BENFICA TV
"A Benfica TV dá dinheiro"
A Benfica TV é obra sua?
Não, porque já existia. O mérito é de quem a criou antes. É do presidente do Benfica que a decidiu fazer, do Domingos Soares de Oliveira que a implementou, da direção que lá estava e continua a estar. O meu posicionamento em relação à Benfica TV deve ser visto como uma atitude de total disponibilidade sempre que a Benfica TV ou a direção necessitarem de mim para alguma coisa. Houve uma altura em que precisou bastante de mim, que foi a fase do relançamento do canal, sobretudo no que dizia respeito à renegociação com as redes de distribuição. Essa foi a atividade mais intensa, era a questão crucial, era o ponto mais importante para resolver.
As notícias do seu impacto na Benfica TV foram sobrevalorizadas?
O que o mercado e a opinião pública podem ter a certeza é que sempre que a Benfica TV necessitar de mim, seja para o que for, eu estarei lá. Essa é a melhor resposta.
Houve duas ideias recorrentes na opinião pública. Numa primeira fase, que o José Eduardo Moniz iria ser o homem que iria relançar a Benfica TV, com os jogos do Benfica, com as contratações que fez...
Ajudei a convencer algumas pessoas disso, sim.
E depois, numa segunda fase, que houve um afastamento seu dessa pasta. É verdade? Foi afastado progressivamente ou esvaziaram-lhe as funções?
A Benfica TV não precisa da minha intervenção, pela simples razão de que ela corre normalmente. Tem a sua programação, que já estava delineada, houve alguns acertos que foram feitos em função da análise da realidade no momento. Tem bons profissionais, tem um modelo, que não tem segredos, que está em andamento, que fatura bem, que tem boas audiências no universo que serve, que obteve um conjunto de assinantes notável em muito pouco tempo, que fez excelentes acordos com as redes de distribuição e que está a espalhar-se para outros países.
O modelo de negócio é completamente sustentável?
Muito sustentável. A BTV ganha dinheiro, é altamente rentável, e é uma coisa de que os sócios do Benfica se podem orgulhar.
A Benfica TV foi uma promessa eleitoral de Luís Filipe Vieira. O Benfica faz mais dinheiro com o exclusivo dos seus jogos em casa do que fazia com o acordo que tinha com a Olivedesportos. Fará hoje cerca de 18 a 20 milhões de euros, segundo alguns analistas.
Não lhe vou dizer o valor exato, mas faz muito mais do que esse valor que mencionou.
Chega aos 22 milhões de euros/ano, a última proposta da Olivedesportos proposta pelo Benfica?
Faz muito mais do que isso. A Benfica TV não só tem resultados superiores à oferta que recebeu como proporciona ao Benfica uma coisa extraordinária e que não tem preço, que é independência e autonomia. As pessoas estão a desvalorizar este aspeto. O Benfica é soberano relativamente às suas decisões e ao que é dele. Isso, não há mais nenhum clube em Portugal que se possa gabar.
Como é que vê a chegada do Sporting a este negócio?
Com naturalidade. Não me impressiona nem deixa de me impressionar.
O presidente Bruno de Carvalho já disse que o modelo que o Sporting quer não passa por ter os jogos de futebol na sua televisão.
Não vai levar a mal responder-lhe assim, mas eu preocupo-me com aquilo que se passa dentro da minha casa. Dentro da casa dos outros não me interessa nada.
E como é que vê o facto de o FC Porto ter exercido a opção de compra do Porto Canal à Media Luso?
Podia responder-lhe da mesma forma que respondi à pergunta anterior. Acho que isso significa apenas que o modelo existente anteriormente não era um modelo que satisfizesse os dirigentes do FC Porto.
Portanto, acredita que o Porto Canal vai acabar por deixar de ser um canal generalista, como sempre disse ser, e passar a ser um canal de clube como o Benfica e o Sporting têm?
Não quero tecer considerações sobre isso. Não conheço suficientemente bem o dossier para fazer comentários.
A Benfica TV tem condições para entrar num leilão de jogos, por exemplo, da Champions?
Respondo-lhe com uma pergunta: Alguém esperaria que a Benfica TV comprasse a Liga inglesa? O futuro é um livro aberto.
Mas a expansão da Benfica TV passa por aí?
A Benfica TV quer proporcionar aos seus espectadores o melhor produto que houver disponível no mercado, desde que tenha condições financeiras para proceder à aquisição desse produto. Ninguém comete loucuras, fazem-se estudos de viabilidade e se, balanceadas as coisas, perceber que é uma aposta válida, é óbvio que qualquer produto que se encontre no mercado é apetecível.
Os direitos da Liga Europa e a Liga inglesa serão renegociados em 2015 e 2016. A BTV vai a jogo?
Há tantas coisas que o mundo do desporto proporciona. É só uma questão de se estar atento.
A BTV será mais do que uma televisão de clube. Quer ser assumidamente um canal de desporto?
A BTV é uma televisão de que o Benfica se orgulha e de que os benfiquistas se podem orgulhar.
Só os benfiquistas? A mudança de semântica de nome foi para piscar o olho a portistas e sportinguistas?
Parece-me uma coisa óbvia. É uma sigla que sintetiza o que a televisão é. Olhando para o ecrã, você verifica que Benfica TV é um logótipo muito grande. Se colocar BTV é mais pequeno.
Mas já era grande há quatro anos, quando foi lançada.
