ditas entrevistas.

Por isso tive uma satisfação especial em recentemente localizar documentação que permite saber mais qualquer coisa sobre Gourlade. Tanto quanto sei é a primeira vez que se revela esta informação.



Trata-se do registo de baptismo de Gourlade. Com este documento sabemos que faleceu no primeiro dia de 1944 com cerca de 72 anos. É uma informação nova e de certa forma inesperada. Dá uma compreensão diferente à fotografia de Gourlade já idoso, que se pensava ser datada da década de 20 ou eventualmente de 30 dado que existia indicação que tinha envelhecido precocemente.

Este documento diz-nos igualmente que Manuel Gourlade nasceu em 25 de Outubro de 1872, provavelmente em casa de seus pais, na Rua da Paz, nº 118, freguesia da Ajuda.



Foi baptizado no dia 31 de Outubro daquele ano na Igreja da Nossa Senhora da Ajuda



Era filho de António Maria Gourlade, baptizado na Ajuda e de Joanna Maria da Glória Gourlade, baptizada em Alcântara. Era neto pelo lado paterno de Bernardo Augusto Gourlade e de Thereza Polycarpa Jorge Gourlade e pelo lado materno de António Maria Figueira e de Maria da Conceição Gomes Figueira.

Gourlade nasceu assim não muito longe das terras do desembargador, às Salésias. Perto do palco, do berço do Sport Lisboa, perto de onde tudo se iria passar.

Mas voltando à imagem de partida, é conhecido que Gourlade numa dada fase da sua vida deixou a Farmácia Franco e começou a trabalhar como intérprete no cais. Era um homem que falava diversas línguas e por isso seria qualificado para essa função. A sua acção no clube começou a desvanecer-se a partir de 1908, coincidindo com a deslocalização do clube para Benfica. Gradualmente começou a afastar-se. Depois veio o envelhecimento precoce e a decadência pessoal. Tanto que motivaram, nas palavras do seu antigo colega de trabalho Daniel Santos Brito, que mãos amigas o levassem para o asilo d'Espie Miranda em Campolide. Suspeito que essas mãos amigas seriam o próprio Daniel Santos Brito e o seu patrão Pedro Augusto Franco ou eventualmente o irmão deste último, Ignácio José Franco, 2º conde do Restelo, falecido em 1931. Em Campolide desconhecemos a vida de Gourlade. Sabemos que terá recebido visitas de Daniel Santos Brito e de Cosme Damião, dos quais terá tido oportunidade de saber do crescimento e da dimensão nacional do clube que ele ajudou a fundar. E por lá terá ficado até morrer. Pensava-se que teria falecido algures pela década de 20 ou 30. Sabemos agora que viveu bem mais do que isso. 

Gourlade foi uma alma nobre e generosa. Nas palavras de Daniel Santos Brito, Gourlade comprometeu seriamente a sua bolsa em prol de um ideal. Foi um exemplo ilustre de um homem decisivo para o nosso clube, pelo sonho que teve e mais importante pela acção concreta e persiste num tempo bem difícil não apenas de um ponto de vista desportivo mas social. Hoje somos todos a prova de que não foi inglório esse esforço. Ao sonho e acção dele, de Cosme, de Bermudes e de mais um punhado de grandes homens devemos esta realidade esmagadora e maravilhosa que é o Sport Lisboa e Benfica. É confortante saber que Gourlade ainda viveu para perceber pela voz de outros da grandeza do clube que ajudou a fundar.

Paz, Honra e Glória à memória de Manuel Gourlade (1872-1944)



M1904

É dele a carta a pedir bolas, apitos e livro de regras ao Liverpool em 1904. Documento muito interessante e de grande importância histórica!

Esse documento está no museu. Já tive algures uma digitalização, mas não a consigo encontrar.

faneca_slb4ever

Citação de: M1904 em 05 de Janeiro de 2015, 10:53
É dele a carta a pedir bolas, apitos e livro de regras ao Liverpool em 1904. Documento muito interessante e de grande importância histórica!

Esse documento está no museu. Já tive algures uma digitalização, mas não a consigo encontrar.

Sim, está no Museu.

