Jesualdo Ferreira

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"As dores de uma cólica renal não impediram uma tarde à conversa, na primeira entrevista do treinador do Benfica. Na companhia do charuto que promete deixar de lado no banco, falou-se de futebol, de objectivos e de adversários – Como lida com a responsabilidade que é ter às suas ordens o mais forte plantel que o Benfica construiu nos últimos anos? – Bem. Sei a responsabilidade que tenho e isso não está ligado só ao facto de o plantel ser forte, mas à responsabilidade e à exigência de ser treinador do Benfica. Todos temos uma missão a cumprir, que é devolver a grandeza ao clube. Eu, pelo meu passado no clube, sei provavelmente melhor do que todos os que lá estão que o Benfica dos últimos anos manteve a história, a cultura, até os laços que o ligam aos que gostam dele, mas perdeu identidade. Todos temos consciência da responsabilidade, sabemos que no ano passado se trabalhou numa perspectiva distinta, sentimos que fomos capazes de construir uma estrutura mais forte. E quando exteriormente se sente que as condições são melhores, as exigências aumentam. – Há quanto tempo não tinha o Benfica uma equipa tão forte? – É difícil responder-lhe. O Benfica tem desperdiçado muito do que vem construindo. De 1987, quando foi campeão com Mortimore, a 2002, em 15 anos, o Benfica só foi três vezes campeão. Os últimos oito anos entroncam-se no esvaziamento que o Benfica tem conhecido. O Benfica não acompanhou o progresso que seria natural num grande clube. Nestes anos, tenho dificuldade em dizer qual foi o melhor plantel. O Benfica pode ter tido mais numa altura que noutra, mas teve sempre bons jogadores. E os resultados nunca foram positivos. Isto significa que só é possível ter uma grande equipa quando a estrutura que a envolve é forte. – Mas associando a quantidade de talentos desta equipa à organização, posso dizer que o todo não é tão forte desde 1994? – Acredito que sim. Não só pelo valor dos jogadores, mas também pela estrutura que os rodeia. – E, para a estrutura, aquele ano foi difícil... – Foi. Foi um ano em que o Benfica mudou de direcção, em que houve jogadores que rescindiram contratos... – Há objectivos estipulados? O Benfica pode ser campeão este ano? – O Benfica pode ser campeão este ano como provavelmente até podia ter sido campeão no ano passado. Ou há três anos, em que me recordo que a poucas jornadas do fim perdeu um jogo com o Boavista que o poderia ter levado ao título. Ou há dois, em que, já com o Toni, à 20ª jornada, se tivesse ganho ao mesmo Boavista, teria passado para primeiro lugar. Da mesma maneira que, no ano passado, à 16ª jornada, se tivéssemos ganho ao Sporting, ficávamos em primeiro lugar. Em qualquer dos últimos anos, o Benfica teve condições para se aproximar da liderança e não o fez. Não por incapacidade dos treinadores ou dos jogadores, mas da estrutura. E se quisermos podemos ainda falar em infra-estruturas e aí o Benfica está mal. – O facto de não ter as mesmas condições dos adversários pode ser um "handicap" muito forte? – É evidente que o Sporting e o FC Porto andaram mais depressa nessa matéria. Já tivemos dificuldades no ano passado, este ano elas vão aumentar, mas isso será um desafio: há que encontrar as melhores soluções de trabalho e tirar o maior rendimento nas maiores dificuldades. Isso é que vai referenciar as competências. – No final, tudo se reflecte em resultados. Qual é o objectivo mínimo exigível? – É ser campeão nacional ou ter acesso à Liga dos Campeões através do segundo lugar. Nenhum destes resultados foi conseguido nos últimos anos. Definir a prioridade só como ser campeão pode ser um erro difícil de ultrapassar no futuro se os objectivos não forem conseguidos. O Benfica deve ser sempre um candidato ao título, deve lutar até ao fim, ser um candidato real. Mas os nossos adversários não vão oferecer-nos de mão beijada aquilo que tão dificilmente conquistaram. – Nos últimos dois anos, nem à Taça UEFA o Benfica chegou. Não lhe passa pela cabeça repetir esse fracasso? – Não. Sinceramente. – Estão reunidas