As coisas evoluem, há aprendizagens que se fazem. Se um sportinguista e um portista se sentir menos incomodado com isso, ainda melhor. Na nossa casa recebemos bem toda a gente.
Já viu a Sporting TV?
Não, não vi. Não posso comentar porque não vi.
Por convicção benfiquista?
Porque não me lembrei. Não sou sectário, não tenho essas visões restritivas da realidade e do público.
Muito bem, mudemos de assunto. O que é que correu mal da sua relação com a Ongoing?
Está a falar de?
Da sua relação com a Ongoing.
Nada. Eu tenho mantido uma boa relação quer com o Nuno Vasconcellos quer com Rafael Mora. Há alturas na vida em que as pessoas chegam à conclusão de que há coisas que as separam, que há caminhos que devem percorrer de forma diferente. Eu decidi seguir a minha vida noutra direção e eles seguem a deles na opção que sempre fizeram.
Foi diferente do que estava à espera e por isso se separaram ou em determinado momento percebeu que não era bem aquilo que queria?
O projeto que me levou à Ongoing revelou-se impossível de materializar.
Por falta de condições financeiras?
Foi basicamente por essa razão. A partir do momento que assim é, eu não sou pessoa de asilar encostado ao ombro de ninguém nem de me acomodar a coisas com as quais ou não concordo ou não me dão satisfação. Decidi sair apenas por isso.
Mas se as coisas tivessem corrido bem, poderia estar agora na SIC?
Não sei se alguma vez estaria na SIC. Não ponha a questão dessa maneira. A Ongoing também esteve para comprar uma participação na TVI. Quando surgiram as divergências entre Nuno Vasconcellos e o Dr. Balsemão, que lamentavelmente surgiram, ele virou o prego em direção à Media Capital e chegou a ser ponderada uma aquisição significativa de capital na estação de Queluz. Portanto, poderia ter sido da TVI.
Arrepende-se dessa aventura na Ongoing?
Não, nada. Aprendi muitas coisas nestes últimos anos. Muito, muito.
O que é que aprendeu?
Quando passamos muito tempo sozinhos, não só aprendemos a conhecermo-nos melhor, como reaprendemos a pensar, lemos muito e adquirimos, se não lhe quisermos chamar conhecimento, pelo menos experiência a partir de coisas que vamos absorvendo. Eu convivi com gente extraordinária na China, nos EUA, no Brasil, na Argentina. Lidei com projetos de enormíssima grandeza, alguns dos quais não perdi a esperança de concretizar. Aprendi uma coisa fantástica em detalhe, que é como funciona o mercado brasileiro: as suas lógicas internas, os seus protagonistas principais - sejam os proprietários das televisões sejam as peças essenciais para o funcionamento das máquinas. Acho que saí disto muitíssimo engrandecido e por isso hoje falo aqui consigo com um à-vontade com que se calhar não me viu em outras ocasiões.
É verdade. Até parece um certo desprendimento?
[sorriso] Mas não é desprendimento. Hoje estou muito mais seguro de mim mesmo, daquela que é a realidade e do que se pode fazer em televisão, sem medo e com muita ousadia - porque nada se faz sem ousadia e temos de estar preparados para sofrer os embates dessa ousadia. Sinto-me muito à vontade para enfrentar o conjunto de desafios que surgirem.
RESTO DA ENTREVISTA
Está mais solto, mais conversador, menos reservado, mais sorridente. Livre das pressões da gestão, está de regresso à televisão, agora como consultor. Na sua primeira grande entrevista, José Eduardo Moniz explica porque é que trabalhar para a RTP e para a TVI não é incompatível, diz que não é homem de ressentimentos, mas garante que há gente com quem não volta a trabalhar.
Imagine que eu sou o patrão da SIC e que lhe venho propor, enquanto consultor para a ficção, que me faça uma novela para as 21.30. Já tem uma Água de Mar na RTP1 às 21.15 [entretanto, passou para as 22.00], um Beijo do Escorpião na TVI às 21.30. Sá falta uma novela na SIC para fazer o pleno.
Essa sua pergunta só tem uma resposta: eu agradeceria muito ao Dr. Balsemão, que estimo imenso, e dir-lhe-ia que seria impossível.
Porquê?
Eticamente seria reprovável. Só tenho uma cara e gosto de funcionar com transparência.
Não seria compatível, portanto...
Do meu ponto de vista, seria totalmente incompatível que eu aceitasse qualquer trabalho na SIC.
Água de Mar na RTP1 e O Beijo do Escorpião na TVI, praticamente à mesma hora, não são incompatíveis?
Acho que vale a pena explicar isto: eu andei três anos e meio fora de Portugal. Viajei muito pelo Brasil, pela China, por África... Enfim, fiz imensas coisas lá fora. Quando voltei, decidi que ia ficar algum tempo apenas ligado à universidade. Como se fosse uma licença sabática. E durante esse período houve um amigo meu que me perguntou se eu não estaria disponível para lhe dar uma ajuda como consultor dele na produtora. Foi o José Silva Pedro e a produtora é a Coral Europa. Eu respondi-lhe que teria muito gosto. Pensei um bocadinho como o poderia fazer e fui criar a minha própria empresa para essa função. Fizemos um contrato com a maior das normalidades. Acontece que, passadas algumas semanas, e com alguma surpresa minha, a TVI convidou-me para ser consultor de ficção. A primeira coisa que fiz foi comunicar à TVI que tinha um contrato de consultoria com uma produtora, que, por sinal, tem programas na TVI, mas que também ambicionava ter programas na RTP e que estava, inclusive, em fase avançada relativamente a Água de Mar, um projeto que na altura saiu da minha cabeça. Informei a TVI e o José Silva Pedro. As conversas com a TVI prolongaram-se muito, porque eu tinha muitas reservas em aceitar o convite.