RedVC

#81
É uma fotografia. Se alguém tiver uma digitalização claro que é melhor.


RedVC

#82
-28-
Amor à camisola

O clube é maior do que qualquer homem.

Essa é uma regra que não se discute. Mas claro, salientar algumas figuras é salutar e inspirador para a mística.

Vamos partir de uma fotografia que já por aqui apareceu. Restaurante  Bacalhau, Benfica, fim de época de 1909-1910.

Festejava-se o primeiro título de campeão do campeonato regional de Lisboa em futebol. Nesse tempo não existia um campeonato nacional de futebol mas inquestionavelmente era em Lisboa que estavam os clubes mais evoluídos e os melhores jogadores do país.

Depois de derrotados os mestres Ingleses do Carcavellos, e conquistado o campeonato o Sport Lisboa e Benfica impunha-se enfim nesse ano e depois nessa década, como a força dominante do futebol Português. Entre os 44 convivas (mais o fotógrafo que provavelmente também deu ao dente) reinava a alegria. Mas se repararem apenas um dos convivas enverga a camisola do Glorioso.


E vamos pegar nesse detalhe tão revelador para falar um pouco desse homem, de um Benfiquista especial:



David José da Fonseca.


David da Fonseca integrou  a nossa primeira categoria de 1905 a 1907, tendo sido titular frequente. Foi um antigo casapiano que jogou nas célebres equipas que acumularam vitórias e prestígio no final do século XIX. Juntamente com outros companheiros desses tempos, David aderiu entusiasticamente ao novo clube, o Sport Lisboa. Camisola vermelha, cor da alegria, águia, o símbolo da vitória e divisa, e pluribus unum. Irresistível.

O Sport Lisboa, era assim a mais perfeita emanação da efervescência futebolística de Belém no início do século XX. Formava-se assim em 1904 o Sport Lisboa, fruto das vontades entre o grupo dos Catataus e um conjunto de ex-casapianos. O grupo foi fundado maioritariamente por jovens mas os prestigiados veteranos casapianos, bons de bola, cedo vieram a aderir trazendo ao novo clube os seus conhecimentos técnicos e tácticos e capacidade competitiva e ganhadora.

David era um desses homens, apresentando-se geralmente como avançado. As vitórias e a utilização exclusiva de jogadores Portugueses fizeram com que o Sport Lisboa conquistasse rapidamente o coração de muitos Lisboetas. A conquista do país viria nas décadas seguintes.

Ora, em Maio de 1907, na sequência da crise despoletada pelo canto de sereia que levou à deserção de 8 jogadores para o SCP, David para manter a actividade futebolística preferiu sair para o Cruz Negra, onde jogou durante a época de 1907-1908. Alegou mais tarde que estava convencido que o Sport Lisboa seria extinto, mas que mesmo assim não quis ir para o SCP. E de facto ao fim de uma época regressou ao Sport Lisboa, voltando a envergar orgulhosamente a gloriosa camisola vermelha.

Em 1908 se não estou em erro, foi aliás o autor de um dos golos com que pela primeira vez vencemos o SCP (2-0, tendo o outro golo sido marcado pelo capitão Cosme Damião). Era um jogador prestigiado.



David viria a jogar não apenas na primeira categoria mas também em categorias inferiores. A idade veio e cobrou o seu preço mas mesmo assim defendeu sempre com o orgulho aquela camisola vermelha que tanto amava. E tão orgulhosamente a defendia que em 1911, na sua última época como jogador, em contraste com os seus colegas que já usavam o novo modelo, David persistiu em usar a primeira, a mítica camisola de flanela que muito provavelmente foi comprada vários anos antes na Casa do Povo d'Alcântara. Os seus colegas usavam a camisola do segundo modelo (ambas estão à venda na loja do museu) e ele persistia em usar aquela que lhe lembrava os primeiros tempos da glória das Salésias e da Quinta Nova em Carcavelos. Nessa época de 1910-1911 já com 32 anos, idade à época que era sinónimo de um jogador já bem veterano, é fácil imaginar que ele dentro de campo e na segunda categoria, jogava sem complexos com a humildade e paixão que sempre pôs no jogo.