as condições para que tal não se repita? – Em futebol, dizer uma coisa dessas é sempre subjectivo. No ano passado, a determinada altura da segunda volta, o Benfica era o candidato mais real ao lugar na Taça UEFA. Não chegámos lá, mas o Benfica tem condições reais de chegar às competições europeias. – É sempre um homem tão moderado. Como convive com a onda de euforia que se criou à volta do Benfica? – Com a serenidade que vem do conhecimento que tenho do clube, do meu temperamento e do que conheço do futebol. A euforia que se viveu no ano passado, por exemplo, resulta de uma falta de racionalidade. E quem dirige o futebol do Benfica, neste caso o treinador, tem que ser racional, tem que ter consciência de que nada se consegue sem que todos percebam o que se pretende. Essa foi a primeira mensagem que se tentou passar na época passada a jogadores que não conheciam o clube. Por isso, hoje, o núcleo duro que ficou no clube – jogadores, técnicos ou dirigentes – já é de alguma forma sensato na forma como encara essas exigências. Não é campeão quem quer. É preciso ter condições e competência para o ser. É preciso provar a competência. Não posso é, como treinador, embarcar em euforias e pensar que só porque temos este ou aquele jogador já somos campeões. – Há um aparente antagonismo entre as declarações em que se fundam as euforias e, por inerência, receitas importantes, como o chamar-se "equipa maravilha" aos jogadores de que se dispõe, e os interesses da equipa técnica... – O nível de exigências criado no ano passado foi uma questão de estratégia, com a qual eu estive de acordo. Ninguém pode ser campeão sem saber lidar com a pressão e com a exigência. Não é possível vencer sem dominar essas áreas de emotividade. Por isso, os jogadores têm que ser educados nesse sentido. Cabe aos mais experientes ter a racionalidade para equilibrar essas questões. Porque os adeptos não têm essa frieza, têm sobretudo emoção. Cabe-nos a nós lidar com este quadro de antagonismo e educar os jogadores. O Benfica não pode ser uma equipa que se empolga a jogar com o Real Madrid, com o Sporting ou com o Inter e depois uma equipa menor contra o Beira-Mar ou o Moreirense. O Benfica terá de fazer sempre grandes jogos, porque senão será uma equipa menor. E eu não quero uma equipa menor. – Entremos na equipa. Concorda que tem mais opções na frente do que atrás? – Sim. O Benfica partiu de uma base que era fundamental manter e procurou reforçá-la. É certo que o equilíbrio pode muitas vezes não ser tão visível, mas só podemos manter-nos na discussão das provas se formos capazes de criar uma estrutura, um núcleo forte, onde se torne mais fácil a introdução de jogadores. Porque é inevitável, no futebol, que as alterações se registem quando há oportunidades de mercado. E se não se preparar para isso, será inevitável que, de um dos melhores plantéis dos últimos tempos, o Benfica passe a ter um dos piores. O plantel pode não ser tão equilibrado como teríamos desejado, mas é mais forte. – Trocava um ou dois jogadores da frente por jogadores de maior craveira para outras posições? – Num cenário ideal, manteria os mesmos na frente e ia arranjar alguns com maior dimensão para outras posições. Num cenário real, a única questão que se põe acerca dos jogadores da frente é que estamos numa posição diferente da do ano passado. O facto de haver dois jogadores para cada lugar, a quantidade de qualidade existente é que transmite a ideia de desequilíbrio. – Essa concorrência pode ser nefasta? Se, por exemplo, o Drulovic entrou bem com o Real Madrid, o Mantorras está afectado... – Os jogadores sabem que não é possível ter uma equipa durante dez meses numa competição exigente sem ter toda a gente a envolver-se e a participar. As escolhas baseiam-se no equilíbrio da equipa, que está acima de todos nós, e depois há um balanceamento de tudo com castigos, com lesões, com situações de forma. Esse espírito, ao ser transmitido para o balneário, permitirá que haja jogadores fundamentais a sair do banco para jogar. Esta é uma filosofia de que os jogadores não gostam. Mas eles sabem