Hesitou porque pensou que era o regresso a uma casa onde foi feliz?
É sempre complexo regressarmos a um sítio onde estivemos, onde vivemos experiências extraordinárias, onde tivemos um papel muito ativo, onde deixámos uma marca muito grande - independentemente dos exageros que se possam atribuir quanto ao valor dessa marca.
Isso é modéstia. A marca que deixou na TVI é visível. É mensurável.
Não é uma questão de modéstia, é de realismo. Mas eu fui muito claro, quer com um lado quer com o outro, e deixei, também, extremamente claro que a partir do momento em que tinha celebrado primeiro um contrato com a Coral Europa, o meu compromisso de fundo era com esta produtora. Portanto, o que ficou combinado com a TVI foi que eu sou consultor para a ficção do canal.
Eu José Eduardo Moniz para a TVI e a sua consultora para a Coral?
Não. A minha empresa é consultora de uma e de outra. Vamos deixarmo-nos de eufemismos. A empresa é minha, nasceu porque eu lá estou, mas com áreas bem delimitadas relativamente ao meu funcionamento. Não tenho qualquer limitação relativamente a entretenimento e em relação a projetos que já haviam sido lançados por mim, ou que tivessem sido criados por mim ou pela Coral e apresentados a terceiros, obviamente que não seria legítimo para ninguém impor que indiretamente a Coral fosse prejudicada por isso. Esses compromissos deveriam ser respeitados. É o que está a acontecer.
Então imagine que o Dr. Balsemão contrata a Coral para fazer uma novela para o horário nobre da SIC.
[sorriso] Responder-lhe-ei, objetivamente, que a Coral não terá o meu apoio nisso por uma razão simples: a minha consultoria com a TVI implica limitações em trabalhos de ficção para terceiros. Eu comprometo-me a executar e a apoiar a Coral naquilo que já está decidido, projetos já aprovados, não em projetos novos.
Muito bem. Sabe que eu não desisto com facilidade, portanto... A Coral faz as tardes da TVI e prepara-se para assegurar as manhãs da RTP1. Pode vir a assegurar as noites da SIC?
Esse é um cenário altamente improvável.
Portanto, vê-lo a ter o seu dedo em algo da SIC é um cenário altamente improvável, é isso?
Se, ao longo deste tempo todo, embora tivesse existido essa possibilidade, nunca fui para a SIC nem nunca fiz nada para eles, não me parece que seja agora que isso vá acontecer.
Bem sei que com as gravações automáticas tudo ficou mais fácil, mas vê O Beijo do Escorpião ou Água de Mar?
Eu consigo ver as duas coisas sem problema algum [risos].
Mas vê uma em direto e grava a outra?
Vou vendo. Até porque não há sobreposição total entre as duas. E devo dizer-lhe que quando Água de Mar nasceu não havia qualquer vínculo meu com a TVI nem sequer perspetiva de haver. E mais: Água de Mar também não foi inicialmente pensada, nem pela própria RTP, para esta faixa horária.
Foi uma boa decisão colocá-la nessa faixa?
É uma decisão.
Seria a sua aposta?
É uma decisão da RTP que eu não tenho que comentar. Enquanto pessoa que está por detrás da ideia da produção da série, tenho de respeitar as opções que são feitas e apenas fazer o possível para que o produto tenha bom resultado.
E se lhe perguntasse se o programador, o diretor José Eduardo Moniz, teria tomado a mesma decisão?
Não me vai fazer essa pergunta [sorriso]...
Ai vou, vou... O consultor José Eduardo Moniz não responde?
Não me quero intrometer naquilo que são esferas de competência de programadores das estações públicas.
Entretanto, já no decorrer desta semana, a Direção de Programas da RTP decidiu alterar o horário de exibição das suas séries da noite, recolocando "Bem-Vindos a Beirais" às 21.00 e adiando "Água de Mar" para as 22.00. Instado pela Notícias TV a pronunciar-se sobre esta decisão e se ela significava a assunção do falhanço nas audiências, Moniz remeteu qualquer esclarecimento para a direção da estação pública.
Nos seus anos de diretor-geral da TVI ouvimo-lo várias vezes a manifestar-se contra aquilo que considerava ser a concorrência desleal da RTP. Não sente que hoje, com este produto que saiu da sua cabeça, é entrar num mercado dos privados?
Respondo-lhe de uma forma muito direta: mas quem é que lhe diz que eu só consigo fazer programação de televisão privada?
Eu não disse isso.
Tenho perfeita noção do que pode ser útil a uma estação privada e a uma pública. Lá porque uma estação é pública não significa que não deva lutar por audiências. Acho que deve lutar, até para ser uma referência no mercado. Acho isso fundamental e que é o melhor que o serviço público pode fazer. Mais: Água de Mar não é uma novela. É um produto com episódios fechados, que está a fazer uma série de experiências novas, a dar oportunidades a muita gente, inclusive a autores que nunca o foram. Há aqui um conjunto de ingredientes que não me levam a ter qualquer peso na consciência ou a sentir qualquer limitação relativamente a essa questão.