David José da Fonseca, era filho de Joaquim da Fonseca e Carolina Amélia, tendo nascido em 27-06-1879 e morrido em 8-08-1964. Os seus pais moravam nas terras de Santana, (presumo que perto do Largo do Rato) lugar onde terá nascido.


Campo de Santana, Lisboa, [ant. 1891].
Fonte: http://biclaranja.blogs.sapo.pt/32817.html


Não muito longe, na Igreja de São Roque o seu pai desempenhava a curiosa profissão de sineiro na Igreja de São Roque. Sineiro? Em princípio (julgo eu) deveria ser tocador de sino. Função que exigia uma grande força física e que era bem mais importante do que se calhar hoje pensamos.

E... David morreu em 1964? Esperem aí! Este homem morreu com 85 anos depois da conquista das duas taças dos clubes campeões europeus! Este homem viu essas vitórias e antes ainda viu a magnífica conquista da Taça Latina, título que significava o Campeão Latino numa altura em que o melhor futebol Europeu estava na região mediterrânica... Este homem ainda viu Francisco Ferreira, Rogério Pipi, Águas, Coluna e Eusébio e tantos outros! Que orgulho deve ter sentido! Uma vida longa e cheia de glória Benfiquista.


Honra e Glória a David José da Fonseca:


(Terras de Santana 1879 - Olivais 1964)


nota: queria deixar expresso um agradecimento especial a Alberto Miguens, esse grande Benfiquista e conhecedor superlativo da história e mística Benfiquista que divulgou várias das imagens que aqui coloquei e que por várias vezes salientou a figura de David da Fonseca.



faneca_slb4ever


RedVC

Obrigado faneca_slb4ever.  O0
Felizmente há por aqui um pequeníssimo núcleo de leitores apreciadores de histórias antigas.
Não sou profissional disto e pesquisar e organizar material dá trabalho e consome tempo que se rouba à família e ao trabalho.
Principalmente o que é inédito - e tem havido alguma coisa - dá muito trabalho e provavelmente isso não é muito visível. A seu tempo ficarão aqui coisas que gradualmente poderão ser descobertas por quem vê um pouco mais para além da espuma dos dias. Que também tem a sua importância mas... que não explica este sentimento de Ser Benfiquista.
A seu tempo talvez apareça alguma coisa especial.

RedVC

#85
-29-
Amor ao clube! (à falta de camisola...)

O grande fotógrafo Joshua Benoliel tirou felizmente algumas fotografias de futebol. Não tantas como gostariamos mas algumas inesperadas e de grande valor. É o caso desta. Tirada na Quinta da Feiteira num jogo contra o Sport União Belenense.

Equipa suplementar do Sport Lisboa e Benfica (Outubro 1910):


Fonte: AML

Esta fotografia tem associada algumas identificações dos nosso jogadores, embora tenha notado pelo menos uma falha relativamente ao que me disseram.

Assim tanto quanto é possível fazê-la, esta é uma possível identificação destes jovens jogadores, aprendizes da mística Benfiquista:
1- Jorge Rosa Rodrigues(?); 2- Joaquim Cal; 3- Gonçalves; 4- Francisco Rocha; 5- Artur Ferreira; 6- Arnaldo Sobral; 7- Rogério Peres; 8- NN; 9- Francisco Pereira; 10. Augusto Jorge(?); 11- NN

Alguns destes jovens chegaram à primeira equipa do Benfica sendo que dois deles vieram a ter até algum destaque como avançados: 9- Francisco Pereira (irmão de Artur José Pereira) e 7- Rogério Peres (presumo que familiar de Fausto Peres, jogador já da década de 20).

A fotografia foi também divulgada no blog Retalhos de Benfica:
http://retalhosdebemfica.blogspot.pt/2009/12/origem-da-vila-ana-e-da-vila-ventura.html

As duas equipas como era costume da época, posam juntas no final do jogo. Nota-se um conjunto diversificado de "equipamentos" do lado do SLB enquanto que do lado do SUB são uniformes sendo possível pela gola da camisola identificar os seus dez jogadores de campo (números a azul). Os dois guarda redes têm uma indumentária semelhante mas o nosso, Jorge Rosa Rodrigues, a ser ele, na altura teria cerca de 18 anos. Compatível. Note-se que este era o mais novo dos Catataus e também aquele que mais tarde deixou o nosso clube para sair para o SCP. Seria no entanto um atleta de pouco talento e que não se destacou.