que antes de qualquer um deles está a equipa. O importante é que o Benfica ganhe. – É claro para si que há melhores e piores suplentes? – Sim. E não é só no Benfica. É em todas as equipas. Se há prémios para o melhor jogador, o melhor guarda-redes, o melhor marcador, por que não há o prémio do melhor suplente? Era interessante saber que jogadores conseguem influenciar o jogo pela forma como entram. – Pela forma como entrou contra o Real Madrid, o Drulovic seria um bom candidato... – É um exemplo claro de um profissional sério, como eu quero que todos sejam. Como as regras impõem que só podem jogar onze e entrar mais três, a escolha cabe-me a mim, mas os factores que levam a ela dependem deles. – Na sua estrutura atacante, há dois imprescindíveis, o Simão e o Nuno Gomes. Como só pode utilizar mais dois atacantes, em vez de oito para quatro vagas passam a seis para dois lugares. Admite mudar o modelo de jogo? – Apesar de os simpatizantes acharem que, só porque o Benfica tem três pontas-de-lança bons, deve jogar com os três, a equipa tem de se formar só com onze e ao treinador compete estabelecer equilíbrios. Sabemos que a maioria dos jogos se ganha pelo menor número de erros ou pelos detalhes que neles possamos introduzir. Neste quadro, para poder utilizar todos os jogadores talentosos que o Benfica tem, numa perspectiva de espectáculo, se calhar usaríamos só dois defesas e, de resto, avançados. Mas compete-nos a nós técnicos gerir a questão e compete aos jogadores perceber que tem que ser assim. Mas nada sai por acaso. Todos os processos têm que ser trabalhados e percebidos por todos os jogadores. Por isso, partimos do modelo que temos. Evoluiremos para outros, mais complexos e difíceis de interpretar, que nos causarão mais problemas, mas que também os causarão ao adversário. – Fala num 4x4x2, na inclusão de Fehér, para ganhar peso na área? – Não podemos esquecer o Mantorras que, em boa forma, pela capacidade de explosão, pela forma como assume os duelos individuais e a baliza pode casar com o Nuno Gomes ou com o Fehér. Mas sim, a ideia é que entre Nuno Gomes, Fehér e Mantorras joguem sempre dois. O problema é que o Benfica não terá no plantel os alas indicados para jogar em 4x4x2. – Tem mais extremos que alas... – Sim. Ou terá mais avançados direitos e esquerdos do que médios ala. E a despesa defensiva não pode cair exclusivamente sobre dois jogadores que, durante 90 minutos vezes muitos jogos, teriam que efectuar um trabalho de grande desgaste. O Benfica vai evoluir para outro sistema, que pode passar por ter dois pontas-de-lança sem ter médios-ala. Mas seria uma insensatez partir para ele quando temos um já trabalhado, do qual sabemos que podemos tirar rendimento. – Oliveira disse que no Mundial queria utilizar o Simão numa posição central. Para si ele é um jogador de linha lateral? – Comigo, nas selecções, o Simão jogou sempre numa posição central. Mas ele tem uma virtude: é um jogador com grande mobilidade, com grande capacidade de pisar zonas diferentes do campo. Como qualquer desequilibrador, necessita é de zonas de menor densidade de jogadores. Daí a procura da linha. O Simão é muito forte no centro, mas não quando o Benfica defronta adversários que concentram ali grande densidade de jogadores. – É para aproveitar as diagonais dele que o utiliza mais à esquerda do que à direita? – O Simão joga com facilidade tanto à esquerda como à direita ou no meio. Às vezes os jogadores gostam mais de uma posição do que outra, mas isso não significa que sejam menos eficazes nessa outra. Particularmente os de maior talento. Os jogadores de qualidade têm de ser multi-funcionais, não devem ser desaproveitados em situações rígidas. – Daí a liberdade que tem o Petit, talvez o único jogador sem alguém que se lhe assemelhe no plantel? – Os treinadores desejam sempre que haja complementaridade entre jogadores e sectores. É sempre melhor para uma equipa que os jogadores não sejam todos iguais. Penso que, no Benfica, em qualquer dos sectores começa a aparecer complementaridade. Sinto que o Petit não deve ser amarrado a funções