É uma questão semântica. Os episódios são fechados, mas há uma sequência. Quem vê aquele produto em casa está a ver uma novela, segue-o como uma novela. A minha pergunta é se faz sentido que a RTP faça o mesmo tipo de ficção que os privados.
Há uma enorme diferença.
No custo [de produção].
No custo não sei porque não é matéria que, felizmente, passe por mim. Água de Mar não é Morangos com Açúcar porque a génese da história não tem nada a ver. Posso até confidenciar--lhe que, inicialmente, Água de Mar tratava-se até de duas séries diferentes. Uma era uma série que se passava com nadadores-salvadores e a outra uma série de música. E a periodicidade de uma era diária e a outra não. A junção surge de discussões posteriores. A lógica narrativa, o ponto de partida, não tem nada que ver com os Morangos com Açúcar e inclusive a existência de núcleos mais velhos dentro da própria série afasta completamente a identificação que se possa tentar fazer com os Morangos.
Então e o público-alvo, a estética de realização, a narrativa, a droga, o sexo, a praia, os biquínis?
Em relação ao público-alvo, eu percebo que a RTP se queira rejuvenescer. Se eu estivesse na RTP, independentemente do formato, procuraria angariar novos públicos porque ninguém vive eternamente de públicos com a idade dos frequentadores habituais da RTP. É legítimo que a RTP procure esses caminhos. Porque não com Água de Mar?
Portanto, não sente que sejam justas as críticas que têm sido feitas à série?
Não.
Nem sente que a prática do consultor José Eduardo Moniz contradiz a prática de José Eduardo Moniz diretor-geral da TVI, quando reclamava contra a RTP?
Mas eu não mudo de opinião relativamente ao que é o essencial dos meus conceitos. Eu sempre achei importante que o serviço público de televisão não gerasse situações de concorrência desleal e mantenho isso. A circunstância de a RTP ter o objetivo de angariar novos públicos não significa que esteja a fazer concorrência desleal. Ela está à procura de públicos que não tem.
Uma horizontalização da grelha, como a RTP apostou há um ano, não é concorrência desleal aos privados? Não é um posicionamento, no mínimo, criticável?
A partir do momento em que os episódios são fechados, em que a estrutura, ou o conceito--base da série, não é o mesmo, tenho dúvidas em afinar pelo diapasão que está a tentar definir na sua pergunta. Acho que tem de dirigir essa questão à RTP e não a mim. Eu não sou programador da RTP.
Muito bem, vamos então ensaiar um Dupont e Dupond. Dispa a camisola da RTP e vista a da TVI. Não sei se o seu dedo em O Beijo do Escorpião foi toque de Midas, mas bastou mandar a Lloret de Mar umas personagens e a coisa mudou. Foi um acaso de sorte ou havia alguma coisa na história que estava a emperrar a novela? De facto, O Beijo do Escorpião, que até há dois meses e meio ficava sistematicamente atrás de Sol de Inverno (SIC), fica hoje muito mais vezes à frente.
Não há qualquer toque de Midas. Há conversas úteis com a equipa de autores e com a produção que levaram a que se tomasse um conjunto de iniciativas que fizeram que a novela se relançasse. É evidente que Lloret de Mar foi importante na medida em que aproximou mais a novela da realidade. Chamou a atenção para a novela, introduziu a tensão de que ela não dispunha, a não ser a partir de atos que tinham todos a mesma origem: a personagem Alice [Sara Matos]. A partir do momento em que se deram alguns toques na história e os autores fizeram um trabalho inestimável a esse nível, a novela cresceu. Fizemos com que o espectador se sentisse atraído por ela outra vez.
O que é que faltava?
Vamos lá ser práticos: confesso que quando fui confrontado com a necessidade de dar apoio ao Beijo do Escorpião, e também confesso que não estava à espera que isso me fosse pedido, foi uma coisa complicada. Achei que seria um empreendimento muito difícil. Mas o melhor que nós temos na vida são os desafios impossíveis e eu sempre gostei deles. Provar que era possível recuperar uma novela que toda a gente considerava morta tornou-se para mim um imperativo. E a verdade é que se tem trabalhado todos os dias, de manhã, de tarde e de noite, para que isso aconteça. O trabalho e a recuperação de O Beijo do Escorpião não foi importante apenas para aquele produto. Foi importante para o conjunto da ficção da TVI. O que começava a ser perigosamente mencionado na comunicação social entre aqueles que escrevem sobre televisão, e a partir daí dar alguma perceção para o exterior, é que a ficção da TVI estava a ser completamente ultrapassada pela da SIC e que tinha perdido pujança e capacidade. Com esta recuperação mostrou-se que a iniciativa está do lado da TVI e que a TVI tem condições para continuar a ser líder na ficção.
Parece o diretor-geral a falar.
[risos} Mas não sou.
"Não concebo as coisas sem me divertir"
Está entusiasmado...
[sorriso] Falo com este entusiasmo porque é o entusiasmo que normalmente ponho naquilo em que me envolvo. Eu divirto-me. Não concebo fazer as coisas sem me divertir. Trabalho até muito tarde, até porque muitas vezes os scripts chegam à uma e meia ou duas da manhã, e eu respondo 20 ou 30 minutos depois, mas fez-se aqui um esforço que recentrou a ficção da TVI como a grande referência no mercado.
Uma das críticas que têm sido feitas por alguns atores, uns que foram saindo da TVI, outros que, não saindo, continuam na TVI mas que pelo seu estatuto podem falar, foi o desinvestimento que a Plural teve de fazer. Menos dinheiro para as produções nos últimos anos ter-se-á repercutido na qualidade de algumas produções. Voltou a haver mais dinheiro?