Seis dos nossos jogadores de campo apresentavam-se com a camisola normal dessa época ou seja o segundo modelo da nossa história. Note-se que a gola desta camisola era ligeiramente mais larga que a do SUB e os cordões também eram diferentes). Os restantes usavam a sua própria roupa sendo que três pareciam usar uma camisa ou camisola interior e outro uma camisola às listas que penso seria a camisola do Liceu Pedro Nunes, à época um Liceu que desenvolvia uma grande actividade desportiva. Em termos de cores a nossa camisola seria certamente vermelha e a do SUB seria azul. Não era o CF "os Belenenses" mas também se equipavam de azul. Provavelmente em 1919 aquando da escolha das suas cores, a camisola azul proposta pelo nosso Henrique Costa - em oposição à branca proposta por Carlos Sobral - foi influenciada pela memória do extinto SUB.

Voltando à imagem, o improviso dos equipamentos dá uma boa ideia da escassez de recursos que o nosso clube tinha de enfrentar. Era virtualmente amor ao clube, amor à camisola sem a ter...

Não sei ao certo se se tratava de uma equipa de terceiras ou quartas categorias do Benfica mas o que é certo é que essas equipas eram encaradas de forma séria, sendo um investimento que o clube fazia no seu futuro.

Alberto Miguéns explica isso de forma notável e factual, aqui:

http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2014/02/formacao-made-in-slb.html

em que fala inclusivamente de uma equipa de infantis, em actividade por volta de 1913-1914.

Notável esta visão de Cosme Damião, percebendo que era necessário investir na formação para assegurar o futuro. Aliás esse entendimento deveria assentar na lucidez de perceber que as fontes de recrutamento tradicionais do Benfica poderiam no futuro ser comprometidas, o que como sabemos veio efectivamente a acontecer no final dessa década e no principio da seguinte com a fundação do Clube de Futebol "os Belenenses" e do Casa Pia Atlético Clube, respectivamente. A actividade das equipas de categorias inferiores visava não apenas formar jovens mas também introduzir-lhes a mística e transmitir-lhes os valores e o comportamento competitivo do clube. Era o viveiro dos novos jogadores e eram assim raros os casos de futebolistas da primeira equipa que não tinham feito o percurso, às vezes durante vários anos, nas categorias inferiores. Assim de cabeça lembro-me apenas de futebolistas de excepção tais como Artur José Pereira, Francisco Belas e Cândido de Oliveira. Mas até nesses posso estar errado. O que é certo é que a norma era fazer-se um trajecto antes de estar habilitado a jogar ao mais alto nível, já dotados da mística e da competitividade exigíveis para tal prestigiosa camisola.


Rodolfo Dias

Citação de: RedVC em 04 de Janeiro de 2015, 16:21
-27-
A primeira águia
Muito e muito obrigado por este post. Acho que Gourlade é uma figura que merecia ser muito mais conhecida do que o que é, sendo tantas vezes desprezada em detrimento de Cosme Damião. Para mim saber-se a data da sua morte e como passou os seus últimos anos é mais uma peça no puzzle da sua vida. Bem hajas!

RedVC

#87
Citação de: Rodolfo Dias em 17 de Janeiro de 2015, 21:16
Citação de: RedVC em 04 de Janeiro de 2015, 16:21
-27-
A primeira águia
Muito e muito obrigado por este post. Acho que Gourlade é uma figura que merecia ser muito mais conhecida do que o que é, sendo tantas vezes desprezada em detrimento de Cosme Damião. Para mim saber-se a data da sua morte e como passou os seus últimos anos é mais uma peça no puzzle da sua vida. Bem hajas!

Obrigado Rodolfo. Estimo muito as tuas palavras e quanto a Gourlade não posso estar mais em acordo com elas. Aliás como é costume meu vou elaborar um pouco...

Como disse anteriormente é importante conhecer o nosso passado e as nossas principais figuras para perceber porque o nosso clube é diferente, porque tem esta dimensão e entusiasmo popular.