muito limitadas, porque tem grande capacidade para os desdobramentos defesa-ataque, da mesma forma que o Tiago a terá dentro de pouco tempo, porque há uma diferença de idade e de experiência entre os dois. E quando me refiro ao Tiago podia referir-me ao Ednilson, ao Peixe ou ao – drade. Conto com todos em absoluto. Mas, e isso é assim em todas as equipas, há jogadores mais importantes que outros. – O Benfica quis contratar Yannick, Ricardo e Quim, mas acaba por ficar com Moreira. Ele é um guarda-redes feito, ou ainda lhe faltam horas de baliza? – Um guarda-redes feito não é, porque não há guarda-redes feitos aos 20 anos. Mas é um guarda-redes em quem todos confiamos muito e que terá direito ao erro, porque naquele lugar os erros são mais notados. – Avalizou todos os reforços? – Passaram todos por mim e pela administração da SAD, neste caso por Luís Filipe Vieira. Nenhum jogador entra no Benfica sem que o treinador lhe dê o aval, como nenhum entra sem que haja aprovação da SAD. As aquisições foram feitas em patamares, com diferentes objectivos... – Quando fala em objectivos está a pensar, por exemplo, na resolução do problema jurídico que Vilarinho tinha com Jardel? – Essa situação não me diz respeito. O que me diz respeito é que o George, tal como o Anderson Luís, foi visto como um avançado de 22 ou 23 anos, com potencial, e que face à inexistência de soluções para casos que se apresentavam difíceis de resolver – os casos do Nuno Gomes e do Fehér –, podiam ser importantes. Assim que as outras situações forem resolvidas, é evidente que a aposta nestes jogadores, que foi feita para um futuro próximo, passará sempre pela sua utilização noutros clubes. – O George já foi emprestado. O Anderson Luís vai segui-lo? – Sim. Face aos três avançados que o Benfica tem, ser-lhe-ia difícil jogar. – E o Anders Andersson? – É um jogador do qual gosto muito e que, quer como profissional quer como pessoa é excelente, mas que no Benfica actual terá menos hipóteses de jogar. Seria um activo que não seria valorizado. Por isso se põe a hipótese de ser emprestado. – E o Sokota? Será possível vê-lo jogar esta época? – Foi a grande perda do Benfica. Como pessoa, é alguém por quem toda a gente no Benfica tem grande consideração e estima. É um grande profissional e um grande jogador e todos nós desejamos ardentemente que a lesão seja debelada. Até pela forma como ele se empenha na recuperação. Ninguém pode garantir com segurança que ele recupere, mas esperamos ardentemente que sim. "Deixei de jogar pois não ia ter vida estável" – O que faz quando não está a treinar o Benfica? – No Benfica, penso nas outras tarefas que tenho para fazer, estudo, para que o trabalho seja melhor. Privo pouco com a família, o que me desagrada. Tenho amigos, poucos mas felizmente bons. Sou discreto por natureza e não há nada a fazer. Não é aos 56 anos que vou mudar. Procuro em cada dia estar preparado para no dia seguinte ser melhor. – Tem paixões? – Gosto muito de cinema, mas já não vou há muito tempo. O futebol, mais a mais a este nível, tira-nos coisas interessantes que todos devíamos viver. Mas isso é compensado pela paixão que temos pelo jogo. – Porque deixou de jogar cedo? – E até tinha qualidade... Mas, como sempre faço, fui pela razão e não pela paixão. Embora pudesse ter feito carreira no futebol, entendi que devia seguir outra via. Estamos a falar de 1966 e não vi que, como jogador, pudesse ter uma vida estável. Segui a via de treinador. – Já era do Benfica? – O Benfica é de família. Toda a minha família era do Benfica e estas coisas passam de pais para filhos. Sou do tempo em que o Benfica era campeão europeu e ganhava os campeonatos quase todos. Era mais fácil. – Vinte anos depois da estreia na I Divisão, ainda não fez 100 jogos. Foi vítima do preconceito dos contra os académicos? – Quando apareci, há 30 anos, não era fácil um indivíduo com formação académica mas sem passado como jogador afirmar-se como técnico. Mas percebi que a forma de estar no futebol muito tempo era ser sério. "Toni sabe que não o traí" – A sua carreira está ligada a Toni. Quando