Não me apercebi disso.
Não foi uma exigência sua?
Não. Desculpe lá, mas eu acho que as pessoas vivem noutro planeta. Eu rio-me, umas vezes divertido, outras chateado, passo a estranheza da afirmação, porque há quem se esforce muito por criar a ideia e que ache que só trabalho com muito dinheiro. São uns imbecis completos.
Mas tem noção de que tem essa imagem colada a si...
Mas os que pensam nisso são imbecis. Se tivessem olhado para aquilo que foi a história da TVI, ter-se-iam apercebido de que a TVI fez tudo com o pelo do cão. Ninguém deu dinheiro à TVI para a TVI mudar. A TVI fez as suas novelas, os seus reality shows, mudou a informação, adquiriu cinema internacional e boas séries com o dinheiro que foi fazendo com as suas receitas de publicidade. Não houve nenhum benemérito que lá tenha posto dinheiro. Os orçamentos eram escrupulosamente cumpridos, como imagino que hoje sejam cumpridos neste ambiente de restrição total que existe. Portanto, é uma imbecilidade alguém dizer isso. É um ignorante ou então está a agir deliberadamente de má-fé. Ou então, mais ainda, pode estar a tentar encontrar uma justificação para eventuais insucessos que possam estar a acontecer com alguma coisa em que esteja envolvido nesta atividade.
Menos dinheiro não é sinónimo de menos qualidade?
Não necessariamente. É possível fazer bem com menos dinheiro. Tem de se ser muito seletivo, cuidadoso, tem de haver planeamentos muito exigentes para se conseguir níveis de produtividade que evitem o desperdício. Quando nós vamos para o Brasil e vemos a Globo a trabalhar, percebemos que há ali muito dinheiro envolvido, mas há desperdício que nunca mais acaba. Eu conheço bem a operação, tenho grandes amigos na Globo, admiro o trabalho que a Globo faz, mas obviamente que do ponto de vista do critério de gestão, a Globo só ganharia em instituir práticas um pouco diferentes daquelas que tem agora. Se os orçamentos das novelas obedecessem aos mesmos parâmetros com que se trabalha na Europa.
Isso deve-se a quê: uma questão geracional, familiar?
[interrompe] Atenção: a família Marinho sabe muito de televisão. Mas é óbvio que a TV Globo goza de uma posição no mercado brasileiro que mais ninguém tem. São por 70 cento do mercado, o que lhes permite conviver bem com as ineficiências que a sua máquina tem. Se tivesse de enfrentar situações de crise como aquela que a Europa atravessa, nomeadamente a Europa do Sul, provavelmente essas práticas já tinham sido instituídas.
"Voltar a trabalhar com a TVI não foi incómodo"
O que é que Rosa Cullell [CEO, administradora-delegada da Media Capital] lhe pediu?
[silêncio] Pediu para eu ser consultor da ficção da TVI e para trabalhar com ela. Basicamente isso.
Pediu-lhe a lideranças das novelas?
Pediu-me que eu trouxesse para a TVI o melhor que sei e consigo fazer e, obviamente, que a ajudasse na afirmação da ficção da TVI como um produto liderante no mercado português.
Sorriu com o convite?
Sorri com o convite. Aliás, eu e ela temos sorrido bastante em várias ocasiões.
Porque ela é uma mulher sorridente, eu sei...
Porque é uma mulher inteligente e determinada. Se não fosse, eu não teria aceitado o convite da TVI.
Bem, percebeu o que queria dizer quando lhe perguntei. Não era se sorriu simpaticamente, mas se sorriu interiormente. Não tendo sido Rosa Cullell a mulher que precipitou a sua saída da Media Capital, não deixa de ser curioso...
[volta a interromper] Sabe uma coisa? Eu não vivo agarrado ao passado. Não sou uma pessoa de ressentimentos. Orgulho-me do que faço, neste caso do que fiz, mas vivo muito o presente e o futuro. Eu tenho 62 anos, mas na prática acho que tenho 40 e poucos. Tenho muita coisa para fazer ainda na vida e, nomeadamente, em televisão. O que está para trás, para trás ficou. A vida é feita de construção e reconstrução.
Nos quatro anos e meio da sua ausência houve muitos profissionais da TVI que na nossa e em outras revistas reclamaram a orfandade da sua saída.
São muito simpáticos [risos].
Calculo então que houve muitos telefonemas com comentários simpáticos sobre este regresso do pai pródigo [risos].
Recebi muitas mensagens simpáticas.
De muita gente a dizer "conta comigo"?
De muita gente... [risos]
De profissionais que entretanto se mudaram para a SIC?
Eu não vou entrar por aí. É óbvio que sim, que recebi muitas mensagens e chamadas de atores com quem me dava mais, outros com quem me dava menos, mas a verdade é que da parte de atores nunca tive qualquer manifestação de hostilidade ou descontentamento. Não é surpreendente eu afirmar que, ainda hoje, é no meio de jornalistas, de atores e de autores que me sinto melhor. De facto, nós somos todos contadores de histórias. A circunstância de se falar no meu regresso, ainda que de forma indireta, ao mercado, naturalmente suscitou expectativa e muito ânimo em muita gente. De atores que atualmente trabalham para a SIC? Sim, é verdade. Mas acho isso normal e fico muito feliz porque é sinal de que consegui estabelecer com eles uma relação de franqueza e lealdade.