No conhecimento do nosso passado estão também as respostas que explicam porque fomos um baluarte da democracia num tempo em que este país vivia em ditadura. Num tempo em que os outros clubes dito grandes tinham presidentes nomeados por oligarquias estreitamente ligadas ao regime. O conhecimento é a maior arma contra a difamação e a trapaça. E depois, felizmente temos uma história tão grande, tão rica e tão fascinante que dá gosto ir conhecendo.

Tenho-me concentrado nas duas primeiras décadas embora também saiba alguma coisa da década de 60 e depois claro, da de 80 em frente. A ideia de me concentrar nessas duas primeiras década é tentar perceber as fundações do nosso clube. Porquê esta democracia interna? Porque esta paixão? Porquê esta grandeza, porquê esta universalidade? Como explicar que um clube que esteve quase 50 anos sem ter um campo próprio pudesse ainda assim tornar-se logo após a sua primeira década de existência no maior e melhor clube Português? A resposta está na génese do nosso clube e na fibra dos fundadores e de outros homens fundamentais nos primeiros anos.

A esse propósito, é para mim hoje claro que existiam grandes diferenças sócio-económicas entre os 24 fundadores do Sport Lisboa. No dia e no acto de fundação formalizou-se (mas não muito...) a junção de esforços e talentos entre miúdos de Belém, mais abonados e antigos casapianos, dotados de conhecimento e valores de camaradagem mas com maiores carências económicas. Essas diferenças eram ainda mais reforçadas porque para além dos 24 fundadores presentes naquela farmácia no dia 28 de Fevereiro de 1904, existiram outros homens que não estavam ou não assinaram mas que foram igualmente fundamentais. Nesses incluíam-se antigos casapianos já bem instalados na vida ou em vias disso. Incluíam-se arquitectos, médicos, escultores, cinzeladores, militares. Um deles, José da Cruz Viegas, teve contribuição fundamental para a definição do nome e das cores do nosso clube e isto aparentemente ainda durante as conversas mantidas em 1903... Um dia deste será justo falar destes homens. 

Voltando a Gourlade, acredito que seria o mais velho deles todos. Tinha quase 32 anos nesse dia e provavelmente uma personalidade mais madura. Era com toda a certeza um homem dinâmico, entusiasta. Era um homem letrado (como se vê na carta por ele manuscrita em inglês, em cima) e via-se que tinha capacidade organizativa (como se vê no célebre bilhete que ainda recentemente o museu nos relembrou, em baixo) e ainda parece ter assumido funções de treinador durante o período de 1904-1907.



Tanto Gourlade como Cosme tiveram um papel determinante na génese e no desenvolvimento inicial do clube. Gourlade pelo que se tem dito concentrou a sua importância em cerca de 4-5 anos, Cosme estendeu-a por quase 20 anos.
Cosme teria outras características pessoais e pelo seu méritos desportivo, organizativo, motivacional e pela sua longevidade, foi decisivo na sobrevivência de um clube quase condenado pela sua própria pobreza e pela força bruta do dinheiro dos viscondes.
Sem Gourlade não existiria Benfica. Esteve na fundação do Sport Lisboa e esteve também na fusão entre o Sport Lisboa e o Grupo Sport Benfica.

Penso no entanto que a diferente visibilidade destas duas figuras não se explica apenas por haver esta desproporção de anos de actividade Benfiquista. Respeitando outras opiniões, acho que isso se deve a questões de marketing em que se procura deliberadamente simplificar a mensagem para as massas. Acredito que o próprio museu do clube pode ainda fazer mais para salientar Gourlade. Deveria por exemplo haver uma galeria de notáveis dos primeiros 10 anos. Temos fotografias de quase todos... Ainda assim nos últimos anos, com a inauguração do museu e com a Benfica TV, tem-se feito muita coisa boa para dar a conhecer a história do clube e para salientar algumas das suas figuras e conquistas. Se pensarmos bem há uns anos atrás havia um conhecimento vago da figura de Cosme e quase nada ou mesmo nada de Gourlade. A procura de informação que ainda pode ser recuperada (infelizmente muita já terá sido perdida) é importante. A preservação dessa informação é igualmente decisiva. Estamos no caminho certo mas há ainda muita coisa por fazer e falta ainda salientar algumas figuras.