se conheceram? – Foi há mais de 30 anos. Nos juniores, fomos adversários, jogava ele no Anadia e eu na Ovarense. – E ficaram amigos? – Depois, eu estava no ISEF quando ele foi para o primeiro ano. E fomos mantendo contacto. Em 1979, quando entrei no Benfica, ele ainda era jogador e começámos a ter uma relação próxima, pois ele ia muitas vezes ver os meus treinos. Aí, fizemos amizade também entre famílias. Em 1984, quando o Eriksson saiu e houve a hipótese de o Toni vir a ser treinador do Benfica, ele convidou-me para adjunto, mas isso não se concretizou... Mas continuámos a encontrar-nos, como bons amigos. Em 1987, trabalhámos juntos, mantendo uma relação muito próxima, sendo que, como adjunto dele, sempre co-operei, numa relação de grande lealdade e amizade. Ele sabe e já reconheceu que sempre fui um colaborador a 100 por cento, sem regatear nada, no sentido de que as coisas corressem bem. – A separação deu-se em condições difíceis, pois foi convidado a ocupar o lugar dele... – O Toni sabia que, desta vez, a minha entrada passava por outro alinhamento. E, com a sua nobreza de carácter e a sua inteligência, percebeu e aceitou a situação. Não estava no meu horizonte ficar no lugar dele. Mas, ao surgir essa possibilidade, ele foi a primeira pessoa com quem falei. E ele foi claríssimo nas afirmações que me fez a mim e em público. Pode haver quem julgue que houve uma traição, mas o Toni sabe que não o traí. E o mais importante para mim é que o Toni sinta isso. "O Sporting não está mais fraco" – Os seus principais adversários perderam jogadores importantes. O que diz do Sporting sem Jardel, sem Hugo Viana, sem André Cruz, sem Babb, sem João Pinto até Outubro? – Não tenho a ideia de que o Sporting esteja mais fraco. Está é diferente. E há ali um desafio muito grande para o treinador. Tal como há um para mim no Benfica: Bölöni perdeu jogadores de grande influência, eu ganhei alguns jogadores de maior influência. Mas o Sporting tem bons jogadores. Gostei muito da equipa contra o Inter, sobretudo na primeira parte, em que me pareceu segura, serena, com menos capacidade de finalização, é certo, mas inegavelmente uma equipa forte e competitiva. Tem é de ter tempo para se adaptar, dentro do modelo que escolheu, a novos jogadores. Não há milagres. – Já no FC Porto, ao sair Jardel, Fernando Santos falou na motivação de achar uma nova forma de jogar. Os técnicos trabalham com base nesses estímulos? – Tem de haver estímulo para o treinador, como tem de haver para os jogadores. Com o Jardel, que estímulo têm os outros avançados? Nenhum! Quando ele sai, além do estímulo do treinador, que é ir à procura de eficácia e continuar a ganhar, há um estímulo para o plantel. Não duvido que o Sporting encontrará soluções para ser um candidato ao título. Porque é o campeão. – O Boavista perdeu Petit e, mais do que isso, continua a perder elementos da equipa campeã em 2001... – Mas a forma como se organizou permite coisas milagrosas. O Boavista tem uma capacidade de regeneração enorme, e isso é um atestado de competência não só aos seus profissionais como aos dirigentes. Com o Auxerre, vi um Boavista com as mesmas características. Não é fácil substituir o Petit, o Pedro Emanuel ou o Litos. Além disso, temos de perceber que, embora tenha uma craveira superior, o Sanchez já começa a ter dificuldades. Mas percebeu-se que dentro de pouco tempo o Boavista terá soluções nas quais ainda ninguém pensa. É também um candidato ao título. – E o FC Porto, que perde Paredes e Jorge Andrade? – Mas recuperou Jorge Costa, que do ponto de vista da liderança e do peso no balneário é muito importante. Ainda não vi mais do que dois bocadinhos, contra o Bordéus e o Atlético de Madrid. Mas gostei. Acho que tem muitas soluções, tem uma equipa competitiva, compacta mas flexível, tem atributos do ponto de vista do desenvolvimento de jogo definidos, pois as melhores unidades ofensivas continuam. E isso é importante. É certo que perdeu unidades, mas não as nucleares no que é fundamental na construção de uma equipa, que são os processos ofensivos. – O FC Porto reforçou-se muito no mercado interno e isso pode facilitar a adaptação dos jogadores... – Não só se reforçou no nosso campeonato como se reforçou com jogadores que o seu treinador conhece bem. São duas vantagens. O FC Porto teve uma perspectiva correcta da forma como devia orientar-se neste processo de atacar o título após três anos sem ser campeão. – Quem é o maior favorito? – O Sporting é um dos grande candidatos, porque é campeão e, nessa qualidade, é sempre um sério candidato ao título no ano seguinte. O Boavista, porque foi o campeão no ano anterior e ficou no ano passado em segundo. O Benfica e o FC Porto discutiram a presença na Taça UEFA até ao fim. São todos candidatos. Jankauskas "Lamento ter perdido o Jankauskas, porque era um jogador que já estava adaptado ao Benfica. Ao mesmo tempo não lamento, porque a vontade dele foi ir para o FC Porto e não ficar no Benfica. E porque o Fehér me parece um excelente jogador." "O meu contrato é de segundo treinador" – Quantos contratos já fez com o Benfica? – Muitos. Entrei em 1979 para o futebol juvenil, como responsável por toda a formação: treinava os juniores, os juvenis, os iniciados. Saí em 1981 com a mudança de direcção e comecei a carreira no futebol profissional, como treinador do Rio Maior. Regressei em 1987, para liderar um projecto que tinha a ver com a formação das equipas B, que não foi possível continuar porque era demasiado grande para o pensamento das estruturas federativas. Só mais tarde, na última vez que estive na federação, consegui implantar as equipas B. Voltei com o Toni em 1992. Ganhámos a Taça de Portugal e fomos campeões. E a última entrada no Benfica foi perfeitamente acidental, pois não era essa a minha ideia no momento. Hoje posso dizer que construí uma carreira sempre a solo, sozinho no que diz respeito às influências. Mas tenho orgulho em dizer que em três décadas de treinador, trabalhei todos os anos. Tive muitas vezes que baixar para voltar a subir. E serei dos poucos a ter conhecimento de toda a realidade do futebol português, pois treinei desde os oito, nove anos até aos melhores jogadores do Mundo. – Ao fim de tantos contratos com o Benfica, veio o actual. O que é que estipula? – Dentro do que entendo que deve ser o futebol do Benfica, e que Luís Filipe Vieira e Vilarinho também entenderam ser a melhor fórmula, havia que criar uma estrutura fixa segura, que desse garantias de continuidade aos projectos. Não é possível que as estruturas mudem a cada vez que balançam. Sentiu-se essa necessidade e, quando fui convidado, disse que não estaria disponível para ser mais um treinador a entrar e a sair no dia seguinte por isto ou aquilo. O contrato é claro: sou segundo treinador... – Ainda é? – Sim, ainda. Sou segundo treinador, com funções de coadjuvante do técnico principal. Simultaneamente sou responsável pelo futebol de formação, que foi todo alterado. – Admite voltar a segundo treinador? – Neste momento, a única coisa que admito é fazer o meu trabalho e tentar ser campeão. Nunca joguei para perder e não era no Benfica que mudava essa posição. A minha ideia é ganhar o campeonato. A avaliação do meu trabalho compete aos responsáveis. E quando surgem as inevitáveis conversas sobre essas matérias, habituei-me sempre a conversar muito bem e a discutir as coisas com clareza. E habituei-me também a pensar uma coisa de cada vez. Antecipar coisas provoca uma angústia muito grande e, depois, quando lá chegamos, não temos capacidade para as resolver. – Porque é que Luís Filipe Vieira tem tanta necessidade de estar permanentemente a reiterar a confiança da SAD em si? – Não estou em condições de avaliar o que ele quer dizer, mas sei que ele sente o que diz. Não acredito que Vieira ou Vilarinho decidissem a minha continuidade se não tivessem confiança em mim. Seria uma insensatez. Mas sei qual é a posição que eles têm no Benfica, no contexto dos grandes financiamentos e da produtividade que é preciso ter. Não era nesta idade que ia passar a ter fantasias. Tive-as quando era mais novo. A única preocupação que tenho é ser treinador do Benfica e fazer tudo para ganhar o campeonato. Sete nomes numa carreira Luís Filipe Vieira – Só o conheci no Alverca. É uma pessoa de quem gosto muito, não só a trabalhar como também fora do Benfica. Tem uma generosidade muito grande e uma capacidade de observar as coisas à distância no negócio do futebol que faz dele um elemento fundamental. Tudo o que o Benfica está a fazer no futebol é da responsabilidade dele. Tenho nele, como ele tem em mim, grande confiança. Mas isso não nos inibe de sermos francos e leais e de cada um desempenhar as suas funções de acordo com o que tem que ser. Eu sou o treinador, ele é o líder do futebol profissional, impõe as directivas. Todos as respeitamos e, independentemente da nossa relação pessoal, sei quais são as suas intenções no Benfica. E ambos sabemos que vivemos dos resultados. Por isso também percebo as dificuldades que ele tem na gestão de tudo isto. Estamos os dois no mesmo barco. Manuel Vilarinho – Conheço-o há 20 anos, da minha primeira passagem pelo Benfica. Voltei a estar com ele em 1994, quando fomos campeões. É uma pessoa de quem gosto muito, com quem tenho uma relação óptima e que – estou-lhe grato –, quando foi para presidente do Benfica, estava eu ainda no Alverca, me falou em regressar. Tenho com ele uma relação óptima. Chalana – Conheci-o quando ele tinha 15 anos. Seleccionei-o para a equipa nacional de juniores em 1974, estava ele entre o Barreirense e o Benfica. Começou comigo, fizemos juntos vários jogos das selecções. Recordo-me que uma vez, num estágio para o jogo com a Polónia, Pedroto mandou chamá-lo para a selecção A e ele ficou aborrecido, porque julgava que nos juniores é que estava bem. Mais tarde, em 1987, quando ele regressou ao Benfica, lesionado, continuámos o trabalho e eu disse-lhe várias vezes que ele voltaria a ser internacional, o que aconteceu. Ele acabou por sair e terminou a carreira comigo no E. Amadora, numa altura em que todos se tinham esquecido dele. No Benfica, quando passei a treinador principal, não tive dúvida em ir buscá-lo, pois considero-o de uma grandeza humana extraordinária, de uma sensibilidade para o futebol extrema, de uma facilidade de relacionamento no balneário muito boa, de um fantástico espírito competitivo e de um conhecimento do Benfica como poucas pessoas têm. Laszlo Bölöni – É um treinador da escola francesa, que conheço bem, até porque durante muito tempo a minha formação teve muito a ver com esse tipo de experiências. Parece-me um treinador sereno, alguém que sabe perfeitamente o que quer, que teve a coragem para, no enquadramento da formação, tomar uma série de posições difíceis, para fazer o vai-vem de jogadores entre a equipa B e a equipa principal, algo que não pudemos fazer no Benfica por razões que se prendem até com o passado recente do clube. E é um treinador que ganhou três títulos num ano. José Mourinho – É um treinador cuja formação apontou para ser treinador de primeiro nível. Não sou dos que perfilham a ideia de que ele é arrogante. Está é a construir a sua imagem e é natural que tenha de começar de alguma forma. Só depois é que irá ou não aferi-la e direccioná-la da forma que entender. Tivemos algumas divergências, mas não confundo as coisas. A visibilidade do seu trabalho resulta do que fez nos dois meses e meio que esteve no Benfica e da época passada, quer no FC Porto quer na U. Leiria. As suas equipas têm um cunho próprio. Tem todas as condições para vir a ser um grande treinador. José Veiga – Não o conhecia antes de vir para o Benfica. É uma pessoa muito inteligente, que conhece perfeitamente os negócios do futebol, que tem alguma sensibilidade para avaliar a qualidade dos jogadores, o que é importante e que nem todos têm. E tem um relacionamento muito fácil. Por isso não é estranha a forma como se movimenta no mercado. É um homem de sucesso. Paulo Barbosa – É uma pessoa com quem já tive bom e mau relacionamento. Reconheço que é alguém muito inteligente, com grande perspicácia e uma capacidade de análise muito fria e segura de variadas situações. Nem sempre estivemos do mesmo lado, mas é uma pessoa que respeito."