Já disse que não vive o passado, mas sente que a TVI se apercebeu do erro que cometeu ao tê-lo deixado sair?
[pausa] Hmmm... Não vou comentar isso.
Essa resposta é muito reveladora.
[silêncio]
Já lhe perguntei o que é que a Rosa Cullell lhe pediu. E o José Eduardo, o que pediu a Rosa Cullell?
Nada. Conversámos, chegámos a um acordo e pronto. Aliás, fez-me lembrar a altura em que fui para a TVI em 1998. Toda a gente estava convencida de que eu ia entrar com uma legião de seguidores e eu cheguei sozinho. Eu gosto de trabalhar com as pessoas que estão nos sítios. Toda a gente tem os seus méritos, evidentemente uns mais do que outros, mas o que temos é de procurar forma de potenciar as qualidades e dar oportunidade às pessoas até ao fim.
Como é que tem trabalhado quer com Bruno Santos [diretor de Programas] quer com Luís Cunha Velho [diretor-geral da TVI]?
Tenho lidado mais com Luís Cunha Velho. Mas de forma absolutamente normal, sem qualquer espécie de problemas.
Sendo uma relação normal, como diz, não sente que também pode ser uma relação estranha? Ou seja, Luís Cunha Velho está num lugar que foi seu.
Voltar a trabalhar com a TVI não foi incómodo. O Luís já teve da minha parte, ao longo destes últimos meses, diversas manifestações de total respeito e solidariedade para com ele. Aquilo que eu tenho de fazer é colocar ao Luís Cunha Velho as questões relativamente às quais ou tenho dúvidas ou quais os caminhos mais adequados para serem seguidos e a opção é dele. Essa clarificação existe.
Mas decide com ele?
Com ele e com a Rosa, quando é preciso decidir. Há um comité de ficção, que é presidido pela Rosa Cullell, eu estou presente nessas reuniões e o que há para decidir, decide-se ali.
O José Eduardo é um gestor ocupado...
Nunca gostei dessa palavra.
Bem sei, prefere dizer que é um jornalista.
É o que sou, é o que gosto de fazer e o que hei de voltar a fazer ativamente.
Mas é um gestor no sentido em que tem de gerir. E sei, até por experiência própria, que trabalha muito por sms. Acredito que nos últimos tempos tenha trocado muitas com Gabriela Sobral [antiga braço-direito de Moniz na ficção da TVI e hoje responsável pela ficção nacional da rival SIC].
[sorriso divertido] Confesso que trocamos menos do que aquelas que trocávamos anteriormente. Toda a gente sabe que somos amigos e temos um grande respeito um pelo outro. A circunstância de eu agora ser consultor da TVI e da Coral, obviamente que restringe o âmbito das nossas conversas. Mas somos dois amigos que quando se encontram falam das coisas boas da vida, fundamentalmente, ou das coisas que nos preocupam.
Cada dia que o Beijo do Escorpião ganha, dá uma picada de escorpião na Gabriela ou dá-lhe um beijo por sms?
[risos] Nunca provoquei a Gabriela Sobral com isso. Nunca.
Ela sempre foi o seu braço-direito na TVI durante anos e anos. Gostava de voltar a tê-la, por exemplo, na sua empresa?
Sabe que só quem é burro é que não gosta de ter junto de si as pessoas que são boas, que são as melhores. Naturalmente, a Gabriela Sobral é uma excelente profissional da área de produção. É preciso não nos esquecermos de que ela começou a trabalhar comigo em 1994, quando eu tinha a MMM, há 20 anos, e não sei até que ponto a vida não nos vai reservar uma surpresa e virmos a trabalhar de novo juntos. Há um conjunto de pessoas que trabalharam comigo no passado e com quem, se tal se proporcionar, gostaria de voltar a trabalhar. Luís Cunha Velho, Gabriela Sobral, Margarida Vitória Pereira e tantos outros são pessoas com quem gostaria de voltar a trabalhar.
Uma hipotética alienação pela Prisa da Media Capital, que é um assunto que de vez em quando vem à baila, preocupa-o?
Não. Nunca coloquei sequer isso na minha cabeça.
Nem foi abordado sobre isso?
Não. Eu tenho uma relação institucional com a empresa, independentemente dos seus acionistas. Se os seus acionistas futuros, sejam estes ou outros, entenderem que a relação existente não é boa, será terminada. Não há nada que nos obrigue a ficar amarrados para a vida.
Dizia há pouco que se sente com 40 e tal anos, que tem outros tantos pela frente...
E sempre ativos.
Mas quando pensa em si daqui a dez ou 15 anos, vê-se a fazer o quê?
[prontamente] Não lhe sei dizer. Certamente será alguma coisa nesta área, provavelmente diferente do que faço hoje.
Ser administrador da RTP é uma coisa que lhe interessaria?
Nunca tive muito jeito para administrador. Gosto de meter as mãos na massa. De me meter na construção dos produtos e na definição dos modelos, quer seja informação quer seja programação. Para que é que a gente vai falar do que se pode fazer daqui a dez ou 15 anos, se há tanta coisa para fazer agora? A televisão portuguesa nesta altura precisa de um abanão. Seja por força da crise seja por falta de ideias, há uma padronização das televisões em Portugal, nomeadamente das privadas, que tem de ser reajustada. Nessa perspetiva, a TVI tem muito boas condições para o fazer no plano da informação e da programação.
O que é que se pode abanar?
Você deve ser um consumidor, um devorador de informação, tal como eu sou. Mas você não precisa de chegar a casa, às oito da noite, para saber o que é que aconteceu. Nós continuamos a fazer informação como há 40 anos. Os jornais já descobriram isso e estão a enfrentar uma crise imensa porque ainda não descobriram o caminho, e as televisões também têm de saber antecipar o seu percurso. Como a TVI, na área da ficção, espero eu, venha a ser aquela que mais venha a inovar. Há tanta coisa para fazer. O futuro abre tantas janelas e tantas portas.
O José Eduardo continua a falar como um diretor-geral [risos].
Eu estou a falar da TVI, mas também podia estar a falar da RTP.
Então vamos lá falar da RTP.
A RTP, como estação pública de televisão, obviamente que pode ter este papel.
O que lhe parece o caminho que a RTP está a fazer?
Parece-me que a RTP está um bocadinho no limbo, porque está muito condicionada. Acho que o poder político não sabe bem o que quer da RTP. E a RTP está com um espartilho que todos os dias a esmaga. Não lhe esconde as banhas, mas esmaga-a e inibe-a de fazer coisas. Não é por existir um, dois, três ou quatro conselhos para controlar a sua atividade, quer seja do ponto de vista financeiro quer daquilo que é a chamada prestação do serviço público, que se encontram as soluções. Devia haver um consenso nacional em relação ao que é o serviço público de televisão.
Há quantos anos isso anda a ser discutido? É como discutir o sexo dos anjos...
Não acho isso. Acho é que as pessoas não têm vontade de encontrar soluções. É a velha história de a minha pilinha ser maior do que a tua. As coisas não são assim e o que interessa resolver é o interesse do País. A RTP não pode ser a mesma coisa que era há 40 anos e toda a gente continua a olhar para ela com os mesmos olhos que há 40 anos.
"Toda a gente enche a boca com a BBC e na maior parte dos casos não sabe do que está a falar"
Com que olhos é que se deve ver a RTP de hoje?
Como uma entidade que já não está sozinha no mercado, que cada vez mais tem de enfrentar mais oferta e que tem de reajustar essa mesma oferta e ser, ela própria, uma espécie de farol dos caminhos que podem ser seguidos.
Como interveniente ativo ou complementar?
Como interveniente ativo, porque não?
Indo a concursos, disputando o mercado com qualquer player?
Toda a gente enche a boca com a BBC e, na maior parte dos casos, não sabe do que está a falar. A BBC não é um interveniente passivo no mercado e serve de referência para muitas das coisas que acontecem no mercado inglês. Em Portugal, não vejo porque não possa ser assim. Agora, é evidente que não podemos ter comportamentos de menino rico quando não temos dinheiro para isso. Não podemos ter rigorosamente as mesmas coisas que os outros têm quando o bolso está vazio. Há que ter sentido prático. As pessoas dizem que o serviço público deve ser prestado por uma entidade independente do Estado, outras que não deve haver sequer presença do Estado na TV, há ainda quem tenha uma visão mais mitigada.
A sua é qual?
Confesso que qualquer modelo é possível. Não vejo razão nenhuma para os operadores privados não poderem fazer serviço público. Não vejo razão para não ser contratualizado e nesse aspeto não é preciso ter uma entidade pública. Falta, acho eu, coragem para se definir um modelo e é evidente que esse modelo só vai surgir quando PS e PSD, e vagamente o CDS, se puserem de acordo em relação a isso.
É possível?
Se as pessoas quiserem. Não adianta o poder mudar e atirar-se pedras a quem lá estava antes para, quatro anos depois, quem voltar atirar novamente as pedras para o telhado do vizinho. Eu olho hoje para o funcionamento da RTP e imagino quão difícil deve ser o trabalho da sua administração. A partir desta, imagino quão difícil deve ser a vida daí para baixo, porque acho que ninguém sabe como é o dia seguinte. As pessoas têm de ter horizontes de trabalho.
No seu tempo da RTP já era assim.
No meu tempo de quê?
De diretor-geral da RTP.
Não, não. No meu tempo da RTP nós sabíamos com o que contávamos e o que íamos fazer. Contrariamente àquilo que uma data de vozes por aí apregoam, porque mais uma vez vivem de má-fé e de campanhas de marketing para promoverem a sua própria imagem, nunca pertenci a qualquer lobby, nunca pertenci a qualquer partido. A única filiação que tenho é ao Benfica e nunca escondi isso de ninguém. A RTP tinha um modelo que estava a seguir, tinha inovação, desenvolveu ficção como ninguém fez na altura, todo o tipo de ficção, com bons projetos no canal 1 e no canal 2. No que diz respeito à informação, nessa altura, a RTP estava a seguir linhas de independência após um percurso tumultuoso, mas construído dia-a-dia, com muita dificuldade, muito constrangimento, com dores de cabeça permanentes, mas com muita firmeza, e era um modelo. Aliás, quando toda a gente atira pedras ao edifício da RTP, como ainda nos últimos dias ouvi, esquecem-se de que foi da RTP que saíram as pessoas que construíram as duas televisões privadas e as redações das duas. Vamos ter um bocadinho de memória. A RTP teve e pode ter um papel importante se lhe derem condições. Tem de haver, da parte dos decisores políticos, um compromisso relativamente ao que pode ser esta empresa.
E a Poiares Maduro interessa...
[interrompe novamente] Não conheço o ministro o suficiente. Não o deixo terminar a pergunta pela simples razão de que não o conheço o suficiente para poder ajuizar.
O Conselho Geral Independente faz sentido?
É mais um conselho. Por sinal, até há gente amiga minha lá, mas acho que é mais um conselho, quando aquilo que a RTP precisa é de definição dos objetivos, de situação financeira e de enquadramento muito claro relativamente ao seu funcionamento.
Há mérito na criação do Conselho?
O mérito, em termos de preservação da independência e daquilo que é a consecução dos objetivos de serviço público, entendo. Mas se esse conselho é mais um instrumento para manietar a capacidade de funcionamento de todas as estruturas da empresa, o que inevitavelmente poderá acontecer - mesmo que não de forma voluntária da parte dos intervenientes nos conselhos que existem - isso pode...
O conselho de administração não pode ficar uma espécie de rainha de Inglaterra?
[pausa] É esse o meu receio. As empresas têm de ter líderes. Não há empresas sem líderes. Viver numa indefinição total é péssimo. Por isso é que digo que para o conselho de administração da RTP, seja o atual ou outro, será sempre muito difícil sem as coisas devidamente clarificadas.
Alberto da Ponte foi muito crítico em relação ao Conselho Geral Independente. De resto, foi pública a dissonância entre o ministro e o presidente da RTP nesta questão.
Pois, eu acompanhei, não de forma muito por dentro. A opinião que posso formar é do que li nos jornais, portanto não suficientemente clara para poder comentar.
O José Eduardo saiu da RTP em 1994...
9 de maio de 1994.
Passaram 20 anos e muita coisa mudou, mas conhece bem muita da competência da massa crítica dos trabalhadores da RTP. Ao longo dos anos, a RTP tem perdido muitos quadros, quer voluntária quer involuntariamente. Este processo contínuo, esta penalização das áreas de produção, que é o que mais se fala, pode ser a prazo uma coisa complicada para a RTP?
Não acho que seja assim tão complicado nem inibidor para a RTP. A estação, como qualquer outra, deve ter capacidade para fazer os seus programas de linha. Quando ao resto, provavelmente o mercado saberá responder às necessidades que a RTP tenha.
Isso é mesmo resposta de consultor externo [risos]. Se fosse diretor, não respondia assim.
Não, não. Eu estava a ver um sorriso a formar--se na sua cara [risos]. Mas não, não tem razão, por uma questão muito simples: nenhuma empresa se pode dar ao luxo de pensar que a criatividade no mercado está dentro das suas quatro paredes. Só ganha em ter capacidade para ir ao mercado recorrer aos melhores para ter bom produto. Por aí, esse é um caminho que pode ser seguido e com vantagem para a RTP. Mas esta nunca poderá deixar de ter alguma capacidade que lhe garanta autonomia para as suas operações de linha.
"A televisão generalista vai existir sempre"
Olhando para o cabo, que desafio é este que as generalistas têm pela frente? A queda da televisão free to air estabilizou...
Esta não é a pergunta do milhão de dólares?
É quase, é quase. Essa queda terá estabilizado?
Vou responder da forma mais honesta da forma que posso e que devo. Esta relação, não só consigo mas também com os espectadores, obriga--me a ser assim. A televisão generalista vai existir sempre. É o veículo que, ao mesmo tempo, atinge mais pessoas no momento. A sua importância, pelo menos em termos comerciais, nunca vai diminuir. O que nós temos de fazer é ver como é que as generalistas e as outras plataformas se vão ligar. Cada vez mais a televisão generalista não é só aquilo que nós conhecíamos. Estou a falar no passado porque hoje já não é bem isso. São as emissões, mas também os produtos que ela vende, os complementos às suas emissões normais que ela oferece. Falo daquilo que está na internet, nos canais complementares às emissões principais, etc.
Esse modelo de negócio ainda não está encontrado?
Não, porque acho que as pessoas perdem muito tempo a olhar para o umbigo. Eu sou um defensor da economia de mercado, vamos deixar este ponto claro para que não haja dúvidas. Sou um tipo moderado a todos os níveis e considero-me uma pessoa equilibrada. Mas há uma coisa que tem de ser observada: as empresas privadas, nomeadamente aquelas que estão cotadas em bolsa, têm uma vida muito peculiar.
Muito expostas?
Mais do que isso: muito stressante, porque têm de apresentar resultados de três em três meses. Qualquer gestor tem como sua preocupação essencial garantir que as metas que se propôs atingir são garantidas. Isso remete muito o trabalho a desenvolver para lógicas de curto prazo, quando aquilo que tem de se fazer é, obviamente, trabalhar a esse nível, mas também pensar mais lá à frente. Não é que eles não queiram fazer, o problema é ter condições para o fazer e para arriscar na construção de modelos novos. Em situações como as que se vive hoje em Portugal e na Europa em geral, quem é que vai arriscar dar um passo no sentido de mudar o seu modelo de negócio, sendo esse futuro eventual modelo de negócio assente em lógicas de imprevisibilidade muito grande? Ninguém.
A urgência de resultados é quase sempre um fator condicionante.
Esse é um grande problema e as empresas são muito condicionadas por isso. A própria procura de modelos alternativos muitas vezes obedece à lógica do "eu vou fazer isto, mas amanhã já tenho de ter resultados", quando muitas vezes aquilo que se faz hoje não vai proporcionar resultados hoje, mas se calhar só daqui a três ou quatro anos.