Dito isto, penso ser de uma justiça elementar colocar Gourlade ao nível dos maiores. Não é uma questão de opinião. É um facto histórico, incontornável, e é também uma acção de justiça que torna mais verdadeira e engrandece a história do Sport Lisboa e Benfica.

Daqui a algum tempo haverá mais qualquer coisa sobre este imortal.




faneca_slb4ever

Citação de: Rodolfo Dias em 17 de Janeiro de 2015, 21:16
Citação de: RedVC em 04 de Janeiro de 2015, 16:21
-27-
A primeira águia
Muito e muito obrigado por este post. Acho que Gourlade é uma figura que merecia ser muito mais conhecida do que o que é, sendo tantas vezes desprezada em detrimento de Cosme Damião. Para mim saber-se a data da sua morte e como passou os seus últimos anos é mais uma peça no puzzle da sua vida. Bem hajas!

Verdade.

RedVC

#89
Sobre o signo do número 30...

-30-
Prémios aos campeões

30 de Junho de 1930, algures em Lisboa decorre uma cerimónia de distribuição de prémios aos jogadores do Sport Lisboa e Benfica, vencedores do Campeonato de Portugal em futebol.


Fonte: digitarq

Nessa época, o Benfica punha cobro a um jejum prolongado de títulos ganhando o Campeonato de Portugal, competição equivalente à actual Taça de Portugal.

O jogo da final foi disputado no dia 1 Junho 1930 no Campo Grande (nessa altura ainda era usado pelo SCP).

http://serbenfiquista.com/jogo/sl-benfica-3-x-1-barreirense

O SL Benfica alinhou com guarda redes: Artur Dyson, defesas: António Pinho, Jorge Teixeira; médios: Aníbal José, João de Oliveira e Vítor Hugo; avançados: Augusto Dinis, Mário Carvalho, Jorge Tavares, António Guedes Gonçalves e Manuel de Oliveira. Marcaram para o Benfica: Augusto Dinis, Manuel de Oliveira e António Guedes Gonçalves. O nosso treinador era o Inglês Arthur John. Arbitrou o antigo casapiano Silvestre Rosmaninho que em 1921 foi um dos jogadores que abandonou o Benfica para seguir Cândido de Oliveira na fundação do Casa Pia Atlético Clube.

Ora este prémio era dado aos vencedores e era algo curioso: Gillettes de ouro nos respectivos estojos.  Isso mesmo... Enfim, nada mau para a época.

Parece que terá sido iniciado alguns alguns anos antes, em 1923/1924, época em que o Sporting Clube Olhanense saiu vencedor. O prémio terá sido promovido pelo Sr. João Machado da Conceição e pela Companhia Limitada de Lisboa, representantes da Gillette (Nova Iorque, EUA) em Portugal.


Fonte: revista Ilustração 1 Novembro 1928.

Assim, e olhando para a composição da nossa equipa na final, podem-se reconhecer na fotografia 7 dos nossos atletas e ainda o presidente Alfredo Ávila de Melo.

Ávila de Melo foi foi nomeado em 1926 por Cosme Damião não ter aceite a sua eleição. Fez quatro mandatos (pouco felizes dada a ausência de títulos) entre 25-08-1926 a 15-08-1930. Este terá sido um dos últimos actos públicos deste presidente.

Assim temos da esquerda para a direita: Vítor Hugo, Aníbal José (avô do LOW), António Guedes Gonçalves, Alfredo Ávila de Melo, presidente do Benfica , ?, Carlos José Oliveira, ?, Jorge Tavares, Augusto Dinis, Artur Dyson e Mário de Carvalho. Nota-se pois a ausência de quatro dos nossos campeões: os irmãos Oliveira (também conhecidos por "Bananeiras"), o excelente defesa internacional António Pinho e o defesa Jorge Teixeira.

Infelizmente não se vislumbram as Gillettes mas antes os restos do repasto que isto de lidar com campeões de barba rija requer algo para aconchegar o estômago...

E era ainda para continuar:



Banquete de homenagem uma semana depois, no dia 6